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17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais

A CORRESPONDÊNCIA ELETRÔNICA DO
EMPREGADO (E-MAIL) E O PODER DIRETIVO DO
EMPREGADOR

A CORRESPONDÊNCIA ELETRÔNICA DO EMPREGADO (E-MAIL) E O


PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR
Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 40 | p. 96 | Jul / 2002
Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e da Seguridade Social | vol. 3 | p. 775 | Set /
2012DTR\2002\291
Luiz Alberto David Araujo

Área do Direito: Constitucional

; Trabalho
Sumário:

1.Introdução - 2.Os direitos da personalidade - 3.A empresa, sua atividade e a utilização do e-mail
pelo empregado - 4.A colisão de direitos - Bibliografia

1. Introdução
O desenvolvimento da informática no ambiente de trabalho vem trazendo algumas questões que
envolvem o direito à intimidade e à privacidade do empregado e o poder de direção do
empregador. Muitas empresas possuem domínio próprio, utilizando o nome da empresa, muitas
vezes. O objeto desse pequeno estudo é o relacionamento existente entre o empregado e o
empregador, tendo como prisma a correspondência eletrônica, especialmente aquela utilizada com
o domínio da empresa, entregue pela empregadora ao empregado para que ele desempenhe as
tarefas de sua função.
Propomos, para a análise desses pontos, que está ligada aos direitos da personalidade, a questões
trabalhistas e a temas vinculados à responsabilidade civil, um roteiro para que, durante a
exposição, possamos desenvolver alguns argumentos que, ao final, serão utilizados para a nossa
conclusão.
Desta maneira, começaríamos a discutir, desde logo, como e porque o texto constitucional
albergou os direitos da personalidade de forma explícita. Essa questão tem razão específica de
ser. Mostrará a atualidade do tema, sua importância e o risco de sua violação. Em seguida,
haverá, já como desdobramento da garantia dos direitos da personalidade, em que dimensões
foram garantidos os direitos anunciados. Estaríamos, portanto, nesse passo, tratando do conteúdo
dos direitos da personalidade na Constituição brasileira. Em seguida, esmiuçando ainda mais,
cuidaríamos de apresentar, dentro do direito ao sigilo, o de correspondência, e, dentro desse
grupo, uma especificidade, ou seja, da correspondência comercial.
Na linha que propomos seguir, entraríamos na apresentação de outra vertente, qual seja, da
responsabilidade das empresas, cuidando, especificamente do Código Civil (LGL\2002\400) e do
dever de vigilância de seus empregados.
Como último ponto, trataríamos da questão das ponderações dos direitos, ou seja, como trabalhar
com o Texto Constitucional diante de direitos nele assegurados, muitas vezes, em patamares de
aparente contradição. Nesse passo, precisamos tratar da teoria da convivência de vários direitos
dentro do mesmo sistema.
Comecemos, portanto, com a apresentação das vertentes anunciadas.
2. Os direitos da personalidade
É inegável que os direitos da personalidade pertencem ao indivíduo de forma inata. São
reconhecidos sem qualquer manifestação ou intenção. São, portanto, direitos irrenunciáveis,
inalienáveis, de maneira que onde encontramos o ser humano, encontraremos, juntamente a ele,
os direitos da personalidade. Vejamos como a doutrina vem caracterizando os direitos da
personalidade:
Para Maria Helena Diniz: "Os direitos da personalidade são absolutos, intransmissíveis,
indisponíveis, irrenunciáveis, ilimitados, imprescritíveis, impenhoráveis e inexpropriáveis". 1
Para Orlando Gomes, os direitos da personalidade apresentam característicos próprios, pois se
constituem em categoria à parte das formas tradicionais do direito privado: "Traços comuns
indicam, porém, que constituem categoria à parte das formas tradicionais do direito privado,
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possível não sendo classificá-los entre os direitos pessoais, ou reais. Distinguem-se, realmente,
por certos caracteres que em todos se encontram". 2
E, em seqüência: "Os direitos da personalidade são absolutos, extrapatrimoniais, intransmissíveis,
imprescritíveis, impenhoráveis, vitalícios e necessários".
Posteriormente o autor explica essas características que, em termos gerais, significam que os
direitos da personalidade: a) opõem-se erga omnes, implicando o dever geral de abstenção; b) os
bens jurídicos, nos quais incidem, não são suscetíveis de avaliação pecuniária, embora possam
alguns constituir objeto de negócio jurídico patrimonial e a ofensa ilícita a qualquer deles seja
pressuposto de fato do nascimento da obrigação de indenizar, ainda quando se trate de puro dano
moral; c) são inalienáveis, porque o titular não pode transmiti-los a outrem, privando-se do seu
gozo, razão por que nascem e se extinguem ope legis com a pessoa. Não se transmitem sequer
mortis causa, embora gozem de proteção depois da morte do titular; d) da extrapatrimonialidade
decorre a impossibilidade de cumprimento e execução coativa; e) não se extinguem pelo não uso
ou pela inércia na defesa (impenhorabilidade e imprescritibilidade); f) são necessários porque não
podem faltar, o que não ocorre com qualquer dos outros direitos; g) jamais se perdem enquanto
viver o titular. 3
Para Adriano de Cupis, os direitos da personalidade satisfazem necessidades de ordem física ou
moral, nem todas encontradas nas pessoas jurídicas, por exemplo. Afirma que não possuem
utilidade econômica imediata, razão pela qual não são direitos patrimoniais. Trata os direitos da
personalidade como direitos absolutos. O autor aponta como características dos direitos da
personalidade:
4
a) intransmissibilidade: impossibilidade de mudança do sujeito, por força do nexo orgânico, o
objeto é inseparável do sujeito originário; 5
b) indisponibilidade: os direitos da personalidade não podem, "pela natureza do próprio objeto,
mudar de sujeito, nem mesmo pela vontade do seu titular"; 6
c) irrenunciabilidade: "os direitos da personalidade não podem ser eliminados por vontade do seu
titular"; 7
d) consentimento: "não constitui uma renúncia o chamado 'consentimento do titular do
direito'(art. 50, do CP (LGL\1940\2)). Na verdade, este consentimento não produz a extinção do
direito, e tem um destinatário que se beneficia dos seus efeitos"; 8
9
e) " os direitos da personalidade não são susceptíveis de execução forçada".
Para Santos Cifuentes, os direitos da personalidade são inatos (porque são conaturais, nascidos
com o sujeito mesmo); vitalícios (porque não podem faltar em nenhum momento da vida humana,
sendo inseparáveis da pessoa); necessários (porque não podem faltar); essenciais (porque não
são eventuais). O objeto dos direitos da personalidade é interior, pois são manifestações
inseparáveis do sujeito (não podem ter por objeto o mundo circundante). São intransmissíveis e
extrapatrimoniais, pois permitem conseguir bens econômicos e exteriores, mas não se identificam
com eles. 1 0 Apresentam uma certa disponibilidade. 1 1
Não há necessidade de afirmarmos que tais direitos compreendem um núcleo mínimo assegurador
da dignidade da pessoa humana. Não se pode imaginar um indivíduo sem o direito à sua imagem,
sem o direito à sua reserva pessoal, sem o direito ao nome. Por tais razões, os direitos da
personalidade têm um caráter universal. Encontram-se, como denominados pela doutrina francesa
das décadas de 60 e 70, nas liberdades públicas negativas, 1 2 1 3 ou seja, comportamentos que
devem ser proibidos ao Estado (que, à época, era quem poderia violá-los). 1 4 Esses direitos,
também reconhecidos como direitos de primeira geração, porque tinham o indivíduo apenas em sua
titularidade, mostram um comportamento de abstenção do Estado. Ele, Estado, não poderia
impedir (e deveria resguardar) um conteúdo mínimo de direitos, permitindo, então, que a liberdade
burguesa se instalasse e se desenvolvesse. Não iremos, porque não é escopo do trabalho,
avançar na evolução dos direitos individuais, mostrando as outras gerações de direitos. 1 5 Vamos-
nos limitar aos direitos elencados nesse grupo, ou seja, aqueles que traziam um comportamento
que poderia ser impedido ou dificultado pelo Estado. As Revoluções Burguesas trataram de
assegurar que tais direitos eram inalienáveis, essenciais ao ser humano. Assim, a Declaração da
Independência da Virgínia, de 1776:
" Declaração dos direitos da Virgínia
(Dos direitos que nos devem pertencer a nós e à nossa posteridade, e que devem ser

