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MESTRADO EM EDUCAÇÃO SOCIAL:

INTERVENÇÃO COM CRIANÇAS E JOVENS EM RISCO

O Risco
Um Estudo de Caso

Unidade Curricular: Tipologias e Indicadores de Situação de Perigo

1º Ano – 1º Semestre

janeiro de 2013

Docente: Professora Doutora Gina Tomé

Discente:

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Tipologias e Indicadores de Situações de Perigo
Estudo de Caso

Índice
Introdução .................................................................................................................................... 3
Conceptualização Teórica......................................................................................................... 4
1. Risco e Perigo ................................................................................................................. 4
2. Maus tratos ...................................................................................................................... 4
3. Fatores de Risco e Fatores de Proteção .................................................................... 4
Estudo de Caso .......................................................................................................................... 6
1. O Jovem e o seu Contexto Social................................................................................ 6
2. Diagnóstico ...................................................................................................................... 7
2.1. Fatores de Risco......................................................................................................... 7
2.2. Fatores de Proteção................................................................................................... 9
3. Intervenção .................................................................................................................... 10
3.1. Intervenção realizada ............................................................................................... 11
3.2. Proposta de Intervenção ......................................................................................... 12
3.2.1. Programa de promoção da resiliência............................................................... 14
Reflexão Critica......................................................................................................................... 16
Referências Bibliográficas....................................................................................................... 18
Anexos ....................................................................................................................................... 19
Genograma da Família ........................................................................................................ 20
Ecomapa da Rede de Suporte ........................................................................................... 21

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Tipologias e Indicadores de Situações de Perigo
Estudo de Caso

Introdução

No âmbito da disciplina de Tipologias e Indicadores de Situação de Perigo, do


Mestrado em Educação Social – Crianças e Jovens em Risco, foi proposto um
trabalho académico centrado no tema do risco, tendo como base um estudo de caso.

Deste modo, o presente trabalho será elaborado perante os objetivos da disciplina,


nomeadamente: (1) identificar situações e contextos de risco; (2) características do
individuo em estudo e (3) desenvolver estratégias de intervenção e prevenção do risco
nesse caso específico.

Para a elaboração do trabalho proposto foi dada a possibilidade de escolha do caso e


da situação a estudar. A escolha do caso teve como base, o âmbito do mestrado em
causa e a experiência profissional com jovens em contexto escolar. Deste modo, o
estudo de caso no qual se baseará o presente trabalho é relativo a um jovem de 13
anos, que será chamado de “João”, que frequentou o estabelecimento de ensino onde
a discente presta funções, tendo sido acompanhado de Outubro de 2009 a Setembro
de 2011.

Resta explanar a estrutura a que este trabalho se propõe, que se pretende clara e
objetiva. Assim, pretende-se fazer uma contextualização teórica de risco;
apresentando-se posteriormente o estudo de caso do jovem e do meio em que este se
insere. Segue-se um pequeno diagnóstico sobre os fatores de risco do jovem e do seu
contexto sociofamiliar, bem como, os recursos que possui para fazer face a este
mesmo risco. Será ainda traçado um plano de intervenção que se ajuste às
especificidades do João, por forma a minimizar o risco a que este está sujeito. Ao
longo do estudo de caso, pretende-se realizar um enquadramento teórico que
justifique este mesmo estudo e a intervenção que será proposta.

Por fim, será redigida uma reflexão crítica acerca do trabalho realizado, que espelhe
as dúvidas que foram surgindo, bem como a conclusão a que se chegará sobre o tema
proposto, ou seja, o risco.

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Tipologias e Indicadores de Situações de Perigo
Estudo de Caso

Conceptualização Teórica

1. Risco e Perigo

A definição de risco só se torna clara quando comparada com o perigo. O risco é um


conceito mais amplo que o perigo e refere-se à vulnerabilidade de a criança/jovem vir
a sofrer maus tratos, enquanto o perigo tem um sentido mais concreto,
correspondendo à objetivação do risco. (Direção Geral de Saúde, 2011).

O perigo implica um grau mais elevado de probabilidade de ocorrência de uma


situação iminente que compromete gravemente a criança e/ou jovem, quanto à
segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento. (CNPCJR, s.d.).

Apesar do risco e perigo serem comumente referidos na inúmera bibliografia a respeito


do tema, a diferença entre ambos é pouco abordada pelos autores. A situação de risco
poderá ou não conduzir a uma situação de perigo, conforme os fatores de risco e/ou
fatores de proteção que a criança/jovem detenha naquele determinado momento
(CNPCJR, s.d.). No entanto, nem sempre o perigo advém de fatores de risco, como
acontece quando a criança/jovem se encontra em situação de crise inesperada, como
por exemplo a morte de um familiar. (CNPCJR, s.d.).

