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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Número do 1.0000.23.248198-6/001 Númeração 5005902-


Relator: Des.(a) Luiz Artur Hilário
Relator do Acordão: Des.(a) Luiz Artur Hilário
Data do Julgamento: 14/11/2023
Data da Publicação: 17/11/2023

EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DIREITO DO CONSUMIDOR -


APELAÇÃO CÍVEL - RELAÇÃO DE CONSUMO - AÇÃO INDENIZATÓRIA -
DEFEITO NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS - LAUDO TOXICOLÓGICO -
RESULTADO POSITIVO PARA O USO DE COCAÍNA - FALSO POSITIVO -
DANOS MATERIAIS E MORAIS - CONSTATAÇÃO - SENTENÇA
PARCIALMENTE REFORMADA.

- Nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor


de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à
prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou
inadequadas sobre sua fruição e riscos. - Ainda segundo o §3º, inciso I, do
mesmo artigo, o fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando
provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste. - Inversão do ônus
da prova decorrente expressamente do texto legal (ope legis), que independe
de qualquer pronunciamento judicial para a sua ocorrência.

- Constatado nos autos divergência entre o resultado apresentado pelo


laboratório réu, apontado como falho pelo consumidor, e outro resultado
divergente produzido por terceiro laboratório, cujo exame foi realizado
poucos dias após o primeiro, instaura-se ao laboratório demandado a
obrigação de comprovar que a conclusão do seu laudo é verdadeiro e que
apresenta resultado efetivamente positivo para a presença de uso de drogas.
- Constatação de divergência entre laudos que deveria ser solucionada
mediante a produção de prova pericial que competia ao laboratório réu
produzir, com utilização do mesmo material extraído do consumidor, utilizado
na confecção do primeiro laudo. - Ausente a prova nos autos, conforme
exigem o artigo 373, II

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do CPC c/c art. 14, §3º, I do CDC, deve-se concluir pelo defeito na prestação
do serviço realizado pelo laboratório demandado.

- Demonstrada a perda patrimonial decorrente do gasto tido para a realização


de contraprova, impõe-se o reconhecimento do dever de indenizar o
consumidor pelo valor efetivamente gasto com o serviço apontado como
defeituoso.

- A conclusão incorreta de uso de substância proibida, cocaína, em exame


toxicológico necessário para a efetivação da contratação de serviço
profissional de motorista, acarreta inegável ofensa aos direitos da
personalidade do autor/consumidor, tais como boa fama, imagem e honra, o
que ultrapassa, e muito, o mero aborrecimento da vida cotidiana e o simples
descumprimento contratual, aptos a ensejarem o reconhecimento de danos
morais passíveis de compensação monetária.

- Para fixação do valor do dano moral, há de se considerar as peculiaridades


de cada caso, o caráter pedagógico da condenação, a vedação ao
enriquecimento sem causa do indenizado, a proporcionalidade e a
razoabilidade.

- Sentença parcialmente reformada. Recurso que se dá parcial provimento.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.23.248198-6/001 - COMARCA DE CAMPO


BELO - APELANTE(S): TELMO DE ALVARENGA - APELADO(A)(S): SAO
LUCAS LABORATORIO DE ANALISES CLINICAS - POSTO DE COLETA
LTDA - ME, TOXICOLOGIA PARDINI LABORATÓRIOS SA

ACÓRDÃO

Acorda, em Turma, a 9ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do


Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata do julgamento, em DAR
PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.

