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27/02/2017 Acordão do Tribunal Central Administrativo

Acórdãos TCAS Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul


Processo: 01459/06
Secção: Contencioso Administrativo ­ 2º Juízo
Data do Acordão: 16­03­2006
Relator: Cristina dos Santos
Descritores: CONTROLO JURISDICIONAL DA ACTUAÇÃO ADMINISTRATIVA
Sumário: 1. O domínio da sindicabilidade jurisdicional do mérito administrativo concentra­se no
conhecimento dos limites positivos de competência, de finalidade, de imparcialidade e de
proporcionalidade, na medida em que só existem a discricionariedade e a margem de livre
apreciação de conceitos jurídicos indeterminados que a lei específicamente conceder.
2. No juízo de valoração por recurso a conceitos jurídicos indeterminados nos primeiros têm lugar
as regras próprias da interpretação jurídica em via de aplicação puramente subsuntiva passível de
controlo jurisdicional.
3. No juízo de valoração de conceitos técnicos regem os conhecimentos e regras próprias da ciência
ou da técnica que estejam em causa, não cabendo ao Tribunal controlar a boa ciência ou a boa
técnica empregues pela entidade administrativa, por manifesta falta de competência nas matérias
extra­jurídicas para tanto necessária.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: O Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento
Regional, com os sinais nos autos, inconformado com o acórdão proferido pelo
Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada dele vem recorrer, concluindo como
segue:

1. A decisão recorrida fez errada interpretação e aplicação do artº 125° do CPA, que
assim sai violado.
2. O entendimento expresso na sentença recorrida pressupõe igualmente uma errada
interpretação e aplicação do artº 66° do Decreto­lei n° 59/99, que sai igualmente
violado.
3. Ao pronunciar­se sobre o estabelecimento de critérios de classificação, o douto
acórdão recorrido viola também o princípio da independência de poderes enunciado
no artº 3° do CPTA, que assim é violado.

*
A Recorrida E..., SA contra­alegou, concluindo como segue:

1. O douto aresto recorrido não merece qualquer censura; Com efeito,


2. Não se descortinam as razões de conversão de apreciações genéricas de conteúdo
crítico em quantificações por aplicação de critérios de natureza qualitativa;
3. Situação que, é óbvio, exige maior rigor de fundamentação; Consequentemente,
4. O acto recorrido desrespeitou o disposto no artigo 125° do C. Procedimento
Administrativo merecendo, por isso, a censura que colheu e a confirmação da douta
decisão recorrida;
5. Não se vislumbra ainda qualquer relação entre o aresto recorrido e o estatuído
quer no artigo 3° do C.P.T. Administrativo, quer no artigo 66° do D.L. 59/99, de 2
de Março.
6. Não merece qualquer censura o douto aresto recorrido que, por isso, deve ser
confirmado.

*
Com dispensa de vistos substituídos pela entrega das competentes cópias aos
Exmos. Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão, em
conferência – cfr. artº 707º nºs 2 e 3 CPC ex vi artº 140º e 36º nº 2 CPTA

Remete­se e dá­se por reproduzida a matéria de facto julgada provada pelo Tribunal
a quo por não impugnada nem objecto de alterações ex officio – artº 716º nº 3 ex vi

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artº 140º CPTA

*
DO DIREITO

Vem assacado o acórdão de incorrer em violação primária de direito substantivo por


erro de julgamento em matéria de:

1. interpretação e aplicação do artº 125° do CPA …………………..…. item 1. das


conclusões;
2. interpretação e aplicação do artº 66° do Decreto­lei n° 59/99 ……… item 2. das
conclusões;
3. judicial restraint ­ artº 3° nº 1 do CPTA (separação e interdependência de
poderes e funções do Estado)
……………………………………………………………… item 3. das conclusões.

