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Gestante de 15 semanas

retorna à consulta de pré-


natal com resultado de
glicemia de jejum de 100
mg/dL. Como proceder?
Devemos realizar a curva
de TTOG de 75 g?

12.1 DEFINIÇÃO
O Diabetes Mellitus (DM) caracteriza-se por síndrome clínica
representada por hiperglicemia. Esta ocorre devido à deficiência
na produção de insulina pelo pâncreas ou pela redução da sua
ação nos tecidos, carreando distúrbios metabólicos de
carboidratos, lipídios, proteínas, eletrólitos e água.
Na atualidade, aproximadamente 463 milhões de adultos
apresentam DM em todo o mundo. No Brasil estima-se que 16,5
milhões de pessoas tenham a doença, sendo que mais da metade
desconhece o diagnóstico. As complicações relacionadas ao DM
estão entre as principais causas de morte e morbidade em muitos
países.
Nas mulheres, o antecedente de Diabetes Mellitus Gestacional
(DMG) é o principal fator de risco para o desenvolvimento de
diabetes tipo 2 e síndrome metabólica. Portanto, a hiperglicemia
no ciclo gravídico-puerperal é um importante problema tanto pelo
aumento de morbimortalidade perinatal, pelo desenvolvimento
de doenças no futuro como pelo aumento da prevalência em
decorrência do grande aumento da obesidade em diversos
países. O ambiente hiperglicêmico adverso que o feto de mãe
com diabetes está exposto na vida intrauterina tem papel crucial
no desenvolvimento futuro de doenças. O feto se adapta ao
ambiente intrauterino por meio de mudanças na expressão
gênica que o prepara para condições similares após o
nascimento: é a teoria de Barker, da Origem do Desenvolvimento
de Saúde e Doença (DOHaD). As evidências atuais ressaltam uma
associação de DMG com risco fetal futuro de obesidade, DM2 e
doença cardiovascular. Controlar com rigor a glicemia materna,
além de reduzir as complicações perinatais a curto prazo, reduz as
chances de que esta criança desenvolta problemas metabólicos
no médio/longo prazo.
Houve aumento expressivo do número de mulheres com
diagnóstico de diabetes em idade fértil e durante a gestação e
puerpério. Isso pode ser explicado devido ao crescimento
populacional, ao aumento da idade materna, à falta de atividade
física e ao aumento da obesidade. Segundo estudos
populacionais realizados nas últimas décadas, a prevalência de
DMG varia de 1 a 37,7%, com média mundial de 16,2% (The
International Federation of Gynecology and Obstetrics (FIGO)
Initiative on gestational diabetes mellitus: A pragmatic guide for
diagnosis, management, and care, 2015). Na atualidade, estima-se
que um em cada seis nascimentos ocorra em mulheres com
alguma forma de hiperglicemia durante a gestação, e 84% desses
casos seriam decorrentes do DMG (IDF Diabetes Atlas, 2019).
Estima-se que, no Sistema Único de Saúde (SUS), a prevalência de
DMG seja em torno de 18%. No ciclo gravídico-puerperal, é
possível a ocorrência de hiperglicemia tanto em mulheres com
diagnóstico pré-gestacional de DM quanto em gestantes sem
esse diagnóstico pregresso.
As recentes diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e
dos principais protocolos de DM recomendam que a
hiperglicemia detectada, pela primeira vez, em qualquer momento
da gravidez, deve ser categorizada da seguinte forma:
▶ DMG: gestante com hiperglicemia detectada pela primeira vez
durante a gravidez, com níveis glicêmicos sanguíneos que não
atingem os critérios diagnósticos para DM na ausência de
gestação;
▶ Diabetes Mellitus diagnosticado na gestação — Overt Diabetes:
gestante sem diagnóstico prévio de DM, com hiperglicemia
detectada na gravidez e com níveis glicêmicos sanguíneos que
atingem os critérios da OMS para a DM na ausência de gestação.
12.2 FISIOPATOLOGIA
A gestação é considerada uma condição diabetogênica,
caracterizada por um estado de resistência à insulina, assim como
por mudança nos mecanismos de controle da glicemia pelo
consumo de glicose pelo embrião e feto.
A fisiopatologia do DMG é explicada pela elevação de hormônios
contrarreguladores da insulina (que aumentam principalmente a
partir da metade da gestação), pelo estresse fisiológico imposto
pela gravidez e pelos fatores genéticos e ambientais. O principal
hormônio relacionado com a resistência à insulina durante a
gravidez é o hormônio lactogênio placentário, mas outros
hormônios hiperglicemiantes como cortisol, estrogênio,
progesterona e prolactina também estão envolvidos.
Do início da gestação até a 20ª semana ocorre a primeira fase,
que é anabólica. Nessa fase, há inibição da alanina, importante
precursor do glicogênio, maior sensibilidade dos tecidos à
insulina, levando à redução dos níveis glicêmicos de jejum. A partir
da 20ª semana até o fim da gestação, ocorre a segunda fase,
considerada catabólica; a placenta aumenta a produção de
hormônios hiperglicemiantes, principalmente o Hormônio
Lactogênio Placentário (HLP). Há também, nessa fase, níveis
elevados de outros hormônios, como progesterona, estrogênio,
cortisol livre e hormônio de crescimento, e haverá aumento da
resistência periférica à insulina materna, ocasionando
hiperinsulinismo, com diminuição da reserva de glicogênio e
gordura, e então aumento da gliconeogênese. Outro fator
hiperglicêmico na gestação é a degradação da insulina por
enzimas da membrana placentária, semelhantes às insulinases
hepáticas.
Assim, nas gestantes saudáveis, as alterações hormonais que se
dão principalmente após a 20ª semana podem promover redução
da atuação da insulina em seus receptores, e consequentemente
aumento da sua produção. Esse mecanismo, entretanto, pode não
ser observado em gestantes que já estejam com sua capacidade
de produção no limite. Nessas mulheres, o aumento da
quantidade de produção de insulina pelo pâncreas materno não é
suficiente para controlar a alta resistência periférica à insulina,
levando ao desenvolvimento de diabetes gestacional.
12.3 RASTREAMENTO
A valorização dos chamados fatores de risco para o rastreamento
do diabetes na gestação — obesidade, história familiar, glicosúria
etc. —, quando utilizados isoladamente, não se mostrou efetiva,
portanto, o rastreio deve ser realizado na primeira consulta pré-
natal antes de 20 semanas de gestação, com glicemia de jejum.
#importante
Todas as gestantes, independentemente
da presença de fatores de risco, devem
realizar rastreamento para esta doença.

