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Hoje iremos analisar os versículos


22-24, nos aproximando da conclusão do capítulo.

• Prefácio. (v. 1)

• As Provações e seus Benefícios (vv. 2-4)

• Como Obter Sabedoria (vv. 5-8)

• A Transitoriedade das Coisas Terrenas (vv. 9-11).

• Introdução à Etiologia do Pecado (v. 12)

• Responsabilidade das Tentações (v. 13)

• Etiologia do Pecado (vv. 14-15)

• A Gênese do Bem (vv. 16-18)

• Despojo da Maldade (vv. 19-21)

• A Fé Prática (vv. 22-24)

Leitura Preliminar:

“Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos.
Porque, se alguém é ouvinte da palavra e não praticante, assemelha-se ao homem que contempla,
num espelho, o seu rosto natural; pois a si mesmo se contempla, e se retira, e para logo se esquece
de como era a sua aparência.”

(Tiago 1:22-24)

Divisão Analítica:

1. Tornai-vos, pois,...

1.a praticantes da palavra...

1.b e não somente ouvintes,...

1.c enganando-vos a vós mesmos.

2. Porque, se alguém é ouvinte da palavra...

2.a e não praticante,...

2.b assemelha-se...

2.c ao homem que contempla, num espelho,...

2.d o seu rosto natural;...

3. pois a si mesmo se contempla,...

3. a e se retira,...
3.b e para logo se esquece de como era a sua aparência.

1. Tornai-vos, pois,... É digno de nota que, apesar de estar escrevendo para o Israel de Deus, a
Igreja em sentido universal, Tiago ainda apela a estes para uma mudança. Ele usa o verbo “tornar-
se”. Ele não escreveu “continuem sendo”, “perseverem sendo”, o que implicaria que a pessoa já
está na posição de ser e apenas precisa permanecer sendo. Já a palavra “tornar-se” significa passar
a ser, vir a ser, aquilo que não se era anteriormente. É o processo do devir, da mudança, de
movimento. Na aula anterior, vimos que Tiago já estava falando sobre essa mudança, quando
exorta aos cristãos a terem autodomínio, serem pacientes, terem a mentalidade correta durante as
provações, e todas essas coisas são virtudes que só conseguimos ir conquistando com o tempo.
Não é porque alguém se batiza e faz parte do Israel de Deus que ela passou por algum processo
mágico e do dia para noite já adquiriu a nova roupagem, e já se despojou de todo imundície. Por
causa disso, mesmo ao dirigir-se a Igreja, Tiago exorta a uma mudança ao dizer “tornai-vos”.

1.a praticantes da palavra... A fé cristã não é uma teoria. Não é uma ideia solta, uma filosofia,
como muitos filósofos criaram suas reflexões, seus sistemas de pensamentos, mas a maioria deles,
salve exceções, não vivia de acordo com o que pensavam. A “palavra”, que é tanto mencionada
com outros termos, como a “palavra da verdade”, não é uma poesia para nos emocionar, uma
máxima filosófica para nos impressionar, e massagear o ego de quem escreveu. A palavra, o
conjunto de textos sagrados, foram trazidos à existência com o objetivo prático, objetivo de mudar
o comportamento humano, endireitar as coisas, trazer ordem ao caos da vida. O que é falado tem
por objetivo ser ouvido, o que é escrito tem por objetivo ser lido, a Palavra da Verdade foi escrita
e foi falada, mas seu objetivo último nem ser lida, ou ouvida, mas ser posta em prática . A Palavra
da Verdade é uma convocação ao cumprimento, porque nenhuma palavra sai da boca do Criador
sem voltar a ele com resultados práticos. Nós mesmos, dentro de nossa finitude e imperfeições,
julgamos as coisas por sua praticidade: Sempre nos interessa, ao final das contas, para que serve
isso ou aquilo. No original grego o termo “praticantes” significa literalmente “fazedores”. Uma
pessoa pode se relacionar com a palavra da Verdade de várias formas, como ouvinte, como
pregador, e até mesmo como um mero vendedor, já que muitos usam a fé como um comércio. Mas
a finalidade última, o propósito a qual somos chamados, é de sermos afetados no âmago do nosso
íntimo para nos tornarmos praticantes, moldando e talhando nossa formar de ser e pensar, nos
aprumando, endireitando nosso caminho em acordo com essa Palavra que é viva e exerce poder
(Hebreus 12:1)

