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Semiologia Vascular

Introdução
O sistema vascular periférico é constituído de três subsistemas: sistema arterial, sistema venoso e
sistema linfático. Conceitualmente nas artérias circula sangue oxigenado que transporta, além do oxigênio,
nutrientes necessários para o metabolismo celular tecidual. As veias recolhem e transportam o sangue com
baixa concentração de oxigênio e produtos do metabolismo celular tecidual e os vasos linfáticos
complementam essa atividade de drenagem do restante de líquidos intersticiais.
Existe uma série de outras funções mais específicas do sistema vascular, como controle pressórico,
homeostase, autoimunidade e regulação térmica do organismo. Diante disso, as doenças a serem
abordadas, do ponto de vista semiológico, serão sempre as relacionadas às alterações de fluxo nos três
sistemas. O fluxo arterial pode ser alterado em razão de obstruções (estenoses ou estreitamento da luz),
determinando sua diminuição, ou outras situações em que há aumento do fluxo e em algumas em que o
fluxo praticamente não se altera. As doenças que diminuem o fluxo são: a obstrução arterial aguda
(trombose aguda e embolia) e crônica (placas de ateroma etc.); as que aumentam o fluxo, como as fístulas
arteriovenosas (congênitas ou adquiridas) e as em que, a princípio, não alteram significativamente o fluxo
arterial distal, como os aneurismas ou algumas malformações vasculares.
Da mesma forma, no sistema venoso as condições que prejudicam o retorno do fluxo venoso de forma
aguda, como na trombose venosa profunda ou na tromboflebite superficial, e as que apresentam
dificuldade de retorno por disfunção valvular ou obstrução, como na doença varicosa ou varizes (primárias
e secundárias). No sistema linfático o fluxo de drenagem pode ser dificultado pelas obstruções ou
disfunções (agenesias, hipoplasias) que são responsáveis pelo linfedema (congênitos e adquiridos).
Uma história clínica clara e detalhada torna-se fundamental diante do quadro sugestivo de uma doença
vascular. Devem fazer parte da abordagem inicial toda informação referente ao tempo de início, duração,
intensidade, estabilização, melhora ou piora do quadro, assim como os efeitos na qualidade de vida.

Aspectos Anatômicos e Funcionais

As artérias são amareladas ou cinzento-azuladas no indivíduo vivo e caracterizam-se pela pulsação.


Quando seccionada, a artéria sangra em jato com sangue rutilante e, se não forem de grande calibre, suas
extremidades se retraem de modo a impedir a hemorragia.

As veias têm cor azul-escuro no indivíduo vivo e normalmente não pulsam; por isso quando lesada o
sangue de cor vermelho-escuro flui continuamente e não de forma pulsátil. As veias são mais numerosas
que as artérias e têm as paredes mais finas com diâmetro geralmente maior que o das artérias
correspondentes. Com poucas exceções, as veias profundas acompanham as artérias e têm os mesmos
nomes. Diferentemente das artérias, as veias apresentam um contingente importante de válvulas tanto no
sistema venoso superficial quanto no profundo. O número de válvulas aumenta à medida que a veia se
afasta do tronco.
A drenagem do sangue venoso dos membros superiores é feita pelos sistemas venoso superficial e
profundo.
A drenagem venosa dos membros inferiores se faz à custa dos sistemas venosos superficial e profundo.
O sistema venoso superficial é representado, principalmente, pelas veias safenas magna e parva. A veia
safena magna se inicia pela veia marginal do pé e, após um trajeto medial na panturrilha, atinge o joelho e
segue obliquamente na coxa, drenando na veia femoral comum (croça da safena). A veia safena parva
inicia-se atrás do maléolo lateral, segue no subcutâneo em seu terço distal e, a seguir, torna-se
subaponeurótica, desembocando em geral na veia poplítea junto à linha articular do joelho.
O sistema venoso profundo drena aproximadamente 95% do sangue venoso do membro. É constituído,
na perna, pelas veias tibiais anteriores, tibiais posteriores e peroneiras (ou fibulares) que se reúnem pouco
abaixo da linha articular do joelho formando a veia poplítea. Nela drena ainda a veia safena parva. A veia
poplítea em seu trajeto na coxa muda de nome e constitui a veia femoral que recebe a drenagem da coxa
através das veias profundas. A veia femoral recebe, na fossa oval, a veia safena magna. Após o ligamento
inguinal a veia femoral torna-se veia ilíaca externa que recebe a drenagem do sangue da pequena bacia
pela veia ilíaca interna formando a veia ilíaca comum. A união das duas ilíacas comuns direita e esquerda
constitui o início da cava inferior que se coloca à direita da aorta abdominal e segue em direção ao átrio
direito depois de receber o contingente de sangue das veias renais e veias supra-hepáticas.

O sistema vascular linfático é, morfologicamente e funcionalmente, um anexo do sistema sanguíneo.


Ele se compõe de três elementos principais: os capsulares que absorvem a linfa dos vários tecidos e
órgãos; os vasos coletores que servem como condutores de linfa e os nódulos ou gânglios que atuam na
dupla função de filtração e atividade imunológica.
A linfa formada nos tecidos é transportada pelo sistema linfático em sentido único, indo dos diferentes
tecidos e órgãos até a base do pescoço. Grande parte da linfa que provém da porção inferior do corpo
atinge o ducto torácico, que desemboca no sistema venoso, na confluência da veia subclávia esquerda com
a veia jugular esquerda. A linfa que procede da parte lateral direita da cabeça, do pescoço e do tronco e do
membro superior direito atinge o sistema venoso através do ducto linfático direito ou torácico acessório
que termina na união da subclávia direita com a jugular interna direita.

– Drenagem linfática do corpo humano

Semiologia do Sistema Arterial Periférico


A apresentação clínica das doenças do sistema arterial periférico correlaciona-se diretamente com a
incompetência deste em manter suas funções primordiais como estrutura fundamental para a manutenção
do funcionamento dos órgãos e dos tecidos por ele irrigados. As doenças arteriais obstrutivas, sejam
ateroscleróticas ou não, e as dilatações aneurismáticas são as principais afecções que acometem as
artérias. Nesse contexto, a anamnese e o exame clínico são os passos fundamentais para a detecção
diagnóstica. Independentemente da natureza e da localização de uma doença arterial, o exame clínico deve
ser sempre completo e, no caso das extremidades, simétrico e comparativo. Deve ainda ser sempre
acompanhado pelo exame cardíaco.