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considerados como o fundamento e a base do governo, feito pelos representantes do bom povo
da Virgínia, reunidos em plena e livre convenção.)
Williamsburg, 12 de junho de 1776
Artigo Primeiro: Todos os homens nascem igualmente livres e independentes, têm direitos certos,
essenciais e naturais dos quais não podem, pôr nenhum contrato, privar nem despojar sua
posteridade: tais são o direito de gozar a vida e a liberdade com os meios de adquirir e possuir
propriedades, de procurar obter a felicidade e a segurança".
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, também cuidava da integridade dos
direitos da personalidade, garantindo que "todos os homens nascem e são livres e iguais em
direitos" e que o fim de toda a associação política "é a conversação dos direitos naturais e
imprescritíveis do homem", sendo estes a "liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à
opressão".
Inegavelmente, as revoluções do século XVIII trataram de implantar um sistema de prestígio dos
direitos individuais, colocados contra a ação do Estado, no sentido de proteger o indivíduo da
arbitrariedade estatal, ameaça para o bom desenvolvimento da sociedade dos séculos XVIII e XIX.
Essas liberdades públicas negativas (na dicção da doutrina francesa de Rivero, com expressões
semelhantes em Burdeau et Colliard) traziam reservas protegidas contra a ação do Estado.
Liberdade religiosa, liberdade de reunião, liberdade de associação eram temas sempre presentes,
necessários para impedir que o Estado (então absolutista) impedisse o grassar dos ideais da classe
burguesa que ascendia ao poder.
Como já dito acima, esses direitos foram sendo moldados no decorrer dos anos, passando pelo
ciclo dos direitos de segunda geração, ou seja, os direitos de natureza social e sofrendo os
devidos temperamentos. Não se pode falar em gerações de direitos como exclusão de um ou de
outro grupo, mas apenas para mostrar a evolução temporal dos direitos fundamentais. A segunda
geração, de direitos sociais, não excluiu a primeira e tampouco a terceira, não suprimiu a segunda
ou a primeira. São direitos que vão sendo acumulados, formando um corpo consistente de direitos
fundamentais. Portanto, estamos diante de direitos que vem se consolidando e se afirmando na
consciência de todos.
Apresentado o contexto de reconhecimento desses direitos, voltemos à questão específica.
Os direitos da personalidade, como o direito à vida, passaram a constar das declarações de
direitos e dos textos constitucionais.
No Brasil, todas as Constituições trataram de defender os direitos da personalidade, por meio da
proteção genérica do direito à vida. O conteúdo, no entanto, desse direito e a efetividade desse
comando constitucional não se revelou forte, diante de uma concepção civilista, que alijava a
transposição dos conceitos constitucionais para o direito civil tradicional.
Com o surgimento da Constituição de 1988, os direitos da personalidade receberam tratamento
especial. A evolução constitucional brasileira mostrava que os direitos da personalidade vinham
apenas tratados de forma genérica assegurados pelo direito à vida. É verdade que o direito à vida
compreende, sem sombra de dúvida, todos os outros direitos da personalidade. Não se poderia
falar em direito à vida, sem direito à própria imagem. Não se poderia falar em direito à vida, sem
direito à intimidade ou a disponibilidade do próprio corpo.
A Constituição de 1988, no entanto, acompanhando os textos constitucionais modernos de
Portugal e Espanha, tratou de garantir os direitos da personalidade de forma específica e explícita.
No entanto, enquanto os documentos ibéricos citados garantiram apenas um ou outro (a
Constituição portuguesa de 1976 garantiu a "reserva da intimidade da vida privada e familiar" -
art. 26, 1 - a Constituição da Espanha de 1978 garantiu o direito à honra, à intimidade pessoal e
familiar, em seu art. 18.1), o Texto Constitucional brasileiro cuidou de garantir a privacidade, a
intimidade, a imagem, os sigilos de correspondência, além de outros direitos no seu art. 5.º, da
CF/1988 (LGL\1988\3).
Vejamos a razão.
É característico nosso, da nossa cultura, tornar a lei a depositária de nossas esperanças de
cumprimento das regras e dos nossos anseios. Pensamos - seguindo uma tradição portuguesa -
que, colocando na lei, tudo será respeitado. Foi essa a situação da constituinte de 1988. Por tal
razão, verificamos um texto tão minucioso, longo e que refletiu esse pacto social de forma tão
explícita. Algumas passagens constitucionais mostram, com clareza, como essa "desconfiança" no
sistema se produziu, de maneira que era preciso escrever, constar do pacto, para que os
resultados fossem produzidos. No art. 37, da CF/1988 (LGL\1988\3), ao lado de outros princípios
constitucionais, encontramos a moralidade. Ora, é evidente, por força do princípio republicano,

