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QUESTÕES TEÓRICAS

LUCROS, CAPITAL E RESERVAS

1. Aprecie a validade das seguintes deliberações que foram (por maioria simples) aprovadas em
assembleia geral de uma sociedade anónima e diga, se for o caso, como podem os acionistas
descontentes reagir.
a) Levar 15.000€ dos €20.000€ de lucro de exercício distribuível a reservas livres e doar os restantes
5.000€ a uma instituição de caridade.
Neste caso, os sócios deliberaram não distribuir lucro de exercício. 15.000 deliberaram que fossem para
reservas livres, ficaram na sociedade, e 5.000 deliberaram que fossem para uma instituição de caridade.
Temos aqui um problema já resolvido, porque o lucro de exercício que nos aparece aqui já é o LED.
O que temos de saber é se os sócios têm estas liberdade, ou seja, se podem ou não deixar de distribuir
lucros. O art.294º diz-nos que salvo cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de ¾ dos
votos correspondentes ao capital social, não pode deixar de ser distribuída aos acionistas pelo menos
metade do lucro de exercício. O LED era de 20.000€. De acordo com esta norma, deveriam ter sido
distribuídos 10.000€. Só não seria assim se se verificassem umas de 2 condições alternativas: existir uma
cláusula nos estatutos que permitisse que não se distribuísse metade do lucro de exercício, dizendo, por
ex., que não existia um mínimo (nada se diz no enunciado, portanto, deduzimos que não existe); ou
existir uma deliberação tomada por ¾ da totalidade dos votos existentes na sociedade (votos
emissíveis). Neste caso, verificou-se maioria simples dos votos emitidos – não só é um valor
percentualmente menor (50,1% < 75%), como o próprio universo de votos é diferente.
Portanto, não havendo cláusula contratual, nem a maioria de ¾, não pode deixar de ser distribuída aos
acionistas metade do lucro de exercício. Mas foi. Se eles deliberaram levar 15.000€ a reservas livres, não
distribuíram metade. E agora? Qual o valor desta deliberação? Vamos ter aqui um vício de
procedimento. Num vício de procedimento, temos uma patologia, um problema com o modo como
chegámos à deliberação, com o processo de formação da deliberação. Onde é que está aqui o
problema? Está no momento em que o presidente da mesa da assembleia, que nas anónimas é quem
conduz os trabalhos, contou os votos e disse que a deliberação estava aprovada por maioria simples.
Isto está errado, porque para aprovar não distribuir metade dos lucros era preciso mais do que a maioria
simples, era preciso que estivessem reunidos 75% dos votos totais. Assim, temos um vício de
procedimento, logo, temos uma anulabilidade. Portanto, a primeira parte desta deliberação é anulável
e qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento pode pedir a sua anulabilidade
e pode exercer contra a sociedade o seu direito de crédito, que se vence de acordo com o art.294º/2.
Considera-se que têm o direito de pedir a anulabilidade daquela deliberação e, ao mesmo tempo, a
pedir a condenação da sociedade a pagar-lhes a percentagem a que têm direito dos 50% de LED.
Quanto à segunda parte da questão, a doação de 5.000 a uma instituição de caridade, podem os sócios
pegar em valores da sociedade decorrentes de LED e distribui-los por terceiros? Poder podem. Os
sócios podem deliberar a aplicação dos resultados do exercício (art.376º/1/b). O problema aqui é outro.
O que está aqui em causa é uma liberalidade. Assim sendo, temos de verificar se a deliberação viola ou
não o art.6º. Assim, ou se tratava de algo necessário ou conveniente à prossecução do seu fim ou se
tratava de uma liberalidade que, de acordo com as circunstâncias da época e as condições da
sociedade, se poderia considerar usual. Caso contrário, ia violar uma norma imperativa (art.6º) e a
deliberação era nula por vício de conteúdo.
b) Desafetar € 7.000 da reserva legal para adquirir novos equipamentos.