O presente recurso tem por objecto o segmento do acórdão que de seguida se


transcreve, sendo nossa a evidenciação a negrito:

“(..)
4.6. No que respeita ao dever de fundamentar, diz o Ac. do STA de 1/4/03, proc. n°
0323/03: "há que ter presente que o nosso ordenamento jurídico não consagra uma
concepção estritamente substancialista coincidente "com a justificabilidade ou com
a conformidade ao direito" (Vieira de Andrade, "O Dever de Fundamentação
Expressa de Actos Administrativos", p. 11).
"A exigência de fundamentação diz respeito ao modo de exteriorização formal do
acto administrativo e não à validade substancial do respectivo conteúdo ou
pressupostos" (acórdão STA de 2001.12.19 ­ rec° n° 47 774), sendo que o que
importa é o "esclarecimento das razões da decisão, no sentido da sua
determinabilidade e não o sentido da sua indiscutibilidade ou da sua conveniência"
(Vieira de Andrade, ob.cit, p. 236 e acórdão STA de 2002.07.04 ­ rec° n° 616/02­
11).
Nesta perspectiva instrumentalista a suficiência da fundamentação afere­se pelo
critério da compreensibilidade do destinatário médio.
Fixados estes parâmetros, importa saber se, no caso concreto, a fundamentação
contextualmente externada é de natureza a esclarecer o interessado do percurso da
autoridade recorrida até à decisão, das valorações que fez e do que conheceu, de
molde a que este fique informado das razões do acto e do seu conteúdo.
Definidos assim os critérios da fundamentação, vejamos se eles foram respeitados
no caso concreto.
Da leitura do relatório da comissão e do seu aditamento conseguem­se compreender
parte das razões das afirmações do relatório constantes.
Face ao conjunto de aspectos que a comissão entendeu como penalizadores,
consegue­se compreender porque razão esses aspectos são penalizadores.
Contudo, a razão pela qual foi classificada a autora Etermar com 4 valores, as
autoras Irmão Cavaco e Seth Lda. 7 valores, nos aspectos da memória
descritiva e processos construtivos a adoptar, apesar de obviamente terem a ver
com a valoração negativa que foi dada a diversos aspectos da proposta de cada uma,
constitui um iter não cognoscível nem perceptível pela leitura da acta.
Porque razão a Etermar teve 4 e não 5 ? ou 6 ? ou 3 ?
Qual o critério para se chegar aos 4 concretos valores finais.
Ou seja, consegue­se entender porque razão um determinado aspecto da proposta é
penalizado, não se consegue é entender porque razão é penalizado numa
determinada quantificação.
Sobre isto o relatório da comissão é completamente omisso.
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Nada diz.
Assim sendo, porque ficamos sem conseguir apreender a razão da classificação
final, a mesma está ferida de anulabilidade por falta de fundamentação ­ arts°
123 e 135, ambos do CPA.
5. Conclusão:
Por tudo quanto vem de ser exposto, Acordam os Juízes que compõem este
Tribunal em julgar a presente acção de contencioso pré­contratual intentada por
ETERMAR ­ Empresa de obras Terrestres e Marítimas, SA e por Irmãos Cavaco,
SA, SETH ­ Sociedade de Empreitadas e Trabalhos Hidráulicos, SA contra o
Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território provada e procedente, e
declaramos anulado o despacho de 28.04.2004 pelo qual foi autorizada a
adjudicação da empreitada sub­judice ao Consórcio CPTP/Mota & Companhia, SA
(..)”
1. deficiente fundamentação – equiparação da obscuridade, imprecisão ou
incompletude da motivação do acto à falta de motivação – artºs. 123º nº 2 e
125º nº 2 CPA;

