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FÓRUM 2
Pode-se dizer que o “calcanhar de Aquiles” na Educação a Distância é a situação de aprendizagem “individual”. O estudar sem a
presença regular de colegas e professores desafia o cursista a superar suas limitações pessoais e desenvolver sua capacidade
de aprender autonomamente, de aprender a aprender. Este é um processo que exige envolvimento tanto da instituição que
oferece o curso como do cursista inscrito. A instituição coloca a disposição do cursista todo seu sistema (recursos materiais e
humanos, redes de comunicação) para dar suporte à sua caminhada. Por outro lado, o cursista deve mergulhar, assumindo
para si, também, a responsabilidade de sua formação. Este artigo, então, propõe ao estudante matriculado em cursos de EAD,
reflexões e orientações sobre como participar deste percurso, quais as dimensões a desenvolver para que se torne autor e ator
do seu processo formativo.
Em 1991, fui convidado a participar de um Grupo Tarefa para dar início à discussão de
um projeto em Educação a Distância, na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Fui
muito na descrença, muito mais para questionar, criticar do que realmente para entender
esta modalidade. As vagas imagens que eu tinha sobre Ensino a Distância, pois era essa a
terminologia mais utilizada, eram os cursos por correspondência do Instituto Universal
Brasileiro e os programas que o MEC, na década de 70 sobretudo, colocava ao ar para
1
Professor do Departamento de Teorias e Fundamentos da Educação, Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT), e membro da equipe do Núcleo de Educação Aberta e a Distância (NEAD-UFMT).
serem acompanhados pelo rádio ou pela televisão (como o Projeto Minerva e o Telecurso de
2o grau) ou cursos através de material instrucional (como o Logos).
Porém, à medida que fui me inteirando e compreendendo a modalidade, ela me
conquistou. Não foi amor à primeira vista. Fui também me dando conta que, sem eu saber,
já havia praticado Educação a Distância quando havía participado, entre 1982-87, do
desenvolvimento de uma proposta de formação de professores rurais na área do atual
município de Guarantã do Norte, em Mato Grosso. 2
Não se trata, pois de algo novo, inovador ou diferente. É uma modalidade vem
acontecendo há muito tempo, utilizando os meios disponíveis e adequados em cada época
para atingir uma determinada população. Mas, o que constatamos, nestas duas últimas
décadas, é uma expansão desta modalidade em todos os continentes. Praticamente, em
quase todos os países têm-se criado universidades ou sistemas em EAD e, apesar de causar
polêmicas, tem sido recebida com aplausos e críticas, preconceitos e resistências. 3
Mas o que explica e dá sentido ao crescimento desta modalidade?
Diversos são os fatores; podemos citar alguns, como o político-social, o econômico, o
tecnológico e o pedagógico. Vejamos rapidamente os primeiros três para nos determos mais
no último, lembrando, porém, que estes fatores só serão compreendidos devidamente se os
analisarmos e os situarmos dentro do atual contexto de globalização da economia e de
hegemonia do discurso neo-liberal:
- político-social: diante do crescente desemprego frente à introdução de máquinas “inteligentes” e ao processo
de contenção de despesas públicas, em quase todos os setores da vida social, o governo buscava
estabelecer um Estado mínimo e, frente à desqualificação dos trabalhadores, propunha dar uma nova
formação ao trabalhador e criar um consenso quanto às duras e amargas medidas econômicas e sociais.
Como fazer isso, atingindo rapidamente o maior número de trabalhadores?
- econômico: como dar essa formação sem onerar os cofres públicos ou das empresas, diante da redução de
investimentos na educação e sem tirar o trabalhador do seu local de trabalho?
- tecnológico: os atuais meios tecnológicos favorecem pensar em situações de novas aprendizagens, onde a
figura presencial do professor, na maioria das vezes, é dispensável ou ele pode interagir não com uma sala
de 20 a 30 aprendizes, mas sim com centenas e mantendo o nível de qualidade dos cursos oferecidos.
- pedagógico: a escola que está aí não é atraente, não é criativa e está centrada, quase exclusivamente, no
paradigma da heteroformação.4 Sua estrutura muito fechada e burocratizada é um obstáculo para o
trabalhador. Necessita-se, pois, de uma modalidade mais leve, mais flexível, que ofereça alternativas que
correspondam à realidade do trabalhador, que é adulto, e que esteja pautada no paradigma da
autoformação.
