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FICHA DE TRABALHO

I- Leia o Texto que se segue.


Nota: sublinhe os conceitos mais importantes, teses e argumentos.

O DETERMINISMO MODERADO DE DAVID HUME


Irei começar por expor a teoria compatibilista da liberdade apresentada por David Hume. A
ideia é que uma ação é praticada livremente se o agente podia ter atuado de outra forma, caso
o tivesse desejado. Suponha que aceita uma oferta de emprego para o verão. Hume afirma
que você agiu livremente se tivesse podido declinar a oferta, caso pretendesse fazê-lo. Pela
mesma ordem de ideias, quando alguém entrega a carteira a um ladrão ao ouvi-lo dizer "O
dinheiro ou a vida!", essa pessoa está a agir de livre vontade se for verdadeiro que caso tivesse
preferido morrer em vez de permanecer vivo, podia ter recusado entregar a carteira. Portanto,
a teoria de Hume é que as ações livres são aquelas que estão sob o controlo causa das crenças
e desejos do agente. Quando uma crença está sob o controlo do agente, parece ser verdade
que se o agente tivesse tido um outro conjunto de desejos, também poderia ter selecionado e
praticado uma ação diferente. A teoria de Hume é compatibilista porque defende que uma
ação é livre se se encontra causalmente relacionada de uma maneira particular com as crenças
e desejos do agente. O que seria, de acordo com a teoria de Hume, uma ação não livre?
Suponha que quer sair de uma sala mas não é capaz visto que está pregado ao chão. Neste
caso, não é livremente que permanece na sala. É obrigado a manter-se nela quer queira quer
não. A sua ação não se encontra sob o controlo das suas crenças e desejos.
Eis outro exemplo de ação não livre. Suponha que o submeti a uma operação ao cérebro.
Desliguei as suas crenças e desejos dos nervos que enviam impulsos para o resto do seu corpo.
Também lhe implantei um transmissor de rádio para que o seu corpo receba as minhas
instruções. Agora são as minhas crenças e desejos que ditam o que você faz e diz. Nesta
situação, o seu corpo tornar-se-ia um robô - seria um escravo da minha vontade. Faria o que
eu quero porque é esse o meu desejo. Você poderia ser visto a beber água, a depositar
dinheiro na minha conta bancária, e assim por diante. Mas não faria nenhuma destas coisas de
livre vontade. A teoria de Hume explica por que razão neste caso as suas ações não seriam
livres.

Primeira objeção à teoria de Hume: o comportamento compulsivo


Penso que a principal objeção à teoria de Hume pode ser encontrada em casos de
comportamento compulsivo. Pense-se no cleptomaníaco (...). Um cleptomaníaco é um ladrão
cujo desejo de roubar é invencível. Um cleptomaníaco pode querer roubar mesmo sabendo
que vai ser apanhado e castigado. Mesmo possuindo um pleno conhecimento de que roubar
lhes trará sofrimento em vez de ajuda, continua a roubar.
Os cleptomaníacos são apanhados nas malhas de uma obsessão. São escravos de um desejo
que não diminui ao compreenderem que agir em função dele lhes faz mais mal do que bem.
Há ladrões que não são cleptomaníacos, é claro. Este tipo de ladrão pode tentar roubar algo,
mas a decisão de o fazer seria afetada pela informação acerca das hipóteses de ser apanhado e
castigado. Nada disto faz qualquer diferença para o cleptomaníaco. O cleptomaníaco está
emparedado; o seu desejo não é sensível a considerações de interesse próprio. Penso que o
cleptomaníaco não rouba de livre vontade. Contudo, este caso satisfaz os requisitos de Hume
para ser considerado um comportamento livre. Os cleptomaníacos querem, acima de tudo,
roubar coisas. Ao roubar, estão a seguir os seus desejos. Se não tivessem querido roubar, não
o teriam feito. As ações do cleptomaníaco estão, pois, sob o controle das suas crenças e
desejos. O problema é que há algo nesses desejos e no modo como funcionam que impede o
cleptomaníaco de ser livre. A teoria de Hume define liberdade em termos da relação que se
verifica entre crenças e desejos, por um lado, e as ações por outro. Para Hume, as ações livres
são controladas pelos desejos do agente. O comportamento compulsivo constitui uma objeção
à teoria de Hume. É a natureza daquilo que o cleptomaníaco deseja que o impede ser livre.
Isto sugere que a teoria compatibilista não deve ignorar as ligações anteriores na cadeia causal
acima.

