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ANNIE CARVALHO

A Relação Figura e Fundo nas Artes Visuais:


Uma Análise Perceptual.

Curitiba
2023

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Introdução:

A relação figura e fundo é uma das bases fundamentais da linguagem visual nas artes
visuais, sendo amplamente explorada por artistas para criar composições esteticamente
agradáveis e transmitir mensagens impactantes. Neste trabalho acadêmico, investigamos o
papel dessa relação na percepção do espectador e como ela contribui para a apreciação e
compreensão de uma obra de arte.
Definimos a figura como o elemento principal e ponto focal da composição, enquanto o
fundo é a área ao redor da figura que fornece contexto e espaço. A organização perceptual é
influenciada pela teoria da Gestalt, que nos leva a segmentar automaticamente elementos
visuais em figuras distintas e seus respectivos fundos com base em atributos como cor,
contraste, forma e tamanho.
Os artistas têm a capacidade de manipular a relação figura-fundo em suas obras,
utilizando contrastes, cores e técnicas de sombreamento para destacar a figura ou buscar um
equilíbrio mais harmonioso entre os elementos. Algumas obras exploram a ambiguidade figura-
fundo, desafiando o espectador a alternar percepções e descobrir significados ocultos.
A relação figura e fundo impacta diretamente a experiência do observador, transmitindo
emoções intensas ou gerando apreciação contemplativa. Além disso, essa interação pode criar
uma sensação de profundidade e espaço tridimensional na obra de arte, envolvendo o
espectador de forma mais imersiva.
Em suma, a relação figura e fundo desempenha um papel essencial na apreciação da
arte, influenciando a percepção e interpretação do observador, e conferindo um significado e
dinamismo distintos às composições artísticas.

Edgar John Rubin, psicólogo dinamarquês, é conhecido por suas contribuições na


psicologia da percepção, especialmente pela teoria figura-fundo, exemplificada pelo "Vaso de
Rubin". Nesta ilustração, a percepção varia dependendo se o branco é interpretado como figura
(vaso) ou o preto como figura (dois rostos). A maioria das pessoas é capaz de alternar entre as
percepções do vaso e dos rostos. O conceito de relação figura e fundo é essencial na percepção
visual humana e tem um impacto significativo nas imagens.

A percepção de um objeto é mais clara e nítida quando se destaca contrastando com um fundo
indefinido. A segregação figura-fundo ocorre em diferentes planos do campo visual, onde o que
é figura em um plano pode se tornar fundo de outra figura em outro plano, criando um jogo de
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escalas visual.

Edgar John Rubin “Vaso de Rubin” que ele


originalmente apresentou em sua tese de doutorado em
1915.

Alguns artistas se especializaram na produção de composições que utilizam o conceito


de formas ambíguas. As figuras representadas podem sugerir dupla interpretação, usando e
abusando dos efeitos de ilusão de ótica, ou ainda, num olhar mais atento, apresentar imagens
subliminares.

Salvador Dalí, o proeminente artista surrealista espanhol, demonstrou habilidade


excepcional em explorar a relação figura e fundo em suas obras de arte. Sua capacidade de
manipular elementos visuais e criar composições surpreendentes permitiu-lhe transcender as
fronteiras da realidade, apresentando ao espectador uma realidade distorcida e onírica. Em suas
pinturas, Dalí frequentemente incorpora formas e objetos reconhecíveis em cenários estranhos e
imaginativos, desafiando a interpretação do espectador e apresentando uma relação figura e
fundo ambígua. A fusão e transformação das fronteiras entre figura e fundo tornam-se
elementos distintivos de suas obras surrealistas.

Uma das características marcantes do trabalho de Dalí é a sua habilidade em usar a


técnica do duplo significado, onde uma figura pode ser vista tanto como um objeto conhecido

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quanto como parte de um contexto mais amplo e simbólico. Essa ambiguidade cria uma tensão
visual que instiga a mente do observador, levando-o a uma jornada de interpretação pessoal.

Salvador Dalí, empregava técnicas de ilusão ótica e perspectiva distorcida em suas


pinturas, criando figuras que se transformam em fundo e vice-versa. A sobreposição de
imagens proporcionava uma sensação de profundidade psicológica, levando o espectador a uma
experiência surreal de desconstrução e reconstrução da realidade. A presença de simbologia
rica adicionava camadas de significados às obras, convidando o observador a explorar o
inconsciente e desvendar novas interpretações das figuras retratadas.

Em suma, Salvador Dalí foi um mestre em manipular a relação figura-fundo, desafiando


a percepção do espectador e explorando os limites da realidade e da imaginação, estabelecendo-
se como um influente artista surrealista. Salvador Dalí produziu uma série de obras de arte que
exemplificam a relação figura e fundo de forma notável. Vamos explorar algumas delas:

O Rosto de Mae West (1935):

"O Rosto de Mae West" é uma icônica instalação criada por Salvador Dalí em 1935,
parte da série "Ambientes Surrealistas" ou "Células". Nessa obra, Dalí combina objetos e
elementos arquitetônicos para criar a ilusão do rosto da atriz Mae West. Através da disposição
cuidadosa de móveis, como um sofá, uma lareira e uma porta, o ambiente se transforma em
uma representação do rosto da atriz.

