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A dupla dimensão dos DF e as características do direito subjectivo fundamental

Quando se alude à dupla dimensão, dupla natureza ou dupla função dos DF pretende-se
realçar que eles não constituem hoje apenas direitos subjetivos, mas também direito
objetivo.

➔ Os preceitos relativos aos DF são, assim, encarados quanto a:


➢ posições jurídicas dos indivíduos perante o Estado - dimensão
subjetiva/individual
➢ ponto de vista da comunidade, como valores ou fins que esta se propõe atingir -
dimensão objetiva/institucional

Por exemplo: as garantias institucionais não são verdadeiros direitos atribuídos


diretamente a uma pessoa. Assim, a família 67º, a maternidade 68º, a Administração
autónoma 267º, a imprensa livre 38º, o funcionalismo público 269/1, a autonomia
académica 76/2, são instituições constitucionalmente protegidas diretamente como
realidades sociais objetivas e só indiretamente se estendem para a proteção dos
direitos individuais.

Do ponto de vista de proteção jurídico-constitucional, às garantias institucionais não se


aplica o regime próprio dos DLG previsto no 17º
No entanto, em face da dupla dimensão dos DF (subjetiva/individual e
objetiva/institucional) podem verificar-se situações de imbricação (indissociabilidade)
de garantias institucionais e de DF.
Ex:
i) proteção da instituição família 67º e direito de constituir família 36º
ii) proteção da instituição imprensa livre 38/4 e direito à liberdade de imprensa
38/1/2
Nestas situações de imbricação entre DF e garantias institucionais, e uma vez que estamos
também perante a proteção de DF, aplica-se o regime próprio estabelecido 18º

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Dimensão objetiva – o Estado assegura determinadas instituições: família,
Administração autónoma, funcionalismo público, imprensa livre, que são protegidas pelo
mesmo, e só indiretamente se refletem em cada um de nós.

O problema da distinção entre a dimensão subjetiva e objetiva não é tão premente no


nosso país onde, ao contrário da Alemanha, não existe uma ação constitucional de defesa
para a qual só teriam legitimidade os titulares de direitos subjetivos fundamentais.

A justiça constitucional portuguesa segue um modelo objetivista, cabendo ao TC a


fiscalização (abstrata ou concreta) da constitucionalidade das normas, e não a verificação
da ofensa a direitos subjetivos dos interessados.

Na Alemanha, os particulares podem dirigir-se diretamente ao TC, invocando que foi


violado um direito fundamental, por ex., o DF à intimidade da vida privada.
Características do direito subjetivo fundamental

Para V.A., o direito subjetivo fundamental representa 4 posições jurídicas:

1) Posições jurídicas subjetivas

As garantias institucionais não são, em regra, suscetíveis de atribuição subjetiva – caso


da proteção da instituição família ou da autonomia académica.

Pode haver situações em que a garantia institucional seja indissociável do DF (proteção


da instituição imprensa livre e direito à liberdade de imprensa).

Diferentes são os DIREITOS GARANTIA.

Quando a Constituição, no Titulo II, fala em DLG, inclui, nessas garantias, os direitos
garantia – exs., os p/os:

- Nullum crimen sine lege (princípio da tipicidade – 29/1

- Proibição das penas de duração ilimitada 30/1

- Ne bis in idem 29/5 ou double jeopardy (filme “Duplo Risco”)

- Proibição da transmissibilidade das penas 30/3

- Contraditório 32/5

2
- Inviolabilidade do domicílio e da correspondência 34º

Garantia porque têm uma função instrumental para proteção de outros direitos, por ex:
podem ter como objeto um bem específico de uma pessoa, ex: liberdade ou integridade
física.

2) Posições jurídicas individuais


Individualidade. Em princípio, só os indivíduos poderiam ser titulares de DF, já que a
dignidade humana que lhes está subjacente, só valeria para as pessoas físicas e não para
as pessoas coletivas.