Se a primeira consulta de pré-natal for realizada entre 20 e 28


semanas gestacionais, o exame recomendado é o TOTG, entre 24
e 28 semanas de gestação. Contudo, se a primeira consulta
ocorrer após 28 semanas gestacionais, o teste deve ser feito
imediatamente.
As grávidas anteriormente submetidas à cirurgia bariátrica não
devem realizar o TOTG devido ao risco de hipoglicemia durante o
exame. Nessas pacientes, pode-se fazer o rastreamento com
glicemia de jejum na primeira consulta de pré-natal. Se o
resultado for acima ou igual a 92 mg/dL, considerar DMG. Se for
normal, repetir a glicemia de jejum entre 24 e 28 semanas de
gestação e realizar perfil glicêmico com glicemia capilar por uma
semana. Destaca-se que também não há consenso para essa
alternativa de rastreamento.
São fatores de risco para DMG:
▶ Idade igual ou superior a 35 anos;
▶ Índice de Massa Corpórea (IMC) maior que 25 kg/m2 —
sobrepeso e obesidade;
▶ Gordura centrípeta;
▶ Antecedente pessoal de DMG ou recém-nascido com 4 kg ou
mais;
▶ Antecedente familiar de diabetes mellitus — parentes de
primeiro grau;
▶ Macrossomia ou polidrâmnio, abortamento de repetição,
malformações em gestação anterior;
▶ Óbito fetal sem causa aparente em gestação anterior;
▶ Malformação fetal em gestação anterior;
▶ Uso de drogas hiperglicemiantes — corticoides, tiazídicos;
▶ Síndrome dos ovários policísticos;
▶ Hipertensão arterial crônica 140x90 mmHg ou em terapia anti-
hipertensiva;
▶ História de doença cardiovascular;
▶ Afro-americanos, nativo-americanos, latinos, americanos
asiáticos e islandês pacífico;
▶ Ausência de atividade física;
▶ Hipertrigliceridemia maior que 250 ou colesterol HDL menor
que 35;
▶ Baixa estatura — menos de 1,5 m. O American College of
Obstetricians and Gynecologists (ACOG) não inclui baixa estatura
como fator de risco para DMG;
▶ Na gravidez atual, em qualquer momento:
▷▷ Ganho excessivo de peso;
▷▷ Suspeita clínica ou ultrassonográfica de crescimento fetal
excessivo ou polidrâmnio;
▷▷ Hemoglobina glicada no primeiro trimestre maior ou igual a
5,9%. ACGO: maior ou igual a 5,7% ou exames sugestivos de
intolerância à glicose, incluindo acantose nigricans.
12.4 DIAGNÓSTICO
Em 1964, O’Sullivan e Mahan estabeleceram critérios
laboratoriais para o DMG. Desde então, diversas conferências e
organizações realizaram alterações nos critérios diagnósticos
com o passar dos anos. A ausência de consenso em relação ao
diagnóstico de DMG entre os centros e a falta de estudos que
avaliassem a relação entre os valores de referência e os
resultados perinatais motivaram a realização de um grande
estudo multicêntrico com 25.505 gestantes, publicado no ano de
2008. O Hyperglycemia and adverse pregnancy outcomes (HAPO
— 2008) foi um estudo observacional prospectivo que realizou
TTOG com 75 g e avaliação em 2 horas — jejum, primeira hora e
segunda hora. Os pontos de corte do TOTG com 75 g foram
escolhidos pelos especialistas, porque correspondiam a um
aumento de risco (odds ratio) de 1,75 para um dos seguintes
desfechos neonatais: peso ao nascer acima do percentil 90,
porcentagem de gordura corporal neonatal acima do percentil 90
ou valor de peptídeo C no cordão umbilical acima do percentil 90.
Em outras palavras, as gestantes com um ou mais pontos (jejum
maior ou igual a 92 mg/dL, 1 hora maior ou igual a 180 mg/dL, ou 2
horas maior ou igual a 153 mg/dL) no TOTG com 75 g terão um
risco 75% maior de ter um recém-nascido com um desses três
desfechos neonatais, quando comparadas às gestantes sem
nenhum desses valores alterados (Rastreamento e Diagnóstico
de Diabetes Mellitus no Brasil, 2016).
Além disso, as análises apontaram que cada um dos valores de
glicemia do teste era preditor independentemente da ocorrência
de desfechos neonatais adversos. Concluiu, assim, que os
critérios anteriores utilizados para diagnóstico de DMG deveriam
ser reconsiderados, pois houve associação com eventos
perinatais adversos mesmo quando os valores de glicemia eram
considerados normais pelos critérios utilizados até então.
Em 2010, a International Association of Diabetes in Pregnancy
Study Group (IADPSG) realizou um encontro de especialistas que
definiu critérios diagnósticos de DM na gravidez overt diabetes e
o de DMG propriamente dito. Esses critérios foram incorporados
pela OMS e pela Febrasgo. É interessante destacar que na
reanálise do estudo brasileiro de diabetes gestacional
considerando os novos critérios, a prevalência estimada de casos
de DMG passaria a ser de aproximadamente 18% na população
brasileira e que 86% dos casos que teriam diagnóstico de DMG
pelo TOTG com 75 g poderiam ser identificados apenas pela
avaliação da glicemia de jejum do teste, pois apresentavam valor
maior ou igual a 92 mg/dL.
São critérios diagnósticos de DM diagnosticado na gravidez overt
diabetes na primeira consulta de pré-natal:
▶ Glicemia de jejum: acima ou igual a 126 mg/dL;
▶ Hemoglobina glicada (Hb): acima ou igual a 6,5%;
▶ Glicemia aleatória — pacientes com sintomas: acima ou igual a
200 mg/dL — alguns locais falam para repetir e confirmar valor¹;
▶ Glicemia 2 horas após ingestão de glicose (TTOG 75 g): acima
ou igual a 200 mg/dL.
Alguns locais falam sobre associar o valor de glicemia aleatória
acima ou igual a 200 mg/dL e sintomas de hiperglicemia para o
diagnóstico (Ginecologia e Obstetrícia: Febrasgo para o médico
residente, 2015), outros falam em repetir o exame para confirmar
(International Association of Diabetes and Pregnancy Study
Groups recommendations on the diagnosis and classification of
hyperglycemia in pregnancy, 2010). Alguns protocolos não
especificam a necessidade de sintomas nem a repetição do teste
para confirmação (Rastreamento e diagnóstico de diabetes
mellitus gestacional no Brasil, 2016).
São critérios diagnósticos de DMG:
▶ Glicemia de jejum: acima ou igual a 92 mg/dL e abaixo ou igual a
125 mg/dL;
▶ TTOG 75 g em 2 horas com pelo menos um valor alterado;
▶ Jejum: acima ou igual a 92 mg/dL;
▶ Uma hora pós-sobrecarga: acima ou igual a 180 mg/dL;
▶ Duas horas pós-sobrecarga: acima ou igual a 153 mg/dL.
Todas as gestantes sem diagnóstico de DM tipo 1 ou 2 devem ser
submetidas ao rastreio de DMG. O rastreio deve ser realizado na
primeira consulta pré-natal antes de 20 semanas de gestação,
com glicemia de jejum.
Se o pré-natal for iniciado após 20 semanas de gestação, solicitar
TOTG 75 g — jejum, 1ª hora e 2ª hora. Rastreio de DMG com 24 a
28 semanas de gestação, com TOTG 75 g — jejum, 1ª hora e 2ª
hora.
Quadro 12.1 - Interpretação dos resultados do rastreamento
Observação: o consenso Rastreamento e diagnóstico de diabetes mellitus
gestacional no Brasil (2016), da Organização Pan-Americana da Saúde em
conjunto com o Ministério da Saúde, FEBRASGO e Sociedade Brasileira de
Diabetes, não fala sobre a repetição da glicemia de jejum para o diagnóstico e
nem da realização de TTOG em pacientes com diagnóstico de DM gestacional
pela glicemia de jejum.
Fonte: The International Federation of Gynecology and Obstetrics (FIGO) Initiative
on gestational diabetes mellitus: A pragmatic guide for diagnosis, management,
and care, 2015.

Quadro 12.2 - Diagnóstico de diabetes mellitus gestacional com teste oral de


tolerância à glicose com ingestão de 75 g de glicose

1 Um valor alterado confirma o diagnóstico.


2 Dois valores alterados para confirmar o diagnóstico.
Fonte: Diretrizes Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020, 2019.

De acordo com as Diretrizes Sociedade Brasileira de Diabetes


2019-2020 e o Tratado de Obstetrícia Febrasgo (2019):
▶ Valores TOTG 75 g maiores que 126 mg/dL em jejum
configuram diabetes mellitus — overt DM —, provavelmente tipo 2
— não é DMG;
▶ Valores de TOTG 75 g maiores ou iguais a 200 mg/dL na
segunda hora configuram diabetes mellitus — overt DM —,
provavelmente tipo 2 — não é DMG.
Em 2015, a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia
(FIGO) analisou os critérios para diagnóstico de DMG,
considerando as dificuldades econômicas de cada país e elaborou
um documento sobre o tema. Seguem alguns pontos:
▶ Brasil está entre os oito países prioritários para definição de
critérios para diagnóstico de DMG;
▶ Se houver condição econômica ideal, deve-se utilizar os
critérios do IADPSG, que foram referendados pela OMS;
▶ Cada país deverá analisar e propor a melhor forma possível de
diagnóstico de DMG, de acordo com os recursos disponíveis para
tanto (The International Federation of Gynecology and Obstetrics
(FIGO) Initiative on gestational diabetes mellitus: A pragmatic
guide for diagnosis, management, and care, 2015).
Considerando-se as especificidades do Brasil, foram propostas
duas estratégias de diagnóstico de DMG na dependência da
viabilidade financeira e disponibilidade técnica de cada região,
visando alcançar a maior cobertura possível. As duas estratégias
estão descritas nas Figuras a seguir.
Figura 12.1 - Diagnóstico de diabetes mellitus gestacional em situação de
viabilidade financeira e disponibilidade técnica total

Fonte: Diretrizes Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020, 2019.


As Diretrizes Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020
consideram a possibilidade de alguns locais no país não haver
viabilidade financeira ou disponibilidade de técnica para a
realização do diagnóstico de DMG, conforme preconizado. Nestes
casos, podemos seguir o algoritmo da Figura 12.2.
Figura 12.2 - Diagnóstico de diabetes mellitus gestacional em situação de
viabilidade financeira e/ou disponibilidade técnica parcial
Fonte: Rastreamento e diagnóstico de diabetes mellitus gestacional no Brasil,
2016.

#importante
Considera-se que o teste com melhor
sensibilidade e especificidade para o
diagnóstico de DMG é o TOTG com 75 g,
com os valores propostos em
Rastreamento e diagnóstico de diabetes
mellitus gestacional no Brasil (2016).