2. Maus tratos

Quando se fala de risco em crianças e jovens trata-se de um risco específico,


normalmente associado a maus tratos.

De modo geral, “maus tratos em crianças e jovens dizem respeito a qualquer ação ou
omissão não acidental, perpetrada pelos pais, cuidadores ou outrem, que ameace a
segurança, dignidade e desenvolvimento biopsicossocial e afetivo da vítima. (Direção
Geral de Saúde, 2011).

3. Fatores de Risco e Fatores de Proteção

Os fatores de risco e de proteção são variáveis próprias do individuo, da família, da


sociedade e da cultura. Deste modo, não são estanques e variam de pessoa para
pessoa. (CNPCJR, 2011).

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Tipologias e Indicadores de Situações de Perigo
Estudo de Caso

Os fatores de risco e os fatores de proteção são variáveis biopsicossociais, os


primeiros podem aumentar a probabilidade de ocorrência ou manutenção de situações
de maus tratos, enquanto os segundos “apoiam e favorecem o desenvolvimento
individual e social, e podem remover ou minorar o impacte dos fatores de risco”.
(Menezes, et al., 2011).

São vários os modelos e tipologias propostas por diferentes autores, no âmbito dos
fatores de risco e de proteção. Este trabalho terá como base o Guião de
conceptualização de caso de crianças (6-11 anos) em situação de perigo, que segue o
modelo ecológico do autor Pereira (2008, citado por Calheiros, 2006), que preconiza:

 Fatores de vulnerabilidade ao nível parental/familiar: stressores agudos,


violência doméstica, abuso/dependência de substâncias, parentalidade
adolescente, historial de mau trato na infância dos progenitores e
funcionamento e saúde mental dos pais/cuidadores;
 Fatores de vulnerabilidade ao nível comunitário: empobrecimento e violência
comunitária;
 Fatores de proteção ao nível da criança: auto conceito e autoestima;
 Fatores de vulnerabilidade-proteção ao nível da criança: temperamento,
comportamento, capacidade de resolução de problemas e competências
sociais;
 Fatores de vulnerabilidade-proteção ao nível parental: tamanho e estrutura da
família, coesão familiar, vinculação, comunicação, competências parentais e
mecanismos de coping;

 Fatores de vulnerabilidade-proteção ao nível comunitário: suporte social.

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Tipologias e Indicadores de Situações de Perigo
Estudo de Caso

Estudo de Caso
O caso que sustenta o presente trabalho, será abordado numa perspetiva social,
apesar de, como em todos os casos, implicar uma visão multidisciplinar na qual se
destaca a importância da psicologia como disciplina complementar na sua abordagem.
Apesar da necessidade de se tecerem algumas considerações mais específicas da
área da psicologia, não se pretenderá entrar erradamente por esse campo. Deste
modo, procurar-se-á, realizar uma abordagem abrangente e fundamentada dos vários
aspetos referentes ao caso.

1. O Jovem e o seu Contexto Social

O João foi sinalizado ao Gabinete de Apoio ao Aluno e à Família (GAAF) por


vulnerabilidade a nível familiar e económica em Outubro de 2009. Aquando da
sinalização o menor tinha 13 anos. A referenciação deste aluno teve como motivo a
morte do pai (em Maio desse ano) e da mãe (sensivelmente dois anos antes), bem
como, as graves dificuldades económicas do agregado familiar.

A recolha de informações foi realizada com recurso a atendimentos sociais aos


elementos do agregado familiar, visitas domiciliárias, contactos telefónicos com os
técnicos que intervém no caso e outros elementos que se consideraram pertinentes.

Trata-se de uma família de nacionalidade guineense, sendo que os dois elementos


mais jovens (o João e a irmã) têm naturalidade portuguesa. O João tem uma irmã
mais nova, de 7 anos, de quem é o principal cuidador, e um irmão mais velho, de 18
anos, do qual se sabia estar constantemente fugido e frequentemente acompanhado
por jovens delinquentes. Os três irmãos ficaram entregues aos cuidados da avó
paterna de 60 anos, que tinha problemas de saúde, e de dois tios adultos. Nenhum
dos membros do agregado familiar trabalhava, subsistindo de rendimento social de
inserção, pensão de sobrevivência e abono de família. O agregado familiar residia
num apartamento, propriedade dos pais dos jovens, no entanto, este apartamento
tinha um processo de penhora por dívida à entidade credora, anterior ao falecimento
de ambos os progenitores. Sabia-se ainda que existiam dívidas de condomínio, água e
eletricidade, estes dois últimos teriam sido cortados há alguns meses.

