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ATELIÊ DE MEMÓRIAS – NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS DE

INGRESSANTES NO ENSINO SUPERIOR

Ecleide Cunico Furlanetto


Universidade Cidade de São Paulo

Camila Lopes Vaiano


Universidade Cidade de São Paulo

Cristiane Nobre Nunes


Universidade Cidade de São Paulo

Ivanice Nogueira de Carvalho Gonçalves


Universidade Cidade de São Paulo

Resumo
O ingresso no curso superior representa uma conquista, para muitos a realização de
um sonho e para outros um grande desafio. O ingresso no ensino superior e a
permanência dos estudantes perpassam questões socioeconômicas, culturais, etc.
que podem dificultar ou facilitar a sua adaptação ao ambiente universitário. Nesse
sentido, este artigo tem por objetivo apresentar um estudo desenvolvido com alunos
ingressantes no ensino superior de uma instituição particular em São Paulo no ano de
2017 e as iniciativas da instituição em sugerir alternativas de acolhimento, por meio
do Projeto Ateliê de Memórias, cujo objetivo foi compreender, por meio das narrativas
dos alunos participantes, os aspectos que dificultam e aqueles que facilitam a sua
inserção na vida acadêmica. Apoiado em pesquisas pautadas nas narrativas (auto)
biográficas, a investigação contou com 61 alunos ingressantes dos cursos de Design
Gráfico, Produção Audiovisual e Produção Publicitária. O corpus da pesquisa foi
composto pelo diário de bordo da pesquisadora e 9 livros (auto) biográficos produzidos
pelos alunos no Ateliê de Memórias. A partir da análise das narrativas dos livros foi
possível identificar valores, crenças e representações (coletivas e individuais) que eles
construíram em suas vidas, antes de sua entrada no ensino superior como meio de
enfrentar situações difíceis.
Palavras Chaves: Acolhimento acadêmico; Ingresso no Ensino Superior,
Dificuldade de inserção no ambiente acadêmico; narrativas (auto biográficas), Ateliê
de Memórias.

Abstract
Keywords
Resumen
Palabras clave

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“E aprendi que se depende sempre
De tanta, muita, diferente gente
Toda pessoa sempre é as marcas
das lições diárias de outras tantas pessoas.
É tão bonito quando a gente entende
Que a gente é tanta gente
Onde quer que a gente vá.
É tão bonito quando a gente sente
Que nunca está sozinho
Por mais que pense estar...”
(Caminhos do coração – Gonzaguinha.)

O Ingresso no ensino superior

O ingresso no curso superior representa uma conquista, para muitos a


realização de um sonho e para grande parte da população ainda é um grande desafio.
A democratização do ensino superior favoreceu maior acesso da população de
diferentes camadas sociais às universidades, grande parte motivada por programas
de financiamento à educação como o Programa de Fundo de Financiamento
Estudantil (FIES), iniciado em 1999; e o Programa Universidade para Todos
(PROUNI), iniciado em 2004. Esse movimento representou também um aumento
considerável no número de instituições de ensino superior no Brasil.
De acordo com o Censo da Educação Superior de 2021, divulgado pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), no
documento intitulado Resumo Técnico do Censo da Educação Superior 2021 (Brasília
– DF, INEP/MEC 2023) o Brasil mantém 2.574 instituições de educação superior. No
mesmo ano, o número de ingressantes corresponde a 3.944.897, dos quais 87,5%
estão na categoria privada e 12,5%, na categoria pública, criando um cenário de
expansão na rede privada em relação ao número de ingressantes.
A expansão de matrículas, principalmente na rede particular, teve grande
aderência da população, principalmente daquelas antes excluídas, devido a
implantação de programas do Ministério da Educação (MEC) de acesso a
democratização do ensino superior (FIES) e (PROUNI). Ambos receberam aporte