Importa distinguir a titularidade de DF de direitos de exercício coletivo. Ex: no direito


à greve 57, bem como nas liberdades de associação 46 51/1, de reunião e de manifestação
45º
Nestes casos, não há uma titularidade coletiva dos DF

O titular do direito não deixa de ser cada um dos indivíduos ou dos trabalhadores,
coletivos são os instrumentos do exercício, mas não os sujeitos dos direitos.
Quando fazemos greve, o exercício é individual, o instrumento do exercício do direito é
coletivo.
Já nas associações sindicais, a titularidade é coletiva.

Discutida pela doutrina é a questão dos DFs das pessoas coletivas, i.e., saber se pode haver
uma titularidade coletiva de direitos subjetivos fundamentais.
Na hipótese de se admitir titularidade de DF por parte de pessoas coletivas, significaria
que alguns DF não seriam puros direitos do homem individual.

A letra da Constituição refere expressamente no 12/ 2 que as “pessoas coletivas gozam


dos direitos compatíveis com a sua natureza” > implícito o p/o da especialidade – estas
pessoas coletivas só gozam dos direitos necessários à prossecução dos seus fins.
Ex: uma associação política não pode invocar a lib religiosa (não faz parte da finalidade
da associação política).

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Parece que deve admitir-se a titularidade, por p.c (pessoas coletivas), de direitos como, p.
ex., a inviolabilidade do domicílio e da correspondência 34º, a liberdade de imprensa 38º,
a liberdade de culto e ensino religioso 41º/4/5, ou o direito de criação de escolas 43º/4

Poderá argumentar-se que quem beneficia da liberdade religiosa, da liberdade de


imprensa, da inviolabilidade da sede ou do segredo de correspondência das p.c. são, em
última análise, os fiéis, os jornalistas e os sócios. Para V.A., os direitos das p.c. não são
verdadeiros DFs em sentido típico/próprio, mas antes DFs por extensão ou analogia.

Assim, os direitos das comissões de trabalhadores 54º, e das associações sindicais 56º,
não seriam verdadeiros direitos subjetivos fundamentais, devendo ser equiparados
a garantias institucionais.
Para Gomes Canotilho, a construção de V.A. contraria a letra da lei fundamental,
sendo constitucionalmente desadequada.
Importa agora analisar a questão do eventual gozo de DF por parte de PCPs

Em termos históricos, os DF aparecem para defesa da dignidade humana contra os


poderes públicos e assim parece que não se justificaria falar-se em DF de PCPs

No entanto, para além deste entendimento já ter sido ultrapassado, acresce que há PCs,
não obstante públicas, que se encontram em situação de sujeição ou subordinação perante
o Estado ou outros entes públicos. Exemplo:

➢ Universidades públicas e empresas públicas de comunicação social (agências


noticiosas ou serviços de radiodifusão e de televisão - RTP).

A liberdade de expressão e de imprensa através da rádio e da televisão, mesmo quando


estas são públicas, pode ser encarada como um DF a fim de assegurar também o
pluralismo.

Com efeito, pode-se argumentar que se visa também proteger, em última linha,
interesses humanos individuais no sentido de ter como função proteger ou promover
a liberdade e a dignidade das pessoas.

Para Gomes Canotilho a autonomia pública 76º/2 representa também um DF

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3) Posições jurídicas universais

É preciso fazer referência 15º. O /1 consagra uma regra geral de equiparação entre
cidadãos portugueses e estrangeiros. Apesar dessa regra geral de inclusão dos
estrangeiros, existem exceções constitucionais quanto ao exercício de certos direitos por
parte destes.

É o caso dos direitos políticos que são, em p/o, reservados aos cidadãos portugueses /2
– recurso a conceito indeterminado, ficando por esclarecer, p. ex., se só os cidadãos
portugueses é que poderão apresentar queixas ao Provedor de Justiça nos termos do 23º/1,
e tb se só estes é que beneficiam do dto de petição previsto no 52º

No âmbito dos estrangeiros, a CRP diferencia consoante estes sejam dos países da CPLP
ou da UE.

