Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
12.1 DEFINIÇÃO
O Diabetes Mellitus (DM) caracteriza-se por síndrome clínica
representada por hiperglicemia. Esta ocorre devido à deficiência
na produção de insulina pelo pâncreas ou pela redução da sua
ação nos tecidos, carreando distúrbios metabólicos de
carboidratos, lipídios, proteínas, eletrólitos e água.
Na atualidade, aproximadamente 463 milhões de adultos
apresentam DM em todo o mundo. No Brasil estima-se que 16,5
milhões de pessoas tenham a doença, sendo que mais da metade
desconhece o diagnóstico. As complicações relacionadas ao DM
estão entre as principais causas de morte e morbidade em muitos
países.
Nas mulheres, o antecedente de Diabetes Mellitus Gestacional
(DMG) é o principal fator de risco para o desenvolvimento de
diabetes tipo 2 e síndrome metabólica. Portanto, a hiperglicemia
no ciclo gravídico-puerperal é um importante problema tanto pelo
aumento de morbimortalidade perinatal, pelo desenvolvimento
de doenças no futuro como pelo aumento da prevalência em
decorrência do grande aumento da obesidade em diversos
países. O ambiente hiperglicêmico adverso que o feto de mãe
com diabetes está exposto na vida intrauterina tem papel crucial
no desenvolvimento futuro de doenças. O feto se adapta ao
ambiente intrauterino por meio de mudanças na expressão
gênica que o prepara para condições similares após o
nascimento: é a teoria de Barker, da Origem do Desenvolvimento
de Saúde e Doença (DOHaD). As evidências atuais ressaltam uma
associação de DMG com risco fetal futuro de obesidade, DM2 e
doença cardiovascular. Controlar com rigor a glicemia materna,
além de reduzir as complicações perinatais a curto prazo, reduz as
chances de que esta criança desenvolta problemas metabólicos
no médio/longo prazo.
Houve aumento expressivo do número de mulheres com
diagnóstico de diabetes em idade fértil e durante a gestação e
puerpério. Isso pode ser explicado devido ao crescimento
populacional, ao aumento da idade materna, à falta de atividade
física e ao aumento da obesidade. Segundo estudos
populacionais realizados nas últimas décadas, a prevalência de
DMG varia de 1 a 37,7%, com média mundial de 16,2% (The
International Federation of Gynecology and Obstetrics (FIGO)
Initiative on gestational diabetes mellitus: A pragmatic guide for
diagnosis, management, and care, 2015). Na atualidade, estima-se
que um em cada seis nascimentos ocorra em mulheres com
alguma forma de hiperglicemia durante a gestação, e 84% desses
casos seriam decorrentes do DMG (IDF Diabetes Atlas, 2019).
Estima-se que, no Sistema Único de Saúde (SUS), a prevalência de
DMG seja em torno de 18%. No ciclo gravídico-puerperal, é
possível a ocorrência de hiperglicemia tanto em mulheres com
diagnóstico pré-gestacional de DM quanto em gestantes sem
esse diagnóstico pregresso.
As recentes diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e
dos principais protocolos de DM recomendam que a
hiperglicemia detectada, pela primeira vez, em qualquer momento
da gravidez, deve ser categorizada da seguinte forma:
▶ DMG: gestante com hiperglicemia detectada pela primeira vez
durante a gravidez, com níveis glicêmicos sanguíneos que não
atingem os critérios diagnósticos para DM na ausência de
gestação;
▶ Diabetes Mellitus diagnosticado na gestação — Overt Diabetes:
gestante sem diagnóstico prévio de DM, com hiperglicemia
detectada na gravidez e com níveis glicêmicos sanguíneos que
atingem os critérios da OMS para a DM na ausência de gestação.
12.2 FISIOPATOLOGIA
A gestação é considerada uma condição diabetogênica,
caracterizada por um estado de resistência à insulina, assim como
por mudança nos mecanismos de controle da glicemia pelo
consumo de glicose pelo embrião e feto.