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financeiro do poder público e viabilizam novas vagas na Educação Superior
(COULON, 2017, p. 1241).
Novas possibilidades de acesso, exigiram que a Instituição de Ensino Superior
(IES) se adequassem à grande heterogeneidade cultural dos estudantes, suas
experiências de vida, circunstâncias econômicas e políticas, noções de unidade e
diversidade, homogeneidade e heterogeneidade, que precisam ser tratadas de forma
realmente compatível com realidade dos universitários. Embora o cenário favorável
do ingresso desses estudantes no ensino superior, a sua permanência e conclusão
dos cursos ainda apresentam grandes desafios. Para Coulon (2008) o maior problema
enfrentado pelos estudantes não era o acesso à universidade, mas o de permanecer
nela estudando. Não bastava a criação ou expansão do número de vagas, é preciso
investir em políticas de enfrentamento ao problema da permanência desses
estudantes ampliando as propostas de acolhimento e engajamento dos alunos nas
universidades. A observação de Sacramento (2009, p.3) de que “superadas as
dificuldades de acesso surgem outras que podem comprometer a permanência e
término do curso”, reforça a presença e a necessidade de soluções para essa questão.
Cabe destacar que as dificuldades encontradas pelos estudantes para o
ingresso no ensino superior não estariam relacionadas somente às questões do custo,
de moradia, transporte, alimentação e materiais, mas também no que tange à
adaptação dos alunos ao ambiente universitário; à dificuldade na realização de trocas
sociais com outros alunos; e a interação com os bens culturais. Nesse sentido, as
políticas públicas promovidas pelo Estado não necessariamente atendem a este
propósito. As instituições de ensino superior precisam encontrar caminhos para o
acolhimento e a promoção de trocas sociais entre os estudantes de maneira que se
sintam parte do universo acadêmico.
As desigualdades sociais também demarcam o acesso dos estudantes no
ensino superior e além disso a massificação do ensino superior comporta outros
problemas estruturais que precisam ser equacionados, mas que fazem parte da
solução dos problemas de acesso ao saber apontado por Coulon (2017).
Zabalza (2004) aponta alguns problemas associados à massificação do Ensino
Superior, tais como: a necessidade de atender a grupos maiores, sem alterar a base
operativa das IES; a maior heterogeneidade dos grupos, para os quais a maioria das
IES não dispõe de instrumentos ou modelos pedagógicos suficientemente versáteis
para atender a nova população; a pouca motivação pessoal para estudar, por não

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haver nas IES sistemas provedores de motivação, em especial, motivação intrínseca,
quando o aluno integrante de uma massa sente-se apenas um número; a contratação
de professores inexperientes que, forçados pela necessidade de atender em altos
volumes, vão para as salas de aula sem o devido preparo pedagógico; o retorno de
modelos clássicos de ensino que sacrificam a atenção às singularidades individuai.
Esses fatores reunidos, fruto do volume excessivo de alunos, aumentam a
inflexibilidade pedagógica diminuindo a capacidade de transferência de
conhecimento, de experiências e de interações entre alunos e entre alunos e
professores.

O ingresso na universidade é em vão se não se faz acompanhar do


processo de afiliação ao mundo intelectual em que entraram,
frequentemente, sem saber verdadeiramente que estavam entrando
(COULON, 2017, p. 1242).

Cabe ressaltar que em se tratando de Educação Superior, esta afiliação vai além
dos conhecimentos específicos da área profissional escolhida, considerando que,
envolve como diz Silva (2011) a construção de uma cultura geral; a aquisição e
descarte de valores pessoais e sociais; a consolidação de princípios pessoais e a
formação de padrões mentais interpretativos de fatos e eventos.
Há ainda de se considerar a evasão estudantil, conforme dados do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP) que apontam para um
percentual de 59% de desistência dos estudantes que entraram no ensino superior
em 2021 (MEC, 2021). Autores como Baggi e Lopes (2011) apresentam causas para
a evasão estudantil como: falta de base nos aprendizados na educação básica e
ensino médio; escolha errado de curso, metodologias de ensino obsoletas, prioridades
pessoais e relações interpessoais. Nesse sentido as instituições de ensino superiores
desatentas às demandas de ensino adequadas ao perfil dos estudantes onde não
estão estabelecidas com uma referência clara de base de desenvolvimento
profissional, além da falta de vínculo e pertencimento do aluno, sofrem com questões
relacionadas à evasão escolar.
Ainda que as instituições de ensino busquem estratégias metodológicas para
garantir que os alunos se sintam incluídos e em constante desenvolvimento pessoal
e profissional, a falta de relações interpessoais como aponta Coulon (2008) podem
desestimular os estudantes e consequentemente a desistência dos seus estudos.

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Com o objetivo de promover a integração dos alunos ingressantes ao contexto
acadêmico, promover a ambientação deles ao projeto pedagógico do curso e ampliar
as propostas de acolhimentos aos calouros universitários, foi desenvolvido um estudo
com estudantes da Área de Comunicação dos cursos de Tecnologia em Design
Gráfico, Produção Publicitária e Produção Audiovisual de uma instituição particular
em 2017. Num módulo de Ambientação exclusivo para calouros, as iniciativas da
instituição foi propor estratégias alternativas de acolhimento, escuta e
empoderamento dos estudantes por meio de sua participação no Ateliê de Memórias,
ou seja, um espaço em que os alunos contavam suas histórias de vidas, falavam sobre
as dificuldades enfrentadas em suas trajetórias educacionais e de situações em que
se sentiram acolhidos e seguros para realizar seus estudos.
A proposta do Ateliê de memórias teve como objetivo compreender, por meio
das narrativas dos alunos participantes, os aspectos que dificultam e aqueles que
facilitam a sua adaptação na vida acadêmica no ensino superior, construindo novos
significados e novas experiências. Para dar continuidade ao processo de escuta e fala
dos estudantes, o Ateliê de Memórias propôs que os participantes elaborassem livros
infanto-juvenis representativos de suas histórias de vida, considerando as dificuldades
e facilidades enfrentadas no ingresso e permanência deles na universidade. Para
elaborar os livros os estudantes deveriam entrar em contato com os conhecimentos
básicos dos cursos nos quais estavam matriculados e utilizá-los na prática.
Como corpus de pesquisa foi utilizado o diário de bordo da pesquisadora, no
qual foram registradas as atividades desenvolvidas no Ateliê de Memórias, bem como
as reflexões da pesquisadora acerca do processo de desenvolvimento dessas
atividades. Outras peças, como os registros realizados pelos alunos a respeito de
suas percepções sobre o Módulo de Ambientação e os livros produzidos por eles que,
neste trabalho, constituem a produção do Ateliê de Memórias.
Essa pesquisa deu origem a esse artigo que apresenta a metodologia
desenvolvida no Projeto de um Módulo de Ambientação – Ateliê de Memórias,
proposto pela faculdade. Utilizando as narrativas autobiográficas como metodologia,
essa pesquisa tem como objetivo apresentar um estudo desenvolvido com alunos
ingressantes no ensino superior de uma instituição particular em São Paulo no ano de
2017 e as iniciativas da instituição em sugerir alternativas de acolhimento, que se
propunham compreender as dificuldades enfrentadas promovendo a inserção
acadêmica dos estudantes por meio do Projeto Ateliê de Memórias.