Aos estrangeiros oriundos da CPLP são conferidos, nos termos da lei e em condições de
reciprocidade, direitos não atribuídos aos demais estrangeiros /3

Aos estrangeiros oriundos da UE residentes em Portugal poderão também ser atribuídos,


desde que em regime de reciprocidade, o direito de elegerem e serem eleitos deputados
ao PE /5

Parece igualmente que os direitos de não expulsão 33º/1 e de não extradição 33º/3
ficariam reservados a portugueses, bem como o direito de requerer habeas corpus para
outrem 31º/2

Decorre do 33º/2 que caberá à lei ordinária reservar determinados direitos


exclusivamente a portugueses

Importa, no entanto, realçar que leis desse teor devem ser consideradas verdadeiras
leis restritivas e, por conseguinte, sujeitas às condições estabelecidas no 18º/2/3

Reservar por via legislativa certos dts a cidadãos pts, só se justifica desde que haja um
valor constitucional que o justifique, devendo também haver respeito pelos p/os da
universalidade e da proporcionalidade

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Se o Governo não fixasse os limites da duração de trabalho, estaria a ser violado um DF
dos trabalhadores, designadamente o direito ao repouso e a um limite máximo da jornada
de trabalho 59/1/d/2/b.

Não foi isso que sucedeu quando o Governo fixou em 8h o limite máximo da jornada de
trabalho dos funcionários públicos – Não se tratou de uma lei restritiva, mas, mesmo que
o fosse, ainda assim poderia ser considerada constitucional se verificados os pressupostos
do 18º/1/2/3

Importa, por último, referir que há direitos próprios dos estrangeiros, nomeadamente o
direito de asilo e os direitos processuais ligados à expulsão 33º/2 e à extradição 33º/4

4) Posição juridica fundamental

Os DF podem não estar enumerados na Constituição, mas que nem por isso deixam de o
ser do ponto de vista material, se tratarem de matérias referentes a DLG, ainda que através
de aplicação analógica 16º/1 17º

Regime jurídico específico dos DLG

O regime jurídico dos DLG pode ser analisado sob um ponto de vista substancial e
orgânico.

➢ Orgânico – importa salientar a reserva de competência legislativa da AR:


➔ Reserva relativa de competência 165/1/b

Isto significa que, no respeitante a DLG, para o Gov poder legislar sobre a matéria, carece
de uma lei de autorização da AR.

Uma lei de autorização permite a intervenção no oj apenas para matérias da reserva


relativa da AR.

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Embora a reserva legislativa parlamentar seja, em geral, uma reserva relativa, acaba por
ser de reserva absoluta da AR legislar sobre os seguintes aspetos da matéria de DLG:
164º:
1- direito de voto a)
2- suspensão de direitos e)
3- direito de associação política h)
4- restrição ao exercício de dts por militares agentes militarizados e dos serviços e forças
de segurança o)

Os DF podem não estar enumerados na CRP, mas nem por isso deixam de o ser se, do
ponto de vista material, versarem sobre matérias referentes a DLG, ainda que através de
app analógica 16º/1 17º

JIC (Juiz de Instrução


Criminal)

Ministério Trib.Inst.Criminal Recurso (Trib. Relação)


Público

Acusa Pronúncia Não

Acusa Não Pronúncia Sim (Paulo Pedroso – Casa Pia)


Prisão Preventiva Não há matéria para Confirmou a não pron
úncia
Propõe 21/5/2003 ir a julgamento

Princípio da Aplicabilidade Directa

Regime jurídico próprio dos DLG 18º

Com base na violação de um DF, Dr. Paulo Pedroso pediu uma indemnização ao Estado
27º/5
Atualmente existe a Lei 67/2007, de 31/12, designadamente o 13º.
Mesmo na falta de lei, caberia ao juiz colmatar tal, aplicando o preceito constitucional, ex
vi 8º CC

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O princípio da aplicabilidade direta dos DF pode ser encarado em duas situações:

a) Quando há falta ou insuficiência de lei

b) Quando existe uma lei que regula o exercício de direitos

a) Aplicabilidade direta # exequibilidade imediata


Aplicabilidade direta = exequibilidade potencial das normas constitucionais.

