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CAPITULO 4:

A UTILIZAcA0 DO ESPAc0

Os educadores em Reggio Emilia falam sobre o espago como urn "con-


tainer" que favorece a interagao social, a expiorag5o e a aprendizagem, mas
tambem veem o espago como tendo urn "conteuclo" educacional.

—Leila Gandini citando as observacoes de Tiziana Filippini, em As Cern Linguagens das


Criancas,1999.

No tivro As Cern Linguagens das Criancas (1999, p. 148), Leila Gandini descreve a projecao inten-
cionat do espaco, ou aqua° a que se refere coma a "container", coma urn laboratario que
mantern Os aduttos e as criancas envolvidos numa aprendizagem conjunta. Ao projetarem este
espaco acothedor, os educadores garantem que este reflete os valores e as mensagens (abor-
dados no capitulo 2) da abordagem pedagOgica. Um valor de grande importancia é a criacao
de um "espaco relacional". Num espaco relacional, os educadores desenvolvem uma cultura
inclusiva de connunicacao e colaboracao entre a crianca e o adulto, onde todas as criancas
tern acesso a oportunidades lUdicas de aprendizagem. 0 genera, a etnia, a religiao, a lingua
materna, sac) respeitados, e o espaco valoriza tambem uma organizacao universal, onde todas
as criancas podem aceder a experiencias de aprendizagem. Algumas criancas precisam de
adaptacoes, como auxilios visuals de alto contrasts, pranchas inclinadas, bandejas de cola,
telas sensiveis ao toque, assentos de elevacao ou areas alargadas que permitam a destocacao
corn andarithos e cadeiras de rodas. Alem disso, todas as criancas tem direito a e precisam
de ter acesso a oportunidades de aprendizagem multissensoriat, a mOitiplos recursos de
expressao e connunicacao, e a oportunidades varias de mostrar a que sabem. Esta cultura inclu-
siva valoriza os contributos que todas as criancas trazem ao espaco.

As relacoes evoluem a medida que as criancas e os adultos experimentam a escuta atenta,


expressam as suas ideias e respeitam as diferentes perspetivas, e todas sac) importantes
para as investigacoes STEM. Por exempla, uma investigacao sobre o som pode comecar par

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uma conversa com as criancas sobre as suas cancijes favoritas ou a sua experiencia corn
varias instrumentos musicals. Enquanto as criancas conversam sobre as suas preferencias,
Os educadores escutam e identificam possibilidades de experimentacao ou oportunidades
inesperadas de aprendizagem que permitam dar continuidade a investigacao. Este espaco
relacional cuidadosamente projetado espelha os ambientes onde os profissionais STEM, tais
coma os investigadores medicos ou os engenheiros, desenvolvem o seu trabalho: em equipas,
comunicando e partithando entendimentos oriundos de perspetivas diferentes. A autora Susan
Stacey afirma, no seu livro Inquiry-Based Early Learning Environments (2019), "Podemos pensar
nestes ambientes coma urn espaco que nos intriga e nos mobiliza a rumar em novas direcoes e
coma urn contexto onde se constroem retacoes, se tomam decisoes e se pode criar uma cultura
propria - uma maneira de ser" (p. 2). Este espaco relacional evidencia a importancia do trabalho
colaborativo, da comunicacao, da criatividade, do pensamento critic°, de conteklas entusias-
mantes e da construcao da confianca.

A projecao e a utilizacao do espaco tambem refletem o respeito dos educadores de Reggio