Alguns exames complementares são usados no DMG, como:


▶ Hemoglobina glicada;
▶ Glicemia capilar;
▶ Colesterol total;
▶ Triglicérides;
▶ TSH, T3 e T4 livre;
▶ Creatinina e ureia;
▶ Ácido úrico;
▶ Pesquisa de elementos anormais/sedimento na urina;
▶ Eletrocardiograma e avaliação cardiológica no primeiro
trimestre — diabetes pré-gestacional;
▶ Clearance de creatinina;
▶ Potássio;
▶ Proteinúria de 24 horas;
▶ Microalbuminúria;
▶ Urina I e urocultura;
▶ Ecografia gestacional, de acordo com o protocolo do Ministério
da Saúde;
▶ Pesquisa de lesões em órgão-alvo — diabetes pré-gestacional
— por exemplo, exame de fundo de olho para avaliar retinopatia.
12.5 TRATAMENTO
O tratamento do DMG para todas as gestantes deve fazer parte
das estratégias de atenção à saúde de todos os países, com o
objetivo de diminuir a morbimortalidade materna e perinatal. Para
um tratamento adequado, é necessário: o correto diagnóstico,
início imediato das medidas terapêuticas para o controle rigoroso
da glicemia na gestação, a identificação das repercussões no feto,
planejar o momento mais adequado para o parto e manter
vigilância da paciente no pós-parto. O controle adequado da
glicemia materna aumenta a chance de um desfecho perinatal
adequado.
12.5.1 Tratamento não farmacológico
Orientação dietética e atividade física regular que permitam
adequado ganho de peso e controle da glicemia capilar são
fundamentais no tratamento do DMG.
12.5.1.1 Dieta

As recomendações dietéticas devem ser individualizadas,


considerando-se IMC, idade, atividades físicas, ganho de peso
esperado, comorbidades e as condições socioeconômicas
visando ao controle rigoroso da glicemia para que se atinjam os
resultados obstétricos e perinatal favoráveis.
O cálculo do valor calórico total da dieta e o ganho de peso ideal
na gestação devem ser feitos de acordo com o IMC da paciente.
Quadro 12.3 - Faixas de ganho de peso gestacional semanal e total em kg
recomendadas até o termo, conforme o índice de massa corpórea pré-gestacional

Fonte: Tratamento do diabetes mellitus gestacional no Brasil, 2019.

As gestantes devem ser orientadas a fracionar as refeições: três


refeições — café da manhã, almoço e jantar — e dois ou três
lanches saudáveis por dia, evitando intervalos maiores de três
horas. Gestantes em uso de insulina devem manter os horários
fixos das refeições, minimizando-se assim variações glicêmicas.
O valor total de calorias no dia deve ser individualizado e conter
(Tratamento do diabetes mellitus gestacional no Brasil, 2019):
▶ Carboidrato: 40 a 55%, com consumo mínimo diário de 175 g;
▶ Sacarose: abaixo de 5% do valor energético total;
▶ Proteína: 15 a 20%, com consumo mínimo diário de 71 g — 1,1
g/kg/d;
▶ Gordura: 30 a 40%, com pouca quantidade de gordura saturada;
▶ Consumo mínimo diário de fibras: 28 g.
No geral, para mulheres eutróficas, a dieta usual é de 30 a 35
kcal/kg/d, que pode ser reduzida para 24 kcal/kg/d para aquelas
com mais de 120% do peso ideal.
Priorizar o consumo de carboidratos com baixo índice glicêmico,
que no DMG, se associou à diminuição da necessidade do uso de
insulina e menor ganho de peso ao nascer. Com relação aos
adoçantes, existem poucos estudos sobre a segurança na
gestação. Os edulcorantes — aspartame, sacarina, acessulfame-K
e sucralose — podem ser usados como alternativa para a
substituição da sacarose, com moderação.
Nas pacientes que fazem uso de insulina à noite, lembrar que a
ceia é uma refeição importante para prevenção de episódios de
hipoglicemia e deve conter 25 g de carboidratos, além de
proteínas ou lipídios.
Além disso, orientar a ingestão de, pelo menos, 2 litros de água
por dia (evitar a ingestão durante as refeições).
Evitar deitar-se logo após as refeições a fim de diminuir a chance
de refluxo gastroesofágico e desestimular o consumo de
alimentos processados e ultra processados e, também, limitar
consumo de sal a 5 g/d.
12.5.1.2 Atividade física
A atividade física auxilia no controle dos níveis glicêmicos, pelo
aumento da atividade da insulina ao receptor, diminuindo a
resistência periférica à sua ação e aumentando o consumo de
glicose, portanto, deve ser estimulada nas pacientes com DMG, a
não ser que existam contraindicações obstétricas. Pacientes com
DMG que praticam atividade física regularmente apresentam
níveis de glicose em jejum e pós-prandial reduzidos e redução da
necessidade de uso de insulina. Além disso, a mudança no estilo
de vida, pode persistir após o parto e ajudar na prevenção do
aparecimento do diabetes tipo 2 e suas complicações em longo
prazo. A caminhada é um tipo de exercício com fácil
acessibilidade, baixo custo e fácil aplicação.
É importante ressaltar a adequação de horários para a prática de
exercícios nas pacientes com DMG: nunca se deve realizar
atividade física próximo ao pico de ação da insulina e nem muito
próximo à refeição seguinte a fim de se evitar hipoglicemia.
12.5.1.3 Monitorização glicêmica

A automonitorização da glicemia capilar é considerado o mais


indicado para avaliação do controle glicêmico da paciente com
DMG. Medidas sistemáticas da glicemia em jejum e pós-prandial
tiveram associação com diminuição de resultados perinatais
adversos tanto em gestantes usuárias de insulina quanto àquelas
com seguimento não farmacológico.
O Quadro a seguir resume as recomendações quanto a
frequência de monitorização capilar nas gestantes diabéticas.
Quadro 12.4 - Frequência de monitorização capilar nas gestantes diabéticas
Fonte: Tratamento do diabetes mellitus gestacional no Brasil, 2019.

Orientar as pacientes sobre o momento correto de se verificar a


glicemia. As medidas pós-prandiais devem ser realizadas a partir
do horário de início das refeições. A análise uma hora pós-prandial
é a que melhor reflete os picos de glicemia e que melhor se
correlaciona com risco de macrossomia fetal.
O Quadro 12.5 traz as metas de controle glicêmico na gestação.
Quadro 12.5 - Alvo glicêmico no diabetes mellitus tipos 1, 2 e gestacional
Após duas semanas de dieta e exercício — medidas não
farmacológicas —, se os níveis glicêmicos permanecerem
elevados, deve-se iniciar tratamento farmacológico. Segundo a
Sociedade Brasileira de Diabetes, se a medida da circunferência
abdominal fetal for igual ou superior ao percentil 75 no ultrassom
de 29 a 33 semanas de gestação está justificado o início da
insulinoterapia.
Pela Febrasgo, depois de uma a duas semanas, avalia-se o
controle glicêmico. O controle é considerado adequado se:
▶ Pelo menos 70% dos valores estão dentro da meta nas
pacientes com peso fetal estimado menor que 70%;
▶ Pelo menos 80% dos valores estão dentro da meta nas
pacientes com peso fetal estimado acima de 70% para a idade
gestacional.
Gestantes em uso de insulina devem manter a glicemia de jejum
acima de 70 mg/dL e pós-prandiais não inferiores a 100 mg/dL.
Durante o trabalho de parto e durante o parto, a glicemia capilar
deve ser mantida entre 70 e 120 mg/dL.
a) Monitorização contínua da glicose na gravidez

A possibilidade de realizar o monitoramento contínuo da glicose


(CGM) tem um potencial para auxiliar no alcance do controle
glicêmico das pacientes com DMG. Além de permitir que sejam
visualizadas as frequentes flutuações da glicose, ele fornece
dados que podem orientar as decisões terapêuticas.
Ambas as modalidades de CGM (em tempo real, e em leitura
intermitente) envolvem tecnologia de leitura da concentração de
glicose no líquido intersticial, a qual têm boa correlação com as do
sangue capilar.
A literatura sobre CGM em grávidas com diabetes mostra dados
importantes. A presença de hiperglicemia entre as 2 e 3 horas da
madrugada, avaliada pelo CGM, em gestantes com DMG foi fator
independente de risco para o desenvolvimento de recém-nascido
grande para a idade gestacional (GIG). Esse achado sugere que o
controle mais rigoroso da glicose e uma maior atenção aos perfis
de glicose durante a noite podem ser necessários para normalizar
os desfechos em mulheres grávidas com DMG (Monitoramento
contínuo da glicose na gestação, 2021).
O uso dos sensores auxilia os médicos, os profissionais da saúde
e as pessoas com diabetes a adequarem o tratamento insulínico à
ingestão alimentar, exercícios e demais variáveis que influem no
controle das taxas de glicose. Ele também auxilia nas decisões
para um ajuste terapêutico mais preciso e, mais importante,
permite que o paciente reaja imediatamente para prevenir as hipo
e hiperglicemias. Embora a maior parte dos dados sobre CGM
disponíveis na literatura tenha sido obtida a partir de estudos que
incluíram somente indivíduos com DM1 e fora da gestação, a
Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) considera o uso do
dispositivo como métrica inovadora e útil, inclusive na gravidez.
Vantagens na utilização da CGM: o uso dessa tecnologia
possibilita o conhecimento das variações da glicose que ocorrem
ao longo do dia, permitindo a identificação dos níveis
momentâneos de glicose, diminuindo eventos de hipo ou
hiperglicemia. Também informa como a glicemia se comporta em
relação à alimentação, ao exercício, ao stress, ao sono, à insulina e
às demais variáveis ao longo dos dias.
A colocação do sensor no tecido celular subcutâneo é simples e
confortável para as pacientes, propiciando maior adesão ao
tratamento. Demonstrou-se superior ao controle de glicemia
durante a madrugada em comparação às medidas de glicemia
capilar convencionais.
Em gestantes com DM 1, o uso do CGM em tempo real foi
superior ao monitoramento da glicemia capilar para evitar
episódios de hipoglicemia materna e neonatal, bebês GIG,
internações em UTI neonatal e tempo de hospitalização após o
parto (Monitoramento contínuo da glicose na gestação, 2021).
Permite ajustes mais precisos na medicação para pacientes que
fazem uso de sistema de infusão contínua de insulina, além de
proporcionar melhor plano terapêutico pelas equipes de saúde a
partir dos dados registrados.
Salienta-se que, para o período gestacional, a SBD recomenda
que a monitorização contínua da glicose necessariamente deve
ser associada ao monitoramento da glicemia capilar, tanto pré
quanto pós-prandial.
Para gestantes em uso do monitoramento contínuo da glicose,
ficam definidos como parâmetros de bom controle glicêmico,
segundo o posicionamento Monitoramento Contínuo da Glicose
na Gestação (2021):
▶ TIR (tempo no alvo) — 63 a 140 mg/dL: recomendação de mais
de 70% do tempo;
▶ TAR (tempo acima do alvo) — acima de 140 mg/dL:
recomendação de menos de 25% do tempo;
▶ TBR (tempo abaixo do alvo) — abaixo de 63% mg/dL:
recomendação de menos de 5% do tempo, sendo menor que 1%
abaixo de 54 mg/dL.
Até o momento, porém, o uso do CGM como método único para o
acompanhamento do controle glicêmico e a tomada de decisões
terapêuticas em gestantes com diabetes não pode ser
recomendado, devido à carência de estudos e à relativa escassez
de dados de acurácia nas diferentes fases da gravidez. O uso
dessa tecnologia pode ser considerado, se associado ao
monitoramento da glicemia capilar, nas gestantes em uso de
insulina, particularmente nas que apresentam grande
variabilidade glicêmica.
12.5.2 Tratamento farmacológico
O tratamento farmacológico está indicado sempre que as
medidas não farmacológicas forem suficientes para atingir a
meta de controle glicêmico.
A insulina, por ser medicação segura e não ultrapassar a barreira
placentária, continua sendo o tratamento medicamentoso de
primeira escolha no controle da hiperglicemia na gestação tanto
para DM tipos 1, 2 ou DMG.
12.5.2.1 Insulinoterapia