Muitas vezes os preceitos constitucionais utilizam conceitos indeterminados (integridade


moral, bom nome, justa causa, etc.), cabendo aos juízes concretizarem o respetivo
conteúdo por via interpretativa 9º CC

Acresce que existem DF aos quais corresponde uma abstenção do Estado, p. ex., dts e libs
pessoais – os dts à vida, à integridade moral e física, à liberdade e à segurança, à liberdade
de consciência, de expressão ou artística.

Nestes casos, poderá não haver necessidade de uma intervenção legislativa e, assim, os
poderes públicos não podem invocar a falta de regulamentação legal para proibir ou
recusar o exercício desses direitos.
Nestas situações, os preceitos constitucionais podem ser considerados imediatamente
exequíveis, isto é, os respetivos direitos podem ser exercidos mesmo que não exista uma
intervenção legislativa prévia.
Não há aqui necessidade de remeter para a capacidade técnica do legislador.

O problema ocorre quando o exercício dos DLG está dependente de uma regulamentação
complementar, de uma organização ou de um procedimento, p. ex., o exercício do direito
de voto está dependente de uma regulamentação relativa à organização do processo
eleitoral.
Nestas hipóteses, a aplicabilidade direta significa dever de intervenção legislativa.
Mesmo que esta não existisse, ainda assim teria sentido o carácter diretamente aplicável
dos preceitos constitucionais, uma vez que o juiz poderia declarar a existência, o conteúdo
e os limites do direito individual – 8º CC
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b) No caso de haver uma lei que regulamente o exercício de direitos

Na nossa oj, qd os juízes têm dúvidas sobre a constitucionalidade de uma lei, não têm de
suspender a instância e esperar por uma decisão do T.C. – sistema difuso (o que sucede
noutros países que têm um sistema de controle concentrado, tal como a França).
Sempre que concluírem pela inconstitucionalidade de uma lei, os juízes portugueses
podem e devem aplicar os preceitos constitucionais contra a lei e em vez da lei – é o que
decorre do 204º
Nem sequer é preciso que a questão da constitucionalidade de uma lei seja suscitada pelas
partes, os juízes têm de a apreciar oficiosamente (ex officio) – nesses casos, há recurso
obrigatório do MP 280º/3 para o TC, que terá de se pronunciar sobre a questão.

A questão é mais complexa quanto à Administração.


Será que os órgãos administrativos poderão não aplicar uma lei quando a considerarem
inconstitucional?
Trata-se de um problema de mais difícil resolução, porquanto a AP está vinculada ao p/o
da legalidade 266º/2, não lhe sendo reconhecida competência específica para a
fiscalização da constitucionalidade das leis.
Assim, surgem várias opiniões.
1- Há quem sustente que a AP teria de aplicar sempre a lei, não podendo sequer
comprovar a sua constitucionalidade.
2- Para outros, a AP, apesar de não ter poderes para não aplicar as leis que considere
inconstitucionais, sendo responsável pela juridicidade da sua atuação, poderá
suspender a sua atividade de aplicação da norma legal, esperando a decisão do
caso pela instância fiscalizadora competente.
O órgão administrativo poderia comunicar as suas dúvidas ao superior se estivesse
hierarquicamente subordinado, ou colocar a questão ao Governo, se fosse um órgão
autárquico.
Se isso implicasse a suspensão da aplicação da lei, só poderia fazê-lo se não fosse contra
o interesse público, nem prejudicasse direitos individuais 266º/1

Se a suspensão não fosse possível, teria de haver uma opção entre aplicar ou não

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Aqui há uma doutrina que defende que a AP não deveria aplicar a lei se a
inconstitucionalidade fosse evidente. Trata-se da teoria da evidência.
Para esta, se a inconstitucionalidade for evidente, deve prevalecer o p/o da vinculação
constitucional direta das autoridades administrativas 18º/1
Imaginemos que, numa situação de estado de emergência, é emanado um diploma
normativo proibindo a reunião de pessoas, ainda que motivada por razões religiosas.
Dessa forma, era limitado o exercício da liberdade de culto religioso previsto no 41º/4
Qual seria a validade de uma lei desse teor?