DES. LUIZ ARTUR HILÁRIO

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RELATOR

DES. LUIZ ARTUR HILÁRIO (RELATOR)

VOTO

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença de ordem


117, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª vara cível da comarca de
Campo Belo/MG que, nos autos da Ação de Indenização por Danos Morais e
Materiais (sic) ajuizada por TELMO DE ALVARENGA em face de POSTO
SÃO LUCAS LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS e TOXOCOLOGIA
PARDINI LABORATÓRIOS, assim decidiu:

"Isto posto, julgo improcedentes os pedidos indenizatórios formulados por


TELMO DE ALVARENGA em face das pessoas jurídicas

POSTO SÃO LUCAS LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS - POSTO


DE COLETAS LTDA e TOXICOLOGIA PARDINI LABORATÓRIOS,
extinguindo-se o processo com resolução de mérito (artigo 487, inciso I, do
CPC), tendo em vista que o mesmo não conseguiu comprovar que o serviço
que lhe foi prestado pelos colaboradores das requeridas (realização de laudo
toxicológico), embora com resultado que lhe foi desfavorável, tenha
apresentado defeito e realizado em desobediência aos protocolos legais, não
se incumbido do ônus probatório previsto no

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artigo 373, inciso I, do CPC. Por outro lado, as empresas requeridas


conseguiram apresentar provas materiais de que o serviço prestado foi
realizado sem defeito e como forma de exclusão da responsabilidade objetiva
que lhes foi imposta (artigo 14, § 3º, inciso I, do CDC), desconstituindo-se o
direito indenizatório pretendido na inicial, nos termos do artigo 373, inciso II,
do CPC.

Isento-o do pagamento das custas processuais, porque amparado pela


assistência judiciária, mas condeno-o ao pagamento de honorários
advocatícios que fixo em 15% sobre o valor da causa, com a condição
suspensiva prevista no artigo 98, § 3º, do CPC. (...)"

Insatisfeita com o pronunciamento judicial, a parte autora interpôs o


presente recurso, documento de ordem 119, e sustentou, em apartada
síntese, pela reforma da sentença proferida, dada a comprovação dos fatos
constitutivos do direito sustentado na inicial. Assevera que houve
demonstração da falha na prestação dos serviços das rés por apresentarem
exame toxicológico com resultado inverídico, o que lhe causou os danos
materiais e morais narrados e demonstrados na inicial. Afirma que a oitiva
realizada em audiência, por colher testemunho de informantes sem o
controle do ambiente, não caracteriza como prova apta a corroborar na
formação do convencimento do julgador. Sustenta que a decisão exarada é
nula, por ausência de fundamentação e, ainda, pela falta de análise do
pedido de inversão do ônus da prova. Alega que a sentença deve ser
reformada, por não observar corretamente as provas produzidas, em
especial o bilhete de coleta do material que indicava a janela de detecção de
aproximadamente 180 (cento e oitenta) dias. Sustenta que antes do referido
prazo foi realizado novo exame, em outro laboratório, quando ficou
constatada a ausência de utilização de qualquer entorpecente por parte do
autor, o que demonstra, de forma cabal, a falha na prestação dos serviços
oferecidos pelas rés. Assim, pleiteia pelo conhecimento e provimento do
recurso para reformar a sentença combatida e julgar totalmente procedentes
os pedidos formulados na inicial.

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Não houve recolhimento do preparo recursal, uma vez que a parte autora
litiga amparada pelos benefícios da justiça gratuita.

Os autos foram remetidos ao eg. TJMG e o recurso distribuído à minha


relatoria, por sorteio.

Eis o relatório necessário.

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade,


conheço dos recursos.

FUNDAMENTAÇÃO

Cinge-se a controvérsia trazida a análise deste eg. Tribunal de Justiça do


Estado de Minas Gerais se houve falha na prestação dos serviços pelas rés
que ocasionassem os danos materiais e morais sustentados na peça de
ingresso.

Pois bem.

De início, verifica-se que a relação jurídica travada entre a parte autora e


a parte ré é nitidamente de consumo, de modo a atrair as normas protetivas
do Direito do Consumidor, nitidamente aquelas previstas no Código de
Defesa do Consumidor.

O autor utilizou os serviços prestados pela parte ré como usuário

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final, configurando-se como consumidor, nos moldes do artigo 2º do CDC. As


rés, por sua vez, integraram a cadeia de consumo ao disponibilizarem
prestação dos serviços de análise laboratorial, configurando-se como
fornecedoras, nos termos do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor.

Pois bem.