pelas competencias e as capacidades das criancas. Par exempla, as materiais sac) cuidado-
samente selecionados e colocados de forma instigadora, apelando ao maravilhamento, a
curiosidade, ao espanto, a surpresa. Os materials intencionalmente escolhidos geram provoca-
coes que estimulam diversas exploracoes STEM. Os materiais originals e apelativos motivam
as criancas a desenvolver exploracoes sensoriais, a analisar as propriedades, coma a textura,
a peso e a forma, ao mesmo tempo que promovem a criatividade e a inovacao. Os materiais
podem ser naturais ou fabricados, colocados no interior ou no exterior, desde que
provoquem a imaginacao das criancas e catalisem investigacties STEM. Alguns objetos e
materiais provocadares tambem surpreendem (e par vezes, preocupam) muitos educadores
norte-americanos, que se inquietam corn a seguranca durante a sua exptoracao e utilizacao.
Apos conhecerem
as instrucoes para a exploracao e a utilizacao de ferramentas e outros objetos, é confiada as
criancas de Reggio a utilizacao responsavel de ferramentas afiadas ou de objetos quebra-
veis. Par exempt°, no conhecido video To Make a Portrait of a Lion (Malaguzzi [1987] 2015), as
criancas de Reggio utilizam a espaco da piazza da cidade para tocar, escalar, fotografar e
medir a estatua de um lean e a sua sombra. A seguir, no espaco interior, ciao continuidade e
alargam
a sua investigacao sobre leoes. As criancas utilizam ferramentas pontiagudas de artista para
acrescentar detalhes as suas sofisticadas esculturas de leoes de barro. Na malaria das vezes
em que mostrei este video aos educadores, as expressties faciais alarmadas e os comentarios
verbais exprimem a sua preocupacao corn o facto destas ferramentas nao serem seguras ou
nao serem desenvolvimentalmente apropriadas para as criancas de educacao pre-escolar (sem
mencionar a facto de escalarem a estatua do leao, que era mais alta do que as criancas). No
entanto, para os educadores de Reggio, as criancas sao vistas coma capazes e cornpetentes
para utilizar ferramentas e materials de artista, depois de lhes terem sido devidamente dados a
conhecer.

No espaco inspirado em Reggio, o mobiliario é escothido cuidadosamente para apoiar a apren-


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dizagem das criancas. Durante as minhas visitas, observe' as varias quatidades do mobiliario:
o conforto, a durabilidade, o peso e as cores agradaveis. Este mobiliario tambem era selecio-
nada para faciLitar a reconfiguracao e a adaptabilidade do espaco para a trabalho do grupo e Os
diferentes tamanhos dos grupos, assim como para as criancas que utilizam cadeiras de rodas,
andarilhos ou outro equipamento adaptado. Mobiliario que seja facitmente movivet permite as
criancas juntar as cadeiras para conversarem mais intimamente e trabalharem ou organizar as
cadeiras para uma partilha corn a grupo todo. Mobil.lario mOvel cria espacas abertos proviso-
rios para investigacoes grandes e extensas, tais como projetos de construcao corn blocos ou
uma serie de rampas para fazer experiencias corn bolas e carros, permitindo que estes projetos
evoluam de atividades simples e curtas para investigagoes mais complexas e desafiantes,
permanecendo no mesnno sitio durante dias ou ate semanas. Nas salas norte-americanas,
estas investigagoes sao muitas vezes interrompidas, sem uma area (ou tempo) criada para o
desenvolvimento de uma investigacao profunda e extensa, refletida e documentada, porque
o espaco Limitado e precis° para outras atividades. Muitas vezes, as criancas precisam de, no
final. do dia, desmanchar as suas construcoes e arrumar os materials. Gandini (2012) refere que
para promover investigagoes é precis° que o espaco, a semeLhanca do tempo, seja flexivel e
adaptavel.

Infelizmente, os educadores corn quem trabathei sentem-se, muitas vezes, desmotivados e


frustrados corn as limitacoes de espaco dos seus contextos. As escolas de educacao pre-es-
coLar dos Estados Unidos da America estao atojadas numa grande variedade de contextos,
incluindo caves de igrejas, centros comerciais, creches de grandes dimensoes e seus afiliados,
casas de familia, contextos Head Start, contextos universitarios, escolas pUblicas e corpora-
cOes. Muitas destas escolas operam em contentores inflexiveis, desadequados e antigos. Por
exempla, durante varlos anos, trabalhei em dais programas de educacao de infancia, urn insta-
lado numa ala de uma escola secundaria antiga, e outro numa sala de economia de uma antiga
escola preparatOria, sem espaco projetado para a aprendizagem das criancas de educacao
pre-escoLar. Algum do mobiliario provinha de moveis que já nao eram usados nas salas destas
escolas.

