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EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E

TERRITÓRIOS

Autos n. 0746722-13.2022.8.07.0001
Apelante: DANCLES MAYCON SILVA ALVES
Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E
TERRITÓRIOS
Origem: 3ª VARA DE ENTORPECENTES DO DISTRITO FEDERAL-DF

RAZÕES DO RECURSO DE APELAÇÃO


COLENDA TURMA,
ÍNCLITOS JULGADORES,

I – DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE.


No que tange aos requisitos extrínsecos, trata-se o
presente apelo de recurso cabível e adequado, ante a
procedência da pretensão acusatória pelo magistrado a quo,
assim como tem por satisfeita a tempestividade.
Quanto aos requisitos intrínsecos, há interesse por
ter havido condenação do recorrente, bem como está satisfeita
a questão da legitimidade, visto que o apelante é legalmente
legitimado para interpor o presente recurso.

II - BREVE RELATÓRIO DO PROCESSO


Trata-se de ação penal em que o Apelante foi
denunciado nos termos do artigo 33, caput, da Lei 11.343/06

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e do art. 307 do Código Penal, em razão da prática das
condutas delituosas transcritas na inicial acusatória (ID n.
146775870).
Terminada a instrução probatória, onde foram ouvidas
as testemunhas, e tendo o réu usado o direito constitucional
de ficar em silêncio, o Ministério Público pugnou pela
condenação do réu nos termos da denúncia.
O réu foi condenado a pena de uma pena de 05 (cinco)
anos e 10 (dez) meses de reclusão e 03 (três) meses de
detenção, além de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-
multa.
É o relatório.

III – DO DIREITO
III. I – Da absolvição
Máxima vênia, não assiste razão a r. sentença ao
condenar o acusado pelo crime de tráfico de drogas, senão
vejamos.
Como cediço quem acusa tem que provar, e em matéria
penal, o onus probandi da existência do fato criminoso
imcumbe ao Ministério Público, pois é o deflagrador da ação
penal, cabendo-lhe provar em juízo a veracidade e procedência
das afirmações constantes da denúncia.
No que toca ao polo passivo da relação penal, ao
acusado que alega inocência, não bastasse à impossibilidade
lógica da prova de fato negativa, salvo por meio indireto,
sobre ele não pode recair o ônus da prova, vez que a Carta
Maior lhe assegura no art. 5º, inciso LVII, a presunção de
inocência.
Também, no campo probatório, é pressuposto
inafastável que a prova válida à comprovação de

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culpabilidade, de demonstração de autoria, é somente a prova
judicial, aquela produzida com todas as garantias do devido
processo legal, único substrato do qual o julgador pode
extrair sua convicção (art. 155 do CPP).
Atualmente o direito de punir do Estado pressupõe
certo controle para sua materialização, visto que o período
do processo inquisitório já se encerrou na história do
direito brasileiro e o mundo moderno se reflete no Estado
Democrático de Direito, com amplas garantias
constitucionais, sendo a persecução penal um instrumento
ético de busca da verdade real de um determinado fato.
Nesse contexto, nos presentes autos, a prova colhida
não permite desate condenatório, isto porque é frágil, na
medida em que há, nos autos, apenas suposições de que o
acusado participou do crime.
Nobre Relator(a), não cabe ao Judiciário, guardião
das liberdades fundamentais, suprir as deficiências
instrutórias cujo órgão acusador não se desincumbiu,
abrandando o rigor na apreciação da prova, sendo
condescendente com uma acusação que não foi devidamente
esclarecida.
Os policiais ouvidos em juízo fizeram apenas relatos
genéricos de que o acusado estava traficando e o suposto
usuário sequer foi ouvido em juízo.
A defesa requer especial atenção para o fato de que
a Cabo da PMDF, Fernanda Caroline de Novaes Barros, em seu
interrogatório diante da Autoridade Judicial às perguntas da
Promotora de Justiça respondeu que se recordava do dia dos
fatos; que estava no local em patrulhamento e passou um
popular e informou que tinha duas pessoas comercializando
droga; que ela e seu parceiro se deslocaram na viatura um
pouco mais a frente e avistaram duas pessoas paradas na

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entrada da estação do metrô; que assim que percebeu a
viatura, Dancles correu para o interior da estação pelas
escadas; que ela ficou com o Brayan e Vitor foi atrás de
Dancles; que tanto com Dancles como com Brayan foram
encontrados comprimidos de Clonazepam; que com Dancles foi
encontrado ainda um frasco da mesma substância na forma
líquida; que o Brayan no primeiro momento em que foi abordado
disse que estava vendendo a droga para Dancles; que Dancles
disse que se chamava Caio e era menor de idade; que
posteriormente foi descoberto que na verdade a pessoa
envolvida se chamava Dancles, era maior de idade e tinha um
mandado de prisão contra si;
Já o soldado da PMDF Vitor Souza Barboza em seus
esclarecimentos para o juízo disse estava juntamente com a
companheira de trabalho a Cabo Fernanda fazendo Ponto de
Demonstração nas imediações do Metrô do Guará; que um popular
informou que estava ocorrendo negociação de venda de droga
logo mais adiante; que seguiram em frente e avistaram as
pessoas supostamente envolvidas; que Caio, posteriormente
identificado como Dancles demonstrou intenso nervosismo e
correu para dentro da estação do metrô; que conseguiu detê-
lo perto das catracas; que foi encontrada droga tanto com
Dancles quanto com Brayan; que não se recorda a quantidade
de droga apreendida, mas que o Dancles estava com a maior e
quantidade de comprimidos; que Dancles negou que estava
comercializando a droga e que Brayan alegou que tinha
problemas psicológicos; que não chegou a ver um entregando
a droga para o outro; que na DCA os policiais civis
descobriram que Caio na verdade se chamava Dancles e que é
maior de idade.
Nobre relator, o juízo baseou o seu decreto
condenatório apenas com base no depoimento das duas