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que quando a administração age, deve fazê-lo respeitando a moralidade. Mas, o constituinte
preferiu deixar claro, como se, escrevendo, a moralidade fosse respeitada. É característico nosso,
que deve ser respeitado. O mesmo aconteceu com a garantia do "devido processo legal". Qualquer
estudante dos primeiros anos de direito entende que, quando falamos em "devido processo legal",
expressão consagrada inicialmente como "lei da terra", na Inglaterra do século XIII, estamos
falando na garantia da ampla defesa, do contraditório, do princípio do juiz natural, pelo menos.
Pois o Texto Constitucional brasileiro garantiu o devido processo legal e, expressamente, o
contraditório, a ampla defesa e o princípio do juiz natural (incs. LV ou XXXVII, por exemplo). Como
se fosse necessário explicar que na garantia do devido processo legal encontrássemos a ampla
defesa e os demais recursos acima enumerados.
Tendo presente tal realidade, ou seja, a necessidade de positivar direitos, com um escopo quase
didático, passemos à tutela dos direitos da personalidade na Constituição Federal de 1988.
A Constituição de 1988 tratou de colocar no pólo central da discussão, a dignidade da pessoa
humana. Colocou a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de
Direito e arrolou tal valor como princípio fundamental. Quer dizer que, qualquer intérprete não pode
fugir de tal valoração, ou seja, decidir com base nesse princípio. O Estado brasileiro tem como seu
fundamento, enquanto Estado Democrático de Direito, proteger e valorizar a dignidade da pessoa
humana.
Escolhido o valor como princípio fundamental e, portanto, como condutor de valoração para o
intérprete do texto, passemos para a tutela específica dos direitos da personalidade.
A Lei Maior tratou de garantir os direitos da personalidade, de forma principal, em vários incisos.
No entanto, já tratando do direito ao sigilo ou à reserva, vamos restringir o objeto do nosso
estudo, para cuidar especificamente, da tutela do direito à intimidade e da privacidade no texto.
O art. 5.º, em seu inc. X, cuidou de proteger a intimidade e à vida privada:
"Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito a indenização pelo dano material, moral decorrente de sua violação".
No inc. XI, apesar de não mencionar o valor intimidade e privacidade, o constituinte continuou a
proteger tais bens, desta vez, tendo como suporte a inviolabilidade de domicílio.
"XI - a casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento
do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o
dia, por determinação judicial."
Como conseqüência ainda dessa tutela específica da intimidade e privacidade, ainda que não
centrada literalmente sobre tal bem, surge a proteção do sigilo de correspondência.
"XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que
a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal."
Como verificado, a proteção para os direitos da personalidade, especificamente, intimidade e
privacidade foi feita de forma clara e evidente. Não só a proteção genérica, mas as ramificações
do mesmo direito, tais como o sigilo, a inviolabilidade de domicílio foram protegidos. Nem haveria
necessidade de garantir os bens de forma específica, se estivéssemos em outro sistema jurídico.
No caso brasileiro, no entanto, por opção do legislador constitucional, tais bens foram garantidos
de forma clara, inequívoca e expressa. Intimidade, privacidade e seus desdobramentos foram
garantidos, ou seja, inviolabilidade do domicílio e sigilos de correspondência, conforme se
depreende dos incs. XI e XII do art. 5.º.
Mas não foi só o fator cultural que fez com que especificássemos, em nossa Constituição, tais
bens de forma inequívoca. Além do traço cultural de escrever para garantir, como visto acima,
outro fator fez com que fossem inseridas regras específicas ligadas à intimidade e à privacidade.
Inegavelmente, sofremos um revolucionário desenvolvimento tecnológico. Quando compramos um
computador já sabemos que está desatualizado e, muitas vezes, com desapontamento, ouvimos a
expressão "tal computador já não roda o programa". A informática vem revolucionando as relações
pessoais e vem ameaçando bens que, em outros tempos, não sofreriam qualquer ataque.
Tomemos, como exemplo, o direito à imagem. Durante bom tempo, a imagem só poderia ser
captada por meio da pintura. Assim, os pintores teriam capacidade, após longa exposição de seus
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modelos, de captar, com pormenores, a imagem de alguém. E, seria difícil acreditar que alguém
que, após posar durante alguns dias para um pintor, negasse sua intenção de autorizar a pintura
do quadro.
Logo se verifica que o exemplo é totalmente anacrônico, se colocado no contexto atual. A
captação da imagem pode ser por câmara, acoplada a um computador e poderá ser exposta e
reproduzida por toda a rede, chegando aos jornais, televisões e mídias de todo o mundo. Portanto,
não podemos mais usar os mesmos padrões de proteção da privacidade como tínhamos no começo
do século. Essa invasão tecnológica, que vem barateando os custos das empresas e dando
conforto a todo mundo, segue acompanhada de uma ameaça à privacidade e à intimidade.
Inegavelmente, que as tarefas de um estudante, que precisava armazenar os trabalhos da escola,
os livros de pesquisa, está facilitado pela utilização de seu computador. Milhares de folhas de
papéis foram substituídas por arquivos eletrônicos nas empresas, facilitando as relações entre os
envolvidos no processo de produção, distribuição e consumo. Esses são alguns dos argumentos -
sem falar na velocidade da informação - que vieram a justificar esse inexorável avanço da
tecnologia sobre as relações da atualidade.
De outro lado, inegavelmente, esse avanço vem ameaçando a privacidade das pessoas, colocando
em risco a sua intimidade. A esfera do individual vive ameaçada pela tecnologia. Esse processo
tecnológico, muitas vezes, é promovido pelo Estado, muitas vezes, pelos empregadores, pelos
bancos, em suma, o indivíduo vive ameaçado pela tecnologia que ataca diretamente os bens
privacidade e intimidade. Há que ponderar bens, há que entender o avanço tecnológico,
propiciando o seu desenvolvimento, preservando o princípio da dignidade da pessoa humana,
centro do nosso Texto Constitucional.
Foi dentro desse cenário que o constituinte de 1988 entendeu proteger, de forma clara e
inequívoca, tanto a intimidade, quanto a privacidade, quer de forma genérica, quer de forma
específica, como já vimos. Há proteção da intimidade, da vida privada e do domicílio e da
correspondência, esses dois últimos, como extensão dos próprios bens centrados já protegidos no
inc. X do art. 5.º.
Seria o caso de afirmar que os direitos individuais e, portanto, os constantes do art. 5.º, X, XI e
XII, da CF/1988 (LGL\1988\3), constituem cláusulas pétreas, núcleos centrais imutáveis do
sistema constitucional. Além de revelações dos princípios fundamentais (no caso, dignidade da
pessoa humana), os direitos e garantias individuais foram escolhidos como núcleos imutáveis,
mostrando a sua importância para o intérprete. Trata-se de opção valorativa dentro do sistema
constitucional. Há - dentro do Texto Constitucional - questões mais e menos importantes. Isso se
verifica pela escolha desse núcleo cuja modificação não está permitida pelo poder constituinte
derivado. Com essa análise, pretendemos mostrar que o constituinte de 1988 trouxe para o
sistema um grupo de direitos importantes (dentro do sistema) e que deve ser interpretado de
forma a dar maior efetividade a sua concreção.
Já estaríamos findando esse item 2, ou seja, a demonstração da importância dos direitos
assegurados e a sua colocação no Texto Constitucional, se não fosse necessário esmiuçar um
pouco mais o seu conteúdo.
A doutrina, em linhas gerais, trata do direito à intimidade e privacidade com o seguinte conteúdo:
a) o direito à autonomia pessoal;
b) o direito de ser deixado a sós;
c) o direito a uma vida privada;
d) o direito ao controle de sua informação pessoal;
e) o direito de limitar o acesso às informações pessoais;
f) o direito de controle exclusivo de seus domínios privados;
g) o direito de minimizar intromissões;
h) o direito de exigir confidencialidade;
i) o direito de usufruir a solidão;
j) o direito de usufruir a intimidade;
k) o direito de usufruir o anonimato;
l) o direito de usufruir a reserva;
16
m) o direito de usufruir o segredo.

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Adriano De Cupis apresenta o conteúdo dos direitos da personalidade dividido nos seguintes
temas:
"Direitos da personalidade - classificação geral:
- direito à vida e direitos aos alimentos;
- direito à integridade física;
- direito à liberdade;
- direito à honra;
- direito ao resguardo pessoal (direito à imagem);
- direito ao segredo (de correspondência, documental, profissional, informações sobre terceiros e
segredo doméstico);
- direito à identidade pessoal (direito ao nome);
17
- direito moral do autor".
Em linhas gerais, Santos Cifuentes segue a mesma trilha, apresentando os direitos da
personalidade entre direitos à integridade física, direito à liberdade e direito à integridade
espiritual. 1 8
Fábio Maria de Mattia, acompanhando a posição de Limongi França, apresenta o conteúdo dos
direitos da personalidade:
"I - Direito à integridade física:
1) direito à vida e aos alimentos;
2) direito sobre o próprio corpo, vivo;
3) direito sobre o próprio corpo, morto;
4) direito sobre o corpo alheio, vivo;
5) direito sobre o corpo alheio, morto;
6) direito sobre partes separadas do corpo, vivo;
7) direito sobre partes separadas do corpo, morto.
II - Direito à integridade intelectual:
1) direito à liberdade de pensamento;
2) direito pessoal de autor científico;
3) direito pessoal de autor artístico;
4) direito pessoal de inventor.
III - Direito à integridade moral:
1) direito à liberdade civil, política e religiosa;
2) direito à honra;
3) direito à honorificência;
4) direito ao recato;
5) direito ao segredo pessoal, doméstico e profissional;
6) direito à imagem;
19
7) direito à identidade pessoal, familiar e social".
Vejamos, agora, como tratamos do direito à privacidade e intimidade na questão específica da
correspondência.
O constituinte de 1988 cuidou de garantir o direito à intimidade e privacidade. E, no inc. XII,
cuidou ainda de garantir o sigilo de correspondência. Quanto às comunicações telefônicas, cuidou
de garantir um relativo sigilo, já que, mediante ordem judicial, nas hipóteses fixadas em lei, este
poderia ser quebrado.
Voltemos à correspondência.

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A Constituição Federal (LGL\1988\3) garantiu o sigilo de correspondência e, ao contrário das