A EAD, então, coloca-se hoje como uma possibilidade, como uma alternativa. Um dos traços
fortes, distintivos e centrais dessa modalidade é a capacidade de se organizar para melhor viabilizar
ao aprendiz a construção de sua autoformação, de sua autonomia no processo de aprendizagem.
Isso é facilitado na EAD, no entender de García Madruga e Martín Cordero (1987, p. 13), pelo fato
do aprendiz, em sua grande maioria, ser adulto e apresentar as seguintes características:
2
Trata-se do projeto “Escolonização: alternativas para as escolas em áreas de colonização agrícola em Mato Grosso” , que fazia
parte de um projeto nacional, coordenado pela Secretaria de Cultura do MEC: “Interação entre a Educação Básica e os
diferentes contextos culturais existentes no país” , que se realizou durante o período de transição democrática (1982-86).
3
A esse respeito ver, nessa mesma obra, o artigo de autoria de Preti: Educação a Distância e Globalização: desafios e
tendências”.
4
Heteroformação, no sentido da formação “imposta” pelo “outro”, de fora para dentro, de alguém ensinando e o outro
aprendendo, de alguém falando (sujeito) e o outro escutando (objeto), de uma educação “bancária”, no sentido freiriano. O
“outro”, pelo contrário, é parte constitutiva da relação, tornando-se construtivo e formativo quando coloca-se como participante
do processo, não “impositivo”.
ser possuidor de uma rica experiência (que pode e deve ser aproveitada como base para a construção de
novos conhecimentos) e
que busca na aprendizagem uma orientação mais prática, voltada para suas necessidades mais imediatas.
Autonomia
Autonomia, uma palavra em moda nas duas últimas décadas, foi e é bandeira de luta
nossa na educação. Queremos uma universidade e uma escola com autonomia. Falamos na
autonomia do aprendiz em seu processo de construção do conhecimento. O que isso
significa, ou melhor, quais os sentidos que essa palavra têm?
Significados
Vamos considerar aqui apenas dois aspectos indissociáveis: o político e o pedagógico.
5
Preti, Oreste. Educação a Distância: uma prática mediadora e mediatizada. In: PRETI, O. (org.) Educação a Distância: inícios e
indícios de um percurso. Cuiabá: NEAD/UFMT, 1996, p.15-56.
Em sua etimologia, autonomia vem do grego, resultado da composição do pronome
reflexivo, com posição atributiva, autós (próprio, a si mesmo) com o substantivo nomos
(lei, norma, regra). Para os gregos, significava a capacidade de cada cidade se
autogovernar, de elaborar seus preceitos, suas leis, dos cidadãos decidirem o que fazer. Era
o pleno direito à liberdade política e econômica. Cada cidade um estado, um estado
democrático. Por outro lado significava a recusa à subjugação a um rei, a um tirano, a
grupos oligárquicos e a afirmação do ser-cidadão e a negação do ser-escravo. Era uma
qualidade inerente ao ser cidadão.6
Autonomia, pois, rima com democracia, com cidadania.
Sabemos, porém a luta que se trava nos bastidores, para ser exercida. Há resistências,
pois autonomia representa perda para quem está no poder, para quem se coloca no outro
lado da relação como detentor do “saber” e das decisões a serem tomadas.
Na relação pedagógica, significa, de um lado, reconhecer no outro sua capacidade de
ser, de participar, de ter o que oferecer, de decidir, de não desqualificá-lo, pois, a educação
é um ato de liberdade e de compartilhamento. E, nesse sentido, ela revela sua estreita e
indissociável ligação com o político.
Por outro lado, significa a capacidade que o sujeito tem de “ tomar para si”7 sua própria
formação, seus objetivos e fins; isto é, tornar-se sujeito e objeto de formação para si mesmo
(Pineau, p. 3). Não é fácil para o professor, que se coloca como “dirigente” da formação do
seu aluno, tomar para si sua formação, ainda mais que, na Educação a Distância, a figura do
professor presencial “diretivo” não é visível, desaparece, provocando no cursista um
sentimento de abandono, de estar só.