O Código de Defesa do Consumidor regulamenta a Responsabilidade por


Fato do Serviço em seu artigo 14 nos seguintes termos:

Art. 14. "O fornecedor de serviços responde, independentemente da


existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores
por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos."

Como cediço, tanto a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço,


como a oriunda do vício do produto ou serviço, são de natureza objetiva,
prescindindo do elemento culpa a obrigação de indenizar atribuída ao
fornecedor.

Tratando-se de fato do serviço, segundo dispõe o §3º do mencionado


artigo, o fornecedor somente deixará de ser responsabilizado quando provar
(i) que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; (ii) a culpa exclusiva do
consumidor ou de terceiro.

Nessas hipóteses, em que se alega o defeito na prestação dos serviços,


a inversão do ônus da prova decorre de forma automática, operando-se em
decorrência da própria lei, ou seja, compete ao fornecedor, e não ao
consumidor, demonstrar que o defeito alegado não existe, sendo totalmente
desnecessária a inversão do ônus da prova pelo Juízo, nos moldes do artigo
6º, VIII do CDC.

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Esse é o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça:

"AGRAVO INTERNO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA E


ARTICULADA DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA.
INADMISSIBILIDADE. STJ, SÚMULA 182; CPC 2015, ART. 1.021, § 1º.
INFECÇÃO HOSPITALAR. AUSÊNCIA DE DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO
SERVIÇO COMPROVADA EM PERÍCIA. SÚMULA 7. AGRAVO INTERNO A
QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. "Nos termos do art. 14, caput, do CDC, o fornecedor de serviços responde


objetivamente (ou seja, independentemente de culpa ou dolo) pela reparação
dos danos suportados pelos consumidores decorrentes da má prestação do
serviço. Além disso, o § 3º do referido dispositivo legal prevê hipótese de
inversão do ônus da prova ope legis (a qual dispensa os requisitos do art. 6º,
VIII, do CDC), assinalando que esse fornecedor só não será
responsabilizado quando provar: i) que, tendo prestado o serviço, o defeito
inexiste; e ii) a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro." (STJ, AgInt no
AREsp 1604779/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA
TURMA, DJe 24/4/2020.) 2. Hipótese em que as instâncias de origem, com
base nas provas constantes dos autos, notadamente a pericial, concluíram
pela inexistência de defeito na prestação do serviço. 3. Agravo interno a que
se nega provimento." (AgInt no REsp n. 1.549.466/SP, relatora Ministra Maria
Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 21/3/2023.)

Assim, na situação posta, na qual se alega o defeito na prestação dos


serviços, independe de pedido do consumidor e de análise pelo Juízo o pleito
de inversão do ônus da prova, a qual decorre de forma automática e
expressa do próprio texto normativo previsto no artigo 14, §3º, I do Código de
Defesa do Consumidor.

Na espécie, sustentado pelo autor que houve falha na prestação

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dos serviços por análise incorreta de exame toxicológico, competia ao próprio


fornecedor, no caso ao laboratório segundo réu, demonstrar, à luz do artigo
14, §3º, I do Código de Defesa do Consumidor, que o defeito alegado na
inicial não existe.

No transcurso do trâmite processual, a parte ré foi intimada para se


manifestar sobre as provas que pretendia produzir, contudo, solicitou, tão
somente, a oitiva de testemunhas e a colheita do depoimento pessoal da
parte autora.

A colheita do depoimento prestado pelos empregados da ré, por si só,


não foi o suficiente para demonstrar que não houve falha na prestação dos
serviços.

Isso porque, tratando-se a prestação de serviços de exame laboratoriais,


questão eminentemente técnica, competiria à parte ré, no momento
oportuno, pleitear a elaboração de prova pericial a fim de demonstrar que,
tanto o exame principal, tanto a contraprova analisadas, produziram
resultados verdadeiros, e não falsos, como apontado pelo autor na petição
inicial.

Constata-se nos autos um laudo elaborado pelo laboratório da ré que


aponta que, no material fornecido pela parte autora, pelos extraídos da
perna, houve a detecção de uso de droga (cocaína) dentro da janela
aproximada de colheita - nos últimos 180 (cento e oitenta) dias a contar da
elaboração do exame.