comunicações telefônicas, sem qualquer exceção. Essa seria a leitura de um intérprete apressado,
aquele que considera os direitos de forma absoluta. E isso porque nenhum direito individual é
absoluto. Mesmo o direito à vida comporta exceções. É claro que devemos sempre atentar para as
exceções de forma cuidadosa e restritiva. Mas, inegavelmente, devemos ter em mente
determinados institutos consagrados de direito penal, que tornam o direito à vida um bem não
absoluto. Apenas para citar, podemos trazer à colação a legítima defesa. Trata-se de autorização
infraconstitucional para eliminação da vida. É claro que estamos diante de uma ameaça da vida e,
para defendê-la, recebemos autorização infraconstitucional para suprimir a vida agressora. Mas,
sem dúvida, o direito à vida do agressor não tem proteção ilimitada. O mesmo se diga do estado
de necessidade. Portanto, os direitos não podem ser vistos de forma absoluta, sem qualquer
restrição. Devem ser interpretados de forma extensiva, forte e para obter maior efetividade. No
entanto, determinadas situações especialíssimas permitem uma conformação do direito por outro
direito também contemplado constitucionalmente. Adiante, veremos quais são as alternativas para
solucionar esse impasse.
Sendo assim, os direitos constitucionais não podem ser objeto de tutela absoluta. Devem ser
interpretados de forma efetiva, pela situação que ocupam no Texto Constitucional. Isso não
significa, de outro lado, que são direitos absolutos e que devem sempre se opor contra todos.
Essa idéia de direitos fundamentais absolutos deve ceder em benefício de uma interpretação
sistemática do texto, onde são apresentados vários direitos e, entre esses, deve haver uma
sistematização, pois, em alguma dimensão, um direito poderá colidir com o outro, ambos
assegurados constitucionalmente.
Não se pode ter dúvida de que a liberdade de informação e o direito à imagem trazem, desde logo,
a necessidade de ponderação. Voltaremos ao tema, quando tratarmos da ponderação de bens. No
entanto, deixamos registrado que não há direito absoluto e que não podemos deixar de balancear
os bens garantidos constitucionalmente, sob pena de anularmos um ou outro.
Por fim, antes de fechar esse item, apesar de o assunto ter retomada adiante, devemos entender
o que se entende por correspondência para que possamos entender a idéia de sigilo.
Primeiramente, o art. 5.º, XII, da CF/1988 (LGL\1988\3), trata do sigilo de correspondência,
preocupado com a tutela da privacidade e da intimidade. Desde logo, portanto, não teremos
dúvida de que o objeto da tutela é a correspondência pessoal, ou seja, aquela que o destinatário
recebe fora de sua esfera pessoal. Recebe a correspondência não em decorrência de uma
atividade comercial, mas em relação a uma situação pessoal. As correspondências entre amigos,
as correspondências entre pessoas que mantém uma relação afetiva, as que tratam de resultados
médicos, de laboratórios, todas essas trazem informações que devem ser protegidas, tendo em
vista a intimidade e privacidade. Assim, tem direito ao sigilo de correspondência todo aquele que
envia, por carta, uma parte de sua intimidade ou privacidade ou fala da privacidade ou intimidade
do destinatário. O meio é a correspondência pessoal.
No entanto, há outras correspondências que, especialmente, no ambiente de trabalho, não tem a
nomeada proteção. Não se pode imaginar que o extrato bancário da empresa, dirigido ao gerente,
seja protegido de sigilo, se for aberto pelo diretor, seu superior. A correspondência é da empresa,
não do empregado. Ele é o seu representante naquele momento. Mas a proprietária da
correspondência é a empresa.
Da mesma forma, quando faltar o funcionário, o seu substituto terá acesso à correspondência.
Imaginemos o aviso de protesto de um título, dirigido ao setor comercial de uma empresa que,
diante da ausência do funcionário responsável, fique em sua mesa por mais de dois dias. Assim, há
diferença sensível entre a correspondência pessoal e a correspondência comercial. A
correspondência comercial poderia, ainda, trazer algumas gradações, como aquela que é dirigida a
uma empresa individual e aquela que é dirigida a uma grande empresa, com centenas de
empregados, hierarquizados.
20
Santos Cifuentes, em Derechos personalísimos, mostra qual deve ser o objeto da proteção:
"a) Correspondencia y papeles privados. Por secreto debe entenderse no lo reservado, la vida
interior o en soledad, sino aquellas situaciones, pensamientos y datos en general que pertenecen
a la persona y que, por su índole o porque aí lo quiere aquélla, están destinados a no expandirse ni
ser conocidos por terceros. Es lo que se mantiene oculto, y si bien muchas veces el ocultamiento
es diverso de lo puramente personal, no cabe duda que se refiere a un aspecto del derecho a la
intimidad".
Esta lição clara do mestre argentino, coloca-nos diante da teleologia da norma, ou seja, qual
correspondência está abrigada pelo sigilo. É aquela que traz dados pessoais, íntimos, com

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conteúdo a ser protegido.


21
Roberto Senise Lisboa, em "A inviolabilidade de correspondência na Internet" afirma que:
"O sigilo de correspondência advém da obrigação de se respeitar o segredo que se encontra
implícito em toda a relação entre o emissor e o destinatário da mensagem escrita, quanto mais se
o conteúdo da comunicação é de natureza confidencial.
A inviolabilidade de correspondência, destarte, assegura ao emissor ou remetente que a sua
mensagem será recebida pelo destinatário sem adulteração e de forma exclusiva, sob pena de o
ofensor ser responsabilizado por violar os pensamentos, os sentimentos e as vontades secretas
que o emissor da mensagem comunicou ao destinatário".
Verifica-se, portanto, que a teleologia está presente na proteção da correspondência comercial,
ou seja, há de proteger o segredo, a informação íntima, a revelação da alma, protegida
constitucionalmente.
No caso da correspondência comercial, encontraremos algumas nuances.
Há a correspondência comercial que traz segredos comerciais e há a que traz dados corriqueiros
da empresa.
Evidente que a própria empresa tem interesse em manter o sigilo de sua correspondência
comercial, quer seja ela do primeiro ou do segundo grupo. Primeiramente, porque não saberá,
desde logo, qual o conteúdo da carta. E, em segundo lugar, porque, ordinariamente, há interesse
em proteger o empregado, no exercício de suas funções. No entanto, observando a lição dos
ilustres doutrinadores acima, não se pode afirmar que o direito ao sigilo deve perseguir a
correspondência comercial na mesma extensão da correspondência privada. Uma notificação
judicial enviada em uma carta não pode deixar de ser aberta pelo funcionário ou seu substituto,
por exemplo. Portanto, o conteúdo da correspondência comercial não estaria protegido pela norma
constitucional na mesma extensão da correspondência privada, ou seja, aquela que, nos dizeres
de Santos Cifuentes, traz segredos, dados que se quer manter no campo da reserva.
Verificamos, portanto, ao terminar esse item, que estamos diante de um valor constitucionalmente
assegurado, revestido de cláusula pétrea e como manifestação clara e inequívoca do princípio
fundamental da dignidade da pessoa humana. Também já verificamos que a tutela do sigilo de
correspondência mencionado encontra escala, a partir de uma análise teleológica, ou seja, qual a
finalidade da correspondência. E verificamos também que uma correspondência comercial pode não
ter a mesma proteção do que uma correspondência privada.
Adiante verificaremos o enquadramento do e-mail pessoal e do e-mail utilizado dentro da empresa.
3. A empresa, sua atividade e a utilização do e-mail pelo empregado
Esse item terá um outro enfoque. Se o item anterior cuidou da parte dos direitos da personalidade
que garantem o sigilo e a reserva, teremos, neste tópico, o desenvolvimento do trabalhador, da
empresa e de sua responsabilidade perante terceiros.
Inegavelmente, a Constituição de 1988 abraçou um modelo capitalista, quando garantiu, dentro
dos princípios da ordem econômica, no art. 170, da CF/1988 (LGL\1988\3), a propriedade privada.
Essa opção, no entanto, veio temperada por algumas regras também constantes do mesmo art.
170, tais como função social da propriedade, defesa do consumidor, busca do pleno emprego.
Esses são, entre outros, os princípios que devem nortear a ordem econômica. Mas, antes de
verificarmos quais são esses norteadores, devemos verificar os fundamentos dessa ordem
econômica, também constantes do art. 170.
"Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados
os seguintes princípios: (...)".
Desde logo, portanto, estamos verificando que a valorização do trabalho humano é ponto
necessário para a compreensão da atividade econômica no Brasil. E a livre iniciativa também é
outro ponto de fundamento. Caberá, ao intérprete, a tarefa de ajustar a valorização do trabalho
humano com a livre iniciativa.
Nesse particular, também é relevante entender que o trabalho humano, em nosso país, deve ser
moldado pelas regras do art. 7.º, da CF/1988 (LGL\1988\3), que garante os direitos sociais.
Não se pode pensar em entender a expressão valorização do trabalho humano, sem atentar para o
princípio da dignidade da pessoa humana e para o regramento dos direitos sociais, inscritos no art.
7.º.
O caput do art. 7.º garante:
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"Art. 7.º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social: (...)".
Os direitos dos trabalhadores encontram-se, sem dúvida, albergados pelos direitos gerais,
assegurados a todos os indivíduos. Assim, há uma conexão entre os direitos individuais,
assegurados no art. 5.º, da CF/1988 (LGL\1988\3), estendendo-se a proteção à relação de
trabalho. Por esse motivo, não há dúvida de que o trabalhador tem direito à intimidade e à
privacidade. E, nesse particular, não se pode imaginar um trabalhador ameaçado em sua dignidade
(como extensão do princípio da dignidade da pessoa humana) ou ter violada a sua privacidade
(como extensão da regra do art. 5.º, X, da CF/1988 (LGL\1988\3)), ou ainda molestado em sua
privacidade (como conseqüência do mesmo inciso) ou ainda, que tenha o seu domicílio ameaçado
ou ainda a sua correspondência violada (art. 5.º, XII, da CF/1988 (LGL\1988\3)).
Interessante questão aparece na análise de Ricardo de Paula Alves, "Vida pessoal do empregado,
liberdade de expressão e direitos fundamentais do trabalhador. Considerações sobre a experiência
do direito francês", quando aborda a diferença entre vida pessoal e vida privada do empregado,
mostrando a necessidade de proteção dos direitos fundamentais do trabalhador 2 2 (sobre as
hipóteses de proteção e possíveis violações, a obra de Alice Monteiro de Barros, Proteção à
intimidade do empregado, LTr, 1997).
Portanto, é evidente que as cláusulas de proteção genérica do indivíduo se aplicam ao
trabalhador. Questões como espionagem eletrônica do empregado, revistas pessoais, controle de
dados, exames periódicos, fiscalização de suas opções sexuais encontram barreiras nas cláusulas
genéricas da privacidade e intimidade, sempre demandando estudos dos interessados no tema.
Não é sem razão, que a literatura tem se preocupado com o tema, especialmente, diante das
novas ameaças trazidas pela tecnologia para as relações de emprego. 2 3
Inegável que o empregado tem direito à sua intimidade e à sua privacidade. E é inegável também
que tem direito de se proteger da entrada indevida de seu empregador em sua vida pessoal.
Entrevistas onde se pretende saber detalhes da vida pessoal do empregado, revistas na saída do
posto de serviço, como rotina e sem qualquer critério, mostram que o empregador pode violar
sistematicamente os direitos da personalidade do empregado. Câmeras escondidas nos banheiros,
por exemplo, mostram como o empregador pode violar o direito à intimidade e privacidade do
empregado. Portanto, os comportamentos são das mais variadas nuances e devem ser
sancionados os que, sem dúvida, violam o bem constitucionalmente protegido.
Quando se fala em direito à intimidade e privacidade do empregado, não se pode deixar de analisar
também a questão sob a ótica da propriedade privada e do direito de a empresa conduzir seu
negócio.
Nas relações de trabalho, há, como reconhecimento, sem contestação, o direito de o empregador
fiscalizar as atividades de seus empregados. Aliás, situa-se no poder diretivo do empregador uma
das características mais importantes do vínculo empregatício.
Por tal razão que o art. 2.º, da CLT (LGL\1943\5) é claro ao consolidar o poder diretivo do
empregado, quando afirma:
"Art. 2.º Considera-se empregador a empresa individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da
atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.
(...)".
Emílio Gonçalves mostra a caracterização do poder diretivo da empresa e sua finalidade:
"Reconhece-se, porém, ao empresário, como titular da empresa, o poder diretivo ou poder de
comando, por alguns autores também denominado poder hierárquico, consistente no complexo de
faculdades de que dispõe o empresário para a organização e coordenação geral do trabalho na
empresa, com vistas aos fins e necessidades da mesma". 2 4
E, adiante, mostrando os objetivos do poder hierárquico, acrescenta:
"Assim, o objetivo do poder diretivo ou poder hierárquico é, de um lado, a organização empresarial,
ou seja, a determinação de sua estrutura e de seu funcionamento, e, de outro lado, a
regulamentação das condições de trabalho na empresa, abrangendo, inclusive, o comportamento
dos empregados". 2 5
A doutrina se manifesta de forma pacífica sobre a questão. Em interessante trabalho, Márcio Túlio
Vianna define os limites do poder diretivo da empresa:
"Além disso, os empregados devem obediência apenas enquanto tais, vale dizer, na medida em que

