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Quais são as condições culturais que você deve estabelecer em sala

de aula para que a aquisição de uma segunda língua seja


satisfatória?

Sua resposta deve abordar:


i) questões teóricas da dimensão cultural da aquisição e
ii) apresentação de um exemplo em sala de aula a partir das questões teóricas.

“as atitudes e identidades dos aprendizes são dinâmicas,


negociáveis, socialmente contextualizadas e sujeitas à mudança,
mesmo em interações individuais”
(MITCHELL e MYLES,1998:170) .

Antes de entrar propriamente no cerne da questão proposta para este trabalho, sinto
necessário registrar algumas considerações, a meu juízo, relevantes.

Apesar de compreender o valor do trabalho de diversos linguistas na elaboração de


seus estudos e teorias sobre a aquisição da L2, penso que há muito a ser revisto, pois
o mundo vem sofrendo mudanças rápidas em todas as ordens e isto reflete diretamente
na vida das pessoas, nos mais diversos campos. Na medida em que mudanças externas
ocorrem, práticas e metodologias educacionais, bem como os papeis do educador
também se transformam, visando a entender e atender as necessidades vigentes.

Penso, portanto, que se faria necessário uma ampla revisão de todas as teorias, ou até
mesmo novos estudos, pois a realidade que temos hoje, não é a mesma de quando
vieram à luz.

A aquisição de uma L2, em minha compreensão, está atrelada a uma série de condições
que passam pelo contexto de vida do indivíduo o que, em si, já inclui suas condições
culturais, características pessoais, habilidades cognitivas, sua visão de mundo, sua
identidade, suas expectativas, estratégias individuais enfim, engloba uma série de
fatores que não podem ser avaliados isoladamente, já que tudo isto junto forma uma
cultura.

Alguns destes aspectos são abordados pelas diversas teorias sobre a dimensão cultural
da aquisição da segunda língua, contudo deixando ainda uma sensação de
incompletude diante do amplo espectro que envolve um processo como é o de aquisição
da L2.

Então, deixando boa parte destes aspectos de lado, e considerando este processo no
âmbito da escola, vamos focar no propósito da reflexão promovida pela pergunta: Quais
são as condições culturais que você deve estabelecer em sala de aula para que a
aquisição de uma segunda língua seja satisfatória?
Ressalvaria ainda, no entanto, que minha resposta deixará de se aprofundar em
diversos fatores, tomando apenas como base, uma sala de aula com sistema de
imersão em L2, no Brasil.

Uma primeira condição cultural que eu pensaria em estabelecer seria não associar a L2
a uma cultura única, mas realizaria um trabalho intercultural, procurando desenvolver a
competência comunicativa do aluno, pensando em culturas diversas, ajudando-o a ser
mais crítico em relação à multiplicidade de culturas existentes, inclusive levando em
consideração também questões ligadas à subjetividade do aluno e a minha própria
enquanto professora. Seria aprender uma segunda língua, com a visão de tornar-se
apto a se comunicar em contexto mundialmente interligado.

Assim, procuraria também estabelecer um enfoque intra e interpessoal, tentando levar


os alunos a se verem como participantes na diversidade e a emergência da cultura, vista
de forma dinâmica, na interação com o outro. Aprender uma L2, abrindo-se para
reconhecer novas culturas, sem conduto perder ou desvalorizar a própria.

Contemplando a diversidade de realidades e culturas individuais e coletivas numa sala


de aula, procuraria estabelecer o ambiente que estimulasse a autorregularão, mas sem
impedir a oferta de scaffolding por minha parte, ou mesmo pelos colegas mais
competentes. Um amplo trabalho colaborativo, aproveitando todas as situações
possíveis e oportunas para a realização de input dentro das negociações de
significados, vindo a favorecer a aquisição da L2.

Pensando neste processo de construção de novos conhecimentos através de processos


de interação, preconizado pela microgênese, poderíamos ter, por exemplo, a seguinte
situação:

Interação entre professor e aluno

Aluno: My father have a blue car!

