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Utilização de enzimas na cozinha: sua aplicação

Curso Ciências da Nutrição

Bioquímica dos Alimentos


Prof. Dra. Maria Leonor Silva

Trabalho realizado por:

Assunção Soares

Carlota Alves

Luísa Mariz

Mariana Tilley

Margarida Bento

Ano letivo 2020/2021


Introdução

Quimicamente, conhecemos as enzimas como proteínas globulares, com estrutura


terciária, que possuem uma região designada de “centro ativo”, que se liga ao substrato, e
apresentam um elevado grau de especificidade (catalisando apenas um determinado tipo de
reação bioquímica) que resulta da conformação tridimensional destas, particularmente da
compatibilidade entre a forma do centro ativo e a do substrato. São substâncias sólidas e, com
algumas exceções, são solúveis em água e álcool diluído, e por isso, classificadas em seis
principais classes: oxidoredutases, transferases, hidrolases, liases, isomerases e ligases.

As reações enzimáticas ocorrem não só num alimento natural, mas também durante o
seu processamento e armazenamento. Por exemplo, as oxidoredutases são enzimas
relacionadas com as reações de oxidação-redução e portanto, com os processos de respiração
e fermentação. Já as transferases são enzimas que catalisam a transferência de grupos de um
composto para outro, as hidrolases hidrolisam um grande número de ésteres e as isomerases
catalisam reações de isomerização. Por último, as ligases causam a degradação da molécula de
ATP, usando a energia libertada nesta reação para a síntese de novos compostos e as esterases
hidrolisam as ligações éster e formam ácidos e álcool, podendo também hidrolisar triglicéridos.

É importante salientar que a atividade enzimática e a velocidade de reação são


condicionadas por diversos fatores como a temperatura, o pH, concentração da enzima e a
concentração do substrato, tendo, cada enzima um valor de temperatura e pH ótimo para a sua
atuação. A desestabilização destes fatores resulta na desintegração da estrutura globular, como
é o caso da desnaturação, um processo irreversível. Todos estes fatores são fundamentais
quando se recorre à aplicação das enzimas no âmbito culinário, sabendo, à priori, que o ser
humano, desde muito cedo, recorre à ação de microrganismos para a obtenção e transformação
de alimentos, através da fermentação para a produção de pão ou a transformação do sumo de
uva em vinho, do leite em queijo, entre outros.

Estes processos químicos mediados por microrganismos têm vindo a demonstrar


potencialidades para a indústria alimentar, uma vez que podem ser manuseados de forma a
produzir determinadas substâncias como aditivos alimentares, no sentido de melhorar a
aparência, o sabor, a consistência ou as propriedades de conservação dos alimentos.

Atualmente, a indústria alimentar recorre amplamente à utilização de enzimas, que


apresentam, através do seu mecanismo de ação, resultados importantes na formação e
desenvolvimento de produtos alimentares. No desenvolver deste trabalho, propõe-se a
apresentação de algumas enzimas essenciais aos processos culinários e os seus mecanismos
de ação, assim como as respetivas vantagens da óptica da indústria e do consumidor.
Importância das enzimas na produção dos alimentos

As enzimas podem favorecer ou modificar as propriedades funcionais e sensoriais dos


géneros alimentícios e dos seus componentes. Podem ser obtidas por extração, a partir de
plantas e animais ou a partir dos processos fermentativos dos microrganismos, sendo estas
as enzimas mais utilizadas pela indústria alimentar, por serem mais estáveis que as enzimas
de génese animal e vegetal. Apresentam inúmeras vantagens pela sua prática, rápida e fácil
aplicação, num processo cuja relação custo-eficiência é igualmente favorável.

O quadro seguinte resume algumas das aplicações das enzimas mais utilizadas na
indústria alimentar:

ENZIMA ORIGEM APLICAÇÕES


Tripsina Pâncreas animal Tenderização da carne
(bovino/suíno) Clarificação da cerveja
Lipase/ esterase Pâncreas animal Alteração de sabor em produtos
lácteos
Modificação da função gordurosa por
interesterificação
Pepsina Estômago de ruminantes Tenderização da carne
Fabrico de cerveja
Cardosinas Cardo (plantas) Fabrico de queijo
Papaína Papaia Tenderização de carne
Clarificação de cerveja
Diastase Cevada/malte Fabrico de xarope edulcorante
Suplemento para pão
Ficina Figo Tenderização de carne
Clarificação de cerveja
Amiloglucosidase Rhizopus niveus Fabrico de glicose
Aspergillus niger
Glucose oxidase Aspergillus niger Fabrico de ovo desidratado
Catalase Candida sp. Esterilização do leite
Aspergillus niger
Renina Mucor sp. Fabrico de queijo
Aspergillus niger
Invertase Saccharomyces Pastelaria
cerevisiae Fabrico de chocolate