Insulinoterapia é indicada quando dieta e exercício físico não


controlam a glicemia em 14 dias em pacientes com DMG, para
pacientes com DM 2, em uso de hipoglicemiante oral ou
insulinoterapia, e para pacientes com DM 1.
Quadro 12.6 - Insulinas utilizadas na gestação e seus receptivos tempos de ação

Fonte: adaptado de Tratado de Obstetrícia Febrasgo, 2019.


As insulinas mais utilizadas para o tratamento do DMG são: as
insulinas humanas NPH — ação intermediária — e a regular —
ação rápida. Os análogos de insulina, asparte e lispro, têm
vantagens sobre a insulina regular, oferecendo melhor controle de
glicemia pós-prandiais com menos chance de hipoglicemia. O
análogo de ação prolongada — ultralenta —, detemir, é
classificado pelo Food and Drug Administration (FDA) e pela
Anvisa como classe A para uso na gestação.
A insulina glargina, embora não recomendada pelo FDA, pode ser
considerada durante a gravidez, segundo a Anvisa, pois os dados
não indicam efeitos adversos, aumento do risco de malformação
fetal ou toxicidade neonatal (é considerada categoria C na
gestação).
No DMG, a dosagem inicial de insulina é de 0,5 UI/kg/dia, com
ajustes individualizados, baseando-se nos resultados da
monitorização capilar. As insulinas de ação intermediária e longa
são indicadas para controle das glicemias de jejum e pré-prandiais
enquanto as insulinas de ação rápida e ultrarrápida são indicadas
para controle das glicemias pós-prandiais. A dose diária calculada
deverá ser distribuída em múltiplas aplicações diárias (duas a
três), com a maior concentração antes do café da manhã.
Geralmente, o controle glicêmico é alcançado apenas com a NPH.
Um dos esquemas possíveis: 50% da dose antes do café, 25%
antes do almoço e 25% às 22h00. Dependendo da literatura, há
outros esquemas de insulinoterapia. Por exemplo, em paciente
com DMG com indicação de insulinoterapia, com peso de 80 kg,
deve-se iniciar NPH 40 UI/d — 20 UI antes do café da manhã, 10
UI antes do almoço e 10 UI às 22h00.
O controle glicêmico deve ser avaliado no mínimo a cada 15 dias
até 30 semanas, e semanalmente após. Insulina rápida ou
ultrarrápida deve ser iniciada no DMG quando a glicemia pré-
prandial for normal e a glicemia pós-prandial for alterada.
Por exemplo, se apenas o controle pós-café está alterado, pode-
se introduzir insulina regular apenas antes do café da manhã junto
com a NPH e manter apenas a NPH nos outros horários.
As insulinas ultrarrápidas devem ser aplicadas no início das
refeições enquanto a insulina regular deve ser aplicada de 30 a
40 minutos antes.
Atenção com as gestantes pré-diabéticas, nas quais as
necessidades de insulina são maiores e aumentam com a
progressão da gravidez.
Em pacientes com diabetes pré-gestacional, a dose de insulina
NPH depende da idade gestacional:
▶ Primeiro trimestre: 0,5 UI/kg/d; de acordo com Rezende:
Obstetrícia fundamental (2017): 0,8 UI/kg/d;
▶ Segundo trimestre: 0,7 UI/kg/d; de acordo com Rezende:
Obstetrícia fundamental (2017): 1,0 UI/kg/d;
▶ Terceiro trimestre: 0,9 UI/kg/d; de acordo com Rezende:
Obstetrícia fundamental (2017): 1,2 UI/kg/d.
Geralmente, é necessário utilizar NPH associada à insulina rápida
ou ultrarrápida, dividindo a dose total: dois terços de NPH e um
terço de insulina rápida ou ultrarrápida antes do café e do jantar,
ou antes de todas as refeições. Há literatura que refere a
possibilidade de fazer a NPH em duas tomadas diárias — café e
jantar. Existem outros esquemas disponíveis, na dependência da
literatura.
Por exemplo, em paciente gestante de 20 semanas de idade
gestacional, com diagnóstico de DM tipo 2, em uso de
hipoglicemiante oral, com peso de 80 kg, a dose de insulina a ser
iniciada é de 56 UI/d, dividida em 38 UI de NPH e 18 UI de lispro —
NPH, 19 UI, antes do café; NPH, 9,5 UI, antes do almoço; NPH, 9,5
UI, às 22h00; e lispro, 6 UI, antes do café, almoço e jantar. Deve-se
tomar cuidado com o risco de hipoglicemia noturna.
Segundo o Ministério da Saúde (Atenção ao pré-natal de baixo
risco, 2013), está o seguinte esquema: dose total diária deve ser
dividida em dois terços pela manhã e um terço à tarde e à noite. A
dose do desjejum deve ser dividida em dois terços de insulina de
ação intermediária — por exemplo, NPH — e um terço de insulina
regular. A dose da noite deve ser dividida ao meio com insulina
regular antes do jantar e insulina NPH ao deitar-se.
Se a paciente já estava em uso de insulina antes da gestação:
▶ Primeiro trimestre: reduzir a insulina em 10 a 20%, com
aumento da dose entre 18 e 24 semanas de gestação;
▶ Terceiro trimestre: duas a três vezes da dose usada pré-
gestacional. Se houver uma rápida redução na necessidade de
insulinoterapia no terceiro trimestre, deve-se pensar em
insuficiência placentária.
Há ainda a possibilidade de bomba infusora contínua de insulina.
Não está claro se a bomba infusora contínua de insulina é superior
à múltiplas injeções diárias de insulina.
Quadro 12.7 - Alvo glicêmico no diabetes mellitus tipos 1, 2 e gestacional
A hemoglobina glicada pode ajudar na avaliação do controle
glicêmico, devendo ser mantida abaixo de 6% na gestação,
principalmente no segundo e terceiro trimestres. Se houver
hipoglicemia significante, pode-se optar por manter hemoglobina
glicada abaixo de 7%. Hb glicada abaixo de 6% leva a menor risco
de macrossomia, parto pré-termo e pré-eclâmpsia. A
hemoglobina glicada sofre alterações na gestação devido à alta
produção de hemácias na gestação. A medida da glicosúria não é
útil na monitorização do controle metabólico na gravidez.
Nas gestantes com diagnóstico de diabetes pré-gestacional e
naquelas com DMG em uso de insulina, o controle glicêmico deve
ser mais rigoroso, com medições de seis a sete vezes no dia —
jejum, antes do almoço e jantar, pós-café, almoço e jantar e as
3h00 da madrugada (podendo-se dispensar essa avaliação no
caso em que as glicemias de jejum estejam normais). Para isso, as
gestantes devem ser orientadas na monitorização domiciliar das
glicemias capilares e para o uso adequado dos glicosímetros.
As gestantes em uso de insulina e seus familiares devem ser
orientados para o reconhecimento de sinais de hipoglicemia,
devendo ser realizada medição imediata da glicemia capilar. Na
ocorrência de hipoglicemia e/ou sinais fortemente sugestivos, a
gestante deve ingerir um copo de leite com açúcar ou fazer uso
de glucagon nos casos mais graves.
12.5.2.2 Outros medicamentos hipoglicemiantes