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estiverem em situação de receber ordens. Em regra, isso ocorrerá durante a jornada de trabalho e
no interior do estabelecimento. Assim, pode-se concluir que o espaço e o tempo traçam fronteiras
ao exercício do comando". 2 6
Portanto, pode-se concluir que o espaço e o tempo moldam o poder diretivo do empregado. De
outra forma, também exigem do empregado que, limitados pelo tempo e pelo espaço, desenvolvam
a sua atividade laborativa. A regra do tempo e do espaço funciona em dupla mão, ou seja, delimita
o poder do empregador sobre o empregado e, de outro lado, determina que o trabalho deva ser
executado no tempo e no espaço contratualmente ajustado. No caso, a utilização do e-mail
corporativo só ocorreria no espaço do trabalho e no tempo do trabalho.
Não há dúvida de que o poder diretivo da empresa sobre o trabalhador é regra comezinha de
relacionamento obreiro. Do contrário, um dos elementos da relação de trabalho estaria faltante,
descaracterizando o vínculo.
O poder da empresa é claro ao exigir um comportamento do empregado na relação de trabalho.
Esse poder da empresa gera, no campo civil, a imputação de responsabilidade pelos atos de seus
empregados e prepostos.
Se de um lado, não podemos deixar de assegurar ao empregador o poder diretivo, tal poder gera
conseqüências jurídicas, muitas vezes, de natureza civil. Há um direito de um lado, explicitado na
relação trabalhista e, em outra dimensão, um reflexo desse direito, no campo do direito das
responsabilidades.
A doutrina não tem trazido qualquer divergência, no sentido de responsabilizar a empresa pelos
danos causados pelos seus empregados.
Sabe-se que nosso Código Civil de 1916 (LGL\1916\1) segue a teoria subjetiva, na
responsabilidade civil. O art. 159, do CC/1916 (LGL\1916\1), traduz a regra. A responsabilidade
sem culpa, lato sensu, só ocorre quando haja previsão expressa em lei. Esse dispositivo legal nos
remete a outros dispositivos, entre eles o art. 1.521 e 1.522, do CC/1916 (LGL\1916\1), ambos os
artigos excluem a regra da responsabilidade subjetiva, declarando a responsabilidade do patrão por
atos de seus empregados. O novo Código Civil (LGL\2002\400) trata a matéria, sem grandes
alterações, em seu art. 932, quando disciplina:
"Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
(...)
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do
trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
(...)"
Verifica-se que não houve alteração sensível diante do texto modificado.
Também a Súmula 341 segue no mesmo sentido:
"É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto".
De conformidade com a nossa sistemática jurídica, a pessoa não responde só pelo ato que,
mediante dolo ou culpa, deu origem a um dano. A ordem jurídica prevê também a responsabilidade
dos patrões, dos pais, dos curadores, ao lado ainda da responsabilidade pela guarda dos animais,
das coisas inanimadas, sem falar na responsabilidade independente de culpa, ou dita objetiva.
A indireta responsabilidade dos pais, tutores, curadores, patrões ou comitentes em relação aos
atos danosos, praticados pelos filhos, curatelados, empregados e prepostos, está regulada no art.
1.521 do CC/1916 (LGL\1916\1). Incumbe à vítima demonstrar, além da culpa do causador direto
do dano (filho, empregado etc.), a culpa do pai, do tutor, do patrão, do curador, pela negligência
na guarda, na disciplina ou na seleção das pessoas pelas quais se responsabiliza. Entretanto, na
seara do direito sumular, surge a dispensa da necessidade de prova da culpa do responsável
direto, atribuindo a estes uma responsabilidade presumida.
Em sede de responsabilidade civil, deve-se observar que o conceito de preposto desloca-se de
sua etimologia usual, para ser todo aquele que age às ordens do preponente, permanente ou
ocasional.
Apesar de a matéria estar sumulada, vamos transcrever algumas decisões, mostrando a
responsabilidade da pessoa jurídica por ato de seu preposto:
"Ementa: Direito civil. Responsabilidade civil. Homicídio ocorrido em plataforma de exploração de
petróleo. Morte de empregado de firma empreiteira. Indenização de direito comum. Culpa da
Petrobras reconhecida em primeiro e segundo graus. Ausência de vigilância que permitiu a
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introdução de arma de fogo no local. Enunciado 37 (MIX\2010\1290) da Súmula do STJ. Recurso