Anamnese
Como se sabe, as doenças arteriais obstrutivas são mais incidentes nos membros inferiores. Também
nesse segmento anatômico a dor é o sintoma mais frequente, cuja manifestação inicial ocorre somente
com o esforço muscular desencadeado pela deambulação. A atividade muscular requer mais afluxo de
sangue oxigenado, além de produzir maior quantidade de metabólitos ácidos. Quando a demanda não é
atendida, a produção insuficiente de ATP (adenosina trifosfato) e o acúmulo de derivados ácidos do
metabolismo anaeróbico passam a estimular terminações nervosas causando sensação de dor, cansaço e
até mesmo câimbra. Tais eventos cessam imediatamente com a interrupção da atividade muscular, o que
determina alívio dos sintomas em poucos minutos. Portanto, a dor atinge determinado grupo muscular,
aumenta até o limite de tolerância, obrigando a interrupção do esforço e, cessando este, desaparece em
tempo rápido, podendo reaparecer com a realização de igual exercício. A essa manifestação denomina-se
claudicação intermitente.
A claudicação nos membros inferiores pode ocorrer nos pés, nas panturrilhas, nas coxas e nas nádegas
conforme o nível de obstrução na árvore arterial, bem como também depende da capacidade de formar
colaterais desenvolvida pelo organismo. Chama-se de distância útil aquela que o indivíduo consegue
percorrer sem ter dor, geralmente caracterizada em terreno plano.

Pode-se dizer que a claudicação intermitente aproxima-se de um sintoma característico da afecção


arterial do tipo obstrutivo. Há algumas situações descritas como pseudoclaudicações intermitentes que não
devem ser confundidas com a verdadeira claudicação intermitente.

Se houver agravamento da doença arterial obstrutiva, a distância útil diminui e o paciente manifesta a
claudicação aos primeiros passos e culmina com dor em repouso com dificuldade em permanecer de pé.
Assim a dor muda de intermitente a contínua e representa ameaça à integridade dos tecidos.
Alguns pacientes podem procurar atendimento médico nessa fase avançada da doença obstrutiva
caracterizada pela dor no repouso e parestesias geralmente nas porções mais distais das extremidades
associada à queixa de frialdade (ou esfriamento) e alterações de cor variando entre palidez intensa,
cianose e, eventualmente, rubor, conforme a posição pendente. A dormência e o formigamento são as
parestesias mais comuns tanto nas isquemias crônicas quanto nas agudas.
A dor em repouso, quando não tratada imediatamente por revascularização da extremidade, cursa com
o aparecimento espontâneo ou após pequeno trauma de lesões tipo úlcera isquêmica ou gangrena. Nessas
lesões as dores são contínuas e de forte intensidade, em geral não cedem com analgésicos comuns e os
opiáceos, nesses casos, perdem rapidamente seu efeito, sendo necessárias doses progressivamente
maiores, o que aumenta o risco de dependência. Agravam-se à noite e em época de frio. Devido à
intensidade da dor, o paciente pode perder o apetite, desnutrindo-se rapidamente.
As úlceras isquêmicas e as gangrenas são quadros terminais da doença arterial obstrutiva crônica
periférica (DAOP).
As úlceras isquêmicas são extremamente dolorosas, exceto em diabéticos. Surgem espontaneamente
ou após evento desencadeante, como pequeno trauma ou infecção local nos artelhos, interdigitais,
calcâneos, e menos frequentemente nas panturrilhas. São de difícil cicatrização, a não ser depois da
revascularização; tendem a ser rasas e de fundo pálido. É comum na doença aterosclerótica periférica.
A hipertensão arterial grave de longa duração pode desencadear úlceras isquêmicas chamadas úlceras
hipertensivas. Estas comumente são muito dolorosas e surgem na face anteroexterna da panturrilha
bilateralmente. As artérias tronculares em geral são normais nesses pacientes. A causa dessas úlceras é a
arterioloesclerose.
As gangrenas nas isquemias crônicas podem se manifestar sob a forma mumificada dos tecidos,
tendendo a ser menos extensas que as gangrenas após isquemias agudas. Atingem a ponta ou os dedos
inteiros ou o pé e menos frequentemente a perna. Quando a necrose está estabelecida e há boa rede
colateral, observa-se sulco de delimitação bem preciso. Em geral esse tipo de gangrena é seco e sem
secreção. Por outro lado, a gangrena pode se infectar, tornando o tecido necrótico macerado, com
formação de secreção e, às vezes, lojas de pus. É a chamada gangrena úmida ou infectada. As
gangrenas tendem a ser mais amplas nas oclusões arteriais agudas embólicas ou trombóticas.
Em oclusões arteriais agudas de membros, os sintomas de dor de repouso surgem no início do
quadro ou após algumas horas. Além disso, os pacientes queixam-se de esfriamento, palidez e parestesia
e, se não tratados, evoluem para as necroses mais extensas do membro isquêmico e pouco delimitadas,
pois em geral a rede colateral é escassa.
Além das dores contínuas em repouso, úlceras isquêmicas e gangrenas, o paciente pode se queixar de
dores em crises de moderada à intensa como sequela neurológica de oclusão aguda ou crônica (conhecida
como dor da neurite isquêmica), quando houve retardo na desobstrução ou na reconstrução arterial.
Necessita de analgésico potente e pode prolongar-se por meses ou anos.
A impotência de ereção, seja pela dificuldade de obtê-la e principalmente pela impossibilidade de
manter a ereção peniana, pode ser um dos sintomas dos pacientes com doença arterial. Quando associada
à claudicação dos membros inferiores (região glútea, coxa ou panturrilha) e outros sintomas de isquemia,
constitui a síndrome de Leriche.
Outras manifestações menos importantes, em isquemias crônicas prolongadas, podem fazer parte das
alterações tróficas referidas pelos pacientes como queda de pelos dos membros, alterações ungueais
(crescimento lento e hipertrofia) e hipotrofia muscular.