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Tipologias e Indicadores de Situações de Perigo
Estudo de Caso

2. Diagnóstico

A intervenção realizada junto do agregado familiar procurou ser uma intervenção


ecológica e cooperativa, envolvendo todos os intervenientes, dentro e fora do seio
familiar. O diagnóstico realizado relativamente às redes de suporte formal e informal
teve como instrumentos de apoio o genograma e o ecomapa, que se encontram em
anexo. Assim identificaram-se fatores de risco e de proteção que serão posteriormente
explanados.

2.1. Fatores de Risco

Os fatores de risco, como referido anteriormente são fatores que podem potenciar o
perigo, sendo específicos de cada pessoa, quer pelas características pessoais desta,
quer pelas características específicas do contexto que a rodeia, como é o caso das
relações familiares e comunitárias.

No âmbito da intervenção identificaram-se fatores de risco relativos ao jovem, à família


e à comunidade, que serão expostos com base no Guião de conceptualização de caso
de crianças (6-11 anos) em situação de perigo. Pereira (2008, citado por Calheiros,
2006).

Ao nível do jovem identificou-se, de um modo geral, a apatia e ausência de objetivos e


perspetivas de futuro. O João aparenta estar sempre triste; tem muita dificuldade em
falar sobre si, sobre o que pensa e sente; tem muita dificuldade em expor-se, em ouvir
e aceitar elogios. Exibe uma boa aparência física, no entanto, tem muita dificuldade
em realizar a higiene, pelo que apresenta mau cheiro e usa roupa suja com
frequência. Acha sempre que não é capaz e tem uma grande necessidade de ser
reconhecido, sobretudo entre pares. Um fator de risco a mencionar é a questão
cultural, sendo descendente de uma família imigrante, tem como consequência a
adaptação a duas práticas culturais diferentes: a praticada em casa e a praticada na
escola e nos restantes contextos. A própria fluência verbal é visivelmente difícil para o
jovem, preferindo falar crioulo. Quanto aos comportamentos e relações, pode dizer-se
que tem uma grande dificuldade em termos de socialização com pessoas que lhe
sejam estranhas, embora se enquadre bem dentro do grupo de pares e com os
adultos com quem está frequentemente. Apesar de ser um jovem calmo e educado
quando se encontra sozinho, não gosta que os colegas o vejam como bem
comportado e, quando entre os pares, procura controlar-se de modo a ir ao encontro

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Tipologias e Indicadores de Situações de Perigo
Estudo de Caso

dos maus comportamentos dos colegas, chegando a ser mal-educado com adultos e a
participar de pequenos furtos. Reconhece as pessoas que o ajudam, acata a sua
autoridade e respeita-as, apesar de quando se encontrar com os colegas fugir do
contacto com as mesmas. Em relação às restantes figuras de autoridade é desafiador.
Face à escola, coloca uma postura pouco interessada, apresenta falta de assiduidade
e pontualidade, e não estuda acabando por ter um fraco aproveitamento escolar. Tem
dificuldade em se afastar das pessoas que o colocam em situações difíceis ou
perigosas.

Em relação à família, apontam-se como fatores de risco determinantes a perda dos


pais por morte, sobretudo pelo facto de terem acontecido com uma diferença de cerca
de um ano entre ambos. Para além deste destacam-se ainda o facto de o cuidador
principal ser a avó paterna, que tem muita dificuldades em controlar os netos, tem
problemas de saúde que a limitam nas deslocações à escola e é uma pessoa pouco
afetiva. É igualmente um fator de risco o fato de o contexto familiar ser composto por
três adultos com grandes limitações cognitivas e/ou de saúde, que não estão
profissionalmente ativos, são pouco interessados em relação à vida escolar e social
dos jovens e representam uma fraca autoridade para estes. Apesar de os laços
familiares entre os membros do agregado familiar serem bastante considerados, são
distantes entre si, dedicam pouco ou nenhum tempo a atividades em família e não
costumam conversar. Por norma os momentos em conjunto são pautados por
discussões e conflitos. Em termos de família alargada, têm dois elementos a quem
recorrem, sobretudo em termos económicos, mas que também não se encontram
presentes, um tio em Inglaterra e outro na Guiné. As condições habitacionais pautam-
se por frequentes períodos sem água canalizada; eletricidade através de puxadas
ilegais; sobrelotação (em cada quarto dormem mais de duas pessoas, sendo que o
João e a irmã partilham a mesma cama); as divisões têm humidade e têm poucos
móveis e espaços de arrumação, sendo por isso pouco confortáveis. As expectativas
face ao João são fracas ou nulas, e ao nível da disciplina varia entre a ausência desta
e a punição física severa. A situação económica deste agregado familiar é
caracterizada por escassez de rendimentos próprios e inúmeras dívidas, algumas em
situação de processo judicial. Por último, é também fator de risco tratar-se de um
agregado familiar imigrante, pela dificuldade em compreender o funcionamento dos
serviços e, deste modo, cumprir os trâmites por eles exigidos, bem como, de todas as
diferenças culturais e situações a estas associadas.