desacolhido.
I - As indenizações acidentárias e de direito comum são autônomas e cumuláveis. A primeira,
imposta segundo critério objetivo, e exigível do órgão previdenciário nos casos de infortúnios
laborais não decorrentes de dolo da vítima. Já a segunda se mostra devida por qualquer pessoa,
empregadora ou não, que por culpa, mesmo que leve, ocasione ou contribua para a ocorrência do
evento danoso.
II - 'São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato'
(Enunciado 37 (MIX\2010\1290) da Súmula do STJ).
III - Comprovada desídia imputável à empresa estatal, que, tendo contratado empreiteira para
execução de serviços em uma de suas plataformas de exploração de petróleo, deixou de tomar
as providências que lhe incumbiam para garantir proteção e segurança aos trabalhadores,
impõe-se carrear-lhe a obrigação de reparar os danos causados em razão de tal conduta.
IV - Os dependentes econômicos de vítima fatal de acidente, ocorrido quando essa se encontrava
no exercício de sua atividade laborativa, podem demandar terceiro, não empregador, que tenha
concorrido com culpa para causação do sinistro, buscando haver indenização fundada no direito
comum (art. 159 do CC/1916 (LGL\1916\1)).
Decisão por unanimidade, não conhecer do recurso" (STJ 4.ª T., REsp 36884/RJ, rel. Min. Sálvio de
Figueiredo Teixeira (1088), data da decisão: 30.11.1993).
Ou, em outro julgado:
"Ementa: Direito civil. Ação indenizatória. Hospital. Falecimento de paciente. Atendimento por
plantonista. Empresa preponente como ré. Culpa dos prepostos. Obrigação de indenizar. Danos
morais. Quantificação. Controle pela instância especial. Possibilidade. Valor. Caso concreto.
Inocorrência de abuso ou exagero. Recurso desacolhido.
I - Nos termos do Enunciado 341 (MIX\2010\2066) da Súmula do STF, 'é presumida a culpa do
patrão ou do comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto'.
II - Comprovada a culpa dos prepostos da ré, presente a obrigação desta de indenizar.
III - O valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do STJ, recomendando-se que,
na fixação da indenização a esse título, o arbitramento seja feito com moderação,
proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico da parte autora e, ainda, ao porte
econômico da ré, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência,
com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às
peculiaridades de cada caso.
IV - No caso, diante de suas circunstâncias, o valor fixado a título de danos morais mostrou-se
razoável.
Decisão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da 4.ª T. do STJ, na
conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, não conhecer do recurso,
vencidos em parte os Ministros César Asfor Rocha e Aldir Passarinho Júnior. Votaram com o relator
os Ministros Barros Monteiro, César Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Aldir Passarinho Júnior"
(STJ 4.ª T., REsp 259816/RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira (1088), data da decisão:
22.08.2000).
Ou ainda:
"Ementa: Responsabilidade civil. Queda de empregado da carroceria de caminhão durante a
jornada de trabalho. Demanda dirigida contra a empresa preponente, o proprietário do veículo e
contra o seu motorista. Ilegitimidade de parte ativa ad causam. Culpa dos réus. Extensão do
pensionamento. Honorários advocatícios.
- Pretensão de reexame de matéria probatória inadmissível em sede de recurso especial (Súmula 7
(MIX\2010\1261) do STJ).
- 'É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto'
(Súmula 341 (MIX\2010\2066) do STF).
- Responsabilidade atribuída ao proprietário do caminhão, não só pelo dever de guarda que lhe
incumbe, mas também por ser o sócio-titular da empresa preponente.
- Segundo a jurisprudência do STJ, o pensionamento dos beneficiários da vítima deve perdurar até
a data em que esta, se viva fosse, completaria 65 anos.
- Manutenção da obrigação de constituir capital que assegure aos pais do ofendido a renda
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mensal fixada na decisão recorrida. Alegação de idoneidade econômico-financeira da empresa ré


dependente da análise do quadro probatório.
- Honorários corretamente arbitrados em face da reduzida sucumbência dos autores.
Recurso especial não conhecido.
Decisão: Vistos e relatados estes autos, decide a 4.ª T. do STJ, por unanimidade, não conhecer
do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente
julgado. Votaram com o relator os Srs. Ministros César Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar, Aldir
Passarinho Júnior e Sálvio de Figueiredo Teixeira" (STJ 4.ª T., REsp 132473/SP, rel. Min. Barros
Monteiro (1089), data da decisão: 04.05.2000) (em todos os acórdãos, grifos nossos).
Verifica-se que se pode retirar claro vetor da jurisprudência que, aplicando o art. 1.521, do CC/
1916 (LGL\1916\1) (ou 932 do novo diploma), cuidou de responsabilizar a empresa pelos atos de
seus empregados. Esse vetor permite uma exploração direta para o caso em comento. Se a
direção do empregado é característico essencial da relação de emprego, inegável que a
responsabilidade do empregador pelos atos de seus empregados deve ser mantida.
O empregador tem o dever de fiscalizar seus empregados, sendo responsável quer pela escolha
como pela vigilância das atitudes do empregado no ambiente de trabalho.
A teoria da responsabilidade, acolhendo o poder diretivo do empregador, tratou de responsabilizar
a empresa pelos atos de seus prepostos. É a conseqüência jurídica natural do poder diretivo da
empresa.
O ambiente de trabalho vai se distribuir em várias situações. Hoje não há dúvida de que o
computador e o e-mail se constituem em instrumentos indispensáveis a determinado tipo de
função na relação empregatícia. É difícil imaginar que um funcionário integrante dos quadros
burocráticos da empresa - ou mesmo de sua produção - não tenha um computador e que a
empresa não tenha um e-mail com domínio próprio, normalmente, fazendo constar o nome da
empregadora.
Não se trata de situação excepcional. Ao contrário. Estamos diante de um fato comum e
corriqueiro. Antes de finalizar, no entanto, esse pequeno módulo, é importante anotar que o
computador é um instrumento de trabalho e que o e-mail é também utilizado para as tarefas de
trabalho. Fazem parte da empresa, de seu material. O empregado, quando se afasta da empresa,
não leva o computador da empresa. Ele pertence a ela, assim como o sistema de utilização do e-
mail. A jurisprudência norte-americana tem apontado que e-mails enviados pelos empregados das
empresas geram responsabilidade destas. Sobre o assunto, o caso narrado por Beth Givens,
comentando a indenização de dois milhões e duzentos mil dólares pagos pela Chevron em questão
de assédio sexual, porque um de seus empregados havia enviado um e-mail com o seguinte
conteúdo: "25 razões provando que cerveja é melhor do que mulheres". 2 7
O empregado terá acesso ao e-mail, que levará o nome da empresa (domínio da empresa) e será,
em termos de responsabilidade civil, seu representante, obrigando a empresa, portanto, perante
terceiros.
Até o momento, portanto, podemos chegar a algumas conclusões. Os sigilos garantidos
constitucionalmente são bens importantes e valorizados pelo sistema. Não há direitos absolutos no
sistema, mesmo os fundamentais, que serão moldados por outros direitos dentro do sistema
constitucional.
O poder diretivo da empresa é característico essencial e indispensável da relação de emprego.
Como conseqüência desse poder, a empresa é responsável por seus empregados e prepostos, pois
deve sempre agir com cautela na condução de suas atividades. Por fim, o e-mail é um instrumento
básico e indispensável de trabalho, marcando a atividade empresarial por meio de seu domínio, ou
seja, o e-mail traz o nome da empresa empregadora.
Com essa observação, estamos em condições de seguir para o terceiro estágio desse trabalho,
qual seja, o da ponderação de bens.
4. A colisão de direitos - Bibliografia
Vimos no item 2 a importância do direito à intimidade e à privacidade, como desdobramento dos
direitos da personalidade e, ainda, como desdobramento do princípio da dignidade da pessoa
humana.
No item 3, que há pouco encerramos, anotamos que a direção do empregado é dever do
empregador e elemento caracterizador do vínculo empregatício gerando, como demonstrado, a
responsabilidade do empregador por danos causados, já que há presunção de que o mesmo
deveria escolher bem seus empregados e, depois de escolhidos, fiscalizar o seu trabalho, para que
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se evitem os mencionados danos. Tudo a partir do princípio da propriedade privada, que viabiliza a
empresa, garantido no art. 170 da CF/1988 (LGL\1988\3).
Estamos, em condições, agora, de iniciar o processo de ponderação dos direitos, ou seja, de um
lado, o direito à intimidade e à privacidade e, de outro, a possibilidade de o empregador ter acesso
aos e-mail s do empregado.
Entende-se, antes do mais, por colisão de direitos a co-existência de direitos dentro do mesmo
sistema. Sobre a questão, ensina Canotilho:
"De um modo geral, considera-se existir uma colisão de direitos fundamentais quando o exercício
de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental
por parte de outro titular. Aqui não estamos perante um cruzamento ou acumulação de direitos
(como na concorrência de direitos), mas perante um 'choque', um autêntico conflito de direitos".
28