A obrigatoriedade de fundamentação expressa dos actos lesivos de direitos e


interesses dos particulares bem como a respectiva notificação – isto é, a publicidade
do acto em toda a sua extensão, decisão e fundamentos ­ tem por escopo legal
garantir que o particular entenda o porquê da prática do acto (função justificativa) e
tome conhecimento do juízo lógico­jurídico e subsuntivo que deu corpo à decisão
do ente administrativo (função motivadora), de modo a permitir uma eventual
defesa de entendimento distinto ­ art°s. 124º nº 1, 125º nº 1 CPA, 268° nº 3 CRP
(1).
A fundamentação deve constar expressamente (ainda que por remissão, artºs. 105º e
125º nº 1, CPA) da própria forma de manifestação de vontade ou de juízo do ente
administrativo, configurando­se, via de regra, a invalidade do acto administrativo
por vício de forma derivado de falta de fundamentação como uma invalidade
relativa e, por isso, sanável (a nosso ver, no plano da legalidade que não no da
licitude) nos termos gerais de direito pelo decurso do tempo ou pela aceitação do
interessado, salvo casos de violação do conteúdo essencial da garantia
constitucional da fundamentação expressa dos actos administrativos, constante do
artº 268º nº 3 CRP, sancionada com a nulidade ex vi artºs. 133º nº 2 d), 135º, CPA
(2).
Por outro lado é sabido que “(..) não é requisito legal da fundamentação do acto a
sua exactidão, ou seja, a veracidade ou realidade dos factos e a correspondência das
normas invocadas ao direito. Não parece correcto, portanto, dizer (..) que a
fundamentação deve ser exacta: exactos devem ser os motivos do acto (não a sua
motivação) (..)”, e, por isso, a inexactidão dos motivos do acto terá por
consequência a ilegalidade do acto no tocante ao elemento constitutivo a que esse
motivo inexacto se reporte que, pelas razões expostas, não será o elemento
respeitante à sua forma.
Porque a legalidade da fundamentação se afere em função de elementos formais
é que a lei equipara a sua obscuridade, imprecisão ou incompletude à falta de
menção e fundamentação expressas, assacando­lhe a mesma sanção – artºs.
123º nº 2 e 125º nº 2, CPA.
Donde, saber se o texto que constitui a fundamentação ­ expressa, coetânea ou
anterior à data da prática do acto, nunca posterior à emissão ­ se mostra, por si
mesmo, apto a preencher a finalidade legal de esclarecimento da motivação do
efeito jurídico declarado, implica aferir se essa finalidade de esclarecimento foi
atingida em concreto, nomeadamente por recurso ao comportamento evidenciado
pelo destinatário do acto. (3)
Na modalidade de fundamentação por remissão, ponto é que essa remição seja feita
“(..) de uma maneira clara e assumida (..)” pelo próprio autor do acto, não sendo
legalmente permitido que terceiros, v.g. os Tribunais em caso de sindicabilidade
contenciosa, componham por colagem daqui e dali o edifício da presuntiva
fundamentação, substituindo­se naquilo que o ente administrativo não fez em sede
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de deveres de competência, devendo tê­lo feito; deste modo “(..) é preciso que as
fórmulas usadas não deixem dúvidas, nem quanto à vontade de apropriação dos
fundamentos contidos noutro acto ou documento nem quanto à extensão dessa
concordância (..)” (4).

A empreitada para “Reparação dos esporões e das obras aderentes da Costa da


Caparica e da Cova do Vapor”, tal como expresso no respectivo anúncio público,
ponto 1. do probatório do acórdão sob recurso, obedece à modalidade tipológica do
concurso público, artºs. 47º nº 2 e 59º e segts. do DL 59/99 de 2.3.
Aderimos ao entendimento de que as peças do procedimento adjudicatório
constituídas pelo caderno de encargos e pelo programa do concurso [artº 64º DL
55/99 ­ “O caderno de encargos é o documento que contém, ordenadas por artigos
numerados, as cláusulas jurídicas e técnica, gerais e especiais, a incluir no
contrato a celebrar”; artº 66º DL 59/99 ­ “O programa do concurso destina­se a
definir os termos a que obedece o respectivo processo e especificará: a) (..) g)”],
constituem o regime normativo regulamentar complementar do DL 55/99 de
2.3 aplicável ao procedimento adjudicatório em concreto; a natureza
regulamentar implica que a violação de qualquer disposição do programa de
concurso ou do caderno de encargos, tenha ela por base uma cláusula contratual ou
um acto administrativo praticado pelo órgão nomeado para supervisionar o
procedimento, acarreta a respectiva invalidade. (5)
*