A desordem tambem é uma marca registada em muitas das salas de educacao pre-escolar do
pals. Educadores bem-intencionados (em que me incluo!) gastam muito de vendas de garagem,
onde encontramos materials de baixo custo que achamos poder vir a usar a certa altura. E
somos conhecidos por aceitar os livros, os jogos e os materials de arte que a familia e os amigos
ja ilk querem. Este nosso esforco de reutilizacao e reciclagem de uma variedade infindavel de
passive's materials de aprendizagem, levy-nos muitas vezes a acumula-tos sabre os peitoris
das janelas e as bancadas, a atulhar prateleiras e a encher cacifos (se tivermos algum cacifo).
Muitas vezes, estes materials nem chegam a ser utilizados, porque se encontram enter-
rados sob outros materials, fora do alcance dos adultos e das criancas. Os educadores podem
comecar por rever o seu espaco a luz dos valores e das mensagens que querem veicuLar e dar
entao inicio a uma selecao intencional dos materiais, a sua rearganizacao e a uma arrumacao
dos materials selecionados, de maneira a criar urn sentimento agradavel de ordem, tanto para
as criancas coma para as adultos. Deste modo, 6 possivel libertar espaco para as paineis de

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fotografias, as colecOes de conchas, missangas e seixos, ou para uma area de observacao e
estudo dos passaros. Os cestos visualmente agradaveis e as caixas de madeira enriquecem a
organizacao, a arrumacao e a visibilidade. A identificacao clara do conteCido material destas
caixas ou dos cestos facilita o acesso e respeita as capacidades das criancas para aceder e
devolver Os materials ou as ferramentas que utilizam nas suas investigacoes.

Para criar urn espaco ma's ftexivel, as educadores em Reggio Emilia incorporam as areas exte-
riores que circundam as suas escolas. Isto inclui o exterior mais proximo, assim coma o bairro
onde se situam e a comunidade alargada, seja esta urbana, suburbana ou rural. Por exempla, as
criancas na cidade podem procurar padroes arquiteturais nos passeios, nas janelas, nas portas,
nas cercas e nas grades. Podem pintar as padroes que observam num cavalete ao ar livre, cons-
truir urn passeio ou urn muro corn blocos de madeira e pedras, ou tirar fotograflas digitais para
documentar as suas observacoes. As criancas numa area mais rural podem seguir um caminho
atraves do campo, distribuir os tesouros que reuniram sobre uma manta para admira-los,
conversar, ordenar, identificar, comparar e contrastar, documentar e, eventualmente, expO-los
num museu criado na sala. As criancas numa area suburbana podem semear na horta escolar
ou connunitaria, cuidar das Mantas, eliminar as ervas daninhas da horta, colher os vegetais a
medida que crescem, observar as minhocas, as abethas e as borbotetas, e observar coma os
vegetais se deterioram, documentando as suas investigacOes corn fotografias digitais, dese-
nhos e histOrlas. 0 mundo passa a ser um espaco de uma sala de atividades.

Ao trabalhar corn educadores de uma grande variedade de contextos, pude observar que,
muitas vezes, conseguem encontrar solucoes criativas para alargar a espaco interior limitado
da sala, em particular para o desenvolvimento de investigacoes STEM que requerem area dispo-
nivel para que grupos de criancas possam trabalhar corn uma grande quantidade de materials
espalhados, ao longo de varios dias. Os voluntarios de Amen School construiram plataformas
elevadas em cada sala de atividades para a colaboracao e a reflexao de pequenos grupos.
Outros educadores juntaram-se aos seus pares para partithar as duas salas de atividades.
Quando reimaginam as contextos, Os educadores precisam de decidir sabre as suas prioridades,
os seus valores e as suas mensagens, como descrito no capitulo 2. A colaboracao permite
negociar sabre o que é essencial e o que pode ser considerado urn "roteiro antigo", uma vez que
a utilizacao atual do espaco deixou de refletir as suas filosofias em evolucao. Talvez concordem
corn atribuir uma organizacao convencionat a uma sata, corn centros de interesse, enquanto a
outra sala apoia 0 desenvolvimento de investigacoes dinamicas e de fim aberto. Outros educa-
dares partitharam coma conseguiram negociar a utitizacao dos espacos interiores, de maneira a
incluir (pet° menos, durante uma parte do tempo) escadarias, corredores, espacos de escritOrio
raramente usados e espacos comuns esporadicamente usados no edificio. Urn dos programas
Reggio que visitei converteu um sOtao que nao estava a ser utilizado, sena° para guardar
materials poeirentos, num vibrante e animado museu de bairro para a exposicao de artefactos
preciosos descobertos e doados pelas famillas.