Os antidiabéticos orais (ADO) não são a droga de primeira


escolha, mas podem ser utilizados como monoterapia nos casos
de inviabilidade de adesão ou de acesso à insulina, ou como
adjuvante em casos de hiperglicemia severa que necessitam de
altas doses de insulina para controle glicêmico (Tratamento do
diabetes mellitus gestacional no Brasil, 2019).
A metformina e a glibenclamida são os hipoglicemiantes orais
mais estudados na gestação (com preferência pela metformina
devido eficácia e segurança). Outros hipoglicemiantes orais são
contraindicados na gestação.
a) Metformina

A metformina reduz a resistência periférica à insulina, aumenta o


transporte de glicose no musculoesquelético e nos adipócitos,
reduz a absorção de glicose pelo trato gastrintestinal, aumenta a
síntese de glicogênio e reduz a gliconeogênese hepática. Ela é
considerada categoria B pelo FDA, mas a Anvisa não aprova seu
uso no tratamento do DMG (Tratamento do diabetes mellitus
gestacional no Brasil, 2019).
Esse medicamento apresenta característica de passagem
placentária livre, determinando níveis séricos fetais comparáveis
aos valores maternos. No entanto, não há evidências que sugiram
associação do uso da metformina durante o período embrionário
ao risco aumentado de defeitos congênitos. Neste contexto,
pode-se sugerir que há segurança para a indicação do uso da
metformina no início da gravidez, no que concerne a ausência de
evidências de aumento de malformações congênitas ou aborto
espontâneo.
Considera-se que não foram observados eventos adversos
graves nos acompanhamentos em médio prazo das crianças
expostas. No entanto, até o momento, ainda não há dados
disponíveis sobre o efeito metabólico desta exposição na vida
adulta decorrente desta população.
Mantendo a recomendação de que a insulina é a primeira escolha
na terapêutica medicamentosa para controle glicêmico no
período gestacional, podem-se elencar situações nas quais o uso
de ADO poderia ser considerado: não acessibilidade à insulina;
dificuldade na autoadministração de insulina; estresse para a
paciente em níveis exacerbados decorrentes ao uso de insulina e
que determina restrição alimentar não corrigida mesmo após
orientação adequada; necessidade de altas doses diárias de
insulina — acima de 100 UI — sem resposta adequada no controle
glicêmico.
É importante lembrar que não se recomenda a utilização de
metformina como primeira escolha quando há disponibilidade de
insulina. Destaca-se que até 40% das gestantes tratadas com
metformina necessitam de complementação de insulina para
atingirem controle glicêmico adequado e que quando não houver
disponibilidade de insulina, haverá subtratamento para esta
população.
Até o momento, ainda há lacunas no efeito sobre a prole na vida
adulta decorrente da exposição intrauterina à metformina. Desta
forma, recomenda-se que a gestante seja esclarecida sobre as
limitações do seguimento em longo prazo de indivíduos expostos
aos ADOs em ambiente intrauterino. Assim, considera-se
necessária a justificativa, em prontuário médico, do uso da
metformina como terapêutica isolada — impossibilidade de
utilização de insulina, especificando-se o motivo — ou em
associação à insulina em gestantes com DMG — controle
glicêmico em paciente utilizando altas doses de insulina.
Recomenda-se ainda a aplicação de termo de consentimento
livre e esclarecido antes do início do uso desta medicação.
A metformina está contraindicada em pacientes com
hipertensão, pré-eclâmpsia ou risco de crescimento intrauterino
restrito, devido ao risco de restrição de crescimento fetal ou
acidose na insuficiência placentária.
A glibenclamida está associada ao aumento do risco de
hipoglicemia neonatal, maior ganho de peso materno, maior
ganho de peso neonatal e macrossomia, sugerindo que deva ser
utilizada com cautela.
Outras drogas no diabetes gestacional:
▶ Prevenção de pré-eclâmpsia: gestantes com diabetes devem
iniciar ácido acetilsalicílico, 81 a 150 mg/d, a partir de 12 semanas
de gestação;
▶ Pacientes com diabetes e hipertensão arterial sistêmica ou
diabetes com proteinúria significativa: manter pressão arterial
menor que 140x90 mmHg. Os hipotensores de escolha são
metildopa e nifedipino.
12.6 CONDUTA OBSTÉTRICA
A frequência do controle obstétrico depende do grau de
comprometimento materno e/ou fetal. Mulheres com diagnóstico
de diabetes gestacional podem inicialmente ser monitoradas a
cada quatro semanas. Naquelas com diabetes pré-gestacional,
pode-se realizar um controle semanal ou a cada duas semanas,
conforme a evolução clínica. A partir das 36 semanas, o controle
deve ser ao menos semanal.
O aumento na incidência de alterações hipertensivas na gestação
com diabetes deve promover cuidados específicos para sua
identificação e manejo. Lembrar de associar AAS e cálcio nas
pacientes com diabetes mellitus a partir de 12 semanas de
gestação para diminuir o risco de pré-eclâmpsia.
O melhor controle de vitalidade fetal é manter um bom controle
glicêmico da mãe.
A avaliação fetal deve ser realizada dependendo da gravidade e
das condições metabólicas da gestante conforme mostrado a
seguir.
Quadro 12.8 - Indicação de avaliação fetal, de acordo com a gravidade do diabetes
pelo Ministério da Saúde
Não existe um consenso para como deve ser realizado o controle
de vitalidade nas gestantes diabéticas e os protocolos variam
entre os serviços. De acordo com Rezende: Obstetrícia
Fundamental (2017), temos:
▶ No DMG:
▷▷ Ultrassonografia seriada entre 28 até 36 semanas, com
objetivo de avaliar macrossomia/polidrâmnio;
▷▷ As pacientes com DMG, que fazem uso de insulina, necessitam
de cardiotocografia (CTG) e avaliação do volume do líquido
amniótico (vLA) a partir de 32 semanas;
▷▷ Não deixar a gravidez ultrapassar 40 semanas, mais seis
semanas, estando, inclusive, indicada a indução eletiva.
▶ No DM pré-gestacional:
▷▷ Lembrar do maior risco de malformações fetais;
▷▷ Rastreamento do crescimento de líquido amniótico a cada
quatro semanas a partir de 28 semanas;
▷▷ Pacientes com diabetes pré-gestacional devem realizar
ecocardiograma fetal de rastreamento;
▷▷ Não esquecer do Doppler em pacientes com vasculopatia e
risco de restrição do crescimento fetal — a partir de 26 semanas;
▷▷ Monitoramento do feto macrossômico com CTG e PBF a partir
de 38 semanas.
▶ Sobre o rastreamento das malformações fetais:
▷▷ Importância da HbA1c no período periconcepcional para risco
das malformações fetais;
▷▷ TN acima de 3 mm, Doppler do ducto venoso anormal, mas
especialmente HbA1c acima de 8,5%, podem sugerir
malformações, em particular, cardíacas;
▷▷ A ultrassonografia morfológica do segundo trimestre,
obrigatória em toda gravidez, é especialmente dirigida para
surpreender os defeitos do tubo neural (DTN), agenesia sacral e
defeitos renais;
▷▷ A ecocardiografia fetal é mandatória entre 18 e 20 semanas
para diagnosticar os defeitos cardíacos complexos.
Figura 12.3 - Acompanhamento fetal no diabetes pré-gestacional
Legenda: Circunferência Abdominal (CA); Volume do líquido amniótico (VLA);
Crescimento Intrauterino Restrito (CIR); cardiotocografia (CTG); Perfil Biofísico
Fetal (PBF).
Fonte: Rezende: Obstetrícia fundamental, 2017.

12.7 COMPLICAÇÕES FETAIS E MATERNAS


12.7.1 Maternas
Polidrâmnio, trabalho de parto prematuro, doença hipertensiva
específica da gravidez, pré-eclâmpsia, risco de hipotonia uterina,
hemorragia pós-parto e lesões do canal de parto, risco
aumentado de rotura prematura das membranas ovulares,
monilíase vaginal. Piora de lesões em órgãos-alvo maternos
devido à descompensação do diabetes. Gestantes com DM 1
apresentam risco aumentado de hipoglicemia no primeiro
trimestre de gestação e, provavelmente, todas apresentam
alteração na resposta contrarregulatória glicêmica, o que pode
reduzir a percepção da hipoglicemia. Além disso, também
apresentam maior risco de cetoacidose diabética, devendo ser
prescrito fita de teste de análise de cetona na urina para essas
gestantes. A retinopatia diabética pode piorar na gestação. O
rápido controle da glicemia pode levar a uma piora da retinopatia.
12.7.1.1 Cetoacidose diabética e cetose de jejum