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Tipologias e Indicadores de Situações de Perigo
Estudo de Caso

Ao nível da comunidade em que o João está inserido pode-se dizer que apresenta
como vulnerabilidades: a elevada taxa de criminalidade; o tráfico de droga e a
delinquência; sendo determinante o facto de o irmão mais velho do João se fazer
acompanhar de outros jovens dentro destes contextos, bem como, do facto de a faixa
etária dos jovens que cometem este tipo de comportamentos ser muito próxima da do
João. Por outro lado, o facto de as respostas sociais disponíveis serem insuficientes
face às necessidades do agregado familiar, são mais um fator de vulnerabilidade.

2.2. Fatores de Proteção

Como foi anteriormente referido, os fatores de proteção são aqueles que atuam sobre
os fatores de risco, contrariando-os. Tal como os fatores de risco, os fatores de
proteção são específicos do individuo e do seu contexto.

No caso concreto em estudo, foram já, por contraposição aos fatores de risco,
enumerados anteriormente alguns fatores de proteção. Os fatores de proteção
diagnosticados para o João serão também apresentados com base no já referido
Guião. Pereira (2008, citado por Calheiros, 2006).

Deste modo, relativamente aos fatores inerentes ao menor identificaram-se a boa


aparência física; as boas capacidades cognitivas, percetíveis em contexto de sala de
aula na rápida compreensão dos conteúdos; o facto de se encontrar integrado num
grupo de pares com o qual se relaciona facilmente; ser aceite socialmente face aos
restantes colegas de escola; a boa relação com os adultos de referência de quem
acata autoridade e respeita; a capacidade de ser calmo e educado, sobretudo quando
se encontra sozinho; de impor no grupo alguns limites em relação ao seu próprio
comportamento; o facto de reconhecer as pessoas que o ajudam; de demonstrar
algum humor positivo, quando se encontra no grupo de pares; a capacidade de
reconhecer e admitir os seus atos, quando chamado à atenção; de reconhecer valores
morais e percecionar o errado; o facto de demonstrar preocupação em relação aos
sentimentos dos outros; a capacidade de controlo dos seus comportamentos conforme
o contexto em que se encontra; as competências e responsabilidades que demonstra
como cuidador da irmã mais nova e no apoio que presta à avó ao fazer recados, por
exemplo.

A nível familiar pode-se referir o sentimento de pertença e proteção existente que,


apesar das fracas relações entre os membros do agregado familiar, é visível na defesa

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Tipologias e Indicadores de Situações de Perigo
Estudo de Caso

de cada um entre os vários elementos, no facto de outros elementos da família


prestarem apoio ao agregado familiar, e no qual se destaca não só o João como
cuidador da irmã mais nova, como a avó em assumir os cuidados aos netos apesar
das suas fracas condições e capacidades. Este sentimento de pertença e proteção
poderá estar associado a fatores culturais. Foram ainda identificados a capacidade do
agregado familiar em gerir as fracas condições e recursos, de modo a permitir
coabitação de todos; a capacidade em pedir e aceitar ajudas externas, bem como de
aderir de forma participada no processo de intervenção.

Quanto à comunidade, identificaram-se como fatores de proteção a integração dos


menores em estabelecimento de ensino; o apoio prestado pelas escolas de ambos no
que respeita às refeições, materiais escolares, apoio social, entre outros; o
acompanhamento do agregado familiar por parte dos vários serviços da comunidade,
nomeadamente Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, no âmbito de acordo de
promoção e proteção; Segurança Social, que presta apoio ao nível de Rendimento
Social de Inserção, Pensão de Sobrevivência e Abono de Família; Igreja que apoia
com banco alimentar mensal; Junta de Freguesia que presta apoio social. O João teve
ainda o acompanhamento da Equipa de Reinserção Social da Direção Geral de
Reinserção e Serviços Prisionais. É de referir o apoio de um amigo do pai, que se
disponibilizou para apoiar ao nível do controlo do João no que respeita aos
comportamentos, bem como para prestar apoio alimentar e económico quando
necessário, e dos vizinhos que ajudam o agregado familiar com alimentos, roupas,
entre outros.

