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• A perspectiva positivista – legalista

À pergunta sobre o que seja materialmente o crime pode antes de tudo responder-se que ele será
tudo aquilo que o legislador considerar como tal. Seria unicamente a circunstância de o legislador ter
ameaçado a prática de determinado facto com uma pena criminal que “transforma “ aquele facto em
comportamento criminal ; com o que o conceito material de crime viria a corresponder afinal ao que se
disse ser o seu conceito formal.
Uma tal concepção é inaceitável e inútil. Quando se pergunta pelo conceito material de crime,
procura-se uma resposta, antes de tudo, à questão da legitimação material do direito penal, isto é, à questão
de saber qual a fonte de onde promana a legitimidade para considerar certos comportamentos humanos
como crimes e aplicar aos infractores sanções de espécie particular.
Uma concepção como a exposta não permite ligar a questão do conceito material de crime ao
problema, em que aquela verdadeiramente se inscreve, da função e dos limites do direito penal. A pergunta
por um conceito material de crime, é, neste sentido, previamente dado ao legislador e constitui-se em padrão
crítico tanto do direito vigente, como do direito a constituir, indicando ao legislador aquilo que ele pode e
deve criminalizar e aquilo que ele deve deixar fora do âmbito do direito penal.

• A perspectiva positivista – sociológica

Um esforço sério e continuado de ultrapassar as deficiências notórias com que se debateu a


concepção positivista – legalista do crime residiu na tentativa de encontrar o conteúdo deste numa noção
sociológica. O que importaria seria divisar, atrás da multiplicidade das manifestações legais de crime,
aquilo que em termos de objectividade e universalidade pudesse, à luz da realidade social, ser como tal
considerado.
A tentativa de definir materialmente o crime como uma unidade de sentido sociológico,
autónomo e anterior à qualificação jurídico – penal legal, passou a constituir, durante muito tempo, uma
ideia básica da dogmática do direito penal.
Estamos hoje em posição de afirmar que as tentativas de encontrar por esta via o conteúdo material
do conceito de crime não lograram êxito.

• A perspectiva moral (ético) – social

À passagem do Estado de Direito formal ao estado de Direito material correspondeu a introdução


no conceito material de crime de um ponto de vista moral (ético) – social que leva a ver na “essência”
daquele a violação de deveres ético – sociais elementares ou fundamentais.
Esta concepção corresponde, a uma atitude enraizada no espírito da generalidade das pessoas, para
quem o direito penal constituiria a tradução, no mundo terreno, das noções de pecado e de castigo vigentes
na ordem religiosa.
Não é função do direito penal nem primária, nem secundária tutelar a virtude ou a moral : quer
se trate da moral estruturalmente imposta, da moral dominante ou da moral específica de um qualquer grupo
social.

• A perspectiva racional : a função de tutela subsidiária de bens jurídicos dotados de dignidade penal
( bens jurídico – penais)

A controvérsia acabada de referir conduziu à introdução, na temática da função do direito penal


ligada ao conceito material de crime, de uma perspectiva que, com particular razão, se pode qualificar de
teleológico – funcional e racional. De teleológico – funcional, na medida em que se reconheceu
definitivamente que o conceito material de crime não podia ser deduzido das ideias vigentes a se em
qualquer ordem extra - jurídica e extra – penal, mas tinha de ser encontrado no horizonte de compreensão
imposto ou permitido pela própria função que o direito penal se adscrevesse no sistema jurídico – social.
De racional, na medida em que o conceito material de crime vem assim a resultar da função atribuída ao
direito penal de tutela subsidiária ( ou ultima ratio ) de bens jurídicos dotados de dignidade penal ( de
“ bens jurídico – penais” ) ; ou, o que é dizer o mesmo de bens jurídicos cuja lesão se revela digna de
pena. Bens jurídicos nos quais afinal se concretiza, em último termo, a noção sociológica fluída da
danosidade ou da ofensividade sociais supra aludidas.

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