De acordo com a teoria da evidência, a afetação de qualquer um dos direitos previstos no


19º/6, na vigência ou, por maioria de razão, fora da vigência do estado de sítio, implica a
nulidade/inexistência do ato legislativo violador. No fundo o que está aqui em causa é o
seguinte:
➢ Por um lado, o princípio da legalidade da Administração 266º/2 e,
➢ Por outro, o p/o da constitucionalidade 3º/2 e o carácter diretamente aplicável dos
preceitos relativos aos DLG 18º.
➢ Por outro lado, é certo que a concessão ao poder administrativo de uma competência
genérica de desaplicação das leis com fundamento na inconstitucionalidade, poderá
levar a uma anarquia administrativa, desequilibrando o princípio da separação de
poderes 111º
➢ Por outro, também não é adequado amarrar a Administração a uma obediência cega à
lei, estabelecendo uma presunção absoluta da constitucionalidade desta (da lei) como
se a Administração fosse um poder nulo.

A solução do conflito entre os dois princípios referidos passa pelo recurso ao critério da
proporcionalidade. É neste contexto que surge a teoria da evidência.
Esta postula a prevalência da vinculação constitucional das entidades administrativas
quando está em causa uma inconstitucionalidade que acarreta a
nulidade/inexistência de uma determinada lei.
Na verdade, não haveria em rigor um conflito, porque a lei não existiria e, assim, não
produziria efeitos, e não vincularia a Administração.
Seria o caso, por exemplo, de uma lei que proibisse as cerimónias e o culto religioso por
parte da IURD (Igreja Universal do Reino de Deus).

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No entanto, tudo indica que não deva admitir-se a desaplicação de uma lei pelos órgãos
administrativos quando esta já tiver sido apreciada pelo TC, e este não se tenha
pronunciado pela respetiva inconstitucionalidade.

O 16/2 CRP consagra uma conceção duplamente jusnaturalista e universalista dos

DHs

Os DF podem ser encarados sob duas perspectivas, designadamente:

I- Jusnaturalista/filosófica – os DF são naturais do ser humano, independentemente

de factores temporais ou geográficos

Parte da ideia de que há DFs que decorrem da própria natureza humana, nomeadamente,

da dignidade e igualdade dos homens.

Em termos históricos, foi o Cristianismo que veio desenvolver o conceito de dignidade

humana.

Assumiu, na época, uma postura revolucionária na medida em que condenava a

escravatura com base na ideia de que, enquanto filhos de Deus, todos os seres humanos

eram iguais em dignidade, sem distinção de raça ou cultura.

Nesta medida veio revolucionar o status quo existente.

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No entanto, o ser humano participava do divino através da razão, a qual, iluminada, era

completada pela fé.

Assim, os dts do ser humano n eram ainda dts subjetivos em toda a sua plenitude.

➢ Era preciso

➔ “desprovidencializar” a justiça no dto, i.e., que o indivíduo fosse ele próprio ponto

de partida autónomo da ordem social e política

➔ afirmar a primazia do individuo sobre o Estado, construído contratualmente com

base nas liberdades políticas individuais.

A construção contratual do Estado remonta a Locke e Rousseau.

De acordo com esta perspectiva jusnaturalista, os DF eram considerados absolutos,

imutáveis e intemporais.

Na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, consideram-se dts

naturais e imprescritíveis a liberdade, segurança, propriedade e resistência à

opressão.

Considerou também que toda a sociedade em que não estivesse garantida a separação de

poderes, nem assegurada a garantia dos DFs, não teria Constituição (art. 16º)

A separação de poderes apresentava-se como instrumento de limitação da soberania.

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As primeiras declarações de direitos remontam a 1776 com as declarações de

Virgínia, Maryland e Pennsylvania e, mais tarde, com a já referida Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.

Importa referir que as declarações de direitos americanas se referem a direitos do homem,

mas neste conceito não eram incluídos na altura os escravos, as mulheres e os criados

(havia ainda escravatura nos EUA)

II- Universalista/internacionalista – são considerados dts essenciais num

determinado tempo e, pelo menos, nas grandes regiões do mundo.

Esta conceção dos DF remonta ao final da 2ª guerra, na sequência das violações dos DHs

ocorridas anteriormente.