A cetoacidose diabética ocorre principalmente no diabetes mal


controlado. A cetose é uma emergência grave que acomete 1 a
3% de todas as grávidas diabéticas, especialmente as do tipo 1. O
óbito fetal pode ocorrer em 10 a 35% nesses casos. Os sinais e
sintomas são: hiperventilação, hálito cetônico, desidratação,
coma, glicosúria (4+), cetonúria e hiperglicemia. O tratamento
consiste em reposição volêmica, reposição de insulina e
prevenção da hipopotassemia.
É preciso distinguir a cetose de jejum prolongado (que cursa com
hipoglicemia) da cetoacidose diabética (que cursa com
hiperglicemia). As crises de hipoglicemia, pelo rígido controle
glicêmico, atingem até 70% das mulheres que fazem uso de
insulina na gravidez, sendo um terço deles grave, com convulsões
e perda da consciência, necessitando de terapia com glicose
intravenosa. A utilização de glicose pelo feto, associada à
diminuição da ingesta subsequente a náuseas e vômitos,
determina que os níveis de corpos cetônicos no sangue das
grávidas, após uma noite de jejum, estejam aumentados de duas a
três vezes em relação a valores não gravídicos. O tratamento
deve ser feito com injeção intravenosa de glicose, jamais
administrando-se insulina, reservada para a cetoacidose
diabética.
12.7.2 Fetais
Malformações fetais no diabetes pré-gestacional — doença
cardíaca, alteração renal, doença da regressão causal,
microcefalia e anencefalia —, macrossomia fetal, policitemia
neonatal, hipoglicemia neonatal, hipocalcemia, deficiência de
ferro, alterações da função cardiorrespiratória,
hiperbilirrubinemia, anormalidades neurológicas e
hipomagnesemia. Pode ocorrer ainda síndrome do desconforto
respiratório, abortamentos — diabetes pré-gestacional —, óbito
fetal, tocotraumas, icterícia neonatal, risco aumentado de
obesidade e DM na idade adulta, hipertensão e dislipidemia na
vida adulta. Em gestantes com DMG é mais comum a
macrossomia, com complicações durante o parto e hipoglicemia
neonatal. A distocia de ombro no parto vaginal é relativamente
comum no parto de gestantes com diabetes, principalmente após
40 semanas de gestação — 10% — e em fetos macrossômicos.
O risco mais comumente associado ao DMG não tratado é o
crescimento fetal excessivo. As complicações neonatais mais
graves são a síndrome do desconforto respiratório, a hipoglicemia
e a hiperbilirrubinemia. A macrossomia fetal ocorre porque a
glicose, que cruza a placenta por mecanismo de difusão facilitada,
passa em maior quantidade ao feto. Como consequência, o feto
desenvolve hiperglicemia e, por ter um pâncreas normal,
desenvolve hiperinsulinemia. Esta associação hiperglicemia-
hiperinsulinemia estimula o crescimento fetal e a glicose em
excesso é armazenada como gordura no feto, causando a
macrossomia, aumento da deposição de gordura no tórax-
abdome, com consequente maior risco de distocia de ombro,
aumentando os riscos de tocotraumatismos e de intervenções
cesarianas. A hiperinsulinemia fetal parece também ser o fator
etiológico do atraso na produção do surfactante pulmonar, que
leva ao aumento do desconforto respiratório.
O adequado controle glicêmico na gestação reduz a prevalência
dessas complicações neonatais imediatas, transformando um
recém-nascido de risco em uma criança de baixo risco. As
evidências atuais ressaltam que a exposição fetal intrauterina ao
DMG está associada com risco futuro elevado de obesidade, DM
2 e doença cardiovascular. O feto se adapta ao ambiente
intrauterino por meio de mudanças na expressão gênica que o
prepara para condições similares após o nascimento. Controlar
com rigor a glicemia materna elevada, além de reduzir as
complicações perinatais a curto prazo, reduz as chances de que
esta criança desenvolva obesidade, diabetes e alterações do
metabolismo lipídico até mesmo antes da adolescência.
Figura 12.4 - Fisiopatologia das principais complicações fetais e neonatais
relacionadas
Fonte: elaborado pelo autor.

12.8 PARTO
Segundo o Ministério da Saúde, as gestantes com ótimo controle
metabólico e sem intercorrências da gravidez podem aguardar a
evolução espontânea para o parto até 40 semanas. O parto pode
ser antecipado naquelas gestantes com controle metabólico
inadequado, vasculopatia, nefropatia ou história de natimorto
anterior. Nos casos em que seja provável a antecipação do parto
antes de 35 semanas (diabetes de difícil controle e/ou
comprometimento fetal), recomenda-se utilizar corticoide para
maturação pulmonar fetal. Nesses casos deve feito
monitoramento intensivo da glicemia e aos ajustes na dose de
insulina, devido ao efeito hiperglicemiante do corticoide.
Segundo o Ministério da Saúde:
▶ DMG bem controlada sem intercorrências — aguardar trabalho
de parto até 40 semanas;
▶ Em pacientes insulinodependentes com vasculopatia — parto
até 38 semanas;
▶ Se o peso fetal estimado por ultrassonografia for maior ou igual
a 4.500 g, pode-se considerar a realização de cesárea;
▶ Durante o trabalho de parto, deve-se estar atento para a
evolução no partograma e para sinais de desproporção
cefalopélvica;
▶ Atenção no trabalho de parto em gestantes que utilizam
insulina.
Segundo o Tratado de Obstetrícia Febrasgo (2019):
▶ Feto com até 4 kg: interromper entre 39 e 40 semanas;
▶ Se peso fetal maior que 4 kg: interromper gestação. Risco de
mortalidade fetal;
▶ Se controle glicêmico insatisfatório: interromper entre 37 e 40
semanas;
▶ Se anormalidades no exame de vitalidade fetal: interromper a
gestação;
▶ Se piora clínica da retinopatia ou nefropatia: antecipação do
parto;
▶ A via de parto dependerá das condições obstétricas.
Segundo o Practice Bulletin No. 190: Gestational Diabetes
Mellitus (2018):
▶ Mulheres com DMG controlado com dieta e exercício: parto 40
+ 6;
▶ Mulheres com DMG bem controlado com medicação: parto
entre 39 + 0 e 39 + 6;
▶ Mulheres com DMG não controlado adequadamente mesmo
com medicação: avaliar antecipação do parto para 37 + 0 e 38 + 6
semanas de gestação;
▶ Se não houver controle glicêmico, mesmo sob internação
hospitalar, ou vitalidade fetal anormal: parto antes de 37 semanas;
▶ Mulheres com DM pré-gestacional bem controlado e sem
vasculopatia: parto entre 39 + 0 e 39 + 6;
▶ Mulheres com DM pré-gestacional mal controlado, glicêmico ou
se vasculopatia: parto entre 36 + 0 e 38 + 6;
▶ Se complicações graves: antes de 36 semanas — casos raros;
▶ Avaliar cesárea se peso fetal estimado maior ou igual a 4.500 g.
A conduta durante o trabalho de parto em gestantes em trabalho
de parto espontâneo é:
▶ Dosagem de glicemia na admissão;
▶ Suspender uso de insulina;
▶ Permitir ingestão de líquidos claros na fase de latência;
▶ Iniciar solução salina, IV;
▶ Monitorizar glicemia a cada duas horas na fase de latência, e a
cada uma hora na fase ativa;
▶ Níveis de glicemia capilar: mantidos entre 70 a 120 mg/dL;
▶ Se glicemia menor que 70 mg/dL: soro glicosado a 5%, 100 a
150 mL/h;
▶ Se necessário: insulina regular, IV, em bomba de infusão 1 a 2
UI/h ou insulina regular, lispro ou asparte conforme esquema de
glicemia capilar subcutâneo.
Quadro 12.9 - Insulinoterapia e controle da glicemia durante o parto

Nota: coletar glicemia a cada hora. Mantê-la entre 70 e 120 mg/dL. Administrar
solução glicosada 5% e KCl 10%: 100 a 300 mL/h se glicemia menor que 70 mg/dL.
Insulina regular, lispro, asparte ou glulisina: 25 UI e 250 mL de solução fisiológica a
0,9%.
Fonte: adaptado de Diabetes melito e gestação, 2017.