A fisiopatologia do DMG é explicada pela elevação de hormônios
contrarreguladores da insulina (que aumentam principalmente a
partir da metade da gestação), pelo estresse fisiológico imposto
pela gravidez e pelos fatores genéticos e ambientais. O principal
hormônio relacionado com a resistência à insulina durante a
gravidez é o hormônio lactogênio placentário, mas outros
hormônios hiperglicemiantes como cortisol, estrogênio,
progesterona e prolactina também estão envolvidos.
Do início da gestação até a 20ª semana ocorre a primeira fase,
que é anabólica. Nessa fase, há inibição da alanina, importante
precursor do glicogênio, maior sensibilidade dos tecidos à
insulina, levando à redução dos níveis glicêmicos de jejum. A partir
da 20ª semana até o fim da gestação, ocorre a segunda fase,
considerada catabólica; a placenta aumenta a produção de
hormônios hiperglicemiantes, principalmente o Hormônio
Lactogênio Placentário (HLP). Há também, nessa fase, níveis
elevados de outros hormônios, como progesterona, estrogênio,
cortisol livre e hormônio de crescimento, e haverá aumento da
resistência periférica à insulina materna, ocasionando
hiperinsulinismo, com diminuição da reserva de glicogênio e
gordura, e então aumento da gliconeogênese. Outro fator
hiperglicêmico na gestação é a degradação da insulina por
enzimas da membrana placentária, semelhantes às insulinases
hepáticas.
Assim, nas gestantes saudáveis, as alterações hormonais que se
dão principalmente após a 20ª semana podem promover redução
da atuação da insulina em seus receptores, e consequentemente
aumento da sua produção. Esse mecanismo, entretanto, pode não
ser observado em gestantes que já estejam com sua capacidade
de produção no limite. Nessas mulheres, o aumento da
quantidade de produção de insulina pelo pâncreas materno não é
suficiente para controlar a alta resistência periférica à insulina,
levando ao desenvolvimento de diabetes gestacional.
12.3 RASTREAMENTO
A valorização dos chamados fatores de risco para o rastreamento
do diabetes na gestação — obesidade, história familiar, glicosúria
etc. —, quando utilizados isoladamente, não se mostrou efetiva,
portanto, o rastreio deve ser realizado na primeira consulta pré-
natal antes de 20 semanas de gestação, com glicemia de jejum.
#importante
Todas as gestantes, independentemente
da presença de fatores de risco, devem
realizar rastreamento para esta doença.
#importante
Considera-se que o teste com melhor
sensibilidade e especificidade para o
diagnóstico de DMG é o TOTG com 75 g,
com os valores propostos em
Rastreamento e diagnóstico de diabetes
mellitus gestacional no Brasil (2016).
12.8 PARTO
Segundo o Ministério da Saúde, as gestantes com ótimo controle
metabólico e sem intercorrências da gravidez podem aguardar a
evolução espontânea para o parto até 40 semanas. O parto pode
ser antecipado naquelas gestantes com controle metabólico
inadequado, vasculopatia, nefropatia ou história de natimorto
anterior. Nos casos em que seja provável a antecipação do parto
antes de 35 semanas (diabetes de difícil controle e/ou
comprometimento fetal), recomenda-se utilizar corticoide para
maturação pulmonar fetal. Nesses casos deve feito
monitoramento intensivo da glicemia e aos ajustes na dose de
insulina, devido ao efeito hiperglicemiante do corticoide.
Segundo o Ministério da Saúde:
▶ DMG bem controlada sem intercorrências — aguardar trabalho
de parto até 40 semanas;
▶ Em pacientes insulinodependentes com vasculopatia — parto
até 38 semanas;
▶ Se o peso fetal estimado por ultrassonografia for maior ou igual
a 4.500 g, pode-se considerar a realização de cesárea;
▶ Durante o trabalho de parto, deve-se estar atento para a
evolução no partograma e para sinais de desproporção
cefalopélvica;
▶ Atenção no trabalho de parto em gestantes que utilizam
insulina.
Segundo o Tratado de Obstetrícia Febrasgo (2019):
▶ Feto com até 4 kg: interromper entre 39 e 40 semanas;
▶ Se peso fetal maior que 4 kg: interromper gestação. Risco de
mortalidade fetal;
▶ Se controle glicêmico insatisfatório: interromper entre 37 e 40
semanas;
▶ Se anormalidades no exame de vitalidade fetal: interromper a
gestação;
▶ Se piora clínica da retinopatia ou nefropatia: antecipação do
parto;
▶ A via de parto dependerá das condições obstétricas.