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Os educadores em Reggio valorizam a integracao do espaco interior com o espaco exterior.
As criancas observam os passaros nos alimentadores atraves das janelas e estudam-nos, ou
observam as padrOes cambiantes do tempo. Os elementos naturals sao trazidos para o inte-
rior para observacao e pesquisa. De modo semelhante, o exterior e vista coma uma extensao
do espaco interior, ao servico da aprendizagem, inspirando particularmente as investigacties
STEM, como as ciclos da vida das plantas e dos animals, o ciclo da agua, as formaceies das
nuvens, 0 vento e os estados da materia, coma a gelo e a neve derretida. No entanto, apesar
dos desejos dos educadores, muitas escolas de educacao pre-escolar dos Estados Unidos tem
acesso a opcoes timitadas em relacao a espacos de aprendizagem ao ar livre. Por exempla, num
programa do centro da cidade que supervisionel, 0 patio tinha de ser limpo todas as manilas
para eliminacao de detritos insalubres e, por vezes, perigosos, deixados por adultos que inva-
diam e permaneciam neste espaco durante a noite. Educadores criativos (incluindo aqueles das
Breves descricoes) tem partilhado estrategias para a criack de espacos de aprendizagem ao
ar livre. As areas de estacionamento podem ser utilizadas entre o tempo de chegada e o tempo
de partida (corn a cotocacao de procedimentos de seguranca, como os cones de sinalizacao)
para o desenvolvimento de investigagoes, como por exempla, investigacb-es sabre as sombras.
Outros educadores alargam o espaco de aprendizagem atraves da organizacao de caminhadas
corn pequenos grupos ou 0 grupo de criancas nos bosques adjacentes, ate ao lago, ao parque,
a universidade, ou urn espaco pUblico, para estudar a arquitetura, as arvores ou outro tipo
de transportes. Estas °Wes consomem muito tempo e requerem uma planificacao cuidada,
mas sac), geralmente, exequiveis - muitas vezes, atraves da colaboracao corn pares, familias,
voluntarios ou estudantes universitarios. Aceder a espacos de aprendizagem ao ar livre implica
planificar e assegurar o sucesso das experienclas de todas as criancas, incluindo daquelas que
se deslocam em cadeira de rodas, corn andarithos, ou requerem apoio individual e auxilio visual
ou auditivo.

A utilizacao de espacos ao ar livre para a desenvolvimento de investigagoes STEM lOdicas


reflete os valores do educador que promove a curiosidade e a apreciacao das criancas pelo
mundo vivo e a teia da vida. Observar e documentar sapos, tartarugas, peixes, minhocas,
abelhas, teias de aranha, riachos, flares selvagens, gathos, pinhas e folhas, permite as criancas
experienciar, sentir e prezar o maravilhamento. Os educadores em Reggio falam apaixonada-
mente sabre os direitos das criancas. Argumentaria que o maravilhamento é urn direito das
criancas. Os espacos interiores e exteriores onde as criancas experienciam o maravilhamento
cultiva a sua apreciacao em desenvolvimento e o seu sentido de responsabilidade pelo nosso
planets.

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Roteiro de Autoavaliasao

 Tenha em consideracao a beneficio de filmar a seu espaco interior e


exterior para apoiar a reflexao ou para documentar a transformacao ao
Longo do tempo.

 As oportunidades oferecidas pelo espaco diversificam-se em niveis de


comptexidade, tendo em consideracao as criancas que precisam de mais
apoio do educador e mais tempo de exploracao e experimentacao, assim
coma aquelas que requerem experiencias mais desafiantes?

 0 espaco esta demasiado desorganizado? As prateleiras estao atulhadas


corn livros? As caixas dos materiais estao empilhadas ate cá em cima? 0
armario esta a transbordar? Se sim, coma é que pode organizar o espaco?
Do que precisa efetivamente? 0 que pode doar aos seus pares e as
familias? Como é que pode organizar e arrumar os materials de maneira a
facilitar o acesso dos adultos e das criancas?

 Como é que pode projetar o espaco para acolher criancas corn


necessidades educativas, nomeadamente criancas que se deslocam em
cadeira de rodas ou utilizam auxilios especificos, criando urn ambiente
de seguranca, envolvimento e pertenca?

 Maximiza a utilizacao do seu espaco? Ponderou diversificar a utilizacao


das prateleiras, dos mOveis, das janeLas e dos seus peitoris, das paredes,
do chao, das plataformas elevadas, dos espacos de intimidade, do
corredor e da escadaria?

