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A DIMENSÃO
PESSOAL E SOCIAL
DA ÉTICA
O PROBLEMA DA NATUREZA DOS JUÍZOS MORAIS
• O problema da natureza dos juízos morais pode ser formulado conforme se segue:
“Qual é a natureza dos juízos morais?”.

• Um juízo é uma operação mental através da qual atribuímos uma certa


propriedade, P, a um certo sujeito, S (este sujeito pode ser qualquer coisa:
uma pessoa, uma criatura, um objeto, um lugar, uma situação ou um
acontecimento).

• Os juízos de facto são puramente descritivos; o seu valor de verdade é


inteiramente independente das crenças, dos hábitos, da sociedade e
da cultura, dos gostos ou das preferências de quem os formula,
e a direção da adequação parte da realidade para o juízo.
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O PROBLEMA DA NATUREZA DOS JUÍZOS MORAIS
• Os juízos de valor são (pelo menos em parte) normativos (ou prescritivos),
expressam uma determinada avaliação das coisas, e a direção da adequação parte
do juízo para a realidade.

• Os juízos morais são juízos de valor que dizem respeito àquilo que
devemos ou não devemos fazer, ou seja, são juízos que envolvem
as noções de certo e errado, justo e injusto,
louvável e censurável, etc.

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O PROBLEMA DA NATUREZA DOS JUÍZOS MORAIS
• Assim, o problema original acerca da natureza dos juízos morais pode ser
subdividido em três problemas mais simples:

1. Os juízos morais têm valor de verdade?

2. Em caso afirmativo, a sua verdade (ou falsidade) é independente de


qualquer perspetiva (isto é, o domínio de factos morais ao qual estes se
reportam é independente de quaisquer sujeitos)?

3. Em caso negativo, de que perspetiva dependem?

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NÃO-COGNITIVISMO
• Os não-cognitivistas caracterizam-se por defender que os
juízos morais não são verdadeiros juízos, pois não possuem
qualquer tipo de conteúdo descritivo, ou seja, não atribuem
(nem pretendem atribuir) qualquer tipo de propriedade aos
objetos, mas antes limitam-se a prescrever certos tipos de ações,
a expressar certos sentimentos de aprovação e de reprovação
relativamente às mesmas ou a manifestar desabafos emocionais,
etc.

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COGNITIVISMO
• Os cognitivistas consideram que os
juízos morais também têm uma
componente descritiva, pois reportam-se
a um certo domínio de factos: os factos
morais; ou seja, quando formulamos
juízos morais, fazemos a atribuição de
propriedades morais – como a coragem,
a justiça ou a bondade – às pessoas ou às
suas ações.

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COGNITIVISMO
• De entre as teorias cognitivistas, destacam-se:

• o subjetivismo;

• o relativismo; e

• o objetivismo.

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SUBJETIVISMO
• O subjetivismo é uma das formas mais comuns de encarar os juízos morais.

• De acordo com o subjetivismo, os juízos morais são crenças acerca das nossas
preferências pessoais e subjetivas.

• Neste sentido, podemos dizer que eles têm um valor de verdade,


são verdadeiros quando descrevem adequadamente
as nossas preferências e são falsos quando isso não acontece.

• Isto significa que para os subjetivistas não existe um


domínio objetivo de factos morais ao qual os nossos
juízos morais se possam reportar.
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SUBJETIVISMO
• Ou seja, não existem factos morais independentemente das nossas mentes, tal como
existem factos físicos acerca de pedras, plantas e planetas, que são inteiramente
independentes daquilo que se passa nas nossas mentes, como o seu peso ou a sua
massa.

• Na ausência de um domínio objetivo ao qual os nossos juízos morais se possam


reportar, os nossos juízos morais limitam-se a descrever as nossas preferências
individuais e subjetivas e, por conseguinte, o seu valor de verdade não é
independente de qualquer perspetiva.