1 Lima & Mota, abril (2003), Biotecnologia, Lidel


Para além destas enzimas, referenciamos ainda outras com igual importância em
processos de fabrico e desenvolvimento de géneros alimentícios semelhantes - os produtos
lácteos, os xaropes, os produtos de panificação e as bebidas alcoólicas -, e os respetivos
meios de atuação:

Celulases

A síntese industrial de celulases é feita principalmente a partir de bactérias (Bacillus e


Paenibacillus) fungos (Aspergillus e Trichoderma). No que diz respeito à indústria dos sumos,
as celulases são utilizadas a par com outras enzimas com o intuito de melhorar os métodos
de extração, clarificação e estabilização dos sumos. São também utilizadas para reduzir a
viscosidade de néctares, purés de fruta e para a extração de flavonóides de flores e
sementes, sendo que esta extração a partir da celulose é predileta em relação aos métodos
convencionais uma vez que tem maior rendimento, provoca menos danos por calor e sujeita
os alimentos a um processamento menos longo. No que diz respeito ao vinho, a celulose é
utilizada na extração de compostos fenólicos do bagaço da uva e demostra várias vantagens
entre as quais se destacam o melhoramento na maceração, desenvolvimento da cor,
clarificação do mosto e na estabilidade e qualidade do vinho.

Lactase (β-galactosidase)

A lactase é a enzima envolvida na hidrólise da lactose - processo importante na


indústria alimentar - sendo a produção de β-galactosidase a partir de microorganismos como
bactérias, fungos e leveduras um procedimento de alto rendimento e custo relativamente
baixo. As reações de hidrólise da lactose, catalisadas por estas enzimas, que ocorrem no leite
e nos produtos derivados do leite apresentam vantagens para a redução da intolerância à
lactose nos indivíduos e a redução de açucares nos alimentos. É ainda importante na
formação de produtos que podem ser utilizados como ingredientes alimentares prebióticos

α-amilases

Na indústria alimentar, têm a sua aplicação na cozedura, na fermentação, na


liquefação e atuam ainda como auxiliares nos processos de digestão. São recorrentemente
utilizadas para potenciar o aroma e sabor dos alimentos e ainda no incremento da qualidade
do pão, intervindo na sua cozedura, ao serem adicionadas à massa para a conversão do
amido em dextrinas de pequena dimensão, que vão ser posteriormente fermentadas pelas
leveduras.

Xilanases

As xilanases são maioritariamente utilizadas na indústria do pão, uma vez que


provocam um aumento do seu volume, apresentando benefícios diretos na qualidade do pão.
Melhoram a textura, sabor e palatibilidade de bolachas e, na produção de cerveja, são
utilizadas com o intuito de hidrolisar a parede celular da cevada o que leva à libertação de
arabinoxilanos e oligossacarídeos de menor massa molecular e consequentemente, obtém-se
uma redução da aparência turva e da viscosidade da cerveja.

α-Acetolactato decarboxilase

A α-Acetolactate decarboxilase auxilia na maturação rápida da cerveja. Esta enzima pode


ser produzida por micróbios naturais como as Brevibacillus brevis ou por Saccharomyces
cerevisiae recombinante. Enquanto a maturação da cerveja demora 2 a 12 semanas, o uso de α-
acetolactate decarboxilase resulta na maturação em 24 horas dependendo da fonte da enzima.
Além disso, o sabor indesejável, devido à presença de diacetil na cerveja, é anulado pela ação
desta enzima.

Asparaginase

A asparaginase, como o nome indica, catalisa a hidrolise de asparagina num derivado


ácido, o ácido aspartatico, e em NH3 e pode ser considerada a enzima empobrecedora de
asparagina. Vários métodos de processamento de comida, como fritar com óleo e cozedura
causam a conversão de asparagina em acrilamida, um conhecido carcinogéneo. Entre vários
métodos que tentam superar a formação de acrilamida, a depleção de asparagina por tratamento
enzimático é vista como eficaz na redução em 97% da formação de acrilamidas por asparaginas.

Catalase

A catalase é muito usada com glucose oxidases para preservação de comida. Tem sido
usado um cocktail de glucose oxidase/catalase para eliminação de oxigénio do vinho antes de ser
engarrafado e avaliado na formação de acetaldeídos. Os resultados mostraram que a cor e a
quantidade de acetaldeído eram estáveis se tratados adequadamente com enzimas. A catalase é
também aplicada na indústria de processamento de leite para eliminar peróxidos do leite, na
indústria da panificação para remover glucose da clara dos ovos e nas embalagens da comida
para prevenir a oxidação e para controlo da perecibilidade da comida. Esta enzima tem uso
limitado na produção de queijo.