O material foi colhido do autor no dia 22/09/2021, tendo o laboratório réu


chegado à conclusão de resultado positivo no dia 28/09/2021.

O consumidor, ao constatar com o resultado positivo, surpreendido com a


conclusão, já que negava veementemente o uso de qualquer substância
entorpecente, pleiteou no dia 05/10/2021, junto ao laboratório, a realização
de contraprova, pagando os custos adicionais daí decorrentes (documento
acostado à ordem 11).

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Na mesma semana, antes mesmo de realizar o pedido de contraprova,


compareceu a outro laboratório, no dia 1º/10/2021, ocasião em que realizou
novo exame, a fim de obter conclusão diversa do primeiro.

No novo exame realizado perante laboratório diverso daquele


administrado pela parte ré, constatou-se que na nova amostragem coletada
não se verificou a presença de uso de nenhuma droga, conforme bem se
extrai do documento acostado à ordem 9.

Pouco mais de um mês após a colheita da primeira amostragem,


sobreveio o resultado da contraprova pleiteada pelo consumidor ao
laboratório da segunda ré, ocasião em que, em novo laudo, restou
constatado novamente o uso de cocaína na amostragem coletada.

Dessa maneira, verifica-se que há nos autos dois laudos divergentes. O


primeiro, principal e contraprova, produzidos pelo laboratório administrado
pela segunda ré, indicam o resultado positivo para o uso de cocaína na
janela de 180 (cento e oitenta) dias da colheita do material. O segundo,
realizado pelo DB Toxicológico, aponta que na nova amostra coletada não
indicava o uso de qualquer droga na escala de 180 (cento e oitenta) dias a
contar da colheita do novo material, extraído no dia 1º/10/2021.

Nessa hipótese, diante de dois laudos emitidos por laboratórios diferentes


com resultados diferentes, seria prudente e necessário que o fornecedor
requeresse a produção de prova pericial a fim de demonstrar que, na
amostra colhida, efetivamente havia a presença de material que indicava o
uso de cocaína na janela de análise, dentro dos 180 (cento e oitenta) dias.

A realização da prova técnica, por parte do laboratório demandado, se


mostrava totalmente possível, com utilização do mesmo material extraído do
corpo do próprio consumidor (pelos da perna) utilizados para a realização do
primeiro exame ao qual se apontou como falho.

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Isso porque, os Termos e Condições Referentes à Prestação de Serviços


de Exame Toxicológico Especializado, acostados à ordem 41, preveem a
obrigação do laboratório armazenar as amostras coletadas pelo prazo de 5
(cinco) anos para fins de contraprova.

É o que se extrai da cláusula 5ª:

Constatado que o laboratório réu detinha a obrigação contratual de


armazenar a amostra de pelo coletado utilizado para a realização do exame
toxicológico e, ainda, que o consumidor apontou falha na prestação dos
referidos serviços de análise laboratorial, competia à segunda demandada,
no curso do processo, produzir prova pericial apta a comprovar que a falha
na prestação dos serviços não existiu, ou seja, que na amostra coletada
comprova o uso da substância cocaína na janela de 180 (cento e oitenta)
dias a partir da sua coleta.

Ocorre, contudo, que o laboratório réu não desincumbiu do ônus


probatório que lhe competia produzir, nos moldes do artigo 373, II do Código
de Processo Civil c/c artigo 14, §3º, I do Código de Defesa do Consumidor.

Dessa maneira, deve ser reconhecido que houve falha na prestação dos
serviços, apta a ensejar a responsabilidade civil solidária das rés pelo evento
noticiado na petição inicial.

Constatado a conduta antijurídica promovida pelas rés, em conjunto, por


terem integrado a mesma cadeia de relação de consumo, importa averiguar
quais os danos foram experimentados pela parte autora, aptos a serem
reparados.