A Carta da Nações Unidas foi elaborada em S. Francisco, em 1945.

O seu capítulo 7.º regulamenta as condições em que é legítimo o uso da força,

encontrando-se qualquer resolução do Conselho de Segurança deste dependente, do efeito

paralisante decorrente do eventual exercício do direito de veto por parte de um dos 5

membros permanentes do Conselho de Segurança

A DUDH foi assinada em Paris em 1948 com 48 votos a favor, sem votos contra, mas

com 8 abstenções (URSS, Polónia, Ucrânia, Bielorrússia, Checoslováquia, Iugoslávia,

África do Sul e Arábia Saudita).

Em 1966 foram assinados os pactos sobre Direitos Cívicos e Políticos e sobre Direitos

Económicos, Sociais e Culturais, ambos em vigor desde 1976.

Os EUA só há bem pouco tempo ratificaram o 1º, não o tendo feito relativamente ao 2º.

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De acordo com o 14.º do Pacto sobre Dtos Cívicos e Políticos todas as pessoas têm o dto

a que a sua causa ou pretensão seja apreciada por um órgão jurisdicional independente.

Fazer depender a entrada de um estrangeiro no respectivo território da renúncia ao foro

poderá ser interpretado como uma violação do mencionado art.º 14º. No entanto, isto

acontece com a entrada de estrangeiros nos EUA.

Ainda antes da DUDH, em 1948 os Estados Americanos tinham elaborado a Convenção

Americana assinada em 1969 em São José (capital da Costa Rica) que, no entanto, só

entrou em vigor em 1978.

A importância desta Convenção é muito relativa porquanto ainda não foi ratificada

pelos EUA, Canadá e Cuba e só na década de 90 é que o foi pela Argentina e Brasil.

A nível europeu:

No âmbito do Conselho da Europa importa referir a CEDH (Convenção Europeia dos

Direitos Humanos) de 1950, em vigor desde 1953 e actualmente ratificada por todos os

46 Estados membros do Conselho da Europa (excluindo atualmente a Rússia).

Portugal tem sido várias vezes condenado por violação da CEDH, designadamente do seu

6.º

Provavelmente preocupado com esta realidad e, o legislador constituinte (Assembleia

Constituinte), na revisão constitucional de 1997, resolveu aditar o 20/4 da CRP que

reproduz o art.º 6.º da CEDH.

Este reforço constitucional é desnecessário porquanto o 6.º da CEDH já vigorava na

nossa ordem jurídica interna em face dos 8º/2 e 16/1 CRP.

No âmbito da UE (27 Estados) importa referir a CDFUE de 2001.

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Em face do exposto, poderemos falar da existência de verdadeiros DF internacionais?

Isto depende de saber:

i. Se os indivíduos serão, eles próprios, sujeitos imediatos de Dto Internacional, por

exemplo, se são titulares dos DF previstos nas Convenções internacionais

ii. Se os poderão invocar junto de instâncias internacionais

iii. Até que ponto existe protecção jurídico-internacional dos DF internacionalmente

reconhecidos.

Por mt tempo, o Direito Internacional era dominado pelo p/o da não ingerência ou

domestic affair e as pessoas eram protegidas além-fronteiras pela proteção diplomática,

ou através de acordos inter-estaduais.

A situação dos indivíduos era definida e protegida pelo Estado da nacionalidade ou

residência, e sem que os outros Estados tivessem legitimidade para intervir.

Este entendimento foi sendo progressivamente ultrapassado, alargando-se a esfera de

relevância internacional e consagrando-se a ideia de que o gozo efectivo de certos DF

pelos cidadãos de todos os Estados é uma questão de Direito Internacional.

O p/o que hoje se afirma no contexto internacional, relativamente aos DHs, é o do

international concern.

Nesse sentido, o TIJ declarou ser obrigação de cada Estado, relativamente aos

demais, o respeito pelos princípios relativos aos DF da pessoa humana.

DOMESTIC AFFAIR INTERNATIONAL CONCERN

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Neste contexto, apesar da DUDH ser, do ponto de vista jurídico formal, uma mera

Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas sem carácter vinculativo, muitos

autores reconhecem a alguns dos seus preceitos o valor de jus cogens – Direito

Internacional imperativo.