Esses significados nos remetem às fronteiras de outros significados. Ter autonomia
significa ser “autoridade”, isto é, ter força para falar em próprio nome, poder professar (daí
o sentido de ser “professor”) um credo, um pensamento, ter o que ensinar a outrem, ser
possuidor de uma mensagem a ser proferida. Em outras palavras, é ser autor da própria fala
e do próprio agir. Daí a necessidade da coerência entre o dizer e o agir, entre a ação e o
conhecimento, isto é, a não separação destes dois momentos interdependentes. Para Varela
(apud Assmann, 1998, p.133-4) autonomia e conhecimento são conceitos que, no campo
dos seres vivos, se reclamam reciprocamente: “um sistema é autônomo na medida em que é
autopoiético (que se faz a si mesmo), e é autopoiético enquanto é capaz de aprender
(cognitivo)”. Um conceito que leva ao de interação e processo aprendente em atuação.
Dimensões
A autonomia enquanto uma ação educativa no processo de ensino-aprendizagem pode
ser abordada em suas dimensões mais variadas.
Vejamos algumas delas:
Dimensão “ontológica”
A autonomia é algo que faz parte do ser, do vir a ser, da ontologia do homem enquanto
sujeito capaz de tomar suas decisões, de ter nascido livre, numa coletividade e, por isso,
impondo a si mesmo os limites de sua ação, de sua liberdade, de sua autonomia.
Porém, não pode ser encarada como uma qualidade humana dada e pronta. Ela é uma
conquista. Neste sentido, a autonomia se completa, se realiza à medida que o homem cresce
e amadurece, no convívio com os outros.
6
Não esqueçamos que, na Grécia Clássica, a categoria “cidadão” era restrita a uma parcela reduzida da sociedade, pois dela
estavam excluídos os escravos, os libertos, os estrangeiros e as mulheres.
7
Em latim, “ser arrogante” (ar-rogare: atribuir a si, chamar para si) tem este sentido.
/ / a autonomia não é um valor absoluto, fechado em si mesmo, mas um valor que se define numa relação
de interação social. (Neves, In: Veiga, 1996, p. 97)
A autonomia não é construída no vazio, sem uma direção. É fundamental, pois definirmos os
objetivos de nossas ações, desenharmos o projeto de nossa vida, o projeto do grupo no qual
estamos inseridos, onde trabalhamos. Isso implica a participação nas ações coletivas, como o projeto
político-pedagógico ou outros projetos que a comunidade escolar venha elaborar e implementar.
Por isso é bom perguntar-se: “Conheço realmente o projeto em que estou inserido?” Conhecer
não é um processo abstrato, uma simples atividade do intelecto. É parte, é resultado de
envolvimento, de ação, de querer intervir e mudar. Significa conhecer o contexto onde nossa ação vai
se dar, a história dos sujeitos envolvidos, suas relações, seu mundo, suas expectativas, seus
interesses, seus sonhos, etc. É um processo complexo, profundo e transformador.
Por isso, devemos antes nos perguntar: esse projeto faz parte da minha vida profissional ou
estou nele por um acidente de percurso, porque minha escola foi escolhida ou porque há
expectativas outras? E tomarmos posição.
Sem um compromisso ético-profissional, não é possível exercer sua autonomia, pois
você estará a mercê dos outros, das decisões tomadas sem a sua participação. Não resultará
em processo emancipatório, libertário e sim alienante e opressor. Estará apenas “cumprindo
tarefas”.
/ / Bandura(1987)8 sustenta que quando se permite aos sujeitos a eleição de suas metas, estes assumem
para com elas um compromisso, passando deste modo a considerarem-se responsáveis pelos progressos
relativos à sua prossecução, incrementando assim os sub-processos da auto-avaliação e, por isso também,
o nível de desempenho e as expectativas de auto-eficácia. (Cerdeira, 1995, p. 151)
Dimensão afetiva
Conhecer e tomar posição não é algo árido, seco e vazio. Requer coração, emoção e paixão.