Indução programada do parto:


▶ Início da manhã;
▶ Se preparo do colo — exemplo: misoprostol: manter a dieta e o
regime usual de insulina até início do trabalho de parto; depois,
seguir com protocolo de trabalho de parto espontâneo;
▶ Se indução — ocitocina: manter dose usual de insulina na noite
anterior, suspender insulina no dia da indução e seguir com
protocolo de trabalho de parto espontâneo.
Cesárea programada:

▶ Programar para o início da manhã;


▶ Suspender dieta na noite anterior. Oferecer um lanche
reforçado e líquidos em maior quantidade antes do jejum;
▶ Manter dose de insulina na noite anterior;
▶ Suspender insulina da manhã; de acordo com o Tratado de
Obstetrícia Febrasgo (2019), deve-se manter um terço da dose da
insulina NPH pela manhã;
▶ Soro glicosado a 5%, 100 a 150 mL/h, até o parto;
▶ Monitorizar glicemia a cada 3 horas até o parto, em casos de
DMG. Se diabetes pré-gestacional, fazer glicemia capilar horária;
▶ Fluidos intraparto a critério do anestesiologista.
A seguir, estão os protocolos do Ministério da Saúde para
cuidados durante o trabalho de parto:
▶ Gestantes em trabalho de parto espontâneo:
▷▷ Realizar uma dosagem de glicemia na admissão;
▷▷ Suspender o uso de insulina;
▷▷ Permitir a ingestão de líquidos claros na fase de latência;
▷▷ Iniciar solução salina;
▷▷ Monitorizar glicemia a cada duas horas na fase de latência, e a
cada uma hora na fase ativa;
▷▷ Durante o trabalho de parto, manter os níveis de glicemia
capilar entre 70 e 110 mg/dL;
▷▷ Se glicemia abaixo de 70 mg/dL, iniciar infusão de solução
glicosada a 5%, 100 a 150 mL/h;
▷▷ Se glicemia acima de 100 mg/dL, iniciar infusão de insulina a
1,25 UI/h, IV.
▶ Indução programada do parto:
▷▷ Programar a indução para o início da manhã;
▷▷ Se a indução for iniciada com algum método de preparação do
colo — exemplo: misoprostol —, manter a dieta e o regime usual
de insulina até o início do trabalho de parto e, depois, seguir com
protocolo de trabalho de parto espontâneo;
▷▷ Se o parto for induzido com ocitocina, manter dose usual de
insulina na noite anterior, suspender insulina no dia da indução e
seguir com protocolo de trabalho de parto espontâneo.
▶ Cesárea programada:
▷▷ Programar a cesárea para o início da manhã;
▷▷ Suspender dieta na noite anterior e oferecer um lanche
reforçado e líquidos em maior quantidade antes do jejum;
▷▷ Manter dose de insulina na noite anterior;
▷▷ Suspender insulina da manhã;
▷▷ Iniciar solução intravenosa de glicose a 5%, 100 a 150 mL/h,
até o parto;
▷▷ Monitorizar glicemia a cada quatro horas até o parto;
▷▷ Fluidos intraparto a critério do anestesiologista.

12.9 AVALIAÇÃO NO PÓS-PARTO


Ainda que a tolerância à glicose se normalize rapidamente após o
parto na maioria das mulheres que desenvolveram DMG, o risco
de desenvolvimento de DM 2 ou de intolerância à glicose é
significativo. A incidência de diabetes em mulheres com história
prévia de DMG varia de 3 a 65%, e em torno de 20% delas irão
apresentar intolerância à glicose após o parto.
Fatores de risco incluem: glicemia de jejum na gestação acima de
100 mg/dL, obesidade, uso de insulina na gestação, excesso de
ganho de peso na gestação, sedentarismo, dieta hiperlipídica,
etnia não branca, uso de insulina durante a gestação e
antecedentes familiares de DM 2.
A avaliação no pós-parto visa identificar mulheres que persistem
com intolerância à glicose e que se beneficiariam de medidas
para prevenção do diabetes, além de diagnosticar DM 2
precocemente. Após o parto, a puérpera deve ser orientada a
suspender a terapia farmacológica antidiabética e, após seis
semanas, realizar o TOTG (viabilidade técnica total) ou glicemia de
jejum (viabilidade técnica/financeira parcial).
O aleitamento natural deve ser estimulado pois está associado à
melhora da glicemia pós parto.

#importante
No pós-parto imediato, de pacientes com
DMG, suspende-se completamente a
insulina e a paciente pode voltar a dieta
normal, não sendo necessário realizar
monitorização glicêmica e sendo
orientada a realizar o TTOG 75 g em seis
semanas.
Figura 12.5 - Viabilidade financeira e disponibilidade técnica total 100% de taxa de
detecção

Fonte: Rastreamento e diagnóstico de diabetes mellitus gestacional no Brasil,


2016.

Em situações de viabilidade financeira e/ou disponibilidade


técnica parcial, pode-se realizar a glicemia de jejum seis semanas
após o parto para diagnóstico de DM e de glicemia de jejum
alterada. O diagnóstico de DM é firmado se a glicemia de jejum for
maior ou igual a 126 mg/dL e de glicemia de jejum alterada
quando a glicemia de jejum for de 100 a 125 mg/dL. É importante
salientar que, nesse caso, estima-se que seja possível
diagnosticar 66% dos casos de alterações no metabolismo de
glicose, incluindo o DM.
Figura 12.6 - Viabilidade financeira e/ou disponibilidade técnica parcial 66% de
taxa de detecção

Fonte: Rastreamento e diagnóstico de diabetes mellitus gestacional no Brasil,


2016.

Como mencionado, o TOTG 75 g é o exame padrão-ouro no


diagnóstico de diabetes após seis semanas do parto.
Quadro 12.10 - Critérios laboratoriais para diagnóstico de normoglicemia, pré-
diabetes e diabetes mellitus, adotados pela Sociedade Brasileira de Diabetes
Legenda: Organização Mundial da Saúde (OMS); hemoglobina glicada (HbA1c).
1 Categoria também conhecida como glicemia de jejum alterada.
2 Categoria também conhecida como intolerância oral à glicose.
Fonte: Diretrizes Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020, 2019.

Não se deve solicitar dosagem de hemoglobina glicada no pós-


parto, pois esse exame não está validado para o diagnóstico de
diabetes no puerpério. Caso o TOTG com 75 g de glicose ou a
glicemia de jejum sejam normais, a paciente deverá ser avaliada
anualmente por meio de glicemia de jejum, TOTG com 75 g de
glicose, ou pela medida da HbA1c. Deve-se conversar com a
paciente sobre mudanças no estilo de vida, como atividade física
e dieta, e início de metformina em pacientes com pré-diabetes.
12.10 PESQUISA DE MATURIDADE FETAL
A maturidade fetal é clinicamente alcançada a partir da 37ª
semana de gestação e a datação correta da gravidez é
fundamental para evitar a prematuridade. O principal parâmetro a
ser avaliado na maturidade fetal é a maturidade pulmonar, que
ocorre ao redor da 35ª semana. A síndrome do desconforto
respiratório, ou síndrome das membranas hialinas, é rara nos
conceptos com mais de 37 semanas, mas é frequente nos recém-
nascidos com 29 a 30 semanas, acometendo quase 65% dos
casos. A maturidade pulmonar fetal já está presente em fetos
com mais de 35 semanas em gestações normais.
12.10.1 Desenvolvimento do pulmão fetal e surfactante
O pulmão fetal inicia seu desenvolvimento por volta da terceira
semana de vida e, entre 16 e 24 semanas de gestação, ocorre
aumento da angiogênese e diferenciação do epitélio cuboide que
reveste os ácinos em pneumócitos do tipo I (células com funções
relacionadas ao revestimento alveolar) e tipo II (célula
responsável pela produção do surfactante).
Após produzido, o surfactante é armazenado em estruturas
granulares, chamadas de Corpos Lamelares (CL). Os CLs
aparecem no citoplasma dos pneumócitos por volta de 24
semanas de gestação, apesar do surfactante no líquido amniótico
começar a aumentar após 32 semanas.
O surfactante pulmonar diminui a tensão superficial entre ar e
líquido no interior dos alvéolos. Ele é composto por
aproximadamente 90% de fosfolipídios (principalmente
lecitina/fosfatidilcolina e fosfatidilglicerol) e 10% de proteínas. A
síntese de lecitina aumenta gradualmente a partir de 28 semanas
de gestação até o parto, sendo o pico de produção com 36
semanas. O fosfatidilglicerol aparece no pulmão fetal com 36
semanas e aumenta até o termo. Alterações na proporção, na
quantidade ou na qualidade dos fosfolipídios que compõem o
surfactante pulmonar resultam em colapso alveolar, ocasionando
a Síndrome do Desconforto Respiratório (SDR).
As pacientes com diabetes na gestação têm maior risco de parto
prematuro. Além da prematuridade, o diabetes é fator de risco
independente para SDR. A SDR é mais frequente em pacientes
com diabetes pré-gestacional ou gestacional que utilizaram
insulina. O mecanismo que explica esse aumento de morbidade
respiratória está associado ao surfactante. A expressão das
proteínas B e C do surfactante são inibidas pela insulina. Além
disso, o principal componente lipídico do surfactante, o
fosfatidilglicerol (PG), demora mais a aparecer nas gestantes
diabéticas.
12.10.2 Métodos de avaliação da maturidade fetal
Para avaliar a maturidade fetal, dispõe-se de métodos clínicos,
laboratoriais, bioquímicos e físicos, conforme mostrado no
Quadro a seguir.
Quadro 12.11 - Métodos de avaliação da maturidade fetal
Fonte: adaptado de Manual de assistência pré-natal, 2014.