O STF em decisão recentíssima, em que envolve questão conhecida da mídia de alegado estupro
no cárcere, assim decidiu:
"O Tribunal, por maioria, conheceu como reclamação o pedido formulado contra a decisão do juízo
federal da 10.ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal que autorizara a coleta da placenta de
extraditanda grávida, após o parto, para a realização de exame de DNA com a finalidade de instruir
inquérito policial instaurado para a investigação dos fatos correlacionados com a origem da
gravidez da mesma, que teve início quando a extraditanda já se encontrava recolhida à
carceragem da Polícia Federal, em que estariam envolvidos servidores responsáveis por sua
custódia. (...) No mérito, o Tribunal julgou procedente a reclamação e, avocando a apreciação da
matéria de fundo, deferia a realização do exame de DNA com a utilização do material biológico da
placenta retirada da extraditanda, cabendo ao juízo federal da 10.ª Vara do Distrito Federal adotar
as providências necessárias para tanto. Fazendo a ponderação dos valores constitucionais
contrapostos, quais sejam o direito à intimidade e à vida privada da extraditanda, e o direito à
honra e à imagem dos servidores e da Polícia Federal como instituição - atingidos pela declaração
de a extraditanda haver sido vítima de estupro carcerário, divulgada pelos meios de comunicação
o Tribunal - afirmou a prevalência do esclarecimento da verdade, quanto à participação dos
policiais federais na alegada violência sexual, levando em conta, ainda que o exame de DNA
acontecerá sem invasão de sua integridade física da extraditanda ou de seu filho" ( Boletim
Informativo do STF, n. 257).
Estamos verificando que o Pretório Excelso vem aplicando a teoria da ponderação de bens, diante
de eventual colisão.
Vejamos, no caso em comento neste parecer, quais os valores que estariam em cotejo nesse
momento. O empregado tem direito, inegavelmente, à sua privacidade e intimidade. O empregador,
de outro lado, é responsável pelos atos de seu empregado, especialmente se agiu com
negligência, imprudência ou imperícia. O dever de dirigir e fiscalizar o empregado é elemento
essencial do vínculo empregatício.
A relação acima deve ser acrescida pelo fato de que a empregadora tem um domínio próprio,
identificador de sua marca e de sua personalidade. A utilização do e-mail da empresa, com o seu
domínio, torna a empresa passível de responsabilização pelos atos provocados pelo seu
funcionário, em caso, por exemplo, de envio de e-mails pornográficos a terceiros? Evidente que
sim. A resposta positiva está ancorada na Súmula 341 (MIX\2010\2066) do STF.
Se um empregado utiliza o e-mail da empresa, com o domínio próprio, para divulgar mensagens
pornográficas, ofensivas ou mesmo atentatórias à ordem pública, provocando pânico ou ainda
mensagens racistas, por exemplo, tal comportamento vinculará a empregadora, que será
responsável pelo fato. E o fundamento da responsabilidade da empresa está justamente na
ausência de fiscalização de tal empregado. A culpa in vigilando ou in eligendo estará
caracterizada, determinando a responsabilização da empregadora.
Diante de tal fato, não fica difícil imaginar que o sistema, por meio da Súmula 341
(MIX\2010\2066) do STF e do próprio Código Civil (LGL\2002\400), determina que a empregadora,
sob pena de ser responsável, aja no sentido de fiscalizar seus empregados.
Essa fiscalização, no entanto, pode ser a ponto de violar a correspondência eletrônica do
empregado? Primeiramente, devemos anotar que o e-mail fornecido ao empregado era para
desempenho de suas atividades, ou seja, para que pudesse desenvolver seu trabalho. O
computador é equipamento da empresa e seus softwares também são propriedade da empresa-
empregadora. Dessa forma, está claro que o ambiente não é adequado para que o empregado
veicule ou receba qualquer tema voltado à sua intimidade e privacidade. Lembremos das
observações anteriormente citadas de Santos Cifuentes, sobre o sentido do segredo. O e-mail da
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empresa não é o local para receber e tampouco enviar segredos, quer sejam eles voltados à
privacidade, quer à intimidade do empregado.
O ambiente de trabalho deve ser cercado de sobriedade e profissionalismo. Isso não significa que
o empregado não possa ter o seu próprio e-mail e se corresponder pessoalmente. Essa condição
não se confunde com o e-mail utilizado pela empresa para suas atividades, o que fará com que ela
esteja envolvida em todas as manifestações produzidas pelo empregado. O e-mail, com o nome do
domínio da empresa, estabelece limite claro do ambiente de trabalho. Há sinal claro de que se está
diante de um instrumento de trabalho.
Há de se entender a situação. Não estamos discutindo o e-mail do empregado, que serve para
suas comunicações diárias com seus familiares, amigos e relações amorosas. 2 9 Estamos cuidando
de um e-mail que leva o nome da empresa em seu domínio e, portanto, passível de
responsabilização nos termos da jurisprudência já sumulada.
Entendemos, desta forma, que o e-mail com domínio da empresa escapa da proteção
constitucional do direito à intimidade e à privacidade, constituindo instrumento de trabalho e,
portanto, passível de controle pela empresa.
Não é correspondência, no sentido constitucional previsto no art. 5.º, XII, da CF/1988
(LGL\1988\3), porque não traz (e não poderia, por ser instrumento de trabalho) veiculação de
segredo pessoal do empregado. O e-mail é utilizado para o trabalho, em equipamento da
empregadora, com software da empregadora. Portanto, o empregado tem notícia de que está em
ambiente alheio ao segredo pessoal. Está em ambiente de trabalho e deve se comportar para
evitar qualquer tipo de segredo profissional, quer recebendo, quer enviando.
O escopo do e-mail fornecido pela empresa e com o seu domínio não é o espaço para segredos
pessoais. Portanto, não se pode falar em correspondência com a proteção constitucional.
Situação distinta seria a empresa abrir carta pessoal dirigida ao empregado. Inegavelmente,
estaríamos - mesmo dirigida ao endereço comercial - diante de uma violação da privacidade. No
entanto, o e-mail é instrumento de trabalho.
A doutrina tem entendido que o e-mail é instrumento de trabalho e, portanto, fora do alcance da
proteção constitucional da privacidade. Nesse sentido, o excelente trabalho de Sandra Lia Simon.
A autora, após contextualizar o direito ao sigilo, analisa especificamente, em sua dissertação de
Mestrado, a situação do e-mail do empregado. Afirma:
"No ambiente de trabalho, entretanto, a questão toma outro rumo. Se o empregador forneceu um
computador ao empregado, presume-se que este equipamento seja fundamental para a execução
do serviço. Logo, com base no poder de direção, o empregador poderia checar as mensagens
eletrônicas recebidas e enviadas pelos trabalhadores, pois é 'terceiro interessado'". 3 0
31
Não discorda de tal posição Sérgio Ricardo Marques Gonçalves.
A doutrina norte-americana, consolidada pela jurisprudência daquele país, já firmou entendimento
de que o e-mail pertence à empresa e, portanto, não está incluído na proteção da privacidade. 3 2
Portanto, não há dúvida de que o e-mail do empregado, utilizado em computador da empresa, com
domínio da empresa pode ser controlado pelo empregador.
Uma palavra em homenagem à ponderação de bens constitucionais e ao princípio da lealdade entre
as partes.
Se estamos diante de uma hipótese de colisão de direitos, ou seja, de um lado o direito à
inviolabilidade das correspondências e, de outro, a necessária tutela da empresa, cabe ao
intérprete procurar minimizar o direito que cederá em parte para se ajustar ao bom sentido do
Texto Constitucional.
As relações sociais e, especialmente, as relações entre empregador e empregado devem ser
regidas pelo princípio da lealdade entre as partes. E, não devemos esquecer, a garantia da
intimidade e privacidade são bens constitucionalmente protegidos. Desta forma, pode-se afirmar
que a atitude da empresa, de controlar os e-mails de seus empregados, deve estar firmada no
princípio da lealdade. Para tanto, o empregado não pode ser surpreendido pela fiscalização da
empresa quando, em nenhum momento do contrato de trabalho, tal regra estava clara.
Se de um lado, a empresa tem direito à fiscalização de suas propriedades e, sem dúvida, o
computador e o seu conteúdo fazem parte desses bens, o empregado tem direito à privacidade e
à intimidade. A empresa deve deixar claro que a fiscalização é a regra. O empregado que nunca foi
fiscalizado e que não foi avisado do comportamento da empresa pode afirmar que tal regra não
estava prevista e tampouco era clara.
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Dessa maneira, entendemos essencial que o empregado seja avisado de forma clara e inequívoca
sobre o poder de fiscalização da empresa de seu correio eletrônico, assim como deve ficar
inequivocamente demonstrado que o e-mail da empresa deve ser utilizado apenas para questões
profissionais, sendo vedado qualquer tipo de veiculação estranha aos fins da empresa e dos
objetivos da empregadora.
Melhor seria, desde a contratação, já constasse cláusula expressa de tal conteúdo. E, por
cautela, deveriam constar os motivos que poderiam ensejar falta grave, tais como, veicular
material pornográfico, utilizar o e-mail para assédio sexual, piadas etc. O regramento claro
traduzirá a postura inequívoca e firme da empresa no sentido de fiscalizar, deixando a relação
explícita e sem qualquer dúvida para as partes.
Podemos, para facilitar o trabalho, transcrever, de forma livre, as observações de William S.
Hubbartt 3 3 sobre política de privacidade e utilização de e-mail:
a) o e-mail é uma forma oficial de comunicação da empresa. Todos os terminais de computadores,
modens, linhas telefônicas e sistemas de software são propriedade da empresa. O uso da
propriedade da empresa é permitido aos empregados e devem atender aos regulamentos para seu
uso;
b) o sistema de e-mail é apenas para o uso profissional da empresa. Assuntos pessoais e outros
assuntos não profissionais não são permitidos. Qualquer assunto que não seja o profissional
específico do seu cargo não será permitido na correspondência eletrônica;
c) mensagens ofensivas, com conteúdo sexual ou com conteúdo racial são proibidas;
d) empregados são responsáveis por usar sua senha de acesso em seus e-mails e caixas postais.
Empregados não devem acessar e-mails ou caixas postais de outros empregados;
e) o uso de senha de acesso à caixa postal, fornecida pela empresa, não configura que as
comunicações são privadas. A empresa acessará a caixa postal e verificará o conteúdo das
mensagens;
f) informações profissionais confidenciais não devem ser veiculadas por e-mail;
g) empregados devem observar as práticas de comunicação dos e-mails da mesma forma que
observam as regras de comunicação comercial da empresa.
Uma outra sugestão do mesmo autor consistiria em:
"O sistema de e-mail é propriedade da empresa empregadora e é forma oficial de sua comunicação
profissional. É importante usar uma linguagem adequada e etiqueta em todas as mensagens de e-
mail. Por favor, não considere o e-mail uma forma privada de comunicação e não use o e-mail para
comunicação confidencial. Para assegurar que o sistema está operando de forma adequada, a
companhia pode, de tempos em tempos, monitorar o acesso às mensagens de e-mail. Empregados
devem não acessar e não ler as comunicações de outros empregados".
Portanto, a bem da lealdade, é importante que o empregado conheça claramente as regras que
vão disciplinar o policiamento do correio eletrônico, para que se evitem futuros e eventuais
problemas.
O princípio da lealdade deve estar presente nas relações trabalhistas. Os avisos acima podem
colaborar para tornar a relação clara, assim como as finalidades do correio eletrônico.
Ao fazermos a ponderação dos bens constitucionais, trataremos de reduzir o desgaste na
aplicação dos fatores de aplicação constitucional. Se o poder do empregador deve prevalecer,
temos que admitir que a clara sinalização, por parte da empresa, deve estar presente, para que as
regras fiquem claras. O aviso, que deve constar do contrato de trabalho e deve ser objeto de
advertências periódicas, deve refletir a lealdade da situação, de forma que torne claro que o e-
mail é um instrumento de trabalho, submetido a regras claras da empresa e que o seu conteúdo
será sistematicamente analisado pela empregadora.
Desta forma, o balanceamento dos bens fica pendendo para o poder diretivo do empregador. No
entanto, a empresa deve deixar claro que o e-mail é de utilização do empregado apenas para as
tarefas profissionais, advertindo-o, desde logo, de que não poderá ser utilizado em quaisquer
outras situações.
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(1) Curso de direito civil brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, [s/d]. vol. 1, p. 83.