 Como e que pode colaborar cam os seus pares e promover a utilizacao


flexivel de espacos partilhados?

 Como é que leva 0 exterior para o interior da sala? Precisa de cortinas ou


de estores? Precisa de janelas corn vidros escurecidos? Onde é que pode
criar areas de observacao corn binoculos, materials de registo (papel,
canetas, maquinas fotograficas, etc.) e livros de nao ficcao, para estudar
as passaros, a tempo, as mudancas das estacoes do ano, etc.?

 0 espaco é confortaveL? Existem objetos macios e portateis para


se sentarem e colaborarem? Existem espacos de intimidade para o
desenvolvimento de atividades calmas e reflexivas? Como é que pode
utilizar uma plataforma elevada ou uma divisOria?

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 De que materiais precisa para facilitar a utilização regular do espaço ao
ar livre? Precisa de organizar galochas, guarda-chuvas, impermeáveis
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ou luvas, para cada criança, para si e os voluntários/auxiliares? Tem
materiais STEM preparados para ir para o exterior: baldes, pranchetas,
máquinas fotográficas digitais ou tablets, lupas, binóculos, pinças, pás,
redes de apanhar borboletas? Precisa de guarda-chuvas grandes ou de
lonas para se protegerem do sol ou da chuva?

 Como é que maximiza as oportunidades ao ar livre para a aprendizagem


STEM: um riacho próximo, casas e alimentadores para pássaros, jardins
e hortas, brincar com as sombras no passeio, brincar nas poças de água,
construir pontes, estudar as árvores, cozinhas de lama?

 Na sua sala, apoia e reforça a importância da reciclagem, da redução de


desperdício e da reutilização? Apoia o desenvolvimento do respeito e do
cuidado responsável pelo ambiente natural?

Uma Coisa para Experimentar Amanhã


Reveja o vídeo que realizou após ter lido o capítulo 2 (esse é o poder da
documentação: a oportunidade de revisitar e refletir!). Se decidiu não reali-
zar o vídeo (ou não leu o capítulo 2), tire agora alguns minutos para filmar o
seu contexto (tanto o interior como o exterior) com o telemóvel ou o tablet.
Melhor ainda, faça-o na companhia de um par que partilhe o seu modo de
pensar e não faça juízos de valor. (No mínimo, compartilharão o desamparo,
ou até pode ser que se riam juntos!) Lembre-se, isto não é um teste. Reve-
jam o vídeo juntos, questionando-se, "Será que o meu contexto oferece um
espaço inclusivo para o desenvolvimento de investigações STEM lúdicas,
que podem decorrer ao longo de vários dias ou uma semana?" Se não, não
desista! Pergunte-se e pergunte ao seu par que pequena mudança poderia
fazer para pôr em movimento a sua filosofia pedagógica em evolução, sobre
a importância do espaço num ambiente de aprendizagem STEM, lúdico e
baseado na abordagem de projeto. Um dos muitos objetivos deste livro
é destacar a disponibilidade e a utilidade de formas gratuitas ou de custo
reduzido de promover o desenvolvimento lúdico da /iterada STEM, ou seja,
não sugiro que adquiram apenas materiais novos ou mobiliário novo, como
descrito acima. Dê uma volta pelo edifício. Que tal é o corredor? E o escri-
tório raramente utilizado de um colega? E a escadaria (onde, em Reggio,
vi uma vez as crianças envolvidas no desenvolvimento de um projeto sobre