Exame Físico
O exame vascular deve sempre ser precedido pelo exame geral, já que a maioria das afecções
relacionadas ao sistema arterial pode ter comprometimento sistêmico ou influenciar outros territórios
vitais.
O exame geral e particularmente das extremidades deve ser feito em ambiente de boa iluminação, se
possível à luz natural. A avaliação do sistema arterial deve iniciar-se pelo exame clínico cardíaco
seguindo-se para a região cervical com a observação cuidadosa da pulsatilidade venosa, abaulamentos
pulsáteis e posterior palpação. O exame dos pulsos deve ser feito com pelo menos 2 dedos e sempre na
extensão da artéria a ser examinada. O exame do pulso carotídeo deve ser feito na porção medial do
músculo esternocleidomastoideo com o pescoço do paciente ligeiramente rodado para o lado
contralateral,evitando-se manipulação vigorosa do local para não induzir reflexo vagal.
Após a avaliação cardíaca e cervical deve-se prosseguir para o exame dos membros superiores.
Todo exame clínico, de qualquer segmento anatômico ou sistema, deve respeitar uma sequência lógica
de avaliação e interpretação. Assim, o exame do sistema vascular dos membros compreende 4 tipos
distintos de exploração física: a inspeção, a palpação, a percussão e a ausculta.
A inspeção estática cuidadosa mediante observação da cor, do trofismo e da presença de
abaulamentos pulsáteis ou não, fornecem informações iniciais e subsídios para uma adequada avaliação de
eventuais testes dinâmicos. Os termos relativos à perfusão nomeados como corado, pálido, cianótico e
ruborizado são percebidos nessa fase do exame.
Alterações no estado de nutrição da pele e da musculatura assim como dos fâneros (folículos pilosos,
as glândulas sebáceas, glândulas sudoríparas e as unhas) e a presença ou não de edema, ulcerações e
gangrenas são detectadas ainda na inspeção estática.
Em seguida deve-se prosseguir com a inspeção dinâmica. A prova de Buerger (manobra da palidez de
elevação) consiste em elevar os membros, durante cerca de 1 minuto, com o paciente deitado e fazê-lo, em
seguida, sentar-se com os membros pendentes. Quando da elevação dos membros pode-se perceber o
grau de palidez e a diferença de coloração entre as duas extremidades simétricas. Pode-se cronometrar o
tempo em que as veias superficiais se enchem com os membros pendentes.
No membro normal as veias se enchem em até 10 segundos, porém no membro isquêmico esse tempo
sempre excede 15 segundos, podendo levar até alguns minutos. O membro isquêmico fica pálido em grau
variável e leva mais de 10 segundos para recuperar a cor, quando pendente, adquirindo progressivamente
cor ruborizada após alguns segundos (rubor pendente ou hiperemia reativa). Essas três manobras
posturais – palidez de elevação, enchimento venoso e rubor pendente – devem ser executadas em
continuidade com os membros elevados e a seguir pendentes.
Na palpação deve-se perceber diferenças de temperatura, estado trófico da musculatura e pele.
Fundamentalmente, a palpação dos pulsos dos membros e da aorta abdominal constituem-se manobras
essenciais na confirmação e na localização de alterações no sistema arterial, caracterizando-os como
normais, aumentados, diminuídos ou ausentes.
O pulso femoral é examinado na prega inguinal a meio caminho entre a sínfise púbica e a crista ilíaca
anterossuperior. O pulso poplíteo é percebido no cavo poplíteo através de manobra bimanual envolvendo o
joelho do paciente e realizando discreta flexão deste para facilitar a percepção do pulso na face posterior.
Os pulsos pedioso e tibial posterior devem ser examinados junto ao pé, sendo o primeiro palpado no dorso
do pé, lateral ao tendão extensor longo do hálux e o segundo na região retromaleolar medial .

Índice tornozelo braquial (ITB)

É o teste mais simples para avaliar a circulação do membro inferior. Consiste no registro de pressão de
artérias distais (pediosa ou tibial posterior) com auxílio de um aparelho ultrassônico Doppler. Insufla-se o
manguito de pressão convencional no terço distal da panturrilha até o desaparecimento do fluxo arterial
caracterizado pelo Doppler e, em seguida, desinsufla-se o manguito; o ressurgimento do som determina a
pressão distal. Registra-se a pressão de ambas as artérias braquiais. Se houver discrepância entre elas,
usa-se a de maior valor. A razão entre a pressão maleolar (pediosa ou tibial posterior) e a pressão braquial
caracteriza o índice isquêmico (ITB) daquele membro. Há boa correlação entre os valores do índice
isquêmico com os sintomas funcionais. No indivíduo normal, em repouso, o índice varia de 0,9 a 1,3.
Pacientes com claudicação têm, em geral, um índice entre 0,4 a 0,9. Pacientes com dor de repouso
apresentam índice abaixo de 0,4 e os com úlcera isquêmica ou necrose, abaixo de 0,25. Este índice é
interessante para caracterizar pacientes claudicantes com pulsos distais palpáveis. Nota-se a queda do
índice registrado em repouso e naquele medido após exercício físico (caminhada). Se não houver variação
da pressão após o exercício, deve haver outra causa que justifique a manifestação de dor no membro. Além
disso, o índice isquêmico deve ser medido em toda visita pós-operatória de paciente que foi submetido à
reconstrução arterial, comparando-se os resultados. A queda do índice pode representar deterioração
funcional do enxerto, sugerindo risco de oclusão do enxerto. Em pacientes com artérias distais calcificadas,
não compressíveis, principalmente diabéticos, a pressão do tornozelo pode ser superestimada.
A ausculta é um exame imprescindível no exame arterial. Ela é feita com um estetoscópio comum
sobre os grandes troncos arteriais: carótidas, subclávias (fossas supraclaviculares), aorta abdominal e
artérias viscerais (flancos), femorais, poplíteas e eventuais sopros em outras localizações. Em grandes
artérias podem-se auscultar batimentos correspondendo à onda de pulso. Quando há quebra do fluxo
laminar do sangue, transformando-se em turbilhonar, surgem vibrações que têm origem nas paredes
arteriais e dão origem ao frêmito na palpação e sopro à ausculta. Essa situação aparece nas dilatações e
nas estenoses arteriais e nas comunicações arteriovenosas (fístulas). Assim, nos aneurismas arteriais
pode-se auscultar sopro sistólico em geral suave, o que também acontece com as estenoses arteriais.
Nestas a intensidade do som é proporcional ao grau de estenose existente e à velocidade de fluxo, isto é,
quanto maior a estenose, mais intenso é o sopro. Nas fístulas arteriovenosas comumente há sopro
contínuo (sistólico e diastólico), com reforço sistólico, intenso e rude também conhecido como sopro em
maquinaria.