Ou seja, daquela “gaveta” do património da sociedade onde estão os valores destinados a constituir a
reserva legal (que é uma cifra representativa desses valores), quer-se retirar em termos concretos 7.000€
para adquirir novos equipamentos. O problema com esta deliberação é que viola uma norma legal
imperativa, a norma do regime da reserva legal que determina um conjunto fixo e taxativo de aplicações
(art.296º). Todas as aplicações diferentes das que estão determinadas como possíveis por lei são
aplicações proibidas, logo, esta deliberação será nula por vício de conteúdo (pelo seu objetivo), pois
viola uma norma legal imperativa.
c) Que doravante uma parte das remunerações dos administradores passe a ser constituída por uma
participação nos lucros sociais.
É possível determinar que terceiros (administradores), no sentido de não sócios, possam ter direito a
uma parte dos lucros? Esta possibilidade é aberta pelo CSC. O problema é que tem de ficar previsto no
contrato. Ora, se é “doravante” significa que até esse momento não estava previsto no contrato, logo,
estamos perante uma alteração estatutária e isso vai levantar problemas em termos de quórum
deliberativo. Do art.294º/3 retiramos que o contrato pode prever que membros de órgãos tenham
direito a participação nos lucros. Mas, lá está, é preciso alterar o contrato. O art.399º/2 diz-nos que a
remuneração dos administradores pode consistir parcialmente numa percentagem dos lucros de
exercício, mas a percentagem máxima deve ser autorizada por cláusula do contrato. Ou seja, eles
podiam determinar que doravante a remuneração dos administradores se passasse a fazer parcialmente
com base numa percentagem dos lucros, mas, para isso, tinham de alterar o contrato de sociedade. E
chega a maioria simples dos votos? O art.386º dá nos a resposta. Mas esta é um regime bastante
complexo, que iremos explicar mais à frente. Por isso, a resposta provisória que vamos dar é que os
sócios podem fazer isto, os efeitos que a deliberação pretende produzir são admissíveis (logo, não
temos um vício de conteúdo), mas a alteração dos estatutos tem de ser feita de maneira correta, caso
contrário vai gerar um vício de procedimento, que conduzirá à anulabilidade desta deliberação.
d) Introduzir nos estatutos uma cláusula que exclui a distribuição periódica de lucros.
Esta questão está resolvida nas Lições. O problema é que a sociedade é constituída para gerar lucros e
para distribui-los pelos sócios. Será que uma cláusula que exclui a distribuição dos lucros é admissível?
É admissível em certos termos. Desde logo, dependendo da duração da sociedade, se é uma sociedade
com uma duração fixa ou indeterminada. Mas, quando se fala em “distribuição periódica”, se esta
cláusula quiser referir-se apenas à exclusão da distribuição de lucros de exercício, digamos que o juízo
é tendencialmente a admiti-la, desde que não prejudique a distribuição de lucros de balanço. Se através
desta cláusula os sócios prescindirem em cada exercício de receberem lucros, isso é admissível desde
que eles não se privem de todo de receber lucros, através do tal lucro de balanço. E quando voltarem a
querer receber lucros de exercício, podem deliberar que as reservas livres que se foram acumulando
por não distribuírem os lucros de exercício, sejam distribuídas. Portanto, com essa salvaguarda, é
relativamente possível admitirmos uma cláusula deste teor. Mais uma vez, o problema estaria no
procedimento, em como é que foi feita a alteração do contrato.
e) Aprovar as contas do exercício nas quais eram detetáveis reservas ocultas.
Reservas ocultas são reservas que não transparecem nas contas, que são constituídas sobrevalorizando
o passivo e subvalorizando o ativo. Por ex., a sociedade tem um imóvel que vale 100.000, mas aparece
no balanço como valendo apenas 80.000. Temos aqui uma reserva oculta de 20.000, temos uma
subvalorização do bem. Quanto ao passivo, a sociedade pode ter uma dívida no valor de 100.000 e no
passivo aparece como uma dívida de 120.000. Estas reservas ocultas podem ser lícitas ou ilícitas. São
lícitas se correspondem a uma utilização habilidosa, engenhosa, de certos parâmetros contabilísticos de
valorização ou desvalorização ou avaliação de ativo e passivo. Portanto, ainda estão no limiar da
legalidade e nesses casos é preferível designá-las por reservas tácitas, em vez de ocultas. As reservas
ocultas ou ilícitas muitas vezes correspondem à constituição dos famosos “sacos azuis”, são contrárias às
regras imperativas de contabilidade aplicáveis, não têm suporte legal.