No Acórdão sob recurso afirma­se que “(..)a razão pela qual foi classificada a
autora Etermar com 4 valores, as autoras Irmão Cavaco e Seth Lda. 7 valores, nos
aspectos da memória descritiva e processos construtivos a adoptar, apesar de
obviamente terem a ver com a valoração negativa que foi dada a diversos aspectos
da proposta de cada uma, constitui um iter não cognoscível nem perceptível pela
leitura da acta. (..)”, motivo porque, ao não se “(..) conseguir apreender a razão da
classificação final, a mesma está ferida de anulabilidade por falta de fundamentação
­ arts° 123 e 135, ambos do CPA. (..)”.
O mesmo é dizer que o despacho de 28.04.2004 pelo qual foi autorizada a
adjudicação da empreitada foi anulado por obscuridade da fundamentação do
relatório de avaliação das propostas a cargo da “comissão de análise das
propostas”, órgão cujas competências estão determinadas no artº 60º nº 1, DL
59/99, 2.3.
Todavia, o modo como o júri exerceu a competência de avaliação, expresso no
relatório da Comissão junto aos autos a fls. 285 a 346 e levado ao probatório do
acórdão por transcrição integral no ponto 9, constitui matéria que não é
jurisdicionalmente sindicável salvo circunstâncias específicamente determinadas na
lei e que, no caso dos presentes autos, não se verificam.
No que importa ao caso em apreço, para efeitos de sindicabilidade jurisdicional do
agir da Administração Pública cumpre distinguir a margem de livre decisão
administrativa no uso de poderes discricionários da chamada “discricionariedade
técnica”.

2. sindicabilidade contenciosa do agir da Administração;


princípios da separação de poderes e da garantia de controlo judicial da
actividade administrativa ­ artºs. 111º/ 268º nº 4 CRP

A discricionariedade administrativa, consiste na “(..) liberdade de escolha da


Administração Pública quanto a partes do conteúdo (envolvendo a própria
necessidade e o momento da conduta), do objecto, das formalidades e da forma de
actos seus de gestão pública unilaterais, [e, pese embora se saiba que] alguma
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doutrina e jurisprudência recente questiona a definição da discricionariedade