Sistema Venoso e Linfático


Anamnese
O paciente portador de doença venosa crônica e ou linfática em geral apresenta sintomas de longa
duração. A doença venosa crônica predominante são as varizes de membros inferiores, que podem ser
divididas em dérmicas, reticulares e tronculares de acordo com seu calibre.
A dor é um sintoma comum na doença varicosa, sendo em geral suportável. Predomina a dor em peso,
em queimação ou desconforto nas pernas que se agrava na época do calor, quando o indivíduo fica muito
tempo de pé ou no período pré ou menstrual na mulher.
A presença das varizes nos membros inferiores também corresponde a uma queixa da mulher,
principalmente preocupada com o aspecto estético das dilatações venosas. Outras manifestações podem
estar presentes: prurido, cãimbras e edema discreto de tornozelo.
O edema também é uma queixa comum tanto na doença venosa quanto na linfática. O edema, na
doença varicosa, é vespertino e discreto no início e, com o correr do tempo, se torna mais intenso e
duradouro. O prurido sobre os trajetos venosos e no terço distal da perna aparece nas varizes de longa
duração e nos casos de insuficiência venosa crônica (IVC). Na IVC surgem manifestações mais graves, como
eczema de estase, hiperpigmentação (dermite ocre), lipodermatoesclerose, e culmina com úlcera venosa
ou flebopática. Nesses casos é importante a diferenciação entre as varizes primárias de longa duração e as
varizes secundárias (síndrome pós-trombótica, fístulas arteriovenosas etc.).
As varizes podem se complicar e uma das complicações é a tromboflebite superficial, caracterizada pela
dor súbita e intensa sobre um trajeto venoso associado a processo inflamatório localizado. Quando a dor
aguda atinge grupos musculares da panturrilha piorando nos movimentos de extensão, flexão e
deambulação, acompanhado de empastamento (edema) muscular, sugere a presença de trombose venosa
profunda. Classificam-se as varizes do ponto de vista clínico em 6 níveis conforme o Quadro 1.1.

Quadro 1.1 - classificação clínica CEAP


O edema é a queixa mais comum nas doenças de origem linfática e ele é de longa duração. Está
relacionado a doenças congênitas caracterizadas por aplasia ou hipoplasia do sistema linfático e adquiridas
do tipo linfangite ou infiltração tumoral. O edema linfático é do tipo duro, pouco depressível e proteico. A
dor súbita em trajetos linfáticos associado à febre e mal-estar geral pode corresponder a linfangite aguda.

Exame Físico
O exame dos membros, como já assinalado em relação ao exame arterial, deve ser feito em ambiente
de boa iluminação, se possível de luz natural. O exame físico geral deve seguir a sequência habitual para se
obter o peso, a altura, o tipo constitucional, a frequência do pulso, a frequência respiratória, a pressão
arterial e a temperatura. O aspecto geral do doente, o desenvolvimento do panícolo adiposo, dos ossos, do
sistema ganglionar linfático e o decúbito preferencial devem ser anotados, bem como o equilíbrio e a
marcha, a umidade e a cor das mucosas. Verificar também a temperatura, a umidade, a coloração e as
cicatrizes da pele.
O exame físico deve ser feito com o paciente de pé, pois a ação da força gravitacional faz que a
circulação venosa seja dificultada, preenchendo o sistema venoso, e dessa forma as veias superficiais se
tornam mais visíveis. Nesta posição se caracterizam melhor os pacientes com varizes de membros
inferiores. A paciente de pé deve estar vestida confortavelmente com roupas folgadas (evitar calça jeans e
moletons, pois interferem no resultado). Nos casos em que se procuram sinais de trombose venosa
profunda (TVP) dos membros inferiores, o decúbito dorsal é mais conveniente. Em TVP de membros
superiores e tromboflebites superficiais não há preferência de decúbito.
À inspeção estática deve-se solicitar ao paciente que gire em torno de si por 360° para pesquisar algum
tipo de vício ortopédico, como genuvalgo e genuvaro, pé chato, joanetes etc. Pesquisar a presença de
dilatações varicosas sobre o trajeto da veia safena magna ao nível das faces medial e anteromedial da coxa
e da panturrilha com o membro em abdução, rotação lateral e semiflexão. As varizes do território da veia
safena parva devem ser feitas pela face dorsal com a panturrilha semifletida sobre a ponta dos pés. É
necessário igualmente pesquisar a existência de varizes perineares ou de colaterais da croça da safena
magna. O exame da região suprapubiana permitirá caracterizar circulação colateral abdominal, podendo
testemunhar sequela de trombose venosa profunda do segmento ilíaco-cava (síndrome pós-trombótico).
A inspeção estática caracteriza as varizes tronculares (veias com calibre acima de 3 mm) e as de menor
calibre definidas como reticulares (entre 1 e 3 mm) e as telangiectasias ou microvarizes ou varizes dérmicas
(1 mm) comumente presentes nos membros inferiores.
As varizes de longa duração e os pacientes vítimas de sequelas de TVP de membros inferiores
(síndrome pós-trombótico) manifestam-se sob a forma de estase venosa mais grave (Insuficiência Venosa
Crônica-IVC). Nas regiões peri e inframaleolares surgem múltiplas veias subdérmicas dilatadas de cor
roxo-azulada, conhecidas como coroa flebectásica.
Trajetos venosos sob a forma de vergão vermelho comumente em veias varicosas caracterizam a
tromboflebite espontânea ou podem existir placas de eczemas sobre veias varicosas. A administração de
drogas endovenosas ou o cateterismo venoso podem inflamar as veias manifestando-se na forma de
cordão venoso avermelhado e outros sinais inflamatórios caracterizando a tromboflebite.
O surgimento de um trajeto longo, estreito e retilíneo vermelho associado à febre alta sugere linfangite
aguda .

Rubor mais intenso em placas ou o terço distal da perna podem ser observados nos casos de erisipelas,
eczemas agudos e lipodermatoesclerose.

A cianose pode ser vista em tromboses venosas maciças (flegmasia cerulea dolens) e em casos menos
graves, quando o membro é mantido pendente. Na IVC a cianose também pode aparecer quando o doente
assume a posição de perna pendente.
Em certa fase da TVP ileofemoral não maciça (flegmasia alba dolens) pode surgir palidez por vasoespasmo.

A hiperpigmentação ou dermite ocre é a coloração púrpura ou acastanhada (cor ocre) da pele que
geralmente ocorre na região do tornozelo, mas que pode se estender para a perna e o pé (terço distal da
perna), deve-se ao depósito de hemossiderina, produto de degradação das hemácias extravasadas no
interstício quando há IVC de maior duração . No início da formação dessas alterações, a área é de cor
eritemato-purpúrica. Com o decorrer do tempo, a pigmentação torna-se mais escura, por deposição de
melanina devido à irritação local.