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O texto se organiza discutindo inicialmente o ingresso na educação superior,
na sequência aborda o Ateliê de Memórias e sua inserção na instituição, depois
apresentamos o delineamento da pesquisa, em seguida apresenta os resumos dos
livros elaborados pelos estudantes (o que os livros contam) e as considerações finais.

O Ateliê de Memórias

A Instituição contava com um componente curricular obrigatório denominado


“Módulo de Ambientação” na matriz de todos os alunos que ingressaram na
Instituição. A oferta sugerida pela instituição, surgiu com da necessidade dos
estudantes de aprender o “ofício de se estudante “ (Coulon, 2008)

A proposta do “Módulo de Ambientação” estava fundamentada em uma análise


das condições de acesso e participação dos alunos na vida acadêmica, análise essa,
realizada a partir de diferentes indicadores e de resultados da avaliação institucional
que apontava para a necessidade de aperfeiçoar a comunicação das políticas de
atenção aos discentes; demandas mapeadas de dificuldades de aprendizagem e
adaptação ao currículo, bem como de integração ao ambiente acadêmico. O objetivo
era, portanto, promover a integração do aluno ingressante ao contexto acadêmico,
promover a ambientação do estudante ao projeto pedagógico do curso, tendo em vista
as concepções de currículo integrados, a organização curricular, o perfil do
profissional que se pretende formar e o sistema de avaliação, entre outros aspectos.
A orientação da instituição era que cada coordenador desenvolvesse o projeto de
modo que os estudantes tivessem acesso a todas as orientações necessárias para o
ingresso na vida acadêmica.

As atividades propostas pelo módulo, incialmente, eram pautadas em textos


oferecidos aos alunos sobre o funcionamento da Instituição, mas no decorrer do
trabalho ficou claro para a coordenadora do módulo que estava cursando o Mestrado
em Educação e participando de um Grupo de Pesquisa pautado na Pesquisa (Auto)
biográfica, que o caminho que estavam seguindo não estava permitindo aos alunos
se manifestarem sobre o momento que estavam vivendo e sobre suas expectativas.
De acordo com Sá (2016 p. 106) “no ambiente escolar, o ato de ouvir pode se tornar

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parte fundamental de uma relação de aproximação ou distanciamento entre as partes
que ali estão. ”

Assim sendo resolveu propor uma atividade no Módulo Ambientação


denominado “Ateliê de Memórias” que, por sua vez se constituiu em uma pesquisa-
formação cujo objetivo era acolher os alunos e facilitar sua inserção no mundo
universitário por meio da produção de um livro autobiográfico, cujo tema estivesse
pautado em suas trajetórias de vidas.

A proposta do “Ateliê de Memórias” era que os alunos narrassem suas histórias


de vidas em pequenos grupos de trabalho e as dificuldades enfrentadas em seus
processos educacionais que poderiam se repetir na entrada do Ensino Superior. O
fundamento conceitual da narrativa, repassado aos alunos, estava assentado sobre a
visão de Delroy-Momberger, (2006) acerca do que seja uma narrativa, sua função e
papel:

A narrativa de vida é uma matéria instável, transitória, viva, que se


recompõe sem cessar no presente do momento em que ela se anuncia.
Ela se reconstrói a cada uma de suas enunciações e reconstrói,
juntamente com ela, o sentido da história que anuncia (DELORY-
MOMBERGER, 2006, p.362).

No Ateliê os discentes puderam, inicialmente, entrar em contato com suas


experiências e atribuir sentidos a elas por meio da narrativa. Segundo Delory-
Momberger, (2006) a importância dada à experiência individual associa intimamente
os estudantes aos processos formativos e os considera como autores responsáveis
por sua própria formação. Ao contar suas histórias para seus pares, puderam
conhecê-los, estabelecer parcerias e ao transformar suas narrativas em uma única
história para desenvolver um livro entraram em contato com as habilidades das áreas
profissionais escolhidas, como: ilustração, adaptação de linguagem de texto, redação,
cores, diagramação de livros, utilização de softwares.