• Assim, de acordo com o subjetivismo, os únicos factos morais que existem são
factos relativos às nossas preferências pessoais e subjetivas.
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SUBJETIVISMO

x
• Neste sentido, podemos dizer que o subjetivismo se caracteriza por defender que:

Quando alguém afirma “x é errado” está


simplesmente a dizer “eu reprovo x”, e
quando alguém afirma “x é correto” está
simplesmente a dizer “eu aprovo x”.

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O ARGUMENTO DOS DESACORDOS
(1) Mesmo dentro de cada sociedade ou cultura existem amplos e profundos
desacordos no que diz respeito ao valor de verdade dos juízos morais.

(2) Se, além das nossas preferências pessoais e subjetivas, houvesse um domínio de
factos morais ao qual pudéssemos apelar, então tais desacordos não teriam lugar.

(3) Logo, não há um domínio de factos morais além das nossas preferências pessoais e
subjetivas. (De 1 e 2, por Modus Tollens)

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OBJEÇÕES AO SUBJETIVISMO
O argumento dos desacordos não é sólido

• Os críticos do subjetivismo rejeitam a premissa (2) do argumento dos desacordos.


Essa premissa estabelece que: “Se, além das nossas preferências pessoais
e subjetivas, houvesse um domínio de factos morais ao qual pudéssemos apelar,
então tais desacordos não teriam lugar.”, por isso, os críticos terão de defender
que mesmo que haja um domínio objetivo de factos morais, continua a haver
espaço para haver desacordos.

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OBJEÇÕES AO SUBJETIVISMO
O argumento dos desacordos não é sólido

• Para isso, podem começar por fazer notar que mesmo na matemática e nas ciências
empíricas, que são considerados domínios objetivos do saber, existem alguns
desacordos fundamentais entre os especialistas; no entanto, esses desacordos têm
pouco destaque nesses domínios.

• Por exemplo, duas pessoas podem chegar a soluções diferentes para o mesmo
problema matemático porque uma delas se enganou a raciocinar. Há vários fatores
que podem explicar esse erro e que não implicam que não existe uma verdade
objetiva no domínio da matemática: a falta de prática, a falta de atenção, a pressa de
acabar, etc.
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OBJEÇÕES AO SUBJETIVISMO
Impossibilita a existência de desacordos morais genuínos

• O principal argumento a favor do subjetivismo baseia-se na existência de desacordos


morais. Mas, de acordo com o subjetivismo, dois indivíduos que fazem juízos morais
aparentemente opostos estão na verdade apenas a dizer que têm sentimentos
opostos.

• Assim, por exemplo, quando o João afirma “O aborto é errado” e o Simão afirma “O
aborto não é errado”, o desacordo entre ambos é apenas aparente, pois o que o
João está a dizer é que não aprova o aborto e o que o Simão está a dizer é que não
reprova o aborto, mas as proposições “O João não aprova o aborto” e “O Simão
não reprova o aborto” não se contradizem.
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OBJEÇÕES AO SUBJETIVISMO
Implica que somos moralmente infalíveis

• De acordo com o subjetivismo, cada um dos nossos juízos morais refere-se às


nossas preferências subjetivas e, por conseguinte, sempre que formulamos um juízo
moral sincero, estamos a fazer uma afirmação verdadeira acerca dessas preferências.

• Isto significa que, por mais estranho que um dado juízo moral nos pareça (seja ele
“O genocídio de milhares de judeus é correto” ou “Não há nada de errado em
torturar inocentes por prazer”), ele não poderá ser falso.

• Ora, isso implicaria que somos moralmente infalíveis, ou seja, que nunca podemos
estar errados acerca do valor de verdade dos juízos morais. Mas isso é simplesmente
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OBJEÇÕES AO SUBJETIVISMO
Nem sempre os nossos juízos morais correspondem às nossas preferências
subjetivas

• É possível que alguns dos nossos juízos morais não correspondam às nossas
preferências subjetivas, ao contrário do que defende o subjetivismo.