Quanto ao pedido de recebimento de indenização por danos materiais


decorrentes da perda de uma chance, consistente na ausência de
contratação no novo emprego de motorista na empresa que iria ser admitido,
entendo que a parte autora não faz ao recebimento de qualquer indenização
a este título.

Diferentemente do sustentado na petição inicial, a parte autora

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não comprovou que em razão do resultado positivo do exame toxicológico


realizado teve a negativa do novo empregador na efetivação da contratação.

Por outro lado, há provas concretas produzidas nos autos, em especial a


carteira de trabalho apresentada no documento de ordem 6, fls. 25, que
demonstra que o autor foi efetivamente contratado, por prazo determinado
(contrato de experiência de 45 dias), pela empresa MBM Transportes e
Serviços Ltda. ME, a partir do dia 18 de agosto de 2021.

Da mesma forma, o segundo exame realizado no laboratório DB


Toxicológico, acostado à ordem 9, se deu em razão do exame admissional
feito no novo empregador, demonstrando que, mesmo após o resultado
negativo extraído do primeiro exame laboratorial realizado pelas rés, o
empregador do autor se manteve interessado na sua contratação, caso
fossem cumpridos os requisitos legalmente exigidos - exame negativo
toxicológico e aprovação do teste de condução.

O consumidor/autor não comprovou nos autos que perdeu efetivamente


uma chance de contratação. Pelo contrário, há provas nos autos que indicam
que a contratação efetivamente veio a ocorrer, como se extrai da análise da
carteira de trabalho apresentada nos autos.

O único dano material efetivamente comprovado nos autos, pelo autor, foi
o pagamento de taxa para a realização da contraprova, conforme se extrai do
recibo apresentado no documento de ordem 11, ocasião em que o
autor/consumidor dispendeu a quantia de R$90,00 (noventa reais). Não
houve comprovação de pagamento pela realização do primeiro exame, o
qual, muito provavelmente, foi pago pela empresa interessada na
contratação.

A quantia paga para a realização da contraprova deverá devolvida


atualizada monetariamente pelos índices da CGJ-TJMG e acrescido de juros
moratórios de 1% (um por cento) ao mês, desde o dispêndio, por

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retratar responsabilidade civil decorrente da prática de ato ilícito pela parte ré


(súmula 43, STJ).

Por fim, quanto ao pedido de indenização por danos morais, entendo que
esses restaram satisfatoriamente demonstrados nos autos.

É inegável que um resultado falso negativo de exame toxicológico


acarreta indiscutível violação aos direitos da personalidade da parte autora,
neles compreendidos a boa imagem, o seu nome, a honra, o seu conceito de
bom cidadão, especialmente na esfera profissional, frente ao novo
empregador que, já no início da relação contratual, obtém informação
negativa do pretenso empregado no qual, inclusive, poderia ensejar a não
efetivação da contratação.

A falha apresentada apontou que o autor era usuário de droga sintética,


cocaína, altamente viciante, a qual poderia impossibilitar a sua contratação
em plena época da pandemia.

O resultado falso-positivo certamente lhe ocasionou severa preocupação


e tormento que ultrapassa, e muito, o mero aborrecimento da vida cotidiana
e, ainda, o simples descumprimento contratual.

Se o autor não conseguisse comprovar o contrário ao seu empregador


certamente perderia a oportunidade de emprego oferecido, sendo certo que,
naquele momento, já havia se desligado e extinguido a relação de trabalho
anterior, com o antigo empregador.

Assim, entendo que os fatos noticiados e comprovados nos autos, em


plena época de incertezas e insegurança como na pandemia, ocasionaram
severos danos extrapatrimoniais ao autor, aptos a serem compensados
monetariamente mediante arbitramento de indenização.

Em situações similares, o eg. Tribunal de Justiça do Estado de Minas


Gerais já reconheceu a existência de danos morais passíveis de
compensação.

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"EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS


MORAIS - RENOVAÇÃO DE HABILITAÇÃO PARA MOTORISTA
PROFISSIONAL - EXAME TOXICOLÓGICO - RESULTADO POSITIVO -
FALHA COMPROVADA - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - FIXAÇÃO.