Os indivíduos são sujeitos de direito internacional convencional, isto é, os Estados

signatários das Convenções comprometeram-se perante os outros Estados a assegurar, na

respectiva ordem interna, determinados dts aos seus cidadãos (ex: o dto a que uma causa

seja decidida num prazo razoável prevista no art.º 6.º da CEDH), então, coloca-se o

problema era saber se também seriam sujeitos de DI comum

A mudança que ocorreu na soc internacional foi a favor da universalização da ideia

dos dtos do homem.

Nesse sentido, foram criados vários tribunais internacionais para julgamento de

crimes contra a paz e a humanidade (carater ad hoc), como, por ex, os tribunais penais

internacionais para, p. ex., Jugoslávia e Ruanda.

Foi manifesta a vontade no sentido da repressão do tráfico de pessoas, proibição de

genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra.

Para além destes tribunais, foi criado o TPI, com carácter permanente, tendo o Estatuto

de Roma do TPI entrado em vigor em julho de 2002.

Pela primeira vez na história de um tribunal penal internacional:

I. as vítimas de crimes podem fazer-se representar em juízo peticionando

indemnizações a cargo de um fundo especial para o efeito (Trust Fund)

16
II. foi criado um Gabinete de Apoio Judiciário às Vítimas (Office of Public Counsel

for the Victims)

Independentemente de isto poder ser interpretado como uma visão restaurativa da

justiça, em vez de retributiva, agora já não restam dúvidas que os indivíduos são

também sujeitos de DI comum.

As normas internacionais relativas a DF valem na nossa oj interna por força dos:

I. 8.º que consagra uma cláusula de recepção plena do Direito Internacional geral

e convencional

II. 16º/1 que estabelece que os DF constitucionalmente protegidos podem também

ter como fonte as regras e os princípios de Direito Internacional

III. 16º/2, porquanto a DUDH intervém igualmente na interp dos preceitos internos

relativos aos DF.

Assim, a DUDH faz parte integrante da Constituição material portuguesa e os seus

princípios estendem a sua influência a todas as normas constitucionais e a toda a

ordem jurídica interna portuguesa.

Nesse sentido se compreende a afirmação de Jorge Miranda, para quem o 16º/2 consagra

uma conceção duplamente jusnaturalista e universalista dos DF.

Com efeito, a nossa Constituição, ao confiar à DUDH um papel de relevo na interpretação

e integração dos preceitos relativos aos DF, proclama a subordinação do catálogo interno

de DF a um princípio de valor que transcende a vontade política dos Estados: “a

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dignidade e o valor da pessoa humana”. Assim, o valor da pessoa humana apresenta-

se como o referente necessário para a compreensão dos preceitos relativos aos DF.

O 16/1 CRP consagra o princípio de cláusula aberta dos DFs:

Ao contrário do que sucede com o Dto Penal, em que vigora o princípio da tipicidade

(nullum crimen sine lege – 29º/1 CRP), no que diz respeito aos DF, vigora o princípio

oposto, i.e., o de cláusula aberta, da não tipicidade ou da não enumeração taxativa.

É isto que decorre 16º/1.

O mesmo sucede com outras Constituições. Por ex, a IX Amendment à Constituição dos

EUA, q também referia que a enumeração de certos dts na Constituição não devia ser

entendida para negar ou menosprezar outros dts detidos pelo povo.

Para além dos DF previstos na CRP q sejam simultaneamente formal e materialmente

constitucionais, há DFs previstos na lei ordinária, e nas regras de DI, q são DF apenas

materialmente constitucionais, mas q, por o serem, já beneficiam do msm regime

jurídico estabelecido no 17º para os DF previstos no Título II, Parte I.

➢ Exs:

➔ Dto ao ressarcimento pelos danos sofridos, 483º CC, é um DF materialmente

constitucional, sendo apenas parcialmente protegido na CRP formal (22º), no que

diz respeito à responsabilidade das entidades públicas

➔ Dto à fundamentação do ato administrativo 152º CPA.