3. Intervenção

A intervenção com vista à diminuição dos fatores de risco a que as crianças e jovens
são expostos, deve ter em conta o reconhecimento das representações dos conceitos
de família e educação, sustentadas pelos indivíduos e pelos seus valores. (Calheiros,
2006). Neste aspeto, Gergen, Gloger-Tippelt & Berkowitz (1990, citado por Calheiros,
2006) refere os fatores culturais como elementos principais a ter em conta na adoção
de padrões de bem-estar familiar e métodos de interação pais-filhos.

Face ao exposto, importa desenhar uma estratégia de intervenção adequada. Tendo


em conta que se trata de um caso que foi acompanhado durante os anos letivos de

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Tipologias e Indicadores de Situações de Perigo
Estudo de Caso

2009/10 e 2010/11, serão referidos os procedimentos realizados durante esse período,


bem como uma proposta de intervenção complementar.

3.1. Intervenção realizada

Como foi referido em epígrafe, ao nível social foram tomadas várias medidas de apoio
quer à integração social deste agregado familiar, quer à minoração dos fatores de
risco a que estavam sujeitos. A intervenção realizada pelos vários serviços junto do
agregado familiar, foi uma intervenção na crise, pelas sucessivas situações que foram
ocorrendo, não deixando espaço para uma intervenção de prevenção.

Da intervenção social realizada pelo GAAF, no âmbito da ação social, importa


destacar o apoio alimentar, de vestuário, ao nível de roupa para a cama e alguns
mobiliários; o apoio no restabelecimento de água; na procura de emprego por parte
dos tios do João; na negociação de processos de dívidas e penhoras; na renovação
de documentação; a articulação entre os vários serviços de apoio, bem como com a
rede de suporte informal, entre outros, que se entenderam necessárias face às
circunstâncias do momento. Ao nível dos restantes serviços de suporte informal, já
mencionadas anteriormente nos fatores de proteção, é de referir o apoio fundamental
da segurança social, ao nível das prestações sociais e familiares; dos
estabelecimentos escolares que têm fornecido as refeições e suplementos de
pequeno-almoço e lanche; bem como da CPCJ ao nível do acompanhamento do
agregado familiar no âmbito do acordo de promoção e proteção.

No que respeita ao João, foi proposto para apoio psicológico pela psicóloga do GAAF
mas o menor não correspondeu, tendo faltado às sessões, inviabilizando a
intervenção. O João fez ainda parte de um grupo que participou no Programa “Um Dia
na Prisão” 1 , que trabalha competências pessoais e sociais, no entanto não se
verificaram alterações significativas ao nível do comportamento após o mesmo. O
jovem foi ainda integrado no projeto “EcoSound”, um grupo que utiliza materiais
reciclados como instrumentos musicais, com bastante reconhecimento na comunidade
escolar e várias atuações dentro e fora do contexto escolar, esta atividade teve um
grande impacto no jovem, sendo um fator de sucesso e um atrativo utilizado como
moeda de troca em relação aos comportamentos.

1
Consultar “Manual Para Professores Implementação Do Programa «Um Dia Na Prisão»” ( Direcção-Geral dos
Serviços Prisionais, 2007).

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Tipologias e Indicadores de Situações de Perigo
Estudo de Caso

O caso apresentado é complexo e multifacetado que exige uma intervenção muito


mais profunda e articulada dos meios e dos vários intervenientes, pelo que dificilmente
os serviços disponíveis poderão só por si responder de forma eficaz. Neste sentido, e
uma vez que, ao nível social foram dadas as respostas possíveis de apoio na crise,
seria importante trabalhar os indivíduos para que a intervenção pudesse surtir um real
impacto na vida dos elementos do agregado familiar e uma alteração da situação no
futuro.

3.2. Proposta de Intervenção

Perante o diagnóstico e intervenção mencionados em epígrafe, resta refletir sobre o


que falhou ou seria importante realizar para um maior sucesso da intervenção, ou seja,
de modo a garantir uma maior estabilidade do agregado familiar e consequente
independência dos serviços.