Todo projeto educativo deve ser encarado como algo prazeroso, para que marque a diferença. Isso
significa:
Mobilizar as energias numa aventura lúdica compartilhada; sentir e fazer sentir; participar entregando o
melhor de si e recebendo o melhor dos outros. (Gutiérrez Pérez, Prieto Castilho, 1991, p. 29)
8
A Teoria Cognitivo-social de Albert Bandura, nas últimas duas décadas, é uma das referências mais citadas e estudadas no
domínio da Psicologia, nos países anglo-saxónicos (nota nossa).
O entusiasmo naquilo que se faz é ponto de partida e de chegada para a concretização
de projetos alternativos em educação, para que o processo de autoaprendizagem se dê na
sua totalidade e a pessoa se realize como ser humano. Por isso, devemos nos perguntar:
“Estou entusiasmado com o projeto ou o curso em que estou inserido, isto é, sinto um
“deus” dentro de mim?” Pois, é esse o seu sentido etimológico ( enthousiasmós: inspiração
divina).
Os motivos, para estar engajado num projeto, num curso de formação a distância, num
trabalho coletivo ou não, podem ser os mais diferentes: satisfazer necessidades pessoais
concretas, reciclar-se, conhecer mais e melhor a área em que atua, aplicar conhecimentos
novos no trabalho, mudar de vida ou adaptar-se a novas situações, etc. O importante é
encontrar-se bem, gostar do que se está fazendo, do projeto ou do curso em que se está
envolvido. Pois, aprende-se quando se está em atitude de aprendizagem, em atitude de
interesse:
O que não se faz sentir, não se entende, e o que não se entende, não interessa. (SimónRodriguez, apud
Gutiérrez, Prado, 1999, p. 64)
E isso faz com que o aprendiz ganhe confiança em si mesmo, em sua capacidade de
aprender de maneira autônoma, sem depender passivamente da figura do professor, de
alguém que vem para “ensinar ao outro que não sabe”.
A educação que recebemos castrou ou abafou este aspecto vital, fazendo com que
neguemos, no processo de aprendizagem, o prazer. Temos que superar as visões
reducionistas do Homo sapiens (idealismo e racionalismo) e do Homo faber (materialismo e
empirismo) e nos aventurarmos na perspectiva e na possibilidade do Homo ludens, do
homem que educa o outro e educa a si mesmo num processo construtivo, interativo e, ao
mesmo tempo, prazeiroso e lúdico onde o sujeito-aprendiz, com suas emoções e sentidos
(nos dois “sentidos”) não é excluído, banido como um não-ser, mas interage com o outro e
com o objeto de sua aprendizagem, com o meio no qual está “metido” e do qual é
influenciado e ao mesmo tempo o influencia e modifica modificando-se a si mesmo. Neste
sentido, todos os momentos de encontro, de trocas, de diálogos e olhares são valorizados. O
processo avaliativo, então, é construído a partir de outros paradigmas, a partir de outros
pontos de referência superando os tradicionais métodos e instrumentos que provocam no
aprendiz ansiedade, medo e recusa à aprendizagem.
Dimensão Metodológica
A vontade política e o envolvimento emotivo não garantem, sozinhos, o
amadurecimento processual da autonomia. Ela tem que ser construída sobre bases sólidas,
sobre a reflexão e uma concepção de mundo, de sociedade e de educação. Um componente
fundamental, nesse processo, é a decisão metodológica, isto é: qual o caminho a ser
escolhido para que a sua compreensão do mundo e a direção das práticas pedagógicas
dêem sentido ao seu ato educativo, ao projeto no qual está inserido e que auxiliem sua
autoformação?
A leitura do mundo que você vai fazer estará em consonância com essa opção. Ela
poderá possibilitar o fortalecimento de sua autonomia, de sua identidade ou conduzi-lo à
alienação, a se diluir no outro, a esperar que o outro tome as decisões por você.
Propomos o método dialético como sendo um caminho produzido pela reflexão e ação dos
homens ao longo de mais de dois milênios, iniciado na Grécia Clássica com os primeiros filósofos. É o
caminho que parte das experiências (da realidade, da prática social) para ir construindo novos
conceitos (processo ordenado de abstração) e destes retornar à experiência para dar-lhe sentido e
sustentação, isto é, uma visão mais profunda e total da realidade, uma olhada crítica e criadora da
prática. É o regresso à prática para transformá-la.