A Data da Última Menstruação (DUM) é um método confiável para


datar a gestação quando a mulher tem ciclos regulares.
Já para a Altura Uterina (AU), segue-se a regra de MacDonald, na
qual se multiplica a AU — em cm — por oito e divide-se por sete,
obtendo a idade gestacional — em semanas. A ausculta dos BCF
pode ser detectada a partir de nove semanas. A percepção
materna da movimentação fetal dá-se por volta de 17 a 18
semanas, mas pode variar dependendo do peso da paciente e da
paridade.
O parâmetro ultrassonográfico é um ótimo método para precisar
a idade gestacional, principalmente quando realizado no início da
gravidez:
▶ Saco gestacional pode ser visualizado com cinco semanas de
gestação;
▶ Embrião com batimento cardíaco, por volta de seis semanas;
▶ No primeiro trimestre o comprimento craniocaudal tem boa
sensibilidade, com margem de erro inferior a uma semana;
▶ Nos segundo e terceiro trimestres, a medida do diâmetro
biparietal é a mais utilizada. Sua complementação com a medida
do comprimento do fêmur e do úmero e dos núcleos de
ossificação também tem correlação com a maturidade fetal:
▷▷ Núcleos de ossificação estão presentes:
▷▷▷ Com 32 semanas: na porção distal do fêmur;
▷▷▷ Com 36 semanas: na porção proximal da tíbia;
▷▷▷ Com 38 semanas: na porção proximal do úmero.
A avaliação do líquido amniótico por meio de amnioscopia é um
método indireto, porém, simples e útil na prática clínica. A
presença de grumos de verniz caseoso indica a idade gestacional
provável de 38 semanas.
Figura 12.7 - Amnioscopia
Fonte: Claudio Van Erven Ripinskas.

12.10.3 Métodos de avaliação da maturidade pulmonar


fetal
Essa avaliação pode ser realizada por métodos bioquímicos e
biofísicos, através da avaliação do Líquido Amniótico (LA) —
geralmente através de amniocentese — ou da ultrassonografia —
métodos não invasivos. Até recentemente, o método mais
utilizado para avaliar a maturidade pulmonar fetal era através da
avaliação do surfactante pulmonar obtido por meio de
amniocentese que, por se tratar de método invasivo, e não isento
de riscos, ficou com aplicação bem limitada na prática clínica. Nos
últimos anos, estudos têm sido realizados na tentativa de predizer
maturidade pulmonar através de análise computadorizada de
imagens de ultrassonografia.
12.10.3.1 Métodos de avalição da maturidade pulmonar fetal
através da avaliação do líquido amniótico — Amniocentese

Os métodos de avaliação de maturidade pulmonar, de acordo com


o Manual de assistência pré-natal (2014), são:
▶ Teste de Clements: leitura da capacidade do Líquido Amniótico
(LA) de produzir bolhas quando diluído em álcool 95% e soro
fisiológico 0,9% (SF), teste positivo para maturidade pulmonar
quando há bolhas nos três tubos;
▶ Contagem de corpos lamelares: detecção em aparelho de
hematimetria automatizado de corpos lamelares que se
encontram nos pneumócitos II. Valores acima de 30.000 indicam
maturidade fetal com VPP acima de 99%;
▶ Relação lecitina/esfingomielina: dosagem por cromatografia;
quando a relação é acima ou igual a 2, a maturidade pulmonar
está presente;
▶ Fosfatidilglicerol: a detecção no líquido amniótico desse lipídio
constituinte do surfactante é possível apenas após a maturidade;
▶ Perfil pulmonar: dosagem de cinco tipos de surfactantes:
lecitina, esfingomielina, lecitina saturada, fosfatidil-inositol e
fosfatidilglicerol, que juntos predizem a maturidade pulmonar
com mais segurança.
12.10.3.2 Métodos de avalição da maturidade pulmonar fetal
através da ultrassonografia
Com o desenvolvimento tecnológico dos aparelhos de
ultrassonografia, foram estudadas técnicas na tentativa de
predizer maturidade pulmonar fetal através da avaliação
ultrassonográfica da textura, densidade e ecogênicidade do
pulmão e da comparação da textura pulmonar com a do fígado
fetal. Histograma da escala de cinza do pulmão fetal: há
modificação no tecido pulmonar fetal de acordo com a idade
gestacional e isso pode ser detectado pelo histograma da escala
de cinza.
Com o passar dos anos, técnicas quantitativas potentes, para
análise de imagens ultrassonográficas, foram desenvolvidas.
Esses padrões de texturas podem ser utilizados para treinar
algoritmos para predição de informações que podem ser
aplicadas para predizer eventos clínicos.
Em 2015, Bonet-Carne et al., realizaram o estudo Quantitative
ultrasound texture analysis of fetal lungs to predict neonatal
respiratory morbidity para validar um software capaz de avaliar
quantitativamente a textura do pulmão fetal, o quantusFLM®.
A metodologia consiste em obter imagens ultrassonográficas do
pulmão fetal através de um protocolo detalhado. O software
apresenta algoritmos que analisam automaticamente os padrões
texturais da área delimitada do pulmão. Estes algoritmos são
utilizados para estimar a probabilidade de morbidade respiratória
pulmonar neonatal através da comparação com centenas de
imagens ultrassonográficas de pulmão de neonatos que
apresentaram morbidade respiratória. O software utiliza padrões
de textura pulmonar de acordo com a idade gestacional. Estudo
multicêntrico concluiu que a acurácia do método em predizer a
SDR foi de 86,5% no geral e de 75,6% na faixa entre 25 e 33
semanas e seis dias e 89,8% entre 34 e 38 semanas e seis dias. A
conclusão foi de que o quantusFLM® tem acurácia semelhante
aos testes anteriormente utilizados para predizer maturidade
pulmonar fetal com a vantagem de ser não invasivo (Prediction of
neonatal respiratory morbidity by quantitative ultrasound lung
texture analysis: a multicenter study, 2017). A vantagem dos
métodos ultrassonográficos reside no fato de não serem
invasivos.

Gestante de 15 semanas
retorna à consulta de pré-
natal com resultado de
glicemia de jejum de 100
mg/dL. Como proceder?
Devemos realizar a curva
de TTOG de 75 g?
Essa gestante apresenta o diagnóstico de DMG, pois
sua glicemia de jejum está entre 92 e 125 mg/dL. Não
será necessário realizar o TTOG e a paciente deverá ser
orientada a iniciar o tratamento, primeiramente, não
farmacológico. O tratamento inicial consiste em dieta,
exercício físico e monitorização da glicemia capilar.
No controle capilar os seguintes parâmetros são
satisfatórios:
▶ Glicemia de jejum: menor que 95 mg/dL;
▶ Uma hora pós-prandial: menor que 140 mg/dL;
▶ Duas horas pós-prandial: menor que 120 mg/dL.
Se o tratamento não farmacológico não for suficiente,
deve-se iniciar o tratamento medicamentoso com
insulina. O controle de crescimento, líquido amniótico e
vitalidade fetal devem ser realizados. Atentar-se para
risco de macrossomias e morbidades fetais e neonatais
se o controle não for adequado. No pós-parto, a
paciente deverá realizar TTOG 75 g após seis semanas.

Universidade do Estado do Pará


Para a Revalidação do Diploma de Medicina pela UEPA, é preciso
passar por quatro fases. A primeira consiste na apresentação de
documentos. Em seguida, é preciso realizar uma prova teórica em
duas etapas, sendo a primeira com 100 questões objetivas, com
cinco alternativas cada, e a segunda com cinco questões
dissertativas. As perguntas geralmente envolvem conceitos nas
áreas de Clínica Médica, Cirurgia, Medicina de Família e Saúde
Pública.
Na terceira fase há uma prova de habilidades clínicas, realizada
por uma banca examinadora. São dez estações sucessivas, em
que os candidatos deverão realizar tarefas em situações
simuladas, envolvendo anamnese, exame físico, interpretação de
exames complementares, formulação de hipóteses diagnósticas,
plano terapêutico, demonstração de procedimentos médicos,
orientações diagnósticas, orientação a pacientes e familiares e
relação médico-paciente. Por fim, na última fase, o candidato
deve passar por uma análise pedagógica do currículo e histórico
escolar.
UEPA | 2020
Feminino, tercigesta, 38 anos, idade gestacional: 11 semanas e 1
dia, vem para consulta de pré-natal. Nega doenças prévias. Nega
queixas atuais. Traz dois exames de glicemia de jejum de 135
mg/dL e 128 mg/dL, realizados na 6ª semana e 8ª semana de
gestação, respectivamente. Segundo a Sociedade Brasileira de
Diabetes, a conduta adequada, neste caso, é:
a) orientação nutricional e controle do perfil glicêmico em 7-10
dias
b) iniciar insulina regular de acordo com o peso da paciente
c) realizar teste de tolerância oral a glicose (TOTG 50 mg) para
confirmar diabetes
d) acompanhamento pré-natal habitual e nova glicemia de jejum
após 30 dias
e) iniciar insulina NPH e controle do perfil glicêmico em 7-10 dias
Gabarito: a
Comentários:
a) Pelos exames da paciente (glicemia de jejum acima de 126
mg/dL) fazemos o diagnóstico de diabetes pré-gestacional ou
overt diabetes. A orientação de tratamento inicial são as medidas
dietéticas associadas a atividade física, realizando controle
glicêmico e reavaliação precoce.
b) A orientação de tratamento inicial são as medidas dietéticas
associadas a atividade física. A introdução de insulina só é
recomendada quando há falha das medidas iniciais.
c) Com os exames realizados já há a definição do diagnóstico e
não há necessidade de realizar TOTG.
d) Vide o comentário geral na alternativa correta.
e) A orientação de tratamento inicial são as medidas dietéticas
associadas a atividade física. A introdução de insulina só é
recomendada quando há falha das medidas iniciais.

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