Neste caso, esta deliberação que aprova as contas do exercício com reservas ocultas será nula por vício
de conteúdo, por violar normas imperativas. Neste caso não se estava a obedecer ao disposto na lei,
como impõe o art.65º/2, que devemos conjugar com o art.69º/3. Quanto a todas estas hipóteses,
consoante a deliberação fosse nula ou anulável, nós tínhamos um regime distinto para os acionistas
poderem reagir: declaração de nulidade e anulação das deliberações (ver a aula teórica sobre esta
matéria de dia 04/05).

Suponha agora que, na mesma sociedade:

f) As contas do exercício foram aprovadas mas não foi tomada qualquer deliberação sobre os
resultados do exercício e os sócios descontentes pretendem reagir: o que podem fazer?
Aqui houve LED, foi apurado, mas não houve nenhuma deliberação no sentido da sua distribuição. E
agora? Agora, aquilo que se defende nas Lições (embora seja alvo de algum debate doutrinal) é que,
mesmo sem deliberação, e portanto numa das situações de exceção do art.31º/1 que diz que para haver
distribuição dos lucros tem de haver deliberação, formou-se na esfera jurídica dos sócios por força do
art.294º um direito de crédito a exigir da sociedade o pagamento do seu quinhão, na metade dos lucros
de exercício a que têm direito como garantia mínima. Este crédito vence-se decorridos que sejam 30
dias sobre a deliberação de atribuição de lucros (nº2). Neste caso, esta deliberação deveria ter sido
tomada aquando da aprovação das contas, logo, o Dr. Coutinho de Abreu defende nas Lições que
contamos 30 dias sobre a aprovação das contas para que o sócio possa exigir à sociedade a sua parte
na metade do LED.
g) Foi validamente aprovada a distribuição de lucros pelos sócios, mas vinte dias depois vem a apurar-
se que um negócio ruinoso para a sociedade fez o património líquido descer abaixo do capital e
das reservas. Podem os sócios continuar a exigir o pagamento à sociedade, uma vez que o direito
de crédito já se consolidou na sua esfera jurídica? E se entretanto já houvessem recebido a título
de lucros as quantias em causa, quid iuris?
Se o património líquido desceu abaixo do capital e das reservas, deixou de haver lucro de balanço. Os
sócios querem receber a sua quota parte do lucro de exercício que foi validamente deliberado e, nesse
momento, ficaram com um direito de crédito a exigir da sociedade uma determinada quantia. Mas o
art.294º/2 faz com que esse crédito só se vença passados 30 dias. Entretanto, no decurso desse prazo,
deixou de haver lucro de balanço. Este problema vai fazer com que, se eles exercerem esse direito de
crédito, vão estar a violar o princípio da intangibilidade do capital social (art.32º/1). O art.31º/2 diz que
as deliberações dos sócios, nomeadamente a distribuição de lucros de exercício, não devem ser
cumpridas pelos membros da administração se estes tiverem fundadas razões para crer que alterações
ocorridas no património social (que foi o que sucedeu) tornariam a deliberação ilícita nos termos do
art.32º. Na verdade, no momento em foi que tomada esta deliberação não era ilícita, mas o seu
cumprimento vai violar o art.32º/1. Assim, as deliberações não devem ser cumpridas.
Quanto à segunda questão, imaginemos que já tinham passado 30 dias e os sócios já haviam recebido
e só passado algum tempo é que se detetava que não deviam ter recebido porque tinha havido um
problema. E agora que o crédito já foi consumado? O art.34º/1 diz que os sócios devem restituir à
sociedade os bens que dela tenham recebido com violação do disposto na lei. Portanto, à partida, teriam
de devolver porque violavam o princípio da intangibilidade do capital social. Mas, o artigo continua e
diz que aqueles que tenham recebido a título de lucros ou reservas importâncias cuja distribuição não
era permitida pela lei, designadamente pelo art.32º, só são obrigados à restituição se conheciam a
irregularidade ou deviam não a ignorar. O nº4 do art.34º acrescenta que cabe à sociedade ou aos
credores o ónus de provar este conhecimento ou dever de não ignorar a irregularidade. Portanto, neste
conflito entre o princípio da intangibilidade e a boa fé subjetiva dos sócios, a lei da prevalência à boa fé
subjetiva destes.