administrativa como liberdade de escolha, dizendo que há sempre uma e uma só
solução administrativa condizente com o interesse público concreto prosseguido,
ou seja, condizente com o fim do acto, [todavia] Não tem razão.
Pode haver mais do que uma solução administrativa para prosseguir um certo
interesse público concreto – quer quanto ao conteúdo, quer quanto ao objecto, quer
quanto à forma.
Ponto é que o legislador tenha querido atribuir a liberdade de escolha à
Administração Pública e que o exercício dessa liberdade não colida com qualquer
outro princípio norteador da actividade administrativa.
Não se nos afigura, por isso, legítimo ao Tribunal encarregado de controlar a
legalidade de um acto de administração ir ao ponto de definir – nos casos em que a
lei quis atribuir discricionariedade – um conteúdo, um objecto ou uma forma
únicos compatíveis com o fim a prosseguir, e, em função deles, apreciar o acto em
questão.
Isso representaria admitir que o Tribunal se pudesse substituir sempre à
Administração Pública no traçado de todos os elementos do acto por ela praticado.
O que põe em causa a lei – que quis dar à Administração Pública uma liberdade de
escolha – assim negada. (..)” (6)
Dito de outro modo, a sindicabilidade contenciosa do agir da Administração
Pública pára exactamente na fronteira da “(..) reserva da administração
consubstanciada numa margem de livre decisão administrativa [que] constitui um
limite funcional da jurisdição administrativa, pois as opções do órgão
administrativo tomadas nesse domínio relevam da esfera do mérito e não da esfera
da validade.
A questão, no fundo, é a seguinte: partindo do princípio de que qualquer acto
jurídico da Administração pode ser submetido à fiscalização de órgãos
jurisdicionais (que o removerão da ordem jurídica na parte em que o julgarem
inválido), até onde devem e até onde podem os tribunais controlar a actividade
administrativa para que a Administração possa actuar – dentro dos limites da lei e
tendo em vista a realização de fins de interesse público – de acordo com os seus
próprios critérios?
Em bom rigor, a regra básica e visto o problema em abstracto é de fácil
formulação: a margem de livre decisão qua tale é insusceptível de controlo judicial
porque respeita ao mérito, à conveniência ou à oportunidade da administração;
pelo contrário, tudo o que se situar fora dessa esfera é judicialmente sindicável
porque estará em causa a validade da conduta administrativa (e nesse domínio já
não há livre decisão mas sim vinculação) (..)” (7).
A via de compromisso entre os princípios da separação de poderes, cfr. artº
111º CRP, e da garantia de controlo judicial da actividade administrativa, cfr.
artº 268º nº 4 CRP, traduz­se em que “(..) O exercício ilegal de poderes
administrativos (ou seja, o comportamento da Administração contrário à lei em
toda a medida em que houver vinculação) é susceptível de controlo da legalidade,
e este pode ser levado a cabo quer pelos Tribunais quer pela própria
Administração (..)
O mau uso de poderes administrativos (isto é, o seu uso inconveniente em toda a
medida em que houver livre decisão) é susceptível de controlo de mérito, e este só
pode ser feito pela própria Administração nunca pelos Tribunais. A autonomia
pública administrativa qua tale apenas admite, pois, controlo gracioso, não
contencioso. (..)” (8).
*

No domínio de escolha discricionária, a sindicabilidade concentra­se sobre a


eventual violação seja dos limites internos seja dos limites externos do poder
discricionário concedido em vista do interesse público a realizar. (9)
No tocante ao mérito, o que os Tribunais verificam concentra­se no conhecimento
dos “(..) limites positivos de competência, de finalidade, de imparcialidade e de
proporcionalidade (..) porque só existem a discricionariedade e a margem de livre
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apreciação de conceitos jurídicos indeterminados que a lei específicamente


conceder (..).
Apesar da abertura da norma – abertura da norma que traduz a
discricionariedade ­ os efeitos de direito produzidos pelo acto hão­de corresponder
a um tipo a que se reporta a norma de competência.
Não há competência sem individualização do tipo de poder concedido e, portanto,
a norma deverá fornecer um quadro ou descrição fundamental suficiente para
demarcar o âmbito de actuação autoritária do órgão sobre as esferas jurídicas dos
administrados e para repartir o âmbito de actuação entre os diversos órgãos das
pessoas colectivas que integram a Administração.
A indeterminação dos efeitos que resulta da abertura do tipo é pois sempre parcial
(..) [também] a abertura da previsão nunca pode ser total: da norma ou do
concurso de normas que regem o acto administrativo tem de poder extrair­se o
núcleo essencial do tipo de situação sobre a qual poderá incidir o exercício do
poder.
Sem tal tipificação faltariam ao executor da norma critérios objectivos da
subsistência da necessidade pública a que corresponde o poder (..)” (10).