A opção por transformar as histórias de vida em livros infantis foi por deixar a
imaginação e a magia transbordar ao realizarem a adequação de linguagem, além de
facilitar a criação das ilustrações e estimular a criatividade dos alunos.

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Foi elaborado, portanto, um roteiro de trabalho, separado em duas etapas. A
primeira etapa tratava da sensibilização do projeto, definição da linguagem dos livros
infantis e a segunda etapa a produção do livro propriamente dita.

Como a pesquisa foi delineada

A pesquisa pautou-se na abordagem qualitativa, como proposta de dialogar


com sujeitos singulares (sujeitos sociais) que possuem experiências acerca da
inserção no ensino superior. Mais especificamente, apoiou-se nas narrativas dos
estudantes ingressantes no nível superior uma vez que conforme afirma Botia, et al,
(2001) o conhecimento produzido via narrativas, se situa nas ações humanas, com
suas características especiais, na singularização, nas particularidades das
experiências e de como ela é percebida e significada.

Contar histórias é uma forma elementar de comunicação humana. Em sua


função original, narrativas de estórias e fábulas têm sido utilizadas nas sociedades
como forma educativa de transmissão de padrões comportamentais e valores sociais
de interesse daquela sociedade (LYOTARD, 1989). Nas sociedades antigas, as
narrativas têm sido usadas para transmitir crenças e mitos que estabeleciam o
fundamento disciplinador de comportamentos esperados, atribuíam importância a
princípios e estabeleciam valores culturais.

É através das narrativas, que as pessoas lembram o que aconteceu, colocam


a experiência em uma sequência e segundo Jovchelovitch e Bauer, (2010) jogam com
a cadeia de acontecimentos que constroem a vida individual e social. Narrativas são
relatos de vida ou de eventos com influência na trajetória de vida ou de
comportamento das pessoas, visando apropriar significado às ações e fatos ocorridos
em contextos específicos, como foram percebidos e são correntemente entendidos
pelo seu protagonista, o indivíduo (BRUNER, 1990).

Sob o ponto de vista social, é por meio das narrativas que as relações sociais
admissíveis entre indivíduos originam a formação da memória coletiva e imprimem
nestes determinados padrões, de forma eficiente (LYOTARD, 1989; FOUCAULT,
1979). Quando tais memórias são proferidas e consolidadas nos indivíduos, via
instituições, geram significados em seus receptores que podem transcender a

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intenção original pretendida na instituição. Isso porque, a internalização de
significados de narrativas pelos indivíduos é um processo psicológico que se integra
de forma combinativa às experiências dos indivíduos gerando neles significados
próprios (BRUNER, 1990).

Devido às suas funções tradicionais, de transferência de valores, de


comportamentos esperados e ajustes a grupos e culturas, a narrativa tem sido
considerada como um possível instrumento metodológico de pesquisa, nas ciências
humanas e sociais.

A pesquisa foi desenvolvida em uma Instituição de Ensino Superior Privada,


reconhecida como Centro Universitário, localizada na Cidade de São Paulo no ano de
2017. A Instituição possui mais de 80 cursos de Graduação, Graduação Tecnológica
e Ensino a Distância. A IES deu início às suas atividades na área educacional em
1999 e hoje conta com 3 campus na cidade de São Paulo.

Um de seus elementos mais caracterizantes da Instituição pesquisada e que a


diferencia de outras, em sua categoria, é o fato de ela adotar diretriz pedagógica, a
Metodologia de Ensino para Compreensão e Currículos Integrados, descritos à frente.

A pesquisa foi realizada na Área de Comunicação com alunos ingressantes do


primeiro semestre dos cursos de Tecnologia em Design Gráfico (26 alunos), Produção
Publicitária (5 alunos) e Produção Audiovisual (30 alunos), totalizando 61 alunos
ingressantes do primeiro semestre de 2017.

Os alunos autorizaram por meio de um termo de consentimento esclarecido, o


uso das suas produções e relatos para esta pesquisa.

O corpus da pesquisa é composto pelo diário de bordo da pesquisadora, no


qual estão registradas as atividades desenvolvidas no ateliê. Esse diário contém,
ademais, as reflexões da pesquisadora sobre o processo de execução das atividades
no ateliê. Outras peças, como os registros realizados pelos alunos a respeito de suas
percepções sobre o Módulo de Ambientação e os livros produzidos por eles que, neste
trabalho, constituem a produção do Ateliê de Memórias.

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O que os livros contam

O livro “Incomum Diário” foi produzido por cinco alunos homossexuais e um


transexual. Por meio do gênero literário diário foi possível acompanhar as narrativas
de histórias de vida de João, um adolescente transexual e seus desafios para se
encaixar numa sociedade que compreende pouco as questões de identidade de
gênero. Depois de descobrir, em tenra idade, que era bissexual e transgênero, João
busca aceitação, acolhimento e amparo e lida com questões e dúvidas sobre as
convenções, costumes e tradições sociais, na maioria delas excludentes. Embora
tenha encontrado indiferença, exclusão e preconceito, João tentou não perder de vista
o respeito por si mesmo.