2. Numa sociedade por quotas, a gerência verificou “estar perdido metade do capital” para efeitos do
art.35º do CSC e convocou uma assembleia geral para que os sócios pudessem tomar as medidas
adequadas. Supondo que a assembleia nada deliberou, diga como pode defender-se o fornecedor
que, posteriormente à sua realização, vendeu um lote de mercadorias à sociedade e não conseguiu até
hoje recuperar o preço.
Esta linha dos 50% é a linha, chamemos-lhe assim, da campainha de alarme. Quando o património social
líquido começa a descer e ultrapassa em sentido descendente esta linha, soa uma “campainha de alarme” –
a campainha do art.35º, que diz que está perdido metade do capital. Mas atenção que não é do capital
estatutário, é metade do património social. O art.35º/1 diz-nos que quando metade do capital social se
encontra perdido, devem os gerentes convocar a assembleia geral ou os administradores requer a
convocação da mesma (que por regra é convocada pelo presidente da mesa da assembleia), a fim de se
informar os sócios da situação. O nº2 explica quando é que se considera estar perdido metade do capital
social, ou seja, quando o capital próprio (leia-se, património social líquido) da sociedade for igual ou inferior
a metade do capital social. No nº3 o legislador refere aquilo que quer que os sócios ponderem fazer como
reação a este abaixamento do património social: a) dissolver a sociedade; b) reduzir o capital social para
montante não inferior ao do capital próprio, ou seja, faziam uma alteração no estatuto e baixavam o capital
social para a linha dos 50% ou para um valor inferior e assim conseguiam que o património ficasse igual ao
capital, não porque o património subia, mas porque a linha do capital descia; c) realização de entradas pelos
sócios para reforço da cobertura do capital.
Mas e quanto às consequências? Se os gerentes ou os administradores nada fizerem, estão a violar um dever.
Mas e se os sócios nada fizerem? Esta era o nosso caso. A norma nada nos diz sobre isso e nada acontece.
Todavia, há uma pequena exceção que nós conseguimos associar à não reação ao soar da campainha de
alarme do art.35º, que começa a construir-se no art.171º/2. Esta norma diz que as sociedades devem indicar
o montante do capital próprio (património social líquido) segundo o último balanço aprovado, sempre que
este foi igual ou inferior a metade do capital social. Ou seja, a lei diz que se nada se fizer nos termos do
art.35º para resolver aquela situação do património social liquido abaixo da fasquia dos 50%, então, pelo
menos, tem de ser dada a conhecer a terceiros essa situação para que eles tirem as devidas ilações. Se não
têm que reagir, têm pelo menos que dar a conhecer. Ora, isto vai-nos permitir construir a solução,
conjugando com uma outra norma – o art.79º. Esta norma é, no fundo, um fundamento para a
responsabilização dos gerentes e administradores perante os terceiros, que nos diz que os gerentes ou
administradores respondem para com terceiros (o tal fornecedor do nosso caso prático) pelos danos que
lhes causarem no exercício das suas funções. Se nós considerarmos que o art.171º/2 era uma norma geral
de proteção para que os terceiros soubessem que estavam a contratar com uma sociedade em situação
muitoprecária e se aquela menção obrigatória na atividade externa não foi cumprida, então, o fornecedor,
pelo dano que sofreu, pode responsabilizar os gerentes (art.79º/1) por não terem feito essa menção. Se os
gerentes ou administradores cumprirem aquela obrigação de divulgar externamente a situação da
sociedade, então, esta situação de responsabilização já não estará ao dispor dos terceiros mas, em
contrapartida, ficam alertados para que estão a lidar com uma sociedade em péssima situação financeira.