• Por exemplo, um namorado ciumento pode considerar que não há nada de


moralmente errado no facto de a sua namorada querer passar tempo com o seu ex-
namorado, embora isso não corresponda às suas preferências pessoais.

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OBJEÇÕES AO SUBJETIVISMO
Nem sempre os nossos juízos morais correspondem às nossas preferências
subjetivas

• De acordo com o subjetivismo, o juízo “Não é errado a minha namorada passar


tempo com o seu ex-namorado” significa “Eu não reprovo o facto de a minha
namorada passar tempo com o seu ex-namorado”.

• Mas não podemos dizer que esse juízo corresponde às preferências do sujeito, pois
na verdade ele preferia que isso não acontecesse.

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RELATIVISMO
• O relativismo cultural defende que os juízos morais são crenças acerca do código
moral vigente na nossa sociedade ou cultura, ou seja, acerca do conjunto de regras
que os membros da sociedade acordaram para organizar a sua vida em conjunto.

• Deste modo, para os relativistas, os juízos morais não se limitam a ser simplesmente
verdadeiros ou falsos, são sempre verdadeiros ou falsos relativamente a um
determinado grupo de indivíduos ou sociedade, ou, mais propriamente, ao conjunto
de normas sociais por eles acordado.

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RELATIVISMO
• Isto significa que, para estes autores, também não existem factos
morais objetivos e os únicos factos morais que existem são os
códigos morais adotados pelas diferentes sociedades.

• De acordo com esta perspetiva, o significado dos termos que


usamos para as propriedades morais, como “certo” e “errado”,
varia de contexto para contexto, pois resulta, de certa forma,
de uma construção social e cultural.

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RELATIVISMO

x
• Assim, podemos considerar que, para um relativista:

Quando alguém afirma “x é errado” está simplesmente a


dizer “a minha sociedade reprova x”, e quando alguém
afirma “x é correto” está simplesmente a dizer
“a minha sociedade aprova x”.

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O ARGUMENTO DA DIVERSIDADE CULTURAL
(1) Culturas diferentes têm códigos morais diferentes.

(2) Se culturas diferentes têm códigos morais diferentes, então não há uma verdade
moral objetiva, pois a verdade dos juízos morais é sempre relativa à cultura ou ao
grupo social onde estes são formulados, mais propriamente, ao código moral (ou
conjunto de normas) adotado pelos seus respetivos membros.

(3) Logo, não há uma verdade moral objetiva, pois a verdade dos juízos morais é
sempre relativa à cultura ou ao grupo social onde estes são formulados, mais
propriamente, ao código moral (ou conjunto de normas) adotado pelos
seus respetivos membros. (De 1 e 2, por Modus Ponens)

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OBJEÇÕES AO RELATIVISMO
O argumento da diversidade cultural não é sólido
• É fácil perceber que a premissa (2) do argumento da diversidade cultural é falsa.

• O facto de haver culturas com códigos morais diferentes não é uma condição
suficiente para que não haja uma verdade moral objetiva. Pode simplesmente dar-se
o caso de haver culturas com códigos morais errados.

• Analogamente, o facto de haver diferentes opiniões relativamente à existência de


extraterrestres não é uma condição suficiente para considerarmos que não há uma
verdade objetiva acerca desse assunto. Significa simplesmente que alguma dessas
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opiniões é falsa.
OBJEÇÕES AO RELATIVISMO
A maioria pode estar errada

• O facto de a maioria dos membros de uma sociedade estar disposta a aceitar uma
determinada opinião não nos permite concluir que ela é verdadeira.

• A maioria pode estar errada por ser ignorante acerca do assunto em questão.
Como vimos, concluir que uma opinião é verdadeira com base na sua popularidade é
incorrer na falácia ad populum.