Na EAD, o recurso mais utilizado no processo ensino-aprendizagem, ainda é o texto escrito, por
ser aquele que é mais acessível, pois não depende de outros meios tecnológicos, economicamente e
socialmente o menos oneroso, e portanto o mais democrático, além de estar muito impregnado em
nossa formação cultural. É pois sobre esse recurso que faremos referências às possibilidades do
adulto construir sua autonomia intelectual.
Nesta direção, Monteiro e Almeida (1996, p. 9-11) nos dão algumas orientações muito ricas.
Propõem ao leitor, que é professor que estuda a distância, uma dinâmica de leitura do texto escrito,
em três momentos: aproximação, reflexão-diálogo e re-elaboração.
“Aproximação é o momento em que [o leitor] toma contato com o conteúdo da lição / / do seu modo,
com suas características pessoais / / com a abertura necessária para o aprendizado / / [a partir das]
experiências acumuladas por pensadores e elaboradas dentro de um determinado contexto / /.
A Reflexão é o movimento da volta do pensamento para si mesmo, interrogando a si mesmo / / em torno
de três conjuntos de questões: quais os motivos, as razões e as causas para pensarmos o que pensamos,
dizermos o que dizemos, fazermos o que fazemos; qual é o conteúdo ou o sentido do que pensamos,
dizemos e fazemos; e por fim, qual é a intenção ou a finalidade do que pensamos, dizemos e fazemos / /
[essa atividade] não é solitária / / O debate é uma forma de Diálogo, onde cada um compartilha sua
reflexão com o propósito de amadurecer a sua própria reflexão e a do outro / /
A re-elaboraçãopessoal que se traduz na exposição escrita do seu pensamento / / [que seja] coerente e
tenha sentido claro”.
9
Termo introduzido na literatura psicológica, nos inícios da década de 70, por Flavell. Etimologicamente, significa “para além da
cognição”, isto é, a faculdade de conhecer o próprio ato de conhecer. Trata-se, pois da cognição da cognição, isto é, “como o
conhecimento que o indivíduo tem sobre os seus próprios processos e produtos cognitivos ou aspectos relacionados com estes”
(Valente et al., 1993), ou, dito de outra forma, de “pensar sobre o pensar”.
dos mesmos (por ex., planejar suas ações), tornando-se, assim, “um mecanismo essencial
para a mudança” (Martí, 1995, p. 18).
O conhecimento e a enveredada por esse caminho nos auxiliam não somente no sentido de
tornar-nos capazes para realizar uma re-leitura do texto, como para que adquiramos autonomia em
nosso trabalho intelectual e estejamos mais abertos às mudanças.
Segundo Guitiérrez Pérez e Prieto Castilho (1991, p. 91): “se fores capaz de construir
teu texto serás capaz de mudar atitudes cimentadas durante anos em todo o sistema
educativo”.
Por isso, a EAD atua em duas frentes. Primeiramente na elaboração do texto escrito. Seus textos
são “mediados”, considerando tanto os conteúdos científicos e a aprendizagem como as formas de
expressão dos mesmos, oferecendo uma informação acessível, clara, organizada, rica em recursos
expressivos, visando a aprendizagem (Gutiérrez Pérez, Ríos de Maldonado, 1994, p. 3).
Em segundo lugar, propondo ao aprendiz que ele construa seu “texto paralelo” 10, ao lado do
autor, que escreva seu próprio texto, que se torne autor e co-autor, pois não se trata de um processo
isolado, mas construído no diálogo com o autor e os colegas do curso. Isso irá propiciar a reflexão
crítica e a integração teoria-prática.11
Dimensão Técnico-Instrumental
Como estudar? O que devo fazer, enquanto me coloco na posição de aprendiz, para aprender a
aprender, a me autoformar, a regular minha aprendizagem, em suma, a ter minha autonomia no
processo de aprendizagem? Existem instrumentos e técnicas para dar suporte ao aprendiz neste
processo?
Há uma vasta literatura, tanto no campo da Metodologia Científica como da Linguagem e da
Comunicação que oferece as mais variadas sugestões de como melhor fazer este percurso. Vejamos
algumas dirigidas para quem estuda no sistema de EAD.