As manchas de cor vinhosa, planas ou ligeiramente cianóticas sugerem hemangiomas simples ou


complexos que implicam abordagens diagnósticas mais elaboradas. Essas angiodisplasias (más-formações
venosas) podem ser acompanhadas de veias varicosas frequentemente difusas, não sistematizadas,
associadas às vezes a uma modificação do volume e do comprimento do membro. As más-formações
complexas mais comuns são as síndromes de Klippel-Trenaunay e Parkes-Weber.

O edema é muito comum nas doenças venosas e quando mais intenso torna-se facilmente perceptível.
Nos casos iniciais, pode-se verificar a formação de godê ou cacifo visível à compressão digital. O
acompanhamento diário da medida da circunferência da coxa ou da panturrilha pode ser útil para analisar
sua presença ou regressão. Quando o edema se acompanha de dilatação da rede venosa superficial
comparativamente com o outro lado, sugere a presença de TVP e da rede venosa colateral colaborando
com o retorno venoso do membro.
O edema de origem venosa provoca o extravazamento de líquido para o interstício e este desencadeia
o eczema definido como dermatite eritematosa que pode progredir para vesículas, descamação ou
rachaduras na pele da perna, também conhecido como dermite de estase. Surge em geral em hipertensão
venosa de longa duração. Pode ser acompanhada de sinais de escarificação pelo prurido ou por
sensibilizacão a medicamentos tópicos.
A hipertensão venosa grave e de longa duração desencadeia fibrose progressiva da pele e subcutâneo
no terço distal da perna, principalmente em sua face medial, caracterizando a lipodermatoesclerose ou
dermatoesclerose ou dermatofibrose ou celulite endurada . Ela aparece sob duas formas: aguda e crônica.

Na forma aguda, também chamada hipodermite, o paciente apresenta-se, à inspecção, com uma
região bem delimitada, eritematosa ou acastanhada, e discretamente saliente, às vezes com bordas nítidas,
que tendem a aumentar de tamanho. À palpação, apresenta-se endurecida, dolorosa e quente. Pode-se
formar, agudamente, uma úlcera em seu centro. Frequentemente é confundida com flebite ou celulite,
distiguindo-se desta por não vir acompanhada de febre, adenomegalia ou leucocitose.
Na forma crônica o tecido cicatricial determina fibrose progressiva da pele e tecido celular subcutâneo
e nos casos de longa duração o terço inferior da perna vai acinturando, contrastando com o membro
edemaciado acima, o que determina uma forma de bombacha ou garrafa de champanhe invertida. A
fibrose na região pode ser intensa, levando tardiamente à anquilose da articulação tibiotársica. Sobre esta
região comumente surgem as úlceras venosas.

A visualização do sistema venoso superficial de aparecimento rápido, comparando-se com o outro


membro e associada com outras manifestações sugerem TVP e, quando crônica, pode-se tratar de
síndrome pós-trombótica.
Atrofia branca são áreas esbranquiçadas, localizadas, frequentemente circulares de pele atrófica,
rodeadas de capilares dilatados e às vezes de hiperpigmentação.
A úlcera venosa é o grau máximo da alteração trófica da IVC, também chamada úlcera de estase ou
flebopática. As úlceras espontâneas surgem principalmente pouco acima dos maléolos internos. Elas são
superficiais com bordas cortadas abruptamente. Podem ser pequenas, tipo lenticular, ou maior numular,
mas às vezes se estendem por grandes áreas, chegando a ser em bota, atingindo toda a circunferência do
terço distal da perna. O fundo é liso, avermelhado quando a úlcera está limpa, mas quando infectada
apresenta exsudato seropurulento. É pouco dolorosa, a não ser quando infectada. Podem estar circundadas
pela hiperpigmentação ou dermite ocre. Nas úlceras de longa duração, as bordas podem se tornar calosas e
irregulares e, se elevadas, devem levantar a suspeita de degeneração maligna. Tendem a cicatrizar quando
se alivia a hipertensão venosa com a elevação dos membros inferiores ou corrigindo-se os refluxos venosos
da IVC pela cirurgia de varizes ou pelo uso de meias elásticas.