(2) Introdução ao direito civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 157.

(3) Cf., op. cit., p. 157-158.

(4) Direitos da personalidade. Trad. Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel Caeiro. Lisboa: Livraria
Morais, 1961. p. 45.

(5) Idem, ibidem, p. 48.

(6) Idem, p. 51.

(7) Idem, p. 52.

(8) Idem, p. 58.

(9) Idem, p. 57.

(10) Derechos personalísimos. 2. ed. atual. e ampl. Buenos Aires: Àstrea, 1995. p. 176 a 183.

(11) Idem, ibidem, p. 176-192.

(12) Cf. Jean Rivero, Libertés publiques, Paris: Themis, [s/d], 1- Les droits de l'homme, p. 95.

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(13) Cf. também Claude-Albert Colliard, Libertés publiques, 5. ed., Paris: Dalloz, 1975, p. 43.

(14) A questão da tentativa de proibir o Estado de invadir a esfera individual não é recente.
Foustel de Coulanges, em A cidade antiga, já anotava que a cidade-Estado já se imiscuía na vida
quotidiana de seus cidadãos, quer disciplinando o penteado das mulheres, quer exigindo (ou
proibindo) o uso da barba, quer, ainda, determinando o número máximo de vestidos que as
mulheres deveriam carregar durante uma viagem (cf. op. cit., Bauru: Edipro, 1999, p. 192).

(15) Deixaremos de mencionar a evolução histórica da consagração dos direitos da personalidade


por escapar do centro desse estudo. Para um maior esclarecimento, V. Capelo de Souza
Rabindranath, O direito geral de personalidade, Coimbra: Ed. Coimbra, 1995.

(16) CATE, Fred H. Privacy in the information age. Washington, D.C.: Brookings Institution Press,
1997. p. 21-22.

(17) Op. cit., classificação geral.

(18) Op. cit., p. 229.

(19) MATTIA, Fábio Maria de. "Direitos da personalidade: aspectos gerais". Revista de Direito Civil,
Imobiliário, Agrário e Empresarial, ano 2. p. 48-49, jan.-mar. de 1978.

(20) Op. cit., p. 559.

(21) Direito & Internet - Aspectos jurídicos relevantes. Bauru: Edipro, 2000. p. 465-492.

(22) Revista de Direito do Trabalho 104/132-150. São Paulo: RT, ano 27, out.-dez. de 2001.

(23) Cf. Beth Givens, The privacy rights handbook, New York: Avon Books, 1997; Fred H. Cate,
op. cit.; William S. Habbartt, The new battle over workplace privacy, New York: Amacon, 1997;
Jeffery Rosen, The unwanted gaze, New York: Random House, 2000.

(24) "O poder regulamentar do empregador". O regulamento do pessoal na empresa. 2. ed. São
Paulo: LTr, [s/d]. p. 24.

(25) Idem, ibidem, p. 25.

(26) Direito de resistência. São Paulo: LTr, 1996. p. 210. Grifos originais.

(27) Op. cit., p. 213.

(28) Direito constitucional. 4. ed. Coimbra: Almedina, 1986. p. 495. Grifos originais.

(29) Tratando do e-mail pessoal, Roberto Senise, na obra citada, defende a sua inviolabilidade. No
entanto, acreditamos que, diante do domínio da empresa, a situação de inviolabilidade não se
caracteriza.

(30) SIMON, Sandra Lia. A proteção constitucional da intimidade e da vida privada do empregado.
São Paulo: LTr, 2000. p. 161.

(31) Cf. " E-mail x empregados: é legal o monitoramento pela empresa?", disponível em:
[www.securenet.com.br], artigo publicado em duas partes.

(32) Cf. Jeffrey Rosen, The unwanted Gaze. The destruction of privacy in América, New York:
Random House, 2000, p. 72-73, e cf. Beth Givens, op. cit., p. 212.

(33) Op. cit., p. 147


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