Como primeira proposta de intervenção destaca-se a avaliação e acompanhamento


psicológico dos três irmãos. Em relação ao agregado familiar, seria importante uma
intervenção ao nível das competências parentais da avó dos menores, quanto às
necessidades do desenvolvimento da criança, com particular enfoque nos cuidados
básicos, afetividade e estabelecimento de regras e limites. (CNPCJR, 2011). Seria
importante a continuação da intervenção realizada no âmbito do acompanhamento
deste caso e que, devido à saída do João da escola por mudança de ciclo, acabou por
ser interrompida. Os tios e irmão mais velho deveriam ter um maior apoio ao nível das
competências pessoais, sociais e profissionais, que confluíssem no aumento das suas
habilitações, na especialização numa área profissional que se adequasse às suas
capacidades e necessidades e consequentemente numa integração profissional.

Quanto ao João, sobre quem recai este estudo de caso, face ao elevado número de
situações de crise e de fatores de risco vivenciados pelo jovem, seria importante que a
intervenção tenha em conta o reforço dos fatores de proteção individuais. Dadas as
características do jovem e do seu contexto, já referidas previamente, e com base na
definição de resiliência como “formas de resistência, normalmente inconscientes, para
que o indivíduo possa ressurgir da adversidade, adaptar-se, recuperar-se e participar
de uma vida ativa e significativa” (Matos, 2003, p.70), será na promoção da resiliência
que se centrará esta proposta de intervenção.

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Tipologias e Indicadores de Situações de Perigo
Estudo de Caso

Para o efeito foi destacado o modelo de Benard (2007, citado por Matos et al, 2009),
uma vez que implica o contexto do jovem e os vários recursos disponíveis, como
modelo de intervenção na promoção da resiliência.

Este modelo centra-se na promoção dos recursos ambientais, nomeadamente na


família, escola, comunidade e entre pares, ao nível das ligações afetivas, expectativas
elevadas e oportunidades de participação. Quanto aos recursos individuais, centra-se
nos fatores relacionados com a cooperação e comunicação, empatia, resolução de
problemas, autoeficácia, autoconhecimento, objetivos, aspirações e autoestima.

Com base no diagnóstico anteriormente elaborado, pode verificar-se a fragilidade dos


recursos ambientais e individuais do jovem. Relativamente aos recursos ambientais,
ao nível da família, as relações afetivas são manifestas sobretudo entre o João e a
irmã mais nova; as expetativas são nulas e as oportunidades de participação cingem-
se a tarefas domésticas, recados, cuidados e responsabilidade quanto à irmã.
Relativamente à escola, existem elementos que o jovem considera como sendo de
referência, contudo as expectativas dos professores face ao futuro do jovem são
baixas, ainda assim as oportunidades de participação foram criadas mas a avaliação
dos resultados dessa participação foi pouco positiva. Ao nível da comunidade, nenhum
dos fatores é considerado, exceto a relação positiva com alguns membros como o
amigo do pai e alguns vizinhos.

Para o efeito propõe-se a aplicação do programa do Manual de Promoção da


Resiliência na Adolescência (Matos et al, 2009), adaptado ao caso em estudo.

Após uma análise crítica das várias atividades, em função da sua aplicabilidade no
contexto específico de intervenção, será apresentado o programa de promoção da
resiliência, sob a forma de plano de ação, adaptado. Deste modo, o programa excluiu
algumas atividades e implicou a alteração de outras, conforme as circunstâncias e
características do meio familiar e escolar, do grupo de pares e do próprio jovem. Outra
preocupação tida em conta na adaptação das atividades foi o enfoque das mesmas,
em aspetos com os quais o João tem dificuldade em lidar.

Deste modo, propõe-se a aplicação do programa de promoção da resiliência pela


equipa técnica do GAAF, com a colaboração do diretor de turma e de um tutor,
durante um ano letivo.

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Tipologias e Indicadores de Situações de Perigo
Estudo de Caso