Guitiérrez Pérez e Prieto Castilho, na obra “A mediação pedagógica” (1991, p. 75-109) nos
indicam três planos de atividades nos processos de autoaprendizagem:
Na aproximação ao texto sugerem exercícios destinados a “concretizar a relação” do aprendiz
com o texto para se apropriar ( apropriação) dele: exercícios de significação, de expressão, de re-
significação e re-creação, de propor e solucionar problemas, de autopercepção e de prospectiva.
Na relação texto-contexto, onde a educação é colocada a serviço da vida e não do tema ou da
disciplina, três aspectos são ressaltados em que o aprendiz deveria se exercitar: a relação intertextual,
a observação e a interação.
E, finalmente, no sentido do aprendiz superar a dicotomia entre o que aprende e o que pratica,
visando um trabalho integrado que avance sobre os resultados de sua prática ( aplicabilidade do
aprendido), são sugeridas atividades de produção, de reflexão e de invenção.
Alvarez (1989) propõe técnicas de leitura intensiva, extensiva e ativa, além da utilização
do skimming e do scanning.12
10
Já na década de 20, CelestínFreinet propunha algo parecido: o uso do “texto livre” para tornar a Pedagogia uma disciplina
social, crítica e problematizadora, pois com esse instrumento buscava integrar experiências, interesses e sentimentos através da
narração e discussão. Segundo Gutiérrez Pérez e eRíos de Maldonado (1994) o “texto paralelo”deve ter sempre presente: o
sentido comum, a própria experiência, a imaginação, a experiência dos outros, a investigação, a leitura, a reflexão, a
criatividade e a significação.
11
Hoje, em muitos cursos de formação de professores, está sendo introduzida a prática de utilização de instrumentos que
provoquem a reflexão e a integração, tais como: o memorial, o dossiê, o portfolio, o diário de bordo, etc.
12
Skimming consiste em ler o texto rapidamente buscando o que nos interessa, os temas básicos, a intenção ou o propósito do
autor, o tipo de texto, etc.
Scanning é uma técnica mais limitada, pois trata somente de localizar alguma informação específica: um nome, uma data, um
evento, etc.
Preti (2000), na obra “A aventura de ser estudante”, dá algumas orientações práticas, a partir de
uma revisão da literatura nacional existente sobre o assunto. No processo lógico do pensar propõe
passos metodológicos na leitura analítica do texto (preparação, compreensão, interpretação,
discussão do texto e tomada de decisão) e procedimentos de organização das informações na leitura
documental (técnicas de resumo, síntese, esquema e fichamento), além de técnicas de redação.
O aprendiz, assim, que em princípio trabalha sozinho, mas não isolado frente ao texto, através
dos procedimentos sugeridos por esses ou outros autores, poderá exercitar a apropriação do texto, a
relação texto-contexto e sua aplicabilidade, tornando completa a ação educativa de ser leitor-autor e
de poder conduzir autonomamente a reflexão sobre os conteúdos propostos para sua formação e
sobre sua prática.
Dimensão operacional
Tomadas as posições, cabeça e coração envolvidos, a autonomia, para ser construída, vai exigir
do sujeito ações organizacionais. Exige-se uma certa “racionalidade” para que os objetivos propostos
e os resultados esperados sejam alcançados e obtidos, com os recursos e o tempo disponíveis.
Não há dúvida de que existem inúmeras dificuldades que você terá que considerar e superar, tais
como: muito tempo afastado dos estudos e a consequente dificuldade de adaptar-se a novas
situações de aprendizagem, expectativas e motivações reduzidas, condições de trabalho e de vida
desestimulantes, pouco tempo livre, descrença da validade e aplicabilidade de estudos teóricos, visão
muito pragmatista e imediatista frente às práticas educativas, etc. Mas é necessário que você “se
eduque para que saiba como aprender, como adaptar-se e como mudar”, se quiser continuar
desfrutando prazerosamente do seu trabalho e de sua vida (García Aretio, 1995, p. 165).
Inicialmente, é fundamental um olhar para si mesmo, observar-se e perguntar-se: como estudo,
isto é, como aprendo, quais as estratégias metacognitivas? Como ocupo e organizo o tempo ao longo
do dia e da semana? Quando, quanto, como e onde estudo? Quais os horários mais proveitosos, que
técnicas utilizo para ler, resumir, etc.?