Gangrenas de origem venosa podem surgir raramente como complicação da trombose venosa maciça
(flegmasia cerulea dolens). Ela se instala logo de imediato ou alguns dias após a evolução de uma trombose
venosa grave, podendo atingir porções distais e mesmo proximais dos membros .
A inspecção dinâmica associada à palpação podem complementar o estudo das insuficiências
valvulares do sistema venoso superficial (safenas magna e parva e perfurantes). Utilizando-se a manobra de
Trendelenburg pode-se caracterizar a incompetência da junção safeno femoral da veia safena magna e de
veias perfurantes da coxa e da perna. Solicita-se que o paciente assuma o decúbito dorsal e, depois de
esvaziar o sistema venoso superficial com a elevação do membro a ser avaliado, coloca-se um garrote na
raiz da coxa e outro junto aos maléolos (dispensável se a prova for realizada rapidamente). A seguir o
paciente assume a posição supina e, mantendo-se os garrotes, se for observado o enchimento das varizes,
este sugere insuficiência de veia perfurante. A seguir retira-se o garrote da coxa: se os novelos varicosos
tornarem-se mais túrgidos caracteriza-se a insuficiência ostial da safena magna e de perfurantes. Outra
situação: se, quando o paciente assumir a posição supina, não houver enchimento inicial das varizes, mas
estas se encherem de proximal para distal, após a retirada do garrote da coxa, sugere-se insuficiência ostial
pura de safena magna .
Quando as varizes são do território da safena parva (face lateroposterior da panturrilha), pode-se
lançar mão da manobra dos três garrotes. Após o decúbito dorsal do paciente e o esvaziamento das varizes
colocam-se os dois garrotes em posição conforme a manobra de Trendelemburg e um terceiro garrote na
fossa poplítea. O paciente estando de pé observa-se o enchimento das varizes, após a retirada do terceiro
garrote, no território da safena parva com os mesmos significados que a manobra anterior, em relação à
safena parva.
Por se tratar de manobras qualitativas, seus resultados não são absolutos e servem como indicativos
para a melhor avaliação. Utilizam-se, atualmente, exames de imagens como o eco-Doppler por serem mais
fidedignos na caracterização dos pontos de refluxo ou de incompetência.
À palpação pode-se notar aumento da temperatura da pele sobre os novelos varicosos comparando-se
com a pele do tecido vizinho. Em celulites e erisipelas notam--se em geral aumento local da temperatura,
além de outras manifestações sistêmicas.
Na TVP observam-se aumento discreto da temperatura da pele em virtude da congestão dos tecidos e
desvio do sangue do sistema venoso profundo para o sistema superficial. Entretanto, a sensibilidade tátil
para se notar a diferença depende da temperatura, uma vez que a diferenciação só é possível quando a
temperatura for acima de 1 ºC.
O edema quando caracterizado pela depressão da pele (godê ou cacifo) pode sugerir a TVP,
principalmente quando unilateral. Algumas vezes o edema é pouco perceptível à palpação, mas nota-se
empastamento muscular (edema muscular), pela perda do balonamento da panturrilha quando o paciente
se coloca em decúbito dorsal e a semiflexão do joelho. Testam-se nestes casos os sinais de Homans,
Babcok e Lowemberg. No primeiro solicita-se ao paciente fazer a dorsoflexão do pé ativa ou
passivamente; se o paciente referir dor na panturrilha, o resultado será positivo. Por meio da palpação
manual (Babcok) ou com o emprego de esfignomanômetro (Lowemberg) junto à panturrilha comprime-se
esta; o resultado será positivo se o paciente referir dor. Os resultados positivos desses sinais sugerem a TVP,
mas não são patognomônicos. Devem ser afastadas reações inflamatórias locais de outras etiologias.
O edema duro, pouco depressivo, sugere o edema linfático conhecido como linfedema. No entanto,
nas fases iniciais o linfedema não apresenta essas características e deve ser feito o diagnóstico diferencial
do edema de outras etiologias. A pele no paciente com linfedema é pálida, podendo apresentar-se
avermelhada nos quadros inflamatórios ou infecciosos que surgem no desenvolvimento da doença. O
edema de origem venosa comumente apresenta regressão com o repouso noturno, enquanto o linfedema
pode necessitar de 3 a 4 dias para apresentar efeito similar. Deve-se fazer também o diagnóstico diferencial
do linfedema com o lipedema (denominação imprópria para a lipodistrofia). Esta condição caracteriza a
deposição excessiva de gordura nos membros inferiores e não edema. Não há redução do aumento de
volume com o repouso mesmo prolongado. Nesses casos a pele é elástica e não há sinal de godê. É
bilateral e um coxim gorduroso é observado anteriormente ao maléolo lateral. Os pés são preservados. Um
sinal clínico importante para a caracterização do linfedema em sua fase inicial é o de Stemmer. Este sinal
consiste no espessamento cutâneo da base do segundo artelho e é obtido pelo examinador quando se
tenta fazer a preensão da pele dessa região. Em pacientes com linfedema, consegue-se perceber que há
uma infiltração dos tecidos, impedindo uma preensão adequada da pele. Sendo positivo, esse sinal permite
diferenciar dos edemas de outras etiologias.
Os linfedemas de longa duração provocam aumento e deformidade da extremidade pela alteração
fibrótica e pelo aparecimento de verrucosidades, hiperqueratoses e fistulização .

Frêmitos sobre varizes, principalmente aquelas de localizações anômalas, podem ser sentidos nos
casos de fístulas arteriovenosas.
A percussão pode ser feita sobre o sistema venoso superficial e é útil para determinar a continuidade
da veia ou a comunicação entre uma veia e o botão varicoso. A veia dilatada e cheia de sangue conduz um
impulso de percussão na mesma direção do fluxo sanguíneo normal, mas em direção inversa se as válvulas
estiverem insuficientes. Assim, a percussão suave de uma veia e a palpação distal devem ser realizadas
como método para detectar o trajeto e as conexões de uma veia dilatada, enquanto a percussão e a
palpação suave e a palpação proximal são usadas como forma de testar válvulas insuficientes no segmento
venoso situado entre as duas mãos (Teste de Schwartz).
A ausculta tem importância na semiologia do sistema venoso, principalmente quando ramos venosos
calibrosos estiverem em posição anormal. Em casos raros pode ser detectada a existência de uma fístula
arteriovenosa, pela presença de sopro contínuo ou em maquinaria sobre as dilatações venosas.
A ausculta também poderá ser usada para o diagnóstico de insuficiência valvular, pela detecção de
sopro da safena magna junto à virilha com o indivíduo de pé ou mesmo deitado, quando se solicita que ele
faça esforço abdominal, como tossir.
A semiologia arterial, venosa e linfática evidentemente devem ser executadas de forma concomitante,
quando do exame físico dos membros.

Combinando os Achados: Apresentação das Principais Síndromes Clínicas Vasculares Periféricas


O diagnóstico completo das principais síndromes clínicas vasculares periféricas, na maioria das vezes,
pode ser caracterizado mediante a anamnese e o exame físico bem executado, sem necessidade de
exames subsidiários. Estes serão recomendados para a completa avaliação do paciente com o objetivo de
sua terapêutica e menos frequentemente para se conseguir o diagnóstico (Quadro 1.2).

Quadro 1.2. Principais síndromes vasculares periféricas


Principais síndromes arteriais
Não alteram o fluxo distal: Aneurismas arteriais
Aumentam o fluxo: Fístulas arteriovenosas (congênitas e adquiridas)
Diminuem o fluxo: Insuficiência arterial periférica:
Aguda Embolia arterial
Trombose arterial
Trauma arterial
Dissecção aguda
Crônica Aterosclerose

Doença de Takayasu
Tromboangeíte obliterante
Doença fibromuscular
Principais síndromes venosas e linfáticas (diminuem o retorno venoso e/ou
linfático)
Insuficiência venosa periférica
Aguda Trombose venosa profunda
Tromboflebite superficial
Crônica Primária (varizes de membros inferiores)
Secundária (síndrome pós--trombótico)
Insuficiência linfática periférica
Aguda Linfangite aguda
Crônica Linfedema (congênito e adquirido)
Roteiro de Exame do Sistema Vascular (Quadro 1.3)

Quadro 1.3. Roteiro do exame clínico do sistema vascular


SISTEMA ARTERIAL
Anamnese
Exame Estática (coloração e trofismo da pele, tecido celular
físico subcutâneo
e musculatura)
Dinâmica (manobras posturais: palidez de elevação,
enchimento venoso e rubor pendente)
Palpação (pulsos)
Ausculta (grandes artérias)
Percussão
Índice tornozelo braquial (ITB)
SISTEMA VENOSO
Anamnese
Exame Inspecção Estática (ortostática e em decúbito)
físico Dinâmica (manobra de Trendelenburg etc.)
Palpação
Ausculta
Percussão
SISTEMA LINFÁTICO
Anamnese
Exame Inspecção: Deformidades
físico Palpação: Sinal de Stemmer