1.b e não somente ouvintes,... Veja que Tiago coloca o advérbio “somente”, antes da palavra
“ouvintes”. Como mencionamos em outra aula, no tempo de Tiago as pessoas obtinham
conhecimento pela via oral, era ouvindo que se aprendia. E se pensarmos bem ouvir algo não
exige esforço. A finalidade do ouvido é ouvir, dos olhos ver e da boca falar, comer. Nosso ouvido
está sempre aberto. Diferente da boca, que se fecha com frequência, e os olhos, que se fecham
para dormirmos, os ouvidos não se fecham, a gente é que precisa tapar para não ouvir. É um
movimento menos natural do que abrir a boca e os olhos. Ouvir é tão comum que por quantas
vezes ouvimos até mais do que gostaríamos. Se pensarmos por esse lado, ouvir a Palavra da
Verdade não exige muito esforço, e sentar em um banco e passar uma, duas, três horas ouvindo a
Palavra não tem nenhum efeito direto, talvez o máximo que aconteça e nos cansar. Nada foi
escrito pra que fosse somente ouvido, a audição é apenas um intermediário, uma maneira, tal
como a leitura é uma maneira, de, como disse Tiago anteriormente, “saber estas coisas”.

1.c enganando-vos a vós mesmos. O tema do autoengano já vem sendo abordado por Tiago desde
o início. Aqui ele faz uso novamente desse artifício do homem caído que é deixar a voz interna
criar na mente falsas crenças, falsas justificativas, ou como se diz em outra tradução, “enganando-
vos com falsos raciocínios”. A história da Filosofia sempre nos mostrou a luta entre os filósofos
com o que eles passaram a chamar de sofistas. Os Sofistas eram indivíduos que se consideravam
também filósofos, mas que por não acreditarem existir uma verdade, achando que tudo é relativo,
que o que importa é ter razão, criavam linhas de raciocínio, misturando verdade e mentira, com o
único objetivo de ganhar disputas. Enquanto o filósofo é um amante da sabedoria, o sofista é um
falsificador dela. O maior sofista foi o diabo, que usando uma linha de raciocínio, conseguiu
enganar Eva, e Eva certamente usou algum raciocínio para convencer Adão. A Bíblia diz que só
Eva foi enganada. Mas o bom senso nos leva a pensar que Adão não desobedeceu só por
desobedecer; como o engano de Eva se deu na interpretação das palavras da serpente que disse
uma meia verdade, talvez Adão soubesse que não seria igual a Deus em todos os aspectos, mas
com certeza ele se enganou, formando em sua mente algum falso raciocínio.

Não dá para entrar nos detalhes aqui, mas espero no momento oportuno fazer um comentário do
livro de Gênesis. Seja como for, essa é uma mancha na nossa natureza, que tudo que temos em nós
que nos afasta da perfeição de Deus está coberto de falsos raciocínios, uma lógica torta,
corrompida, que contamos a nós mesmos para justificar nossa desobediência.

2. Porque, se alguém é ouvinte da palavra... O “porque” vai dá os motivos, os problemas de a


pessoa ser um mero ouvinte, e em nossos dias, podemos melhor dizer, um mero “leitor” da
Palavra, e não um praticamente da Palavra da Verdade.

2.a e não praticante,... Como dito, a palavra grega para “praticante” significa literalmente
“fazedor”.

2.b assemelha-se... Com essa palavra, Tiago vai iniciar uma analogia. Ele vai fazer uma
comparação, dizendo que a pessoa que, no seu tempo de cultural oral, apenas ouvia a Palavra, e
nos nossos dias, apenas lê a Palavra, assemelha-se

2.c ao homem que contempla, num espelho,... Duas palavras para destacarmos: O verbo
“contemplar” e “espelho”. Iniciando pelo verbo, veja que nós geralmente nos olhamos no espelho.
No corpus linguístico, que é a análise que os estudiosos da língua fazem para acompanhar seu uso,
significado e mudança, é fácil perceber que o verbo mais usado no dia a dia com a palavra espelho
é o verbo “ver” e “olhar” flexionados. Frases como “me vejo no espelho”, “me olho no espelho”,
são as locuções mais comuns. Ao invés de usar esses verbos, Tiago escolheu o verbo
“contemplar”. A ARA e muitas versões escolheram esse verbo para traduzir o verbo grego
κατανοέω que é a junção de uma preposição junto com o verbo νοιέω que significa
“exercer a mente”, com suas funções de entender, perceber, observar de forma analítica. O uso da
palavra em português “contemplar” é uma escolha interessante. Em latim, ela vem do prefixo
“con” + o substantivo “templum” de onde tiramos nossa palavra “templo”, assim como a palavra
“têmpora”. No nosso cérebro nós temos os lóbulos que estão nos hemisférios direito e esquerdo,
chamado de “temporais”, não por estar relacionado a palavra “tempo”, mas a nossa têmpora. Uma
das funções dos lóbulos temporais é a capacidade que as pessoas têm de reconhecer objetos e
rostos, emoções, atenção, parte da aprendizagem, afeto, leitura e escrita.