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testemunhas policiais militares. Veja que os policiais não
avistaram quem estava vendendo ou quem estava comprando.
Note ainda que a Cabo Fernanda ainda menciona que a Brayan
num primeiro momento chegou a assumir que era ele quem estava
vendendo a droga para Dancles, e, não foi esclarecido o
motivo pelo qual Brayan foi liberado. Dancles foi mantido
preso provavelmente porque correu na hora da abordagem.
Contudo, o fato de ter corrido e ter se identificado como
outra pessoa foi esclarecido nas alegações finais: o Apelante
correu porque sabia que existia contra si um mandado de
prisão, porém, esse fato por si só não é suficiente para que
o Estado o considere novamente culpado por crime de tráfico,
o que não restou demonstrado.
Os policiais não trouxeram aos autos nenhuma prova
cabal da traficância. A r. sentença se baseia na condenação
apenas pelos relatos dos policiais.
Ora, nossa legislação exige rigor na investigação,
como quando, por exemplo, exige que sejam realizados autos
de apreensão, de busca, de avaliação, exames periciais, enfim
a documentação necessária para um conjunto probatório
robusto, pois, de regra, a escoteira palavra das testemunhas
não é suficiente para uma condenação.
Sendo assim, oportuno lembrar o dizer de MALATESTA
“para legitimar a absolvição, não ocorre a certeza da
inocência, bastando julgá-la possível, dentro da incerteza
da culpabilidade.”
No mesmo sentido:

“A partir do momento em que o imputado é


presumidamente inocente, não lhe incumbe
provar absolutamente nada. Existe uma
presunção que deve ser destruída pelo

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acusador, sem que o réu (e muito menos o
juiz) tenha qualquer dever de contribuir
nessa desconstrução (direito de silêncio –
nemotenetur se detegere).

FERRAJOLI esclarece que a acusação tem a


carga de descobrir hipóteses e provas, e a
defesa tem o direito (não dever) de
contradizer com contra-hipóteses e
contraprovas. O juiz, que deve ter por hábito
profissional a imparcialidade e a dúvida,
tem a tarefa de analisar todas as hipóteses,
aceitando a acusatória somente se estiver
provada e, não a aceitando, se desmentida
ou, ainda que não desmentida, não restar
suficientemente provada.”

Veja-se que a prova dos autos se restringe às


alegações dos policiais que colocam o acusado como sendo
traficante. Tais provas são de menor valia, pois se
restringiram aos relatos dos policiais que, no exercício da
atividade repressora, conduziram o caso na esfera policial,
ou seja, a parte adversa do acusado, agentes atuando como
longa manus do aparelho repressor estatal.
O professor Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha,
sobre o testemunho de policiais, leciona, in verbis:

(...) Em primeiro lugar os policiais não


estão impedidos de depor, pois não podem ser
considerados como testemunhas inidôneas ou
suspeitas, simplesmente pela condição
funcional.

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(...)
Contudo, se não suspeitos, têm eles todo o
interesse em demonstrar a legitimidade do
trabalho realizado. Ao depor, o policial
também está dando conta de seu trabalho, do
acerto da investigação realizada, da
legitimidade dos atos praticados.
Logo, se não tem um interesse direto na
condenação do acusado, o tem em relação aos
atos praticados, dando conta da legitimidade
do trabalho investigatório realizado (...)”
(in Da Prova no Processo Penal. Ed. Saraiva
- 2ª Edição - p.127/128).

A jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do


Distrito Federal segue no sentido de que, para se condenar
alguém não deve haver nenhuma dúvida:

PENAL. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA.INSUFICIÊNCIA


DE PROVAS PARA A
CONDENAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. Presente razoável
dúvida quanto à ocorrência do fato criminoso
imputado ao réu na denúncia, imperiosa é a
absolvição (in dubio pro reo). Apelo
desprovido. (Acórdão 1222477,
20181310013493APR, Relator: MARIO MACHADO, ,
Revisor: CRUZ MACEDO, 1ª TURMA CRIMINAL,
data de julgamento: 12/12/2019, publicado no
DJE: 19/12/2019. Pág.: 129 - 131 ) g.n PENAL
E PROCESSO PENAL. ROUBO. AUSÊNCIA DE PROVAS
PARA A CONDENAÇÃO. ABSOLVIÇÃO DO CORRÉU. IN
DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO. DADO PROVIMENTO

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AO RECURSO. 1. Não logrando a acusação em
produzir provas judicializadas da
participação do apelante no suposto crime de
roubo, necessária a absolvição por falta de
provas, aplicando-se o princípio in dubio
pro reo. 2. Dado provimento ao recurso para
absolver o réu da imputação. Alvará de
Soltura. (Acórdão n.1150019,
20170510093658APR, Relator: JOÃO TIMÓTEO DE
OLIVEIRA, Revisor: JAIR SOARES, 2ª TURMA
CRIMINAL, Data de Julgamento: 07/02/2019,
publicado no DJE:
11/02/2019. Pág.: 112-126).