(de Salvador Dalí, O rosto de Mae West)

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Essa abordagem inovadora de Dalí desafia a percepção convencional e proporciona uma
experiência artística envolvente e surreal. A obra continua a intrigar e inspirar amantes da arte
até os dias atuais, representando um dos marcos significativos do surrealismo no século XX.

Galatea das Esferas" é uma obra-prima do célebre artista surrealista Salvador Dalí,
criada em 1952. Essa pintura exemplifica de maneira notável a abordagem única de Dalí em
explorar a relação figura e fundo, levando o observador a uma jornada de interpretação e
imersão no mundo onírico do artista.

Galatea das Esferas (1952):

“Galatea of the Spheres” de Salvador Dali

Em "Galatea das Esferas", Salvador Dalí retrata a figura central de Galatea envolta por
esferas flutuantes em diferentes tamanhos. A relação figura e fundo é marcada pela fusão e
integração das esferas com a figura de Galatea, criando uma simbiose visual entre os
elementos. Essa combinação de elementos simbólicos e estéticos enriquece a experiência
estética da obra, convidando o espectador a refletir sobre a complexidade da existência humana
e do mundo que nos rodeia. A obra demonstra a genialidade de Dalí em criar uma composição

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dinâmica e envolvente, transcendendo as fronteiras da realidade objetiva através do surrealismo
e do simbolismo.

Essas são apenas algumas das muitas obras de Salvador Dalí que exemplificam sua
maestria em explorar a relação figura e fundo. Sua abordagem inovadora e sua capacidade de
desafiar a percepção tradicional contribuíram para a criação de um legado artístico
impressionante que continua a inspirar e fascinar o mundo da arte até os dias atuais.

Outro artista muito importante com sua estética impecável, foi Maurits Cornelis Escher,
conhecido como M.C. Escher, foi um artista gráfico holandês famoso por suas obras que
exploram a relação figura e fundo de forma intrigante e inovadora. Suas ilusões óticas, imagens
impossíveis e padrões geométricos desafiam a percepção e a lógica, tornando-o um dos artistas
mais reconhecidos do século XX. Escher era hábil em criar imagens que se transformam entre
figura e fundo de forma fluida, usando padrões intricados para confundir o observador. Suas
famosas "impossibilidades" desafiam as leis da perspectiva e gravidade, criando ilusões
desconcertantes. Além disso, Escher explorou a tesselação, criando uma relação complexa entre
figuras individuais e o fundo circundante. Sua arte revolucionou a perspectiva, representando
efeitos atípicos em uma simples superfície bidimensional. Em suma, M.C. Escher foi um
mestre em desafiar a percepção, criando imagens intrigantes que transcendem a realidade
objetiva.

Uma das características marcantes do trabalho de Escher é sua habilidade em criar


imagens que se transformam entre figura e fundo de forma fluida e contínua. Suas obras
frequentemente apresentam padrões intricados e detalhados, onde figuras geométricas, animais
e objetos são dispostos de maneira a confundir o observador sobre o que é figura e o que é
fundo.

Escher, revolucionou a noção clássica de perspectiva através da técnica de litografia. Essa


técnica consiste em desenhar com materiais gordurosos sobre uma base de calcário especial,
submetendo-a a um processo de entintagem e impressão em uma prensa litográfica. Através dessa
técnica, Escher criou imagens com efeitos atípicos, figuras e combinações impossíveis de existir
em um espaço real. Sua arte focava na ilusão e na possibilidade de representar efeitos fora do
comum em uma simples folha bidimensional.

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A obra "Relatividade" é uma litografia criada por Maurits Cornelis Escher em 1953. Nesta
composição, Escher apresenta uma cena altamente intrigante e ilusória, característica de seu estilo
único de arte. A imagem retrata um complexo arquitetônico que desafia as leis da gravidade e da
perspectiva, criando uma paisagem surreal e aparentemente impossível.

Relatividade, litografia, 1953, 28 x 29cm

A obra de M.C. Escher apresenta três diferentes planos de gravidade coexistindo


simultaneamente, com escadas e plataformas conectando-se em direções distintas, causando
desorientação ao observador. Figuras humanas vestindo trajes medievais percorrem esses
caminhos intrincados, adicionando um elemento de narrativa e movimento à composição. A
interação peculiar entre as figuras e o ambiente arquitetônico confunde a distinção entre figura e
fundo, tornando a estrutura tanto a figura central quanto o cenário de fundo."Relatividade" é uma
reflexão magistral da habilidade de Escher em criar ilusões óticas e composições que desafiam a
percepção convencional. A imagem convida o espectador a questionar a lógica da realidade
representada, enquanto explora o conceito de perspectiva múltipla e ilusão visual. Essa obra-prima
surrealista continua a fascinar e intrigar amantes da arte e estudiosos das artes visuais,
permanecendo como uma das obras mais icônicas de Maurits Cornelis Escher.