DELIBERAÇÕES DOS SÓCIOS

3. "Sociedade Meia-Lua, Lda". Sócios A, B, C, D e E. Capital social de 5.000 €. Cada sócio tem quota de
20%. Gerente A. Já sabemos que nas SQ, se nada for dito em contrário, cada sócio tem um número de
votos correspondente aos cêntimos no valor nominal da sua participação social, ou seja, 1 voto por
cada cêntimo no valor nominal da quota. E neste caso têm todos o mesmo número de votos.
a) Para justificar uma distribuição de lucros, os cinco sócios redigem e assinam uma acta relativa a
uma assembleia geral que nunca se realizou. Quid iuris? A solução seria a mesma se A se tivesse
recusado a assinar?
A distribuição de lucros, em princípio requer uma deliberação dos sócios. Até aqui, tudo bem. Mas, na
verdade, o órgão deliberativo interno não funcionou. Ele pode funcionar de várias maneiras: por
assembleia geral, por assembleia universal, deliberações por voto escrito, deliberações unânimes por
escrito (dependendo do tipo societário, nomeadamente quanto às deliberações por voto escrito). Mas
o que aconteceu aqui foi que a assembleia geral onde supostamente foi tomada a deliberação que a
ata documentava, nunca se realizou. Que consequências é que isto traz para a deliberação da
distribuição de lucros? Esta deliberação é inexistente, pois eles nunca chegaram a reunir, nunca
chegaram a emitir votos e a formar a declaração de vontade.
Todavia, este documento que eles elaboraram e que queriam que fosse uma ata e não foi, porque uma
ata funciona como meio de prova de algo que, de facto, aconteceu, foi assinado por todos os sócios.
Nesta situação em que todos os 5 sócios assinaram, nós podemos converter este documento, que não
é uma ata, numa nova forma de deliberação, numa nova forma de funcionamento do órgão deliberativo
– as deliberações unânimes por escrito. O art.53º fala-nos das formas de deliberação (atenção que esta
matéria não está no capítulo das deliberações, mas sim das participações sociais quando se fala nos
direitos dos sócios). Ora, além das deliberações em assembleia geral convocada, temos de ter em conta
que podem os sócios em qualquer tipo de sociedade tomar deliberações unânimes por escrito (art.54º).
Isto é, se eles documentarem por escrito e assinarem um conjunto de deliberações, não é necessária a
reunião presencial numa assembleia. Assim, no nosso caso, podíamos tomar o documento que os sócios
assinaram como documento de suporte de deliberações unânimes por escrito. E, na prática, o que a
experiência nos mostra é que mais depressa se falsificam atas relativas a assembleias que nunca
existiram, do que se pega num papel e todos os sócios assinam a dizer que estão de acordo em tomar
certa deliberação, o que pouparia muito trabalho. Assim, a deliberação é inexistente e o documento
assinado pode valer como suporte para uma deliberação unânime por escrito. Se A se tivesse recusado
a assinar, aí já não teríamos a unanimidade na deliberação por escrito, ou seja, o órgão deliberativo
interno não tinha funcionado nem por assembleia geral, nem por deliberação unânime por escrito.
b) Em assembleia geral regularmente convocada, é aprovada uma alteração do pacto social no
sentido de ser doravante proibida a cessão de quotas inter-vivos. Votos a favor de todos menos de
B, que votou contra. Quid iuris?
Quando estamos a analisar uma deliberação, temos de detetar os vários problemas. Em primeiro lugar,
trata-se de uma alteração do pacto social, o que nos leva imediatamente a pensar no regime da alteração
do contrato nas SQ, que exige a maioria qualificada, ou seja, ¾ (75%) dos votos emissíveis (art.265º). No
nosso caso, foram reunidos os votos necessários a uma válida alteração estatutária, pois dos 5 sócios, 4
votaram a favor, e tendo cada um uma quota de 20%, logo, temos 80%. Neste primeiro passo a percorrer
não há nenhum problema.
Eles querem introduzir uma cláusula que proíba a cessão de quotas inter vivos. A lei permite fazê-lo? O
art.229º/1 diz-nos que sim. Portanto, este efeito é permitido.
