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Talita Campos
Informações implícitas
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
Introdução
Neste capítulo, vamos estudar as teorias relacionadas às informações
implícitas nas modalidades verbal, não verbal e multimodal da língua.
Trata-se de um conteúdo tão naturalmente absorvido pelos falantes da
língua que, normalmente, sequer percebem que parte (ou muitas) das
informações que depreendem do enunciado não foram, de fato, ditas.
Isso ocorre porque a leitura não é um trabalho isolado: trata-se de um
trabalho conjunto, de construção de sentidos, inferencial. Um exemplo
pode ser visto no seguinte enunciado: “Ainda não escovei os dentes”,
resposta possível para a pergunta “Já tomou seu café da manhã?”. Como
resposta, provavelmente se esperaria um “sim” ou um “não”; contudo, a
resposta contém um “não” implícito, cuja compreensão está diretamente
relacionada com o contexto, porque, em nossa cultura, ao acordar, as
pessoas costumam escovar os dentes e, apenas em seguida, fazer o
desjejum. Trata-se de um “não” que não foi dito, mas foi entendido.
Ler, é, pois, um ato sociocognitivo, cheio de preenchimento de lacu-
nas. Por isso, duas são as informações gerais abordadas neste capítulo. A
primeira se relaciona aos dois lugares distintos que ocupam a leitura e a
escrita. Trata-se de duas modalidades que acionam habilidades cognitivas
distintas e que se encontram, inclusive, em lugares teóricos bastante
demarcados: geralmente, os pesquisadores se concentram em um ou
em outro recorte. Destacar isso é necessário, porque as habilidades aqui
discutidas são aquelas relacionadas à leitura.
2 Informações implícitas
Você deverá levar em conta, entretanto, que a inferência pode ser reali-
zada por meio de estratégias subjetivas, como nos casos dos subentendidos,
conforme veremos adiante. Apesar disso, esse tipo de inferência não ocorre
sem critérios, ou seja, não é um tipo de leitura/inferência realizado pelo fator
exclusivamente psicológico. A inferência segue lógicas, leva em consideração
o enunciador, o contexto, as escolhas linguísticas, etc., embora possa ser
desconstruída (como no caso dos já citados subentendidos). Assim, ler é
mais que “juntar letrinhas”.
Conforme Marcuschi (2011, documento on-line):
Por isso, fazer inferências é uma capacidade associada aos leitores mais
fluentes, os quais, além de irem além das informações explícitas, chegam
às camadas mais recobertas do texto, associadas às relações menos ou mais
exclusivamente cognitivas. Nesse tipo de leitura fluente, o leitor parte das
pistas encontradas nos textos, até chegar às inferenciais, associando-as a seu
conhecimento de mundo.
Com base nessas premissas, você verá, nesta seção, que as informações
recuperadas cognitivamente por meio das inferências situam-se na ordem dos
implícitos. Como você já deve saber, a palavra “implícito” significa aquilo
que não está exposto claramente; ou seja, é o oposto de explícito.
Nos estudos da linguagem, o conteúdo implícito pode ser desvelado por
meio do subentendido e, ainda, por meio do pressuposto, e Ducrot (1987) foi
o responsável por sistematizar essas noções. Para o teórico, os subentendidos
não são expressos formalmente; ou seja, as informações não são expressas
por meio do código linguístico, mas são inferidas (ou a partir de pistas
linguísticas encontradas no contexto e/ou por meio de informações contex-
tuais). Esse tipo de estratégia permite que o entendimento das insinuações
colocadas no texto seja de responsabilidade do leitor/ouvinte, tornando esse
tipo de compreensão subjetivo.
Há que se fixar, sobre o subentendido, que esse tipo de implícito nem
sempre é previsível, não segue uma regra, como as regras linguísticas formais
da língua, tampouco está preso ao sentido literal do texto. Os implícitos são
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Podem ser consideradas implícitas todas as informações veiculadas sem que o fa-
lante precise se comprometer com sua verdade diretamente; as que se baseiam
em informações recuperadas linguisticamente constituem os pressupostos, e as
que estão relacionados ao contexto e à situação são os chamados subentendidos
(PAULIUKONIS, 2006).
e
fome.
-lírico discorda das atrocidades vividas pelas gerações anteriores e que sua
filha avançará ainda mais um pouco em relação às ancestrais, o que se pode
subentender pela palavra “liberdade”, que aparece pela primeira vez no poema.
encontramos a frase “Quem nasceu só para ser big, nunca vai ser king”. Na
frase, o advérbio “só” aponta para a seguinte verdade posta: o big é restritivo,
a despeito de o leitor reconhecer, ou não, o significado em português para as
duas palavras inglesas: big e king. Além da linguagem verbal, a linguagem
visual contribui para a depreensão de sentidos: a palavra king está em letras
maiores que a palavra big, representando, pela multimodalidade, que king é
maior que big, apesar de big significar “grande”.
No que se refere ao subentendido, o leitor pode inferir que a empresa Burger
King está se referindo ao McDonald’s, que oferece o famoso sanduíche Big
Mac. Para chegar a esse subentendido, o leitor precisa conhecer o contexto
de concorrência entre as duas empresas e, ainda, acessar o conhecimento de
mundo a respeito dos nomes dos sanduíches dessas empresas. Se o leitor for
um morador de cidades afastadas e/ou pobres, por exemplo, ou sem acesso
a esse tipo de oferta, ele conseguirá, possivelmente, pelo acesso linguístico,
chegar ao entendimento do pressuposto, mas não do subentendido.
[...] [p]ara que se tenha um leitor mais crítico e eficiente, em termos de com-
petência nos diversos níveis de leitura, é preciso sensibilizá-lo para o fato
de que todo sentido, mesmo o literal, inclui informações apresentadas em
diferentes graus de implicitude. Uma leitura consciente verifica que todo texto
pode dizer mais coisas do que parece estar dizendo e que, além do que está
expresso na superfície, há dados que estão subentendidos ou pressupostos;
em suma, deve se ler tanto nas linhas como também nas entrelinhas. Todo
o trabalho de interpretação de um texto passa também pela descodificação
desses implícitos textuais, que não podem passar despercebidos, com sua
gama de significados importantes, a um leitor perspicaz.
QUEM NASCEU para ser Big nunca vai ser KING. De tudo um pouco, 2008. Disponível
em: https://misturado.wordpress.com/2008/06/20/quem-nasceu-para-ser-big-nunca-
-vai-ser-king/. Acesso: 14 set. 2020.
Leituras recomendadas
KLEIMAN, A. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas: Pontes, 1989.
SANTOS, M. R. M. O estudo das inferências na compreensão do texto escrito. 2008. 151 f.
Dissertação (Mestrado em Linguística) — Departamento de Linguística Geral e Ro-
mânica, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2008. Disponível em:
https://core.ac.uk/download/pdf/12420749.pdf. Acesso: 14 set. 2020.
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