ÚLCERA VENOSA

A obstrução e o refluxo sanguíneo são as principais causas da insuficiência venosa crônica (IVC),
doença responsável pelo surgimento da úlcera venosa quando está em seu estágio mais avançado. O processo
fisiopatológico da úlcera ainda não é bem elucidado, mas sabe-se que um processo inflamatório é
desencadeado devido à hipertensão venosa causada pelo aumento da pressão hidrostática no vaso sanguíneo
e que este é o principal motivo para o surgimento da ferida. O princípio de todo esse processo é a
insuficiência valvar e alterações na parede dos vasos sanguíneos, que provocam a obstrução e o refluxo da
circulação venosa. O que se sabe é que a hipertensão venosa promove um processo inflamatório, com a
liberação de leucócitos e de substâncias como fatores de crescimento e metaloproteinases . Os níveis
elevados dessas substâncias podem resultar em uma degradação de tecido não controlada, o que gera uma
deposição de componentes da matriz extracelular, como colágeno, glicosaminoglicanos e proteoglicanos
O distúrbio da microcirculação se inicia com o estresse de cisalhamento nas células do endotélio, o
qual promove a liberação de substâncias pró-inflamatórias, estimulando a liberação de substâncias vasoativas
e dando origem à expressão de moléculas de adesão, sendo elas as E-selectina, ICAM-1, que são mediadores
inflamatórios e quimiocinas. Todo esse processo causa alterações no endotélio e no seu glicocálix, o qual tem
como papel fundamental a transmissão do estresse de cisalhamento e também atua no impedimento de
adesão de leucócitos, porém a expressão das moléculas de ICAM-1 faz com que ocorra uma maior adesão dos
leucócitos, resultando em uma resposta inflamatória local.
A expressão da matriz de metaloproteinase e citocinas são eventos cruciais no processo de inflamação,
pois vão causar efeitos deletérios na parede das veias, endotélio, válvulas, glicocálix e nos tecidos adjacentes.
Também causam uma destruição da derme, fazendo assim com que ocorra a formação de úlceras, sendo a
elevada expressão de metaloproteinase intimamente ligada com à má cicatrização da úlcera .
CARACTERÍSTICAS DA ÚLCERA VENOSA
As úlceras venosas em geral possuem uma forma irregular, com bordas bem definidas. Inicialmente se
apresentam rasas, mas com a evolução podem se tornar profundas e, geralmente, têm tecido de granulação
presente. Normalmente estão localizadas no terço distal dos membros inferiores, próximo ao maléolo medial,
casos de úlceras venosas localizadas na região superior da panturrilha são raros . Elas podem se apresentar
em uma ou mais quantidade.
A pele ao redor da úlcera possui uma hiperpigmentação, de cor púrpura, chamada de dermatite ocre,
devido ao extravasamento de eritrócitos e deposição de hemossiderina na derme. A dermatite de estase é
causada devido ao edema crônico, provocando lesões eritematosas, escamosas e prurido. Também é comum
a presença de eczema, de exsudação e presença de odor forte.

A presença de dor no membro inferior é muito comum em indivíduos acometidos com úlcera venosa,
principalmente durante a noite e em posição ortostática, que pode ser aliviada com a elevação do membro,
pois esta auxilia no retorno venoso. O edema também é uma característica bastante comum, assim como o
prurido, câimbras e sensação de peso na perna. As telangiectasias são sinais frequentes, bem como as veias
reticulares, geralmente causando bastante incômodo estético aos pacientes. A atrofia branca é outro sinal
clínico, que está presente em 40% dos casos. Também ocorre a lipodermatoesclerose, sendo causada por um
processo inflamatório crônico na derme, associada ao endurecimento e fibrose da pele e eritema, dor em
casos agudos, com o aumento da temperatura local. Se permanecer por muito tempo pode acometer todo o
terço distal da perna, ocasionando um sinal que conhece como garrafa de champanhe invertida.

Nas figuras observamos a presença de dermatite ocre,


edema, atrofia branca e eczema.
ÚLCERA ARTERIAL

As úlceras arteriais ou isquêmicas são o segundo tipo de úlcera de membro inferior mais comum e têm
como principal fator etiológico a doença arterial periférica (DAP). Dos pacientes acometidos pela DAP, de 20%
a 70% possuem úlcera crônica, e caso não haja intervenções de tratamento eficientes, existe uma grande
probabilidade de amputação do membro. Em alguns casos, pode acontecer do indivíduo ser acometido tanto
com insuficiência venosa crônica, como com doença arterial periférica, gerando o surgimento de uma úlcera
de origem mista.

Geralmente, a doença arterial mais frequente é a aterosclerose, causada pela formação de placas
ateromatosas na camada íntima das artérias, que provoca obstrução ou oclusão do fluxo sanguíneo. No seu
estágio mais avançado causa uma isquemia crítica dos tecidos, caracterizada por fortes dores, úlceras na pele
bastante dolorosas e, consequentemente, necrose dos tecidos. As úlceras arteriais também podem ser
causadas por tromboangiite obliterante, por hipertensão arterial grave e pela doença de Raynaud.

A aterosclerose é uma doença que começa a se desenvolver ainda na adolescência, porém tem
progressão lenta e seus sintomas surgem quando a doença já está avançada. Hipertensão, tabagismo,
dislipidemia, diabetes mellitus e obesidade são alguns fatores de risco que predispõem o desenvolvimento de
aterosclerose.

Seu processo fisiopatológico, inicialmente, ocorre com a lesão do endotélio causada pelos fatores de
riscos já mencionados, fazendo com que ocorra o acúmulo de lipídios na camada subendotelial. O endotélio
lesado estimula a expressão de moléculas de adesão, entre elas estão as E-selectina, ICAM-1 E VCAM-1, que
também favorecem a liberação de radicais livres e de macrófagos em resposta ao acúmulo de LDL. Esses
macrófagos vão englobar as moléculas de LDL, se tornando células espumosas, devido ao acúmulo excessivo
de colesterol dentro das células. Os macrófagos estão envolvidos na ativação de linfócitos T e na ativação da
resposta inflamatória, estimulando a liberação de TNF-α e INF-γ.As células espumosas vão secretar citocinas
inflamatórias, fatores de crescimento de fibroblastos e fator de crescimento derivado de plaquetas, já as
células musculares lisas vasculares vão secretar colágeno, elastina e proteoglicanos, promovendo a formação
de uma capa fibrosa, a qual recobre a placa de ateroma.