Professora: Valoriza a produção do aluno, demonstra o entendimento de sua


comunicação e diz:

“Ah, your father has a blue car. My brother has a blue car,too!”

E falando em trabalho colaborativo, remeto-me à teoria da atividade ao considerar que


a “interação colaborativa, a intersubjetividade e a execução assistida de uma tarefa
mobilizam o aprendiz para atingir seus objetivos.” No exemplo acima, penso que
podemos verificar isto acontecendo.

Esta interação constante também se constitui em fonte de input, o que vai alimentar o
mecanismo interno de aquisição do aprendiz de diferentes formas.

Um outro fator que considero importante e tentaria estabelecer em sala de aula, seria
considerar a aprendizagem como um processo social e levaria em conta as emoções,
as interações inter e intrapessoais, as identidades e autoestima dos alunos. Penso que
isto não pode ficar de fora do processo de aquisição da L2, já que o individuo é um todo
compartimentado.

Além dos aspectos que citei anteriormente, pensaria também em estabelecer em sala
dinâmicas que permitissem ir desenvolvendo competências para a abertura e vontade
de interagir com pessoas de um círculo cultural diferente. Poderia ser convidando
nativos da L2 ou de outras línguas, assistindo a vídeos apresentando realidades
diversas, pesquisando sobre hábitos culturais diversos, proporcionando-os a
experimentarem comidas e artes diferentes das próprias de sua cultura, por exemplo. E
sempre levando os alunos a refletirem sobre como se posicionariam face a tantas
variantes. Isto também favoreceria a que o aluno tome mais consciência da própria
realidade e da própria cultura.

Procuraria desenvolver muitas atividades em conjunto, de modo a favorecer o


desenvolvimento de habilidades de se comunicar em grupo, de lhes possibilitar a
criação de vínculos pessoais e de se darem conta de haver uma cultura em comum, ao
mesmo tempo em que cada um tem a própria cheia de nuances.

E este exercício conjunto estaria também fundamentado na ideia de ajudar os alunos a


adquirirem autoconfiança, ao mesmo tempo em que vão regulando a ansiedade
evitando estabelecer uma relação de poder por ser mais competente na L2 que eles. Eu
me colocaria como mediadora, estimuladora e criadora de todas as oportunidades
possíveis para que os alunos interagissem entre si, comigo, consigo mesmos em
contextos reais e da forma mais natural possível, ajudando-os a não desenvolver
ansiedade em relação à própria capacidade de comunicação, aceitando as imperfeiçoes
até que possam, aos poucos, irem se autorregulando e adquirindo confiança.

Perpassando pela própria etnografia da comunicação preconizando que os aprendizes


fazem um grande esforço para atingir seus objetivos comunicativos através de uma L2.
E isto precisa ser considerado.

Nas aulas de L2, em que a cultura do aluno e a cultura trazida pela língua que se
aprende entram em contato, entendo que minha missão seria criar condições para
otimizar o desenvolvimento de meus alunos nas esferas afetiva, cognitiva e cultural.
Esta confrontação das diferenças, assim como a utilização delas no decorrer das aulas,
é uma tarefa importante e desafiadora. Mas, necessária.

Penso que, assumiria o papel de mediadora intercultural. Não se tratando de apresentar


uma imagem positiva ou negativa do país estrangeiro e de seus habitantes, mas sim de
despertar o interesse e uma abertura de pensamento nos aprendizes para que não
desvalorizem ou superestimem sua própria cultura. Para atingir este objetivo, sinto que
devo estimular meus alunos a gostarem de se comunicar, de conhecer outras culturas,
o desejo de conhecer os outros e de se emancipar, remetendo-se aos princípios e
valores transpostos por meio do idioma adquirido.

Vera Lúcia Amaral de Melo Souza


Novembro 2021

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