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inclinações)? Dê uma volta pelo exterior. Existe algum sítio para criar uma
horta ou para colocar contentores para as plantas? Existe algum sítio para
uma cozinha ao ar livre, talvez começando pela mesa de água, incluindo
algumas panelas e tachos? Pode usar o passeio ou a área do parque de esta-
cionamento para desenvolver investigações sobre a sombra ou para expe-
riências com bolas e rampas? E o bairro circundante? O que é que encontra
nas proximidades e pode ser aproveitado? Quando vai às vendas de gara-
gem ou recebe doações, tem sempre a sua filosofia pedagógica em mente?
Primeiro, lembre-se da desordem e escolha judiciosamente! Em seguida,
esteja atento a cadeiras e a mesas que possam ser úteis para o seu contexto
ou a livros de não ficção sobre ciência ou natureza. Talvez encontre caixas
ou caixotes transparentes para a arrumação de materiais ou uma estante
para colocar no corredor fora da sala. As boas vendas de garagem incluem,
muitas vezes, coleções de conchas, pedras, bolas, berlindes, !manes, figuras
e carros de brincar, blocos de madeira, lupas, pinças, tubos, funis, tecidos,
nozes, parafusos, roscas e todo o tipo de peças soltas, que pode selecionar
reflexiva e intencionalmente para o espaço STEM.
Será que aquele seu par, que partilha o seu modo de pensar e não faz juízos
de valor, estará disposto a juntar-se a si para criar um espaço flexível para as
investigações STEM (assim como para outros projetos interessantes)? Ao
pensar sobre o espaço, é fácil sentir-se sobrecarregado e frustrado, e excla-
mar, "Esquece!" No entanto, dar tempo e começar com pouco, construindo
o sucesso passo a passo, faz com que aqueles objetivos grandiosos pareçam
estar ao seu alcance — sem mencionar a satisfação e a realização.

Breve descrição: Elisabeth Amen Nursery School

As transformações do ambiente de aprendizagem da Amen Nursery School não


aconteceram da noite para o dia e estão sempre em andamento. Começaram há
algum tempo, quando viajei com a antiga diretora até Reggio Emilia, integradas
num pequeno grupo de estudo. A antiga diretora ficou de tal forma inspirada
com os ambientes de educação de infância que tinha observado em Reggio, que
começou desde logo a trabalhar com a sua equipa, dando pequenos passos na
criação de um ambiente de aprendizagem mais apelativo e convidativo. O pri-
meiro projeto focou-se na reavaliação e na transformação do átrio de entrada da
escola (ou daquilo que espelharia o espírito de uma pequena piazza de Reggio
Emilia). Convidou um voluntário, estudante de arte, para pintar um ramo de hera
ao longo das paredes do átrio, onde começaram a aparecer exemplos do trabalho
das crianças. Tendo em consideração a importância de integrar o espaço interior
e o espaço exterior, solicitou que as grandes janelas panorâmicas de cada sala
fossem tingidas para que as crianças pudessem observar os alimentadores dos

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pássaros, instalados recentemente, e as alterações do tempo, sem que a luz do sol
incidisse diretamente nos olhos. Tendo sempre advogado pelo desenvolvimento
de um currículo emergente lúdico, baseado nos interesses das crianças, a diretora
e a sua equipa começaram a dar destaque à criação de oportunidades STEM
baseadas na abordagem de projeto, tendo como ponto de partida a plantação na
horta ao ar livre, levada a cabo pelas crianças e as famílias.
As oportunidades STEM estão integradas em todas as salas de atividades, no
interior e no exterior, para que as crianças investiguem, inventem, construam,
pesquisem e reflitam de forma ativa e colaborativa. De acordo com a nova dire-
tora, "Os espaços têm em consideração a diversidade das crianças. Algumas não
querem estar sentadas [durante] muito tempo, outras precisam de repetir, e há as
crianças que precisam de um lugar para acalmar ou reagrupar. Respeitar a criança
é o nosso ponto de partida para criar o ambiente neste espaço."
A diretora contou uma história que ilustra os benefícios do novo espaço ao ar
livre para o desenvolvimento dos Seis C e para a resolução lúdica de problemas
STEM. Na cozinha ao ar livre, as crianças procuram uma solução para tirar água da
bomba, levá-la para a cozinha e despejá-la do balde pesado. Uma menina, que
raramente pedia ajuda, tentou encher o balde com água para levá-lo até à cozinha
ao ar livre. No entanto, por tentativa e erro, descobriu que o balde era demasiado
pesado para poder carregá-lo sozinha. Precisou de pedir ajuda a um par! Juntos,
carregaram o balde até à cozinha, sem entornar muita água. Juntos, levantaram o
balde, inclinaram-no e verteram a água para a pia. Sucesso! A diretora explicou,
"Para esta menina, isto foi bastante importante!" No espaço exterior (e sem a
intervenção do educador), os educadores observaram a menina a utilizar vários
elementos do método cientifico: lidar com um problema, testar as soluções, ficar
frustrada, considerar criticamente as suas opções, comunicar com um par e cola-
borar para resolver o problema.