3.2.1. Programa de promoção da resiliência

Objetivo / âmbito 2 Cronograma Pessoas


Atividade
de incidência 1º 2º 3º Envolvidas
Recursos ambientais: Família
1 Reunião familiar
2 Árvore genealógica
Ligações afetivas
3 Certificados OK
4 A minha semana
O que a nossa casa precisa
Agregado
(alteração: realizar uma lista de
familiar
Expectativas compras e necessidades mensais
1 Técnica
elevadas de cada um com a finalidade de
atingir um consenso e priorizar as
necessidades)
Oportunidades de 1 O passeio
participação 2 Tarefas domésticas
Recursos ambientais: Escola
O nosso espaço
Figura de
(alteração para a atribuição de um
referência/
Ligações afetivas 1 tutor, que será para o João uma
Tutor
figura de referência e a marcação
João
de um tempo por semana fixo)
1 Expectativas
2 O organizador
O dia dos elogios
(alteração para um dia por semana
em que os professores têm de
3 fazer elogios e quando há
Expectativas igualmente criticas a fazer, por Colegas de
elevadas cada critica ser obrigatório tecer turma
dois elogios) João
O escolhido Técnicas
(salvaguardar que acontece como GAAF/ Diretor
4 reforço positivo terminando no de Turma
caso de o mesmo deixar de fazer
sentido como punição)
1 O problema da sala
Oportunidades de 2 Tarefas semanais
participação 3 Caixa de surpresas
4 As regras
Recursos ambientais: Comunidade
1 Semana das profissões
Passeio na vizinhança
(alteração serem os jovens a
2
Ligações afetivas apresentar a vizinhança aos
técnicos) Grupo de
pares
3 Entrevista
Técnicas
4 Exposição das entrevistas
GAAF
1 Necessidades da Comunidade
Elementos da
2 Mapa comunitário comunidade
Oportunidades de Hobbies
participação (alteração: identificarem na
3
comunidade possíveis hobbies,
locais e instituições, para si e para

2
Consultar atividades em “Ultrapassar adversidades e vencer desafios: Manual de Promoção da Resiliência na
Adolescência” (Simões, C. & Matos, M. et al., 2009).

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Tipologias e Indicadores de Situações de Perigo
Estudo de Caso

as suas famílias)
Recursos ambientais: Pares
1 Puzzle
2 Confiança
Ligações afetivas Grupo de
3 Qualidades de um bom amigo
pares
4 Conversa com os amigos
Técnicas
1 O teatro das expectativas
GAAF/ Tutor
Expectativas 2 Pressão dos amigos
elevadas 3 O nosso diário
4 Aceitação
Grupo de
Atividades em conjunto
pares
Oportunidades de (alteração: o grupo de jovens não
1 Técnicas
participação NEE, no qual se integra o João, a
GAAF/ Tutor
interagir e apoiar alunos NEE)
Colgas NEE
Recursos internos do João
1 Encontrar alguém que…
Cooperação e 2 Expressar sentimentos
comunicação 3 Comunicação não-verbal
4 A nossa história
1 Amizade e sentimentos
2 Procurar ajuda
Empatia
3 Prós e contras
4 Como os outros se sentem
1 Lidar com problemas
Resolução de
2 Os problemas da Joana Colegas de
problemas
3 Lado positivo, lado negativo turma/ Grupo
1 Reconhecer situações stressantes de pares
2 Estratégias para lidar com o stress João
Autoeficácia
3 Ameaças ou desafios Técnicas
4 Sou capaz… GAAF
1 Cartões de identificação
2 Características pessoais
Autoconhecimento
3 O meu objeto favorito
4 Minha T-shirt
Objetivos e 1 As profissões mais procuradas
aspirações 2 A linha do futuro
1 Características positivas
Autoestima 2 Caixa de elogios
3 Círculo de afirmação

Este instrumento apresenta-se como uma solução muito viável para o João, por ser
realizado através de atividades que promovem competências pessoais e sociais, com
objetivos concretos ao nível dos recursos internos, que por sua vez são fundamentais
para a promoção da resiliência.

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Tipologias e Indicadores de Situações de Perigo
Estudo de Caso

Reflexão Critica
O presente trabalho propunha ir ao encontro dos seguintes objetivos (1) identificar
situações e contextos de risco; (2) características do individuo em estudo e (3)
desenvolver estratégias de intervenção e prevenção do risco nesse caso específico.

Deste modo, foi identificada uma situação de risco, apresentada através da história de
vida do João, cujos fatores de risco incidiam, entre outros fatores, na perda de ambos
os pais por morte; na vulnerabilidade económica e na questão cultural. Sendo o risco
mais urgente o de maus tratos por negligências várias, o limitado no acesso a serviços
e bens e, em ultima instância, a delinquência.

Quanto ao segundo objetivo, ao longo do trabalho foram analisadas as características


do jovem e do seu contexto sociofamiliar, no âmbito da avaliação dos fatores
existentes que levam ao risco e que o atenuam. Concluiu-se que o caso apresentado
se encontrava em desvantagem quanto aos fatores de proteção, face ao elevado
número de fatores de risco a que o jovem foi sujeito. Assim, como forma de contrariar
este desequilíbrio, propôs-se a promoção dos recursos internos do jovem,
nomeadamente a resiliência, através da implementação de atividades de promoção de
competências pessoais e sociais que englobavam o João e todo o seu contexto social
e familiar. Atingindo assim o terceiro objetivo a que o trabalho se propôs.