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➔ Enquanto estiver em causa a aplicação de sanções ou medidas equiparáveis, poderá

também entender-se que o direito dos interessados à audiência prévia (art.º 100.º

do CPA) constitui um dto fundamental contido numa lei ordinária

➔ Tb os dts de personalidade consagrados no CC nomeadamente o dto ao nome (72º),

o dto à imagem (79º), apesar de não terem estado sempre especificamente

protegidos no texto da CRP, já há muito eram considerados pela doutrina como DF

havendo, uma analogia flagrante com os dts pessoais constitucionais.

Alguns destes dts de personalidade acabaram por ser constitucionalizados pelas

sucessivas revisões constitucionais, como aconteceu com o dto à imagem na revisão de

1982 26º/1

Assim, o dto à imagem previsto no 79º CC, já era um DF antes de ter sido consagrado na

CRP

➔ Antes desta rev, era um DF apenas materialmente constitucional.

➔ Depois desta rev passa a ser um DF material e formalmente constitucional.

O dto a que determinada causa seja objeto de decisão em prazo razoável, previsto no

6º CEDH, representa um DF materialmente constitucional que, a partir da revisão

constitucional de 1997, veio a ser tb um DF formalmente constitucionalizado, em virtude

do aditamento do n.º 4 ao 20.º da CRP.

No âmbito do DI existem DF materialmente constitucionais como, p. ex., o dto ao

mínimo de existência (25º DUDH).

Em termos políticos este DF traduziu-se na opção de criar a nível nacional o RMG

(rendimento mínimo garantido), hoje RSI (rendimento social de inserção).

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A CRP está dividida em 4 partes:

Parte I (Direitos e deveres fundamentais)

Parte II (Organização económica)

Parte III (Organização do poder politico)

Parte IV (Garantia e Revisão da Constituição)

O considerado como “DFs contidos no catálogo constitucional” são os constantes do

Título II da Parte I:

Capítulo I (DLGs pessoais)

Capítulo II (DLGs de participação política)

Capítulo III (DLGs dos trabalhadores)

Há DFs formal e materialmente constitucionais que se encontram fora do catálogo, i.e.,

da Parte I, Título II da CRP. Ex: o DF de não se pagarem impostos inconstitucionais ou

ilegalmente liquidados e cobrados 103º/3

DFs contantes:

I- das leis:

➢ 483º e 70º e ss CC

➢ 100º e 152º CPA

II- das regras

de DI:

➢ 6º CEDH

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➢ 25º DUDH

DFs constantes da CRP, mas fora do catálogo:

Ex.:

i) Dts de participação política nos 122º, 124/1 239/4

ii) Dts e garantias dos administrados no 268º

iii) Dts dos funcionários públicos no 269º/2/3

Há preceitos incluídos no catálogo constitucional, ou seja, na Parte I, Título II, mas que,

todavia, não contêm matéria de DF, isto é, não são materialmente constitucionais.

Ex: os Dts de antena, de resposta e de réplica política dos partidos da oposição

parlamentar, estabelecidos no 40º/2, são de excluir da matéria dos DFs.

Com efeito, não se destina a garantir bens jurídicos pessoais, mas antes a estabelecer

normas da organização politico-democrática.

Este dto de resposta e de réplica politica, 40º/2, não se deve confundir com o dto de

resposta e de rectificação 37º/4, este, sim, um verdadeiro DF

E os dts das comissões de trabalhadores 54º/5 e das associações sindicais 56º/2

constituirão verdadeiros DFs?

A doutrina divide-se.

Para V.A., não representam verdadeiros DF, pois não estão em causa posições

subjectivas individuais fundamentais. Assim, estes preceitos visam concretizar

opções de organização económico-social:

- da empresa: 54º/5/b/e/f

- administrativa 54º/5/d e 56º/2/a

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Já para Gomes Canotilho, trata-se de verdadeiros DF, representando dts dos homens

trabalhadores.

Considera este autor que V.A., sem qualquer base constitucional, os rebaixa em nome da

“pureza” da ideia p/o da dignidade da pessoa humana, elaborando uma teoria de DFs

constitucionalmente inadequada

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