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pandemia na quebrada

ENSINO A
DISTÂNCIA,
DIFICULDADES
PRESENCIAIS
Falta de professor para tirar dúvidas e acesso ruim à
internet tornam educação remota prova de resistência na
periferia de São Paulo
LUANA ALMEIDA
14maio2020_12h18

Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/ensino-distancia-


dificuldades-presenciais/

Keith Beatriz em sua mesa de estudo – Foto; Luana Almeida


A rede estadual de ensino de São Paulo lançou em abril aulas pela
televisão e por um aplicativo para manter o cronograma durante a
pandemia do novo coronavírus. Para estudantes na periferia da
capital paulista, não é só a falta de acesso à internet que dificulta o
aprendizado. Faltam mesas apropriadas, ambiente propício para
estudar e, mais importante, uma dinâmica que reproduza
minimamente a sala de aula, em que o professor ensina uma matéria,
os alunos tiram dúvidas e fazem tarefas para absorver o conteúdo. A
produtora cultural Luana Almeida, de 24 anos, conta como jovens e
crianças de seu bairro, a União de Vila Nova, no extremo Leste de
São Paulo, estão se virando.
Em depoimento a Thais Bilenky
*

Aqui na minha rua moram meus primos gêmeos de 6 anos, outro de 9


anos e uma de 13. A vizinha de cima, a Keith Beatriz, está com 15
anos. O que eles têm em comum é a dificuldade de entender esse
ensino a distância.

A Duda, uma menininha de 10 anos, filha de amigos da minha família,


estava falando para mim que precisa pôr crédito no celular, porque ela
não tem wifi em casa para poder acessar as aulas e está dependendo
do 4G. Ela coloca entre 40 e 50 reais por mês. Só online ia ficar
muito pesado [para o orçamento da família. Os pais trabalham no
ferro-velho que fica embaixo de sua casa]. Tem um canal de tevê em
que as aulas também são exibidas e que dá um suporte.
A dificuldade da Duda no começo era entender a aula. Num dia, do
nada, a professora começou a cantar. Acredito que ela tenha perdido
alguma coisa, a introdução, e estava achando horrível. As crianças
pequenas precisam que os pais sentem com elas, expliquem o que
estão fazendo. Vestir o uniforme da escola ajuda. Dessas pessoas mais
próximas a mim, a maioria tem wifi, mas não é só a internet a questão.
Tem crianças cujos pais estão trabalhando. Quem vai ajudar nas
atividades da escola? Fora o desafio da concentração.
O problema desse ensino a distância é que, a longo prazo, a gente sabe
que não é efetivo. Não consigo ver resultado. Eu vejo professoras
empenhadas, fazendo coisas que nunca fizeram antes. Tem uma, a
Leilane, que escreve no Facebook pedindo para os alunos
comentarem, postarem atividades. Tanto para os estudantes quanto
para os professores está sendo muito pesado.
Cada um se reinventa como pode, mas tem mãe que está trabalhando,
a criança liga lá a televisão e fica por conta dela. Para a Duda está
tudo lindo, mas a Keith está em outra fase, já entendeu o grau de
ineficiência.
“Tem gente que não está achando muito legal, porque não pode
estudar por meio de comunicação ou porque não tem internet, mas pra
mim está sendo ótimo. É bom estudar pelo menos pela internet. Tem
gente que está saindo ainda, que está indo brincar, e tem gente que
não, porque a mãe não deixa ou está indo trabalhar. Ficar em casa está
sendo ruim pra todo mundo, né?”, contou a Duda.
“Eu gosto bastante da aula online, mas eu prefiro sala de aula. Minhas
amigas também estão estudando. Já criamos um grupo no WhatsApp
com a professora, com os pais e os alunos, e a gente pode fazer
perguntas lá, porque pelo aplicativo não dá, porque são mais de 10k
[10 mil] alunos, sabe? Então fica ruim pra nós, aí é ruim mesmo.”
Duda estuda na sala de casa. Fecha a janela porque o barulho da rua a
desconcentra. Filha única, passa o dia sozinha enquanto os pais
trabalham no ferro-velho. “Depois eu desço para brincar.” Ela disse
que, quando começou a quarentena, não tinha como ter aulas em casa
por falta de equipamentos. “Eu estava sem nada para estudar, sem
uma mesinha, sem nada. Aí minha mãe foi lá na escola conversar com
a inspetora e ela deu uma carteira velha que há muito tempo ficava
numa salinha para a minha mãe.”
A Keith Beatriz já entendeu tudo. “O ensino a distância é um tiro no
pé dos estudantes, principalmente para quem estuda em escola
pública, porque não atende todas as necessidades dos alunos,
principalmente agora”, lamentou. “Minha escola tem passado muita
lição, às vezes eu nem tenho dado conta porque é muita informação e
não tem ajuda. Tem também o aplicativo da escola, que ainda está em
desenvolvimento, e não pega muito bem, tanto que nem vejo muito,
porque os professores se perdem.”
Keith não acha boa a solução da rede estadual de manter a
programação letiva durante a pandemia. “Mano, a minha preocupação
é não passar de ano, porque tem tido muito conteúdo e não tem sido
ensinado nada, entendeu? Não está sendo bom. Quem tem noção das
coisas está bem preocupado.”
A adolescente disse que a sua escola não passa lição todo dia, mas sim
uma remessa com muitas atividades de uma vez com um prazo de
entrega unificado. “Isso não tem sido bom pra mim e não vai refletir
bem na minha vida de estudante porque é EaD [ensino a distância], a
gente não tem todo o suporte. Eu tenho internet em casa, mas mesmo
assim eu sinto a necessidade de aprender. Eu queria estar em aula
presencial. É difícil você se concentrar, e passar lição não vai fazer
você aprender, não vai suprir essas necessidades.”

LUANA ALMEIDA
Tem 24 anos, é produtora cultural e ligada a projetos musicais independentes da periferia de
São Paulo.

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