- A responsabilidade das instituições laboratoriais que realizam exames


toxicológicos para renovação de habilitação de motorista profissional é de
ordem objetiva, a qual independe de culpa, consoante estabelece o artigo 14,
'caput', do Código de Defesa do Consumidor. - Não há como negar que os
exames toxicológicos realizados pelas rés, utilizando o mesmo material do
autor, cujo resultado positivo restou refutado pelo exame realizado em outro
laboratório, configurou falha na prestação dos serviços, o que enseja a
reparação dos danos morais sofridos.

- Na fixação da reparação por dano moral, incumbe ao julgador, ponderando


as condições do ofensor, do ofendido, do bem jurídico lesado e aos
princípios da proporcionalidade e razoabilidade, arbitrar o valor da
indenização que se preste à suficiente recomposição dos prejuízos, sem
importar enriquecimento sem causa da parte." (TJMG - Apelação Cível
1.0000.23.102709-5/001, Relator(a): Des.(a) Valdez Leite Machado , 14ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/06/2023, publicação da súmula em
29/06/2023)

No que se refere à fixação do valor do dano moral, deverá o julgador se


ater aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade para que a medida
não represente enriquecimento ilícito, bem como para que seja capaz de
coibir a prática reiterada da conduta lesiva pelo seu causador.

Em consonância com o princípio da razoabilidade, entendo que a título


de indenização por danos morais a quantia de R$15.000,00 (quinze mil reais)
se mostra justa e adequada para compensar os danos sofridos pela parte, se
consideradas as circunstâncias

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específicas do caso concreto, o poder aquisitivo de cada uma delas, a


vedação ao enriquecimento sem causa, bem como média arbitrada em casos
similares ao ora apreciado.

O valor fixado a título de danos morais deverá ser corrigido


monetariamente pelos índices da CGJ-TJMG, desde o arbitramento (súmula
362, STJ), acrescido de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês,
desde a citação válida da ré, por retratar responsabilidade civil contratual.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO para


reformar a sentença proferida e julgar parcialmente procedentes os pedidos
formulados na inicial, a fim de:

a) Condenar as rés, de forma solidária, a pagar a parte autora indenização


por danos materiais no importe de R$90,00 (noventa reais), decorrente do
valor dispendido em razão da contraprova do exame laboratorial considerado
defeituoso, acrescido de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês e
atualizado monetariamente pelo índice da CGJ-TJMG, ambos desde o
dispêndio do valor (súmula 43, STJ);

b) Condenar as rés, de forma solidária, a pagar a parte autora indenização


por danos morais no importe de R$15.000,00 (quinze mil reais), quantia a ser
atualizada monetariamente pelos índices da CGJ-TJMG, desde o
arbitramento (súmula 362, STJ), acrescido de juros moratórios de 1% (um
por cento) ao mês, a contar da citação válida da ré, por retratar
responsabilidade civil contratual.

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Inverto parcialmente os ônus sucumbenciais impostos na sentença, de


modo a condenar a parte ré ao pagamento de 70% (setenta por cento) das
custas processuais, nelas inclusas as recursais, e a parte autora nos 30%
(trinta por cento) restantes - art. 86, parágrafo único, do Código de Processo
Civil.

Condeno a parte ré ao pagamento dos honorários advocatícios


sucumbenciais devidos ao procurador da parte autora fixado em 12% (doze
por cento) sobre o valor atualizado da condenação imposta. A parte autora
pagará aos procuradores das rés honorários advocatícios sucumbenciais
arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor do proveito econômico
obtido (quantia que deixou de ser condenada), tudo conforme dispõe o artigo
85, §2º do Código de Processo Civil.

Suspendo a exigibilidade do pagamento das custas processuais e dos


honorários advocatícios sucumbenciais devidos pela parte autora, por litigar
amparada pelos benefícios da justiça gratuita (art. 98, §3º do Código de
Processo Civil).

É como voto.

DES. AMORIM SIQUEIRA - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. LEONARDO DE FARIA BERALDO - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO."

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