Os registros no diário revelaram que João buscou aprovação na sociedade ao


tentar se enquadrar nas regras sociais de casal formal, vivendo experiências
homossexuais com a sua amiga. Também buscou conforto, acolhimento e amparo
na religião ao entrar num grupo de jovens, acreditando que, por serem “jovens”,
aceitariam sua condição e teriam experiências religiosas e humanas sem preconceito.
Em ambas situações ficou claro que não se encaixava no que estava previamente
determinado e que precisava fugir da dicotomia do “certo ou errado” para continuar
sua busca.

Fotografia 01 – Excertos do Ateliê de Memórias

Fonte: Livro Incomum Diário

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Uma parte importante de sua história é marcada pela presença de sua mãe,
que João chama de “anjo”, como simbologia de proteção, amparo, acolhimento,
admiração. Sua mãe foi seu porto seguro, o lugar onde encontrava escuta
incondicional e respeitosa, a pessoa que o amava e o aceitava como ele era.

Ao participar de grupos de bate papo online com outros transexuais, João


conheceu Sherryanne, uma transexual que tinha uma história de vida parecida com a
sua, com isso, foi atribuindo sentido às suas experiências, sentimentos e
compreendendo melhor a sua forma de ser e estar em sociedade. Ao ouvir os relatos
de superação de Sherryanne, João foi sentindo-se encorajado em reafirmar suas
escolhas e a sentir-se liberto do medo imposto por suas experiências negativas ao
assumir sua condição de transexual. Com o apoio de Sherryanne, João foi sentindo-
se mais confiante e seguro de si, passando a frequentar a escola usando maquiagens
e as roupas que desejava, sejam elas convencionalmente destinadas a homens ou
mulheres, sentia-se feliz e sua autoestima elevada.

O livro “Thank, o taco mágico” traz a narrativa de um estudante chamado João,


cujo pai manifesta falta de apoio ao filho que decidiu cursar Design gráfico”. A falta de
apoio dos familiares para as escolhas dos estudantes tem grande efeito na autoestima
e na adaptação deles na Universidade e consequentemente pode acabar em
abandono do curso. No intuito de obter apoio e amparo para continuar estudando, os
calouros buscam em outros locais e outras pessoas a ajuda de que necessitam. Nessa
narrativa, João teve um sonho de ser jogador de basebol para carregar o troféu de
campeão do time da sua cidade. No seu sonho, João tinha um parceiro chamado
Thank, um taco mágico de basebol que lhe dava conselhos, passava confiança e
coragem e mostrava o que era preciso fazer para acreditar em si mesmo, ter coragem
para enfrentar os desafios, além de incentivar João com palavras positivas,
fortalecendo sua autoestima e a segurança para superar os desafios e fazer suas
escolhas.

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Fotografia 02 – Excertos do Ateliê de Memórias

Fonte: Livro Thank. Taco mágico

A escolha da temática do livro se deu pelo fato de que alguns estudantes deste
grupo terem iniciado outros cursos de nível superior influenciados por sonhos e
desejos de seus familiares, acabaram desistindo e iniciando o curso de design gráfico
por desejo próprio. Com isso acabaram encontrando a falta de apoio dos familiares
que se transpõem nas dificuldades de adaptação na Universidade, visto que a quebra
do vínculo com a família se dá num momento delicado do início do período de
adaptação do estudante à Universidade.

Thank, que existia apenas no sonho de João, o ajudou a resgatar sua


autoestima, pois quando acordou, percebeu cada parte do seu sonho. O troféu era o
diploma, símbolo da conquista ao finalizar o curso universitário que desejava. O
estádio era a representação da universidade, os aplausos da torcida representavam
sua família e amigos que testemunharam sua vitória.

O livro “Meu espelho” conta a história de uma estudante que tenta fugir de sua
identidade étnico-racial e faz um pedido ao espelho mágico para mudar a cor de sua
pele. A escolha dessa temática se deu pelo fato de que os 3 estudantes negros que
haviam nessa classe, estavam nesse grupo.

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Fotografia 03 – Excertos do Ateliê de Memórias

Fonte: Livro Meu Espelho

Nessa narrativa, Júlia é uma criança negra em fase de construção de


identidade e frequentando a escola se depara com as diferenças de oportunidades
entre as crianças negras e brancas, com isso tem sua vida marcada pela desigualdade
social. Então ela pensou que sua vida seria mais fácil e simples e apenas mudasse a
cor de sua pele, com um toque de magia. À noite, Júlia faz um pedido especial às
estrelas para se tornar uma criança branca. Ao trazer as questões do preconceito por
meio da narrativa da história de Júlia, o grupo pode retomar essa temática no ateliê e
ressignificar o acolhimento dos 3 estudantes negros na classe e na universidade.