Destarte, sendo ônus do Parquet de provar os fatos


narrados na denúncia e inexistindo provas judicializadas,
extreme de dúvidas, que apontem, com inegável segurança, a
autoria e materialidade do crime, impõe-se a absolvição do
acusado, com fundamento no princípio do in dubio pro reo.

III.II – DA DESCLASSIFICAÇÃO
Nobre Julgador (a), a desclassificação da conduta do
acusado para o art. 28, da Lei Antidrogas, ante a não
comprovação de que ele era traficante deve ser a medida
adotada.
O artigo 33, caput, da lei 11.343/06, traz em seu
texto o crime de tráfico:

Art. 33. Importar, exportar, remeter,


preparar, produzir, fabricar, adquirir,
vender, expor à venda, oferecer, ter em
depósito, transportar, trazer consigo,

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guardar, prescrever, ministrar, entregar a
consumo ou fornecer drogas, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou
regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze)
anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500
(mil e quinhentos) dias-multa. Acontece,
Excelência, que em nenhum momento foi
provada a intenção de traficar ou o tráfico
em si pelo denunciado. Assim, não há de se
falar em condenação pelo do crime previsto
no artigo 33, caput, da lei Antidrogas.

O artigo 28 da lei de drogas traz no seu bojo a


tipificação de uso de drogas, que não se confunde com tráfico
de drogas.
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em
depósito, transportar ou trouxer consigo,
para consumo pessoal, drogas sem autorização
ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar será submetido às seguintes
penas:
I - Advertência sobre os efeitos das drogas;
II - Prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento à
programa ou curso educativo.

Assim entende o Tribunal de Justiça do Rio Grande do


Sul – TJRS:
Ementa APELAÇÃO CRIMINAL DEFENSIVA. DELITO
DO ARTIGO 33, COMBINADO COM O ARTIGO 40 ,

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INCISO III , DA LEI Nº 11.343 /2006. PEDIDOS
DE ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA
DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ARTIGO 28 DA LEI Nº
11.343 /2006, AFASTAMENTO DA MAJORANTE E
REDUÇÃO DAS PENAS IMPOSTAS.
Carência de prova quanto à destinação da
droga apreendida, sendo alegado que era para
uso próprio, sem contestação. Dúvida que se
resolve em favor do réu, desclassificando a
infração e remetendo o processo para o
juizado especial criminal. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Crime Nº
70052928728, Terceira Câmara Criminal,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: João
Batista Marques Tovo, Julgado em
04/04/2013)Processo – ACR 70052928728 RS
Orgão Julgador - Terceira Câmara Criminal
Publicação - Diário da Justiça do dia
04/06/2013Julgamento - 4 de Abril de 2013
Relator - João Batista Marques Tovo.

Conforme entendimento do Superior Tribunal de


Justiça – STJ, em seu informativo n. 711:

“O réu não tem o dever de demonstrar que a


droga encontrada consigo seria utilizada
apenas para consumo. Cabe à acusação
comprovar os elementos do tipo penal, ou
seja, que a droga apreendida era destinada
ao tráfico. Ao Estado-acusador incube
demonstrar a configuração do tráfico, que
não ocorre pelo simples fato dos réus terem

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comprado e estarem na posse de entorpecente.
Em suma, se a pessoa é encontrada com drogas,
cabe ao Ministério Público comprovar que o
entorpecente era destinado ao tráfico. Não
fazendo esta prova, prevalece a versão do
réu de que a droga era para consumo próprio”.

Sendo assim, Excelência, conforme entendimento acima


exposto, a desclassificação, em caso de não absolvição é
medida que se impõe.

IV - DOS PEDIDOS
Por todo o exposto, requer seja o presente recurso
conhecido, porque adequado e tempestivo e, no mérito requer
provimento para REFORMA da r. sentença recorrida, para:

a- Absolver o acusado por insuficiência de provas,


nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de
Processo Penal;
b- Em caso de condenação, que a conduta do acusado
seja desclassificada para a do art. 28, da Lei
antidrogas;
c- A substituição da pena privativa de liberdade por
restritivas de direito, nos termos do artigo 44 do
CP;
d- A fixação da pena no mínimo legal;
e- Que o acusado possa responder ao processo em
liberdade até o trânsito em julgado da sentença;

Nestes Termos,
Pede Deferimento.

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Brasília, 30 de outubro de 2023

Daniele Fabíola O. da Silva Lameira


OAB/DF 33966

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