Segunda objeção à teoria de Hume: a sala fechada de Locke

Há um segundo problema, mais subtil, com a explicação de Hume. No seu Ensaio sobre o
Entendimento Humano (1690), John Locke (1632-1704) descreveu um homem que decidiu de
livre vontade permanecer numa sala com o objetivo de aí conversar com um amigo. Sem que o
soubesse, a porta da sala foi fechada à chave. Segundo Locke, podemos praticar livremente
uma ação sem que tenhamos liberdade para agir de modo diferente. O homem mantém-se na
sala por sua livre vontade, embora seja falso que podia ter agido de outra forma caso tivesse
escolhido fazê-lo. Se a maneira como Locke descreve este caso é correta, a teoria de Hume
está errada. Para que alguém pratique uma ação de livre vontade não é essencial que pudesse
ter praticado qualquer outra ação caso o tivesse desejado. Segundo Locke, podemos praticar
livremente uma ação mesmo não tendo liberdade para agir de outra maneira. Um ato é livre
devido à razão que leva a praticá-lo; a teoria de Hume não consegue explicar em que deverá
consistir um processo que subjaza às ações livres. Eis outro exemplo que ilustra o que Locke
tem em vista. Imagine uma qualquer ação que tenha sido praticada livremente. Suponha que
ontem à noite, por exemplo, o João assistiu de livre vontade a um concerto. Agora imagine que
se tivesse decidido não ir ao concerto teria sido raptado e, contra a sua vontade, teria na
mesma sido levado ao concerto. Enquanto deliberava, desconhecia o que se preparava. O que
conta é que o João assistiu ao concerto de livre vontade, embora não pudesse ter feito outra
coisa. Para se compreender onde Locke quer chegar convém comparar o homem fechado na
sala (embora não o saiba) com o cleptomaníaco. O modo de pensar do cleptomaníaco indica
que os seus processos de pensamento funcionam mal. Algo na sua mente impede-o de ser
livre. Mas nada há de errado na mente do homem do exemplo de Locke, embora não seja livre
de agir de certas maneiras.

Elliott Sober
Retirado de http://www.criticanarede.com/

Com base no texto, responda às seguintes questões:


1- O determinismo moderado é uma teoria compatibilista? Justifique.
2- Que distinção permite ao determinista moderado defender a compatibilidade entre
determinismo e livre-arbítrio?
3- Como é caracterizada o livre-arbítrio pelo determinista moderado?
4- Para o determinista moderado, uma ação livre é causada. É causada pelo quê?
5- Por que razão para o determinista moderado é importante que a ação do agente
seja causada ou determinada pelas suas crenças e desejos?
6- Segundo o determinismo moderado, somos responsáveis pelas nossas ações?
Justifique.
7- Esclareça através de um exemplo o que é agir livremente para um determinista
moderado.
8- Esclareça, através de exemplos, que fatores podem impedir o agente de fazer o que
tem vontade de fazer.
9- O sentido comum de livre-arbítrio consiste em dizer que agir livremente é não só
fazer o que queremos fazer como também poder não ter feito o que se fez, ou seja, a
ausência de coação é acompanhada por uma outra condição que é o agente possuir
alternativas reais de ação. Será que o determinismo moderado salvaguarda esta ideia
de liberdade?
10- Explique as duas objeções apresentadas ao determinismo moderado.

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