O livro “Sonhar Grande ou Pequeno dá o mesmo trabalho” narra a história de


um estudante de 38 anos, sendo o mais velho da turma num curso de graduação, que
enfrenta as dificuldades de ser um imigrante refugiado, acolhido no Brasil. Embora
morasse no Brasil há alguns anos, ele ainda tinha desafios com a língua portuguesa,
em especial com a escrita. Essa narrativa foi escolhida pelo grupo por conter relatos
marcantes com grandes marcas de superação e diferentes das histórias dos demais
integrantes. O personagem Zaki chegou ao Brasil quando era criança e foi acolhido
por uma Organização Não Governamental (ONG), a ORPAS (Obras Recreativas,
Profissionais, Artísticas e Sociais), que o inseriu na escola facilitando sua adaptação
à nossa cultura. Com o tempo Zaki tornou-se educador e hoje ensina jovens e crianças
a desenhar e a pintar.

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Fotografia 04 – Excertos do Ateliê de Memórias

Fonte: Livro sonhar grande ou pequeno dá o mesmo trabalho

A história vivida por Zaki enfatiza a superação pela educação e evidencia a


missão da ONG que o acolheu, resgatando crianças e jovens em situação de
vulnerabilidade por meio de iniciativas que abordam questões éticas, diversidade,
cultura, educação, empreendedorismo e cidadania. Esse apoio é primordial para os
estudantes superarem os desafios e dificuldades encontradas na adaptação à
Universidade e ao curso.

O livro: “Lola e o Violão Mágico” aborda a superação e aceitação como


combustível para melhorar a autoestima. Ao escolher contar a história de Lola, o grupo
resolveu focar na situação em que ela entrou na Universidade um mês após as aulas
terem começado e com isso, tinha-se a impressão de ela não conseguiria completar
as disciplinas e acreditava-se que ela não acompanhava a turma. Lola era bolsista
Prouni e veio do interior com sua família para estudar em São Paulo. Suas dificuldades
iniciais foram representadas no livro, pela simbologia de que enquanto todos na banda
sabiam tocar algum instrumento, Lola não tocava nenhum.

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Fotografia 05 – Excertos do Ateliê de Memórias

Fonte: Livro Lola e o Violão Mágico

Em sala, isso significava que, enquanto praticamente todos dominavam os


softwares da área, Lola não se apropriou de nenhum. Encontrando apoio na instituição
Lola conseguiu superar os desafios e o violão mágico representa o software de
diagramação que ela aprendeu a usar.

O livro “O Parque da Preguiça" conta a história de David, uma criança


preguiçosa e desorganizada que não se concentrava nas aulas e tinha dificuldades
nas interações com os amigos, relacionando-se com eles de forma inadequada. A
temática do livro é a transição para vida adulta, em especial com o ingresso na
universidade, incidindo sobre o estudante a tomada de postura autônoma sobre a
própria vida, seu tempo, suas prioridades e decisões para agir sobre si mesmo, sem
esperar comandos e ordens de outras pessoas.

O grupo narra a situação de que o parque, onde encontra-se a casa da árvore


de seus encontros, será destruído para a construção de um prédio. A casa da árvore
é o local onde o grupo se reunia para lutar contra a venda do parque. A narrativa traz
a busca do resgate de David, representado pelo bicho preguiça, que precisa ser salvo
de sua incapacidade de mover-se e proteger-se. Juntos aos colegas impedem a venda
e salvam a árvore e a preguiça, coisas que pareceriam tão maiores. O Parque da

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Preguiça, foi produzido em formato de quadrinhos e retrata a força das relações
interpessoais em busca de soluções de pertencimento.

O livro “O Mundo de Dorine” traz um enredo de inclusão e adaptação de uma


aluna deficiente visual, que cursava “Produção Publicitária” e frequentava o Ateliê de
Memórias. Sua narrativa de história de vida inspirou seus colegas de grupo a
escreverem sua história por sua força, persistência e criatividade em superar os
desafios da vida. Nessa história, Dorine, uma esquila que perde a visão e precisa
aprender como conviver com a situação e continuar sua vida. Ela encontra no pássaro
Will, um grande amigo e aliado que a ajuda e a guia em suas novas experiências,
incentivando-a a encontrar o lado bom e belo da vida. Ele a ajudou neste processo
difícil de adaptação nesta nova fase da vida e mostra que outras dificuldades, além
de sua cegueira física, precisavam ser superadas. A receita de Will é simples: a força
da rede de amizades e da colaboração seria importante neste momento de adaptação.
O sucesso da parceria deu certo e Dorine seguiu os passos do seu amigo, tornando-
se guia para quem encontra-se na escuridão.

O livro “O mundo encantado de Bia” também trata da falta de aceitação dos


pais ou família, pelo curso de graduação escolhido pelos estudantes e com isso
acabam não valorizando. A narrativa conta a história de Bia, uma aranha pequena,
inseto pouco apreciado e aparentemente sem importância no mundo, com isso, ela se
achava muito diferente e não se encaixava nos grupos e nos locais onde frequentava.
Além disso, ela sentia a indiferença de sua mãe e irmã em seu próprio ambiente
familiar e na escola vivia sozinha. Seu potencial não era visto, reconhecido nem
valorizado, até que uma professora de artes fez a diferença em sua vida.