Era no templo que as pessoas buscavam muitas coisas relacionadas com essas atividades, regular
suas emoções, aprender, refletir, ponderar sobre sua própria vida, aponto de o grande Oráculo de
Delfos, onde se encontravam as palavras tão conhecidas da filosofia “Conhece-te a ti mesmo”,
ficava em um templo grego na cidade que leva o mesmo nome.

Com todas essas imagens em mente, vamos retomar ao que Tiago fala, que uma pessoa que apenas
ouve a palavra, mas não coloca em prática, se assemelha com uma pessoa que CONTEMPLA a si
mesmo no espelho.

Daqui tiramos duas ideias:

Já que o espelho é uma analogia a Palavra da Verdade, ou a Lei Perfeita, que veremos depois, o
homem faz certo em contemplar. Retomando o Salmo 1, que já mencionamos em nossas primeiras
aulas, o homem justo mediata dia e noite na Lei divina. Meditar na lei dia e noite, ou contemplar o
espelho são atitudes positivas, mas no final das contas é o que faremos a partir dali que conta . Para
não adiantar o assunto, vamos guardar isso e continuar:

2.d o seu rosto natural;... Depois de contemplar o espelho, que representa a Lei Perfeita, o
homem vê seu rosto. Perceba mais uma vez que Tiago podia dizer apenas “contempla seu rosto”,
mas ele acrescentou uma palavra, o adjetivo “natural”, seu rosto “natural”. Durante a vida nosso
rosto muda, mas alguma essência fica. Eu mesmo já fui reconhecido por professoras do jardim de
infância. Umas pessoas mudam mais que outras, mas no fundo, os traços são os mesmos. Sento
que, como tudo isso é uma analogia, nosso rosto representa quem somos. No teatro grego se usava
uma máscara para se representar um personagem. Podia ser o mesmo ator, mas se mudasse a
máscara, então era outra pessoa, outro personagem. O rosto humano é o que mais caracteriza
nosso reconhecimento, o reconhecimento de nós mesmos e o outro. As pessoas dizem que podem
esquecer nomes, mas nunca um rosto. Reconhecemos o rosto humano até em formas aleatórias,
numa pareidolia. Lembre-se que os lóbulos temporais têm a função de reconhecer rostos. Uma vez
que o rosto do homem é uma figura de linguagem para sua pessoa como um todo, seu rosto natural
significa seu estado natural, nosso estado de natureza, que, diferente do que imaginou Rousseau
em Emílio, o bom selvagem, nossa natureza é caída, mesmo tendo em nós, a imagem de Deus, e a
capacidade de fazer algo para mudar. Nosso rosto natural ficou desfigurado pelo pecado.

3. pois a si mesmo se contempla,... O homem reconhece, função dos lóbulos temporal, seu rosto
caído, quando completa a si mesmo. A grande questão é, o que ele fará? Se nosso rosto literal
tivesse com algum problema, apontado pelo espelho, isso nos moveria a buscar uma mudança.
Esse é o objetivo, o telos, do espelho, mostrar nossa aparência para podermos fazer algo, caso seja
possível. Porém, o homem que só contempla seu rosto cheio de imperfeições no espelho da
Palavra, não se sente movido a nada, pois Tiago diz

3.a e se retira,... Ele poderia se retirar para fazer alguma coisa, buscar uma forma de melhorar sua
imagem, porém, Tiago diz que ele se retira com outra motivação. Ele vai embora

3.b e para logo se esquece de como era a sua aparência. Poucas pessoas têm essa coragem de
enfrentar o espelho. Há pessoas que detestam se olhar em espelhos, os evitam. Salve as exceções,
um espelho não mente, e nem todo mundo se agrada do que vê. A analogia de Tiago não é para
ensinar nada sobre beleza, nem estética. Mas para mostrar que a Palavra da Verdade, a Lei
Perfeita, é um espelho que mostra a nossa real natureza, nosso rosto desfigurado pelo pecado.
Algumas pessoas buscam fazer alguma coisa para mudar isso, outras simplesmente preferem a
negação, e ao invés de conhecer a si mesmo, termina por esquecer todos os traços disformes e
distorcidos de nosso rosto natural. É mais fácil dar as costas, se retirar para longe e esquecer tudo,
do que fazer algo para mudar, se despojando de todo imundície a acúmulo de maldade, que foi sua
exortação anterior.

Chegamos ao final dessa consideração; próxima aula nós encerraremos o primeiro capítulo da
carta. Se você achou que essa aula tem alguma relevância, deixe um like, que á a forma de dizer
ao Youtube que esse conteúdo possui alguma valia, por menor que seja.

Abraços e até mais!

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