A Obra "Dia e Noite" é uma gravura criada por M.C. Escher em 1938. A obra apresenta
uma paisagem rural composta por campos arados e céu estrelado. O interessante dessa gravura é a
utilização criativa do conceito de tesselação, onde pássaros voando se transformam em parte da
terra arada, criando uma ilusão de continuidade e interconexão entre os elementos da composição.
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O lado esquerdo da gravura retrata o cenário durante o dia, com campos verdes e pássaros brancos
voando. O lado direito mostra a mesma paisagem durante a noite, com campos escuros e pássaros
pretos

“Dia e noite", 1938. Créditos: © The M.C. Escher Company B.V. Baarn, The Netherlands.

voando. A transição suave entre o dia e a noite, juntamente com a simetria e a repetição de
padrões, confere à obra um caráter hipnótico e fascinante. "Dia e Noite" é um exemplo notável da
habilidade de Escher em criar ilusões óticas intrigantes e composições geométricas complexas.

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Atividade Relação Figura e Fundo

A proposta é conduzir uma atividade de apreciação e criação artística que explore a relação
figura e fundo em sala de aula. A atividade será dividida em duas etapas: a primeira focada na
análise de obras de arte e a segunda na criação de composições artísticas pelos alunos.

Etapa de Análise de Obras de Arte:

 Apresentar aos alunos uma seleção de pinturas, ilustrações ou fotografias que


apresentem a relação figura e fundo de forma interessante e ambígua.

 Incentivar os alunos a observarem atentamente as imagens, identificando a figura


principal e analisando como ela interage com o fundo.

 Estimular a discussão em sala de aula sobre a percepção visual, a ambiguidade e os


efeitos criados pela relação figura e fundo nas obras de arte apresentadas.

 Questionar os alunos sobre as emoções ou sensações que as imagens despertam e


como a relação figura e fundo contribui para essas percepções.

Etapa de Criação Artística:

 Propor aos alunos que criem suas próprias composições artísticas explorando a
relação figura e fundo de forma criativa.

 Eles podem utilizar diferentes técnicas, como desenho, pintura, colagem ou


fotografia, para criar suas obras.

 Incentivar os alunos a experimentarem com elementos visuais, perspectivas, formas


e padrões para criar ambiguidades e interações interessantes entre figura e fundo.

 Destacar a importância da criatividade e da liberdade artística na criação das


composições.

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Reflexão:

A atividade de explorar a relação figura e fundo oferece uma oportunidade valiosa para os
alunos desenvolverem sua percepção visual, imaginação e pensamento crítico. Ao analisar obras
de arte, eles são incentivados a ir além da superfície visual e a compreender como a composição e
a interação entre figura e fundo contribuem para a expressão artística.

A criação artística também é uma oportunidade para os alunos expressarem suas ideias e
emoções de forma visual. A liberdade de experimentar com elementos visuais permite que eles
explorem sua criatividade e descubram novas formas de se comunicar através da arte.

Além disso, a atividade pode levar os alunos a refletirem sobre a percepção subjetiva da
realidade e como a arte pode desafiar as convenções visuais. Ao experimentarem com
ambiguidades e ilusões óticas, eles compreendem que a arte tem o poder de alterar a maneira
como percebemos o mundo ao nosso redor.

Por fim, a atividade também incentiva os alunos a apreciarem a diversidade de expressões


artísticas e a compreenderem a importância da interpretação individual na apreciação da arte. A
relação figura e fundo se torna um veículo para explorar a criatividade, a sensibilidade estética e a
profundidade da experiência artística, enriquecendo a jornada de aprendizado e apreciação das
artes visuais.

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Bibliografia

ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. São Paulo:
Pioneira Editora, 1995. (páginas 209 a 230)

FILARDI, Sandra. A relação figura e o fundo: estética e ideologia. Disponível em:


http://sandrafilardi.com.br/a-relacao-figura-e-fundo/, Acesso em:23 jul 2023.

Texto escrito e/ou traduzido e/ou adaptado ©Arteeblog: Análise de “Hand with Reflecting
Sphere” de M. C. Escher. Disponível em: https://www.arteeblog.com/2016/06/analise-de-hand-
with-reflecting-sphere.html, Acesso em 24 jul 2023

Belas Artes por Mazé Leite, São Paulo, Brasil : A estranha perspectiva de Maurits Cornelis
Escher. Disponível em: http://artemazeh.blogspot.com/2011/05/estranha-perspectiva-de-
maurits.html, Acesso em: 24 jul 2023

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