Breve descrição: Programa Head Start Local

Com a criação de um espaço para


a estufa, as crianças do programa
puderam desenvolver inves-
tigações sobre o ciclo da vida,
semear as suas sementes, cuidar
das plantas em crescimento e
observar o seu crescimento ao
longo do tempo.

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À semelhança de muitas escolas de educação pré-escolar dos Estados Unidos da
América, a diretora deste programa Head Start reconhece que "o espaço é um
desafio para nós. Cada sala é diferente e cada educador tem um estilo diferente.
Refletimos sobre se o espaço é excessivamente estimulante e ao mesmo tempo
preocupamo-nos com o cumprimento dos regulamentos e dos códigos contra
incêndios. Precisamos também de refletir sobre a organização dos materiais em
arrumos limitados e a partilha entre salas de atividades." Apesar dos desafios
comuns, a diretora observa que após dois anos de estudo, "Nestas salas sempre
muito atarefadas, as experiências de aprendizagem STEM não estão marginaliza-
das — estão em todo o lado — inclusive no jogo dramático." As crianças exploram
as propriedades físicas dos líquidos na mesa de água, utilizando funis, tubos,
calhas e copos medidores, ou fazem construções com ladrilhos magnéticos, que
encontram por perto.
Tal como nas escolas em Reggio, os educadores Head Start criam oportunidades
de colaboração com as famílias e utilizam recursos da comunidade. Por exemplo,
com a ajuda dos Eagle Scouts locais e de pais voluntários, converteram um espaço
estreito ao ar livre num contexto apelativo, acrescentando canteiros elevados,
um banco e uma estufa com plantações. A visita à quinta do campus universitário
permite alargar o estudo das crianças sobre jardinagem. Recentemente, os edu-
cadores tiveram dificuldade em encontrar um espaço para expor o trabalho das
crianças e celebrar o final de uma investigação. Através da utilização de caixas
recicladas e reaproveitadas, pulverizadas com tinta, os educadores transformaram
o exíguo átrio da entrada num museu onde as crianças, as famílias e os profissio-
nais puderam conviver e admirar o trabalho das crianças.

Breve descrição: descrição: Anchorage Park Kindergarten

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Nos espaços relativamente grandes e abertos de Anchorage Park Kindergarten, as
crianças podem deixar as suas construções montadas para poderem dar continui-
dade às suas explorações ao longo do tempo.

A diretora olha para a utilização do espaço de forma filosófica, colocando uma


questão provocadora, "De quem é o espaço?" As decisões são tomadas através
de "uma observação do espaço na perspetiva da criança" — tendo em considera-
ção as competências das crianças, explorando como é que as crianças aprendem,
identificando o que é que as crianças precisam, questionando-se sobre o que faz
sentido e sobre o que apoiará a aprendizagem da responsabilidade e do res-
peito. Os profissionais refletem sobre como trabalham com as crianças individual-
mente, em pequenos grupos e com as famílias, aprofundando questões como,
"Como é que o espaço será utilizado?", "Como é que as crianças se movem neste
espaço?", "Como é que os adultos se movem?", "O que é que podemos deslo-
car?", "O que é que está naquela esquina?", " E na parte de trás?", "Como é que
podíamos tornar este espaço suave e confortável?"

Alguns espaços ao ar livre são relativamente grandes e abertos, permitindo o


desenvolvimento de investigações STEM com pneus, toros de madeira e peças
antigas de tratores. Quando os projetos necessitam de áreas ainda maiores, os
educadores refletem sobre a possibilidade de conversão temporária do átrio da
escola — destinado para a realização de eventos especiais da comunidade — para
poder ir ao encontro das suas necessidades, nomeadamente a celebração de
uma noite disco com a família. Num trabalho colaborativo, as famílias, as crianças
e os profissionais, afastaram mobílias e materiais para dar lugar às luzes, às bolas
de espelhos e às bandeirolas. Como as crianças ajudaram a transformar o espaço,
estavam entusiasmadas com o facto de o espaço continuar a ser seu, ainda que
diferente. Noutras ocasiões, a escola transformou-se numa galeria de arte para
expor os artefactos das crianças. E o caminho de acesso à escola transformou-se
num local de eventos de corridas. Os profissionais continuam a adaptar a utili-
zação do espaço, tendo sempre em consideração o coração da sua filosofia de
respeito pelas competências das crianças.

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