Enzimas Adoçantes - Naringinase

A naringinase é maioritariamente responsável pela degradação de naringina, a principal


flavanona glicosídeo amarga encontrada em frutos cítricos. É produzida maioritariamente por
isolados de fungos. Fontes fúngicas de naringinase são mais predominantemente usadas que as
bacterianas devido ao aumento de produção. A naringinase tem um papel major no
processamento de comida, como enzima adoçante adicionada a sumos de fruta. Ambas as
formas, livre e imobilizada, da enzima são usadas para obter melhores resultados. Vários aditivos
de comida, como biopolímeros e adoçantes, podem ser sintetizados usando ramnosidase ou
naringinase. Contudo, um outro uso da naringinase, com β-glucosidase e arabinosidase é
melhorar o aroma do vinho.
Como previamente abordado na introdução, as enzimas são proteínas que têm elevada
especificidade por um determinado substrato, catalisando reações químicas, característica que as
torna adequadas para determinadas aplicações industriais. No campo alimentar, a função
tecnológica destas enzimas é aplicada na preparação, processamento e obtenção de variados
alimentos e, como se verifica ao longo deste trabalho, as enzimas podem favorecer ou
desfavorecer as propriedades dos géneros alimentícios.

Um exemplo de uma desvantagem diz respeito ao processo de cura dos queijos pela
utilização de enzimas exógenas, proteases, lipases ou descarboxilases. A adição destas
enzimas em pequenas quantidades pode melhorar o gosto e acelerar a cura do coalho. No
entanto, o aumento da concentração em enzimas resulta em defeitos na textura e sabor, levando
a uma maior amargura. Também a adição das enzimas ao leite leva à instabilidade das caseínas,
resultando num mau rendimento da coagulação e, a baixa taxa de retenção de enzimas de cura
no coalho pode não ser satisfatória do ponto de vista económico.

No entanto, as vantagens demonstradas pela utilização das enzimas na setor culinário


superam, em larga escala, as desvantagens, pois está comprovado cientificamente que estas
melhoram a qualidade, a frescura e a textura dos alimentos, otimizando a produção e
reduzindo os custos relativos à produção. Podem ainda contribuir para a redução do consumo
de água, energia e desperdício alimentar e para a elaboração de dietas mais saudáveis, que
incluem, por exemplo, a produção de alimentos enriquecidos em fibra prebiótica e alimentos
sem lactose2 e com teor de açúcar reduzido.

Conclusão

A evolução da indústria alimentar permitiu o aumento dos processos de produção de


novos géneros alimentícios, assim como o aperfeiçoamento de produtos já existentes no
mercado, fazendo uso das vantagens resultantes do desenvolvimento da biotecnologia.

Atualmente é-nos possível usufruir das diversas possibilidades de criação de novos


alimentos aptos para o consumo, alargando e melhorando as ementas que, cada vez mais,
surpreendem o consumidor com o desenvolvimento de novas texturas, sabores e aromas.

Deste modo, verifica-se que a utilização das enzimas no sector culinário não só
apresenta vantagens no desenvolvimento da gastronomia e no aspeto hedónico associado à
alimentação, como na melhoria, modificação e optimização do processamento industrial dos
alimentos.

2 Pela ação da β-galactosidase e em parte pela protease


Bibliografia

RAVEENDRAN, Sindhu, et al, Food Technol Biotechnol, Mar 2018, “Applications of


Microbial Enzymes in Food Industry”, (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5956270/),
consulta em 27 dezembro 2020.

Lacasse, D. (1995) Introdução à Microbiologia Alimentar. Ciência e Técnica,

Instituto Piaget.

Madigan, M. T.; Martinko, J. M.; Parker, J. (2003) Brock Biology of Microorganisms.


Pearson Education, Inc. USA.

LEISOLA, M. et al., Industrial use of enzymes, [s.l.], vol 2.

Kilcawley K.N., Wilkinson M.G. and Fox P.F., “Enzyme-modified cheese”, International
Dairy Journal 1998, volume 8:1-10

Kirkman HN, Galiano S, Gaetani GF., “The function of catalase-bound NADPH,” BioChem
(1987), 262, 660-666

Osório Matias e Pedro Martins (2017) Biologia 12, Arial Editores

Lima & Mota, abril (2003), Biotecnologia, Lidel

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