Além disso, durante esse processo, ocorre a liberação de cálcio, fazendo com que a placa
aterosclerótica fique mais estável, prevenindo que as células espumosas se rompam, mas, caso a produção de
colesterol não diminua, essa camada fibrosa tem o risco de romper devido à atividade das metaloproteinases
que podem degradar as matrizes extracelulares, fazendo com que a placa fique vulnerável e se rompa.
Quando ocorre o rompimento dessa estrutura, será formada a ulceração da camada intíma, com
consequente adesão de plaquetas, compondo o que chamamos de trombo branco, caso tenha adesão de
glóbulos vermelhos, chamamos de trombo vermelho, com isso temos a formação de coágulos, os quais
provocam estenose do vaso sanguíneo e estase circulatória. Também pode ocorrer a formação de êmbolos
nas pequenas artérias, o que acarreta na diminuição do fluxo sanguíneo, ocasionando isquemia dos tecidos,
causando alterações tróficas e ulceração da pele.

CARACTERÍSTICAS DA ÚLCERA ARTERIAL

As úlceras arteriais podem surgir de forma espontânea ou após um traumatismo. Caracterizam-se por
serem bastante dolorosas, com bordas regulares, geralmente localizadas nas extremidades distais, com
tendência a serem mais profundas quando comparada às úlceras venosas, podendo chegar a exposição de
tendão ou osso, apresentam-se em um membro inferior de cor cianótica ou pálida com diminuição de
temperatura. Além disso, geralmente, a cicatrização é mais rápida do que as venosas, mas, caso não ocorra a
resolução da ferida, é necessária a amputação do membro.

No caso da aterosclerose obstrutiva periférica, as úlceras geralmente são unilaterais e tendem a surgir
nos dedos, no dorso ou na parte externa do pé, no calcanhar e em casos raros na perna. Na tromboangiite
obliterante, costumam ser mais distais próximo às bordas ungueais e aos espaços interdigitais. No caso das
úlceras hipertensivas, essas surgem em casos de crises de hipertensão, causada por arteriosclerose obstrutiva.
Tendem a ser bilaterais, ântero-posteriores, geralmente, entre o terço médio e o distal, são superficiais, com
bordas avermelhadas e não endurecidas.

LESÃO POR PRESSÃO


Antigamente, conhecidas como úlceras de pressão ou úlceras de leito, as lesões por pressão têm como
principal etiologia o excesso de pressão ou pressão associada à força de cisalhamento em tecidos moles sobre
proeminências ósseas.

A intensidade e duração da pressão sobre o tecido têm fortes relações com o surgimento da úlcera.
São consideradas um problema de saúde em todo mundo, devido às implicações na qualidade de vida dos
pacientes e também aos custos gerados para o serviço de saúde.

CARACTERÍSTICAS das lesões por pressão


As lesões por pressão são divididas em 4 estágios, o sistema de estadiamento mais usado é o sistema
de Painel Consultivo Nacional De Úlcera Por Pressão.
ÚLCERA DO PÉ DIABÉTICO

O diabetes mellitus é considerado um distúrbio metabólico com elevada e crescente incidência ao


longo dos anos, o que o torna um problema de saúde pública em todo o mundo. A maior preocupação em
relação à diabetes são as complicações da doença que podem causar a úlcera do pé diabético. Pessoas que
sofrem com o diabetes mellitus têm de 15% a 25% de chances de desenvolver úlcera do pé diabético e de
50% a 70% de recidiva ao longo dos 5 anos. A principal causa da úlcera do pé diabético é a neuropatia
periférica, acometendo até 85% dos casos. A doença arterial periférica também predispõe à ulceração,
devido à isquemia dos tecidos, assim como a imunossupressão e o mal controle glicêmico são fatores de risco
para o surgimento das úlceras.

O mal controle glicêmico é um dos maiores fatores de risco que presdipõem o surgimento de feridas
nos pés dos indivíduos acometidos com diabetes mellitus, a persistência do quadro hiperglicêmico vai levar a
produtos finais de glicação avançada e a liberação de citocinas, ocasionando um estresse oxidativo nas células
nervosas, resultando na neuropatia sensorial, motora e autonômica .

A neuropatia sensorial é caracterizada por diminuição da sensibilidade protetora, além da perda da


percepção da pressão plantar e déficit na propriocepção e temperatura, predispondo a traumas repetitivos,
pois o indivíduo estará com a sensibilidade comprometida, fazendo com que ele não perceba quando for
acometido por um trauma.

Na neuropatia motora, observa-se uma fraqueza nos músculos intrínsecos do pé, a qual provoca
deformidades e áreas de maior pressão plantar, juntamente com essa fraqueza, a diminuição ou ausência da
secreção das glândulas sudoríparas, promovem um ressecamento da pele, favorecendo o surgimento de
calos, que predispõem ao surgimento de feridas. A DAP é um fator de agravamento do quadro devido à
diminuição de oxigênio e nutrientes para o tecido, causando a isquemia.

ÚLCERA LINFÁTICA

A úlcera linfática tem como principal causa o linfedema crônico, condição prolongada resultante do
acúmulo de líquidos (linfa) ricos em proteínas na pele. O linfedema pode ser primário ou secundário; o
primário é causado pela má formação dos vasos linfáticos, e o secundário pode ser causado por infecções,
traumas, insuficiência venosa, imobilidade, cirurgia e obesidade. A principal causa do linfedema secundário é
o linfedema filarial, sendo mais incidente nas regiões tropicais e subtropicais, tendo em média 150 milhões de
pessoas acometidas no mundo todo .

Apesar da úlcera linfática ser a menos frequente, ela é considerada uma complicação grave, seus
principais agentes causadores são o Streptococcus β-hemolítico do grupo A e o Staphylococcus aureus. Os
vasos linfáticos são afetados por esses agentes, cursam com diminuição da drenagem linfática, dessa forma se
expandem e se tornam dilatados, preenchidos de exsudato, provocando um acúmulo anormal de líquido
intersticial, proteínas, fatores de crescimento, glicosaminoglicanos e bactérias nesses vasos. Consequente a
esse processo, ocorre elevação na produção de colágeno pelos fibroblastos, deposição de células
inflamatórias como os macrófagos e linfócitos e ativação de queratinócitos. Todo esse caminho vai resultar em
uma fibrose subdermal, proliferação e espessamento dérmico. Em casos graves, pode ocorrer o surgimento
de celulite e abscessos focais e o aparecimento da úlcera se dar devido à perfusão que se torna ineficiente.

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