3. zonas de vinculação adjacentes à “discricionariedade técnica” ­ juízos


técnicos de existência, juízos técnicos valorativos e juízos técnicos de
probabilidade;

Outros são os parâmetros do problema no que respeita à chamada


“discricionariedade técnica”, seja porque os pressupostos que integram a previsão
da norma configuram conceitos jurídicos indeterminados em ordem à valoração do
elemento da situação concreta sobre que há­de recair a decisão administrativa, seja
por que configuram conceitos técnicos reportados a factos apenas verificáveis ou
valoráveis com base em conhecimentos e instrumentos próprios de ciências que não
a ciência jurídica.
Estamos, portanto, aqui a falar de uma actividade administrativa traduzida em
juízos técnicos de existência, juízos técnicos valorativos ou juízos técnicos de
probabilidade, pelos quais a lei confere à Administração “(..) um poder de
valoração técnica, que, não implicando ponderação comparativa de interesses
secundários, envolve valoração de factos e circunstâncias de carácter técnico (..)
Os autores sublinham que este tipo de juízo se formula sobre os pressupostos, ou
seja, a hipótese ou previsão da norma. A atribuição, pela parte de previsão da
norma, do poder de emitir tal juízo não contende com a natureza vinculativa da
estatuição também ela contida, embora coexista por vezes com a
discricionariedade sobre o conteúdo da decisão.
Neste último caso, fala­se, ainda que impropriamente, de discricionariedade mista
porque à liberdade de valoração de pressupostos corresponde a liberdade de
fixação do conteúdo do acto. (..)” (11).
Pelo que vem dito, o juízo de valoração por recurso a conceitos jurídicos
indeterminados ou a conceitos técnicos nada tem de semelhança com a margem de
livre apreciação e decisão que caracterizam o juízo de discricionariedade, pois nos
primeiros têm lugar as regras próprias da interpretação jurídica em via de
aplicação puramente subsuntiva e, portanto, passível de controlo jurisdicional;
nos segundos regem os conhecimentos e regras próprias da ciência ou da técnica
que estejam em causa, sendo certo que não cabe ao Tribunal controlar a boa ciência
ou a boa técnica empregues pela entidade administrativa, por manifesta falta de
competência nas matérias extra­jurídicas para tanto necessária, antes cabe,
repetindo, exercer o jurisdicional sobre as zonas de vinculação adjacentes, isto
é, no exame da existência material dos pressupostos de facto de que depende o
uso de meios técnicos e no tocante aos “(..) limites positivos de competência, de
finalidade, de imparcialidade e de proporcionalidade (..) porque só existem a
discricionariedade e a margem de livre apreciação de conceitos jurídicos
indeterminados que a lei específicamente conceder (..)” conforme citação supra.
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Retirando as devidas consequências da aplicação do entendimento jurídico


subscrito e evidenciado na longa transcrição doutrinária e tendo presente o factor de
ponderação consubstanciado pelo critério da “garantia de execução e qualidade
técnica” do artº 21º do Programa de Concurso, subdividido nos sub­critérios “A1 –
memória descritiva e processos construtivos a adoptar”; A2 – minimização dos
impactos ambientais durante a construção da obra” – pontos 3. e 4. do probatório ­
conclui­se que a bitola de aferição das propostas apresentadas pelos concorrentes
implica, no seu todo, uma actividade administrativa traduzida em juízos técnicos de
existência, juízos técnicos valorativos e juízos técnicos de probabilidade.
Todavia, como em sede de fundamentação do Relatório de Avaliação das propostas
estamos no domínio de regras próprias da ciência e da técnica em matérias extra­
jurídicas, tal implica uma actividade de controlo jurisdicional sobre as situações de
facto e de direito exigidas pelo bloco normativo aplicável ao concurso público –
que, como já dito, se traduzem no DL 55/99 de 2.3, regulamentado pelo programa
de concurso e caderno de encargos da concreta empreitada de obras públicas – e,
também, sobre as invocadas como motivos (fundamentação) do acto impugnado
constantes do Relatório de Avaliação das propostas.
Ou seja, dito de outro modo, o controlo jurisdicional tem por objecto aquilo a que
acima se chamou de zonas de vinculação adjacentes à “discricionariedade técnica”.