Fotografia 06 – Excertos do Ateliê de Memórias

Fonte: Livro O mundo Encantado de Bia

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Com o talento de Bia revelado e reconhecido com apoio e auxílio da professora,
todos passaram a aceitá-la com suas diferenças, ela fortalece a autoestima e passa a
enxergar em si mesma o que tem de melhor. Este grupo, escolheu contar a história
de uma estudante que se sentia deslocada e não conseguia interagir com o grupo em
sala de aula, com isso, sua inserção no ambiente escolar e adaptação ficaram
comprometidos, porém, no Ateliê de memórias encontrou acolhida, apoio e ajuda.

O livro “Vamos para Hatus?” Também apresenta a temática da falta de


aceitação da família pelas escolhas dos estudantes, ignorando seu potencial, talentos
e competências. Nessa narrativa, Max, passa despercebido por seus pais e com isso,
eles, aos poucos, vão se tornando invisíveis e Max, se sente um garoto solitário,
correndo os perigos iminentes de uma cidade grande e com seus pais ausentes. No
anseio de mudar sua vida, Max entra para o Instituto de música chamado Hatus, onde
pode explorar os talentos e com isso, espera merecer o respeito de seus colegas.
Hatus (que representa o Ateliê de memórias) é um local onde Max é protagonista
social, recebe valorização como ser humano e ajuda para desenvolver as suas
potencialidades artísticas. Ele se sentiu amparado, criou laços de amizades com seus
colegas e ficou livre dos perigos da rua, além disso, por meio da música, aproximou-
se de seus pais e começou novas histórias em casa e na escola.

Fotografia 07 – Excertos do Ateliê de Memórias

Fonte: Livro Vamos para Hatus?

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Considerações possíveis

Retomamos o objetivo da pesquisa que foi apresentar um estudo desenvolvido


com alunos ingressantes no ensino superior de uma instituição particular em São
Paulo no ano de 2017 e as iniciativas da instituição em sugerir alternativas de
acolhimento, que se propunham compreender as dificuldades enfrentadas
promovendo a inserção acadêmica dos estudantes por meio do Projeto Ateliê de
Memórias, para apresentar algumas considerações que analisamos possíveis, a partir
dos livros produzidos pelos estudantes no Ateliê de Memórias.
As temáticas dos nove livros produzidos pelos estudantes, nos Ateliês de
Memórias, estavam permeadas de sentimentos relacionados às suas experiências de
vida anteriores à universidade, pois suas narrativas foram tecidas a partir de um
problema ou situação que causava marcas profundas em suas identidades, e que
foram acessadas à consciência como “uma matéria instável, transitória, viva, que se
recompõe sem cessar no presente do momento em que ela se anuncia”, conforme
Delory-Momberger (2006). Nesse sentido, o encontro do “eu” com o passado
recomposto no agora em que a história é narrada se torna o momento em que o
narrador se reconhece e se revela.
Considerando que o processo de adaptação dos novos estudantes numa
escola inclui dois processos importantes, sendo um o acolhimento por parte dos
profissionais da escola e o outro, a inserção dos estudantes com seus esforços de
adaptar-se à escola, é necessário que ambos aconteçam para se ter um bom
resultado. Muitas vezes, outros processos podem influenciar positivamente ou
negativamente a permanência dos estudantes na graduação, como suas relações
familiares, situações socioeconômicas, etc.
Os alunos com suas histórias de vida ingressaram no curso superior e
participaram dos Ateliês de Memórias, onde acessaram suas histórias de vida e
enfrentaram o desafio de reconhecer-se em suas histórias para conciliá-las com os
desafios e demandas do cotidiano universitário, no intuito de adaptar-se e sentir-se
pertencente ao novo ambiente.
A gestão da universidade tem um papel fundamental para minimizar os
impactos negativos advindos do ingresso desses universitários. Com o uso de
estratégias de pensar, planejar e desenvolver o acolhimento e adaptação desses
estudantes por meio dos Ateliês de Memórias, ultrapassou a trajetória estereotipada