Para a realização deste estudo de caso, foi imprescindível a contextualização teórica


sobre os vários temas. A pesquisa teórica fez perceber quer a vasta bibliografia acerca
das crianças e jovens, maus tratos e fatores de risco, quer a pouca clareza na
distinção de alguns conceitos entre os diferentes autores.

Deste modo, como condicionantes e dificuldades destacam-se sobretudo que a vasta


panóplia de bibliografia existente, poderá ter como consequências a dificuldade de
fugir à gula livresca e de focar a pesquisa no caso prático em estudo. Assim como, a
existência de fracos recursos de diagnóstico e escalas apropriadas técnicos sem
formação académica na área da psicologia. Este aspeto foi também sentido no âmbito
da resiliência, sobretudo ao nível da sua avaliação e promoção junto do jovem.

O presente trabalho tornou mais clara a aplicabilidade na prática quanto aos fatores de
risco e de proteção, bem como, aos recursos internos e externos a estes associados.

No entanto, importa referir que após a redação do presente trabalho ficou a sensação
de que, o que se fez não fica espelhado no trabalho e ao mesmo tempo que se

16
Tipologias e Indicadores de Situações de Perigo
Estudo de Caso

poderia ter feito mais. A importância da relação estabelecida entre o técnico e a


família, as emoções quer as que o utente acaba por transmitir, quer as que o técnico
tem de gerir, o contacto com as pessoas e as pequenas vitórias são impossíveis de
espelhar em papel.

De modo global, pode dizer-se que esta pesquisa foi bastante benéfica para a prática
profissional futura.

17
Tipologias e Indicadores de Situações de Perigo
Estudo de Caso

Referências Bibliográficas
Calheiros, M. ; Garrido, M. & Santos, S. (2012). Crianças em risco e perigo –
Contextos, investigação e intervenção (Vol. 2). Lisboa: Edições Silabo.

Calheiros, M. (2006). A construção social do mau trato e negligência parental: do


senso comum ao conhecimento científico. Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian.

Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco (2011). Promoção e


proteção dos direitos das crianças - Guia de orientação para os profissionais da ação
social na abordagem de situações de maus tratos ou outras situações de perigo.
Lisboa: CNPCJR.

Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco (s.d.). A criança em


risco - Conceito de risco/perigo. Retirado em 29 de dezembro de 2012 de
http://www.cnpcjr.pt/left.asp?13.02.

Matos, P. (2003). Histórias de desencantar: estudo de caso sobre uma criança


institucionalizada (Monografia). Lisboa: ISPA

Menezes, B. et al. (2011). Maus tratos em crianças e jovens - Guia prático de


abordagem, diagnóstico e intervenção. Ação de saúde para crianças e jovens em
risco. Lisboa: Direção Geral de Saúde.

Simões, C. et al. (2009). Ultrapassar adversidades e vencer desafios: Manual de


promoção da resiliência na adolescência. Lisboa: Aventura Social e Saúde.

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Tipologias e Indicadores de Situações de Perigo
Estudo de Caso

Anexos

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Tipologias e Indicadores de Situações de Perigo
Estudo de Caso

Genograma da Família

1950
62

Avô Avó

1977 1983 D. 2009 D. 2006


36 29

Tio Tio Tio Tio Pai Mãe

1991 1997 2002


21 15 10

Irmão Aluno Irmã

Legenda:

Símbolos de
Genograma
2 HIV / SIDA

1 Diabetes
Masculino Feminino Falecimento
1 Suspeita de Alcolismo ou
Toxicodependência

1 Doença Mental ou Física


Rótulo da Relação Familiar
1 Doença Cardíaca
2

Rótulo da Relação Emocional


1 Amizade / Próximo
2 Dependente
4 Discórdia / Conflito

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Tipologias e Indicadores de Situações de Perigo
Estudo de Caso

Ecomapa da Rede de Suporte

Junta de
Freguesia: Igreja:
Apoio
Apoio
Social
Alimentar

Tio Paterno Vizinhos:


que reside em 1950
Apoio de
Inglaterra: 62 Suporte
A. Suporte e Avô Avó
Financeiro

D. 2009 D. 2006
1977 1983
36 29 Pai Mãe
Tio Tio
Escola /
GAAF: Apoio
de Suporte/
1991 1997 2002 Social
Amigo do 21 15 10
Pai: Apoio Irmão Aluno Irmã
de Suporte

CPCJ:
Acordo de
Promoção
e Proteção

Equipa de
Reinserção Social
Entidades / Direção -Geral
credoras de Reinserção e
Serviços
Prisionais

Tribunal
Comarca
Sintra

Legenda:
Relação conflituosa

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