É nesta parte que não acompanhamos o discurso jurídico fundamentador do


Acórdão sob recurso.
O controlo jurisdicional dos elementos formais da fundamentação exigidos no
artº 125º nº 2 CPA, não tem por objecto “conseguir apreender a razão da
classificação final” e “Porque razão a Etermar teve 4 e não 5 ? ou 6 ? ou 3 ? Qual o
critério para se chegar aos 4 concretos valores finais.”, quer dizer, não tem por
objecto o mérito da decisão administrativa expressa nas pontuações atribuídas.
Da transcrição feita no ponto 9. do probatório do Acórdão sob recurso se conclui
que a matéria relativa à empreitada dos autos envolve juízos técnicos extra­
jurídicos.
Saber se o Relatório de avaliação é ininteligível ou obscuro no tocante à
fundamentação da pontuação das propostas carece de demonstração fundada em
critérios próprios da ciência e técnica a que se reportam tanto o programa de
concurso como o caderno de encargos da empreitada e não com base em critérios
próprios da ciência jurídica.
Apenas se, à luz de critérios próprios da lex artis, a motivação da pontuação
expressa no Relatório de avaliação se apresentar obscura, contraditória,
insuficiente ou ininteligível, é juridicamente admissível afirmar por referência
ao disposto no artº 125º nº 2 CPA que a motivação do acto não respeita os
elementos formais da fundamentação exigidos no citado comando legal.

Pelo que vem dito, assiste razão ao Recorrente nas questões suscitadas nas
conclusões sob os itens 1 a 3 das conclusões, cumprindo revogar o acórdão e
manter, por válido e eficaz, o despacho de 28.04.2004.

***

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso


Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em, na procedência do
recurso, revogar o acórdão recorrido, mantendo válido e eficaz o despacho de
28.04.2004.
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Custas a cargo da Recorrida.

Lisboa, 16.MAR.2006,

(Cristina dos Santos)

(Teresa de Sousa)

(Xavier Forte)

(1) Artº 268º nº 3 CRP – Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos
interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e
acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.
(2) Esteves de Oliveira , Costa Gonçalves e Pacheco de Amorim, Código de
Procedimento Administrativo – Anotado, 2ª edição Almedina, págs, 589/590 .
(3) Esteves de Oliveira, Lições de Direito Administrativo, Outubro/1980, págs 663
e 796 –“(..) não é requisito legal da fundamentação do acto a sua exactidão, ou seja,
a veracidade ou realidade dos factos e a correspondência das normas invocadas ao
direito (..) a exactidão dos motivos não respeita a elementos formais do acto, mas
sim aos seus elementos de fundo ou substanciais (..) quando os fundamentos ou os
motivos do acto explicam, só por si, clara e logicamente a decisão mas são factual
ou jurídicamente falsos ou erróneos temos ilegalidade, mas não por vício de forma;
se os motivos invocados correspondem aos factos e ao direito mas não justificam só
por si, clara e logicamente, a decisão tomada, temos vício de forma (..)”.
(4) Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim,
Código do Procedimento Administrativo, Almedina 2ª edição, pág. 603, nota IV.
(5) Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros
procedimentos de adjudicação administrativa – das fontes às garantias, Almedina,
2003, págs. 134 a 142. ;
(6) ( Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, Lex,
1999, págs. 107/108.)
(7) Bernardo Diniz de Ayala, O (défice) de controlo judicial da margem de livre
decisão administrativa, Lex, 1995, pág. 83.
(8) Bernardo Diniz de Ayala, O (défice) de controlo judicial da margem de livre
decisão administrativa, Lex, 1995, pág. 87.
(9) Mário Esteves de Oliveira, Lições de direito administrativo, 1980, págs.
355/368, 439 e 616/624.
(10) Sérvulo Correia, Legalidade e autonomia contratual nos contratos
administrativos, Almedina, Teses, 1987, págs.491/492.
(11) Sérvulo Correia, Legalidade e autonomia contratual nos contratos
administrativos, Almedina, Teses, 1987, págs.171/172, 321, 476/477.

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