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de que os universitários têm autonomia para gerir sua formação e que são os únicos
responsáveis por seus sucessos e fracassos em seus aprendizados. Com isso
promoveu um ambiente de escuta significativa com produção de conhecimentos que
vai além da sala de aula formal.
Nesse sentido, Furlanetto (2010) afirma que “muitas vezes, o novo não só
acrescenta, mas questiona o que o adulto já sabe, exigindo que transforme suas
crenças e ideias. Em tais situações, é necessário desaprender para aprender, o que
não se configura tarefa fácil”. Assim, toda a equipe de professores e gestores da
universidade enfrentaram os desafios de desaprender a forma como costumavam
iniciar o ano letivo, para aprender nos Ateliês de memórias novas formas de acolher
os estudantes. Isto revelou a construção de uma relação de compreensão que além
de acolher, motivou a continuidade dos estudos.
Para além das propostas do Ateliês de Memórias, os estudantes encontraram
um ambiente universitário que acolheu suas histórias de vida e promoveu:
● estratégias de escuta ativa e acolhimento;
● reflexões e trabalho em grupos;
● problematização e tomada de decisões;
● aproximação e aprofundamento dos conteúdos das disciplinas dos cursos de
forma contextualizada e com significados para os estudantes;
● atividades práticas relacionadas à produção de conteúdo;
● inclusão, aceitação e construção de identidade;
● habilidades e competências que possibilita ressignificar suas memórias,
sentimentos e narrar uma nova história.
A análise das narrativas dos livros produzidos pelos universitários que
participaram do Ateliê de Memórias, revelou que uma das maiores dificuldades
enfrentadas em seus processos de inserção nos cursos de graduação foi a falta de
apoio dos pais ou familiares. Há relação dessa falta de apoio à escolha do curso feita
pelos alunos, visto que alguns já haviam iniciado outros cursos e desistido, ou por não
conhecer a profissão ou o trabalho que os estudantes formados naquele curso
escolhido podem atuar, e ainda por ignorar o potencial e talento dos estudantes. Essas
experiências de vida relacionadas à família provocaram muitos sentimentos nos
estudantes, dificultando seu processo de adaptação no nível superior, trazendo
inseguranças, excesso de faltas, trancamento do curso e até mesmo o abandono
escolar.

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Havia a expectativa inicial de que os alunos focassem sua atenção nas
dificuldades encontradas no presente, nas demandas das disciplinas, na interação
com os novos professores, com o cotidiano de um universitário que tem seus
momentos de estudos na universidade, mas também precisa estudar em casa, etc.
Porém, os dados revelaram que as dificuldades de adaptação estavam relacionadas
às questões anteriores e na maioria das vezes existenciais, que já carregavam e
precisavam de um espaço de acolhida onde pudessem compartilhar suas histórias de
vida. Ao entrarem em contato com suas histórias nos ateliês, os estudantes
encontraram na universidade um espaço de acolhimento e não de exclusão. A
universidade passou a ocupar então um lugar de pertencimento, superando a
expectativa inicial dessa pesquisa.
Em suas exposições narrativas percebe-se sentimentos e emoções que
transbordam da vida para a ficção em seus livros, que brilhantemente foram
produzidos a partir da conciliação do vivido com os significados construídos em função
do ingresso na universidade. E nos emocionamos com o potencial desse encontro que
resultou em processos formativos para os estudantes, os professores e para todos
nós, leitores.
Todos os livros trouxeram histórias de superação com desfecho final positivo,
que revelaram a esperança de um final feliz, (saídas e alternativas de encontrar
possibilidades de continuidade da vida) geralmente com a participação de
personagens, professores, mães, amigos, colegas, ONG, entre outros, que ajudaram
o personagem principal a enfrentar e superar os problemas. Com isso, os Ateliês de
Memórias promoveram a inclusão e superação das diferenças, convocando os
estudantes ao exercício do protagonismo, imergir nas práticas relacionadas aos
cursos, construir e compartilhar aprendizados.
As questões das famílias com sua visão canônica das profissões e cursos
universitários, talvez não tivessem repertório sobre o que se trata esse curso novo,
Design Gráfico e com isso nos leva a pensar que a falta de apoio relatada nos livros
pode estar relacionada a essa questão.
Considera-se que, apesar dos desafios e dificuldades enfrentados pelos
estudantes, pelos professores e gestão da universidade, todos elevaram sua
confiança em si próprio, validaram suas escolhas, fortaleceram-se enquanto grupo e
buscaram alternativas e parcerias para superar as adversidades.

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O projeto de acolhida e adaptação desenvolvido pela universidade foi de
extrema relevância para promover a permanência e continuidade nos estudos, com
possibilidade de desdobramentos para outros departamentos e outras faculdades.
Acredita-se que os espaços de escuta e fala, trocas e interações entre os
estudantes, nos Ateliês de Memórias, promoveu experiências positivas na construção
de novas relações, novos laços de amizades, sentimentos de pertencimento ao grupo
e à universidade. O fato de se fazer parte de um grupo, permite ao calouro, criar o
mundo em que ele pode existir, formando percepções e lugares onde é possível
desenvolver e ampliar as diversas competências. Ao narrar, eles encontraram novos
sentidos para ordenar suas percepções do mundo do qual fazem parte a fim de agir
sobre ele, criando novos desenhos.
Pondera-se que em sala de aula, nos Ateliês de Memórias, bem como na
instituição como um todo, foi possível trazer à tona a perspectiva de desconstruir
preconceitos, exclusão, abandono e inseguranças. Da mesma forma que foi possível
reconstruir um pano de fundo tecido com histórias de superação, novas possibilidades
dos saberes, cenários democráticos de participação, representatividade étnico-
raciais, de classe e de gênero.

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