O conhecimento das condições objetivas (ambiente, tempo, etc.) e subjetivas (hábitos, estado
físico e mental, etc.), esse conhecimento de si, enquanto aprendiz, essa autoavaliação do “estado de
aprendiz” o levará a melhor definir e ponderar as metas e as etapas propostas no projeto. Elas
devem estar ao alcance de suas capacidades, pois, segundo Bandura (In Cedreira, 1995) alcançá-las
promove autoconfiança e auto-percepção de eficácia.
Tomadas as decisões quanto às ações a serem desenvolvidas num espaço de tempo
determinado, o segundo elemento que subsidia e facilita essa caminhada é a organização das
atividades e a gestão do tempo. É importante que planeje o que vai ser feito e dentro de que limites
de tempo. Isso vai exigir muita disciplina no cumprimento das decisões tomadas e das atividades
estabelecidas. Não empurre nada para depois. Faça conforme o que foi definido. Não deixe que as
rotinas da vida familiar quebrem ou amoleçam os compromissos assumidos.
Essa dimensão operativa não pode ser entendida como um receituário, como um “pacote de
regrinhas” a serem simplesmente seguidas e com isso automaticamente garantir o processo de
autonomia na aprendizagem. Postas as condições institucionais e o suporte do grupo do qual
participamos, o desenvolvimento e os resultados das ações planejadas dependem, em grande parte,
do envolvimento e do esforço individual. Por isso, essas breves reflexões sobre como organizar o seu
trabalho.
Considerações finais
Tentamos propor reflexões sobre significações e dimensões da autonomia no processo
educativo da Educação a Distância. São conhecidas, mas espero ter valido a pena ter aberto
e mexido no baú das lembranças.
Não temos receitas e nem “pontos finais”, mas, a modo de encerramento, queremos
resumidamente apontar os aspectos salientados ao longo de nossa fala:
- A autoaprendizagem é uma prática construída e consolidada em práticas e sistemas
alternativos13, como a EAD, onde toda estrutura de suporte e procedimentos é posta
para que aconteça o ato educativo e não a instrução.
Se instruir não é educar, como dizia donSimón Rodríguez, então, se num sistema de educação a
distância alternativa realmente o que nos interessa é educar, é necessário acentuar a
autoaprendizagem” (Gutiérrez Pérez, Prieto Castilho, 1991, p. 69).
A autoaprendizagem é uma tarefa pessoal, pois o aprendiz deve chamar para si seu
processo de aprendizagem, tomar posição e assumir compromisso consigo e com a
instituição onde atua.
- A autoaprendizagem é também uma tarefa coletiva, de corresponsabilidade entre o
aprendiz e a instituição que oferece o serviço. A responsabilidade da aprendizagem não
pode estar concentrada somente no aprendiz. Devem atuar eficientemente todos os
suportes necessários para um sistema de EAD (administrativo, pedagógico, cognitivo,
afetivo, etc.).
- A autoaprendizagem é também um processo de interaprendizagem,14 porque se
aprende com o outro, com o grupo, com os colegas. Por isso, atividades em equipe
estimulam, motivam e facilitam a autoaprendizagem.
- A autoaprendizagem deve ser posta de maneira prazerosa (o ambiente, o material, os
colegas, a equipe, etc.).
- Finalmente, talvez o mais importante, a autonomia não pode ser simplesmente desejada
pelo aprendiz e/ou proposta pela instituição ou equipe que coordena projeto ou proposta
em curso na instituição educativa. Deve ser exercitada, praticada no cotidiano das
tarefas profissionais, considerando todas as dificuldades e limitações tanto objetivas
como subjetivas.
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Tours, s.d. (mimeo)
13
A EAD, para ser uma educação Alternativa, tem que possuir as seguintes características: ser participativa, partir da realidade
e fundamentar-se na prática social do estudante, promover nos agentes do processo atitudes críticas e criativas, abrir caminhos
à expressão e comunicação, promover processos e obter resultados, fundamentar-se na produção de conhecimentos, ser lúdica,
prazerosa e bela, desenvolver atitudes de pesquisa (Gutiérrez Pérez, Prieto Castilho, 1991, p. 37-52).
14
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