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OBJEÇÕES AO RELATIVISMO
Impossibilita o progresso moral das sociedades

• Atualmente em Portugal estamos muito melhores no que diz respeito à igualdade de


género, à discriminação racial, aos direitos da criança, ao tratamento dos animais
não-humanos, etc.;

• Mas, se o relativismo fosse verdadeiro, não poderíamos dizer que houve uma
melhoria (só uma mudança), pois, como as noções de certo e errado seriam sempre
relativas a cada padrão cultural, não haveria um padrão neutro em direção ao qual
pudéssemos progredir.

• Portanto, o relativismo é falso.


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OBJEÇÕES AO RELATIVISMO
Conduz ao conformismo

• Um dos problemas da defesa do relativismo é que este conduz ao conformismo.

• De acordo com o relativismo, uma prática é correta (ou incorreta) segundo os


códigos morais de cada cultura.

• Assim, alguém que afirmasse “A maioria das pessoas aprova o racismo, mas eu acho
que o racismo é errado” estaria a cair em contradição.

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OBJEÇÕES AO RELATIVISMO
Conduz ao conformismo

• Ora, isso parece conduzir a uma certa passividade perante os valores de uma
cultura.

• Se pensarmos que ou estamos de acordo com a maioria ou estamos errados, então


estaremos a impedir que um dissidente revolucionário possa usar o seu espírito
crítico para levar a cabo uma melhoria nos hábitos e valores culturais socialmente
aprovados.

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OBJEÇÕES AO RELATIVISMO
É autorrefutante

• Se todo o valor é relativo, então o próprio relativismo e o seu ideal de tolerância


têm um valor relativo e não podem impor-se como verdades absolutas.

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OBJETIVISMO
• Segundo o objetivismo, os juízos morais têm um valor de verdade e esse valor é
independente de qualquer perspetiva, ou seja, os juízos morais são objetivamente
verdadeiros (ou objetivamente falsos).

• Para os objetivistas existe um domínio de factos morais objetivos – isto é,


que não dependem da perspetiva de qualquer sujeito, mas sim
de certos padrões neutros de avaliação.

• O objetivismo caracteriza-se por defender que um juízo moral é correto


quando, independentemente dos nossos gostos, preferências
ou convenções, tem as melhores razões do seu lado.

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OBJETIVISMO
• Pode dizer-se que para um objetivista:

Quando alguém afirma «algo é errado» está a afirmar «independentemente das nossas
preferências pessoais ou convenções coletivas, há boas razões para se reprovar algo»
e quando alguém afirma «algo é correto» está a afirmar «independentemente das
nossas preferências pessoais ou convenções coletivas, há boas razões para se aprovar
algo».

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ARGUMENTO DA IMPARCIALIDADE
(1) Há juízos morais que são (não são) justificáveis de um ponto de vista imparcial.

(2) Se há juízos morais que são (não são) justificáveis de um ponto de vista imparcial,
então há juízos morais objetivamente verdadeiros (falsos).

(3) Logo, há juízos morais objetivamente verdadeiros (falsos).


(De 1 e 2, por modus ponens)

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OBJEÇÕES AO OBJETIVISMO
O argumento dos desacordos
• Alguns autores encaram a ciência como modelo de objetividade e encaram o amplo
consenso no que diz respeito aos aspetos fundamentais da maioria das investigações
neste domínio como um forte indício a favor dessa objetividade. Contudo,
constatam que o mesmo não se verifica na ética.

• No que diz respeito a problemas éticos, o mais comum é haver um forte


desentendimento, mesmo entre especialistas. Daí concluem que a ética não pode ser
objetiva.

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OBJEÇÕES AO OBJETIVISMO
O argumento da estranheza
• Outra objeção que o objetivismo enfrenta é o chamado «argumento da estranheza».

• Este argumento afirma sucintamente o seguinte: o objetivismo pressupõe a


existência de propriedades estranhas, pois seriam propriedades reais e objetivas das
coisas, mas que simultaneamente teriam a capacidade de incitar todo e qualquer
agente moral a agir de certa forma.

• Contudo, não parece existir nada no mundo com essas características. Logo, o
objetivismo é falso.
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