Segundo o Practice Bulletin No. 190: Gestational Diabetes
Mellitus (2018):
▶ Mulheres com DMG controlado com dieta e exercício: parto 40
+ 6;
▶ Mulheres com DMG bem controlado com medicação: parto
entre 39 + 0 e 39 + 6;
▶ Mulheres com DMG não controlado adequadamente mesmo
com medicação: avaliar antecipação do parto para 37 + 0 e 38 + 6
semanas de gestação;
▶ Se não houver controle glicêmico, mesmo sob internação
hospitalar, ou vitalidade fetal anormal: parto antes de 37 semanas;
▶ Mulheres com DM pré-gestacional bem controlado e sem
vasculopatia: parto entre 39 + 0 e 39 + 6;
▶ Mulheres com DM pré-gestacional mal controlado, glicêmico ou
se vasculopatia: parto entre 36 + 0 e 38 + 6;
▶ Se complicações graves: antes de 36 semanas — casos raros;
▶ Avaliar cesárea se peso fetal estimado maior ou igual a 4.500 g.
A conduta durante o trabalho de parto em gestantes em trabalho
de parto espontâneo é:
▶ Dosagem de glicemia na admissão;
▶ Suspender uso de insulina;
▶ Permitir ingestão de líquidos claros na fase de latência;
▶ Iniciar solução salina, IV;
▶ Monitorizar glicemia a cada duas horas na fase de latência, e a
cada uma hora na fase ativa;
▶ Níveis de glicemia capilar: mantidos entre 70 a 120 mg/dL;
▶ Se glicemia menor que 70 mg/dL: soro glicosado a 5%, 100 a
150 mL/h;
▶ Se necessário: insulina regular, IV, em bomba de infusão 1 a 2
UI/h ou insulina regular, lispro ou asparte conforme esquema de
glicemia capilar subcutâneo.
Quadro 12.9 - Insulinoterapia e controle da glicemia durante o parto
Nota: coletar glicemia a cada hora. Mantê-la entre 70 e 120 mg/dL. Administrar
solução glicosada 5% e KCl 10%: 100 a 300 mL/h se glicemia menor que 70 mg/dL.
Insulina regular, lispro, asparte ou glulisina: 25 UI e 250 mL de solução fisiológica a
0,9%.
Fonte: adaptado de Diabetes melito e gestação, 2017.
#importante
No pós-parto imediato, de pacientes com
DMG, suspende-se completamente a
insulina e a paciente pode voltar a dieta
normal, não sendo necessário realizar
monitorização glicêmica e sendo
orientada a realizar o TTOG 75 g em seis
semanas.
Figura 12.5 - Viabilidade financeira e disponibilidade técnica total 100% de taxa de
detecção
Gestante de 15 semanas
retorna à consulta de pré-
natal com resultado de
glicemia de jejum de 100
mg/dL. Como proceder?
Devemos realizar a curva
de TTOG de 75 g?
Essa gestante apresenta o diagnóstico de DMG, pois
sua glicemia de jejum está entre 92 e 125 mg/dL. Não
será necessário realizar o TTOG e a paciente deverá ser
orientada a iniciar o tratamento, primeiramente, não
farmacológico. O tratamento inicial consiste em dieta,
exercício físico e monitorização da glicemia capilar.
No controle capilar os seguintes parâmetros são
satisfatórios:
▶ Glicemia de jejum: menor que 95 mg/dL;
▶ Uma hora pós-prandial: menor que 140 mg/dL;
▶ Duas horas pós-prandial: menor que 120 mg/dL.
Se o tratamento não farmacológico não for suficiente,
deve-se iniciar o tratamento medicamentoso com
insulina. O controle de crescimento, líquido amniótico e
vitalidade fetal devem ser realizados. Atentar-se para
risco de macrossomias e morbidades fetais e neonatais
se o controle não for adequado. No pós-parto, a
paciente deverá realizar TTOG 75 g após seis semanas.