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Há um segundo problema, mais subtil, com a explicação de Hume. No seu Ensaio sobre o
Entendimento Humano (1690), John Locke (1632-1704) descreveu um homem que decidiu de
livre vontade permanecer numa sala com o objetivo de aí conversar com um amigo. Sem que o
soubesse, a porta da sala foi fechada à chave. Segundo Locke, podemos praticar livremente
uma ação sem que tenhamos liberdade para agir de modo diferente. O homem mantém-se na
sala por sua livre vontade, embora seja falso que podia ter agido de outra forma caso tivesse
escolhido fazê-lo. Se a maneira como Locke descreve este caso é correta, a teoria de Hume
está errada. Para que alguém pratique uma ação de livre vontade não é essencial que pudesse
ter praticado qualquer outra ação caso o tivesse desejado. Segundo Locke, podemos praticar
livremente uma ação mesmo não tendo liberdade para agir de outra maneira. Um ato é livre
devido à razão que leva a praticá-lo; a teoria de Hume não consegue explicar em que deverá
consistir um processo que subjaza às ações livres. Eis outro exemplo que ilustra o que Locke
tem em vista. Imagine uma qualquer ação que tenha sido praticada livremente. Suponha que
ontem à noite, por exemplo, o João assistiu de livre vontade a um concerto. Agora imagine que
se tivesse decidido não ir ao concerto teria sido raptado e, contra a sua vontade, teria na
mesma sido levado ao concerto. Enquanto deliberava, desconhecia o que se preparava. O que
conta é que o João assistiu ao concerto de livre vontade, embora não pudesse ter feito outra
coisa. Para se compreender onde Locke quer chegar convém comparar o homem fechado na
sala (embora não o saiba) com o cleptomaníaco. O modo de pensar do cleptomaníaco indica
que os seus processos de pensamento funcionam mal. Algo na sua mente impede-o de ser
livre. Mas nada há de errado na mente do homem do exemplo de Locke, embora não seja livre
de agir de certas maneiras.
Elliott Sober
Retirado de http://www.criticanarede.com/