Até agora já analisámos a questão do procedimento, não há nenhum problema quanto à maioria exigida
para a alteração do contrato, logo, não há vício de procedimento. Já analisámos também o problema
do conteúdo, ou seja, o efeito pretendido pela deliberação, que neste caso é permitido, logo, não há
vício de conteúdo. Todavia, há que ter em conta o nº4 do art.229º, que dispõe que a eficácia da
deliberação de alteração do contrato que proíba ou dificulte a cessão de quotas, depende do
consentimento de todos os sócios por ela afetados, ou seja, todos os sócios que naquele momento
estão na sociedade. O B votou contra, logo, não consentiu. Assim, a eficácia da deliberação está
comprometida, logo, estamos perante uma situação de ineficácia absoluta e total da deliberação, o seu
efeito fica paralisado, logo, esta cláusula não é introduzida no estatuto. Esta ineficácia resulta não apenas
desta norma, mas também do regime da ineficácia constante do art.55º. Ou seja, aquela deliberação
fica com a eficácia suspensa e só se e quando o B vier a concordar com ela é que se desencadeia a
produção de efeitos. Se B não consentir, não produzirá efeitos. Esta é uma vantagem da ineficácia
enquanto consequência de uma patologia da deliberação, é que não se torna necessário argui-la em
tribunal, não há prazos, etc., como na anulabilidade.
Esta ineficácia do art.55º é absoluta e total, para todos os sócios. Mas isto acontece salvo disposição
legal em contrário. Ou seja, em certos casos a falta de consentimento do sócio não determina uma
ineficácia total (todos os efeitos da deliberação) e absoluta (perante todos), mas sim relativa. Ou seja, a
deliberação só não produz efeitos em face do sócio ou sócios que não consentiram. Por ex.: as alteração
estatutárias do art.86º/2, aquelas que criam um aumento das prestações para determinados sócios;
deliberação que cria obrigação de suprimentos, ou seja, emprestar dinheiro à sociedade (art.244º/2).
c) Em assembleia geral regularmente convocada, é aprovada uma deliberação constituindo os sócios
na obrigação de realizar suprimentos. Votos a favor de A, B e C; contra de D e E. Quid iuris?
Como acabámos de ver, esta deliberação vai ser relativamente ineficaz em face de D e E e apenas
produzirá efeitos, ficando obrigados aos suprimentos, os sócios A, B e C. O art.244º diz-nos que a
obrigação de suprimentos pode ser constituída por deliberação dos sócios, que foi o que aconteceu no
nosso caso, votada por aqueles que a assumam. Portanto, esta deliberação vai produzir efeitos na esfera
jurídica daqueles que votaram favoravelmente e não irá produzir efeitos em relação aos sócios que não
votaram favoravelmente. Portanto, é uma das situações excecionadas na 1ª parte do art.55º
d) Em assembleia geral regularmente convocada, são aprovadas as seguintes deliberações:
➔ Liberar o sócio E, que recentemente perdeu o emprego, da obrigação de efectuar a parcela da
sua entrada ainda em falta;
➔ Aprovar a venda, por 1/10 do seu valor real, de um terreno da sociedade a um tio do sócio D,
dentro de uma estratégia de colocação do património social a salvo dos credores;

Quid iuris?

Nas SQ, é possível, em certos termos, deferir a entrada em dinheiro. O sócio E ainda não tinha realizado
totalmente a sua obrigação de entrada, portanto, era devedor da sociedade. Como estava em
dificuldades, os outros sócios decidiram deliberar que a sociedade viesse a perdoar esta dívida. O
problema é que isto não é possível. A realização das entradas está sujeita a um regime estrito, que visa
assegurar que nos casos de deferimento elas venham, de facto, a ser realizadas. Tem a ver com a tal
correspondência entre o património inicial e o capital social. Portanto, há aqui um efeito visado pela
deliberação que é contrário a uma norma imperativa – a norma do art.27º/1, que diz que são nulas as
deliberações dos sócios que liberem, total ou parcialmente, os sócios da obrigação de efetuar entradas
estipuladas. Em todo o caso, também podemos invocar o art.56º/1/d, pois o conteúdo desta deliberação
é ofensivo de um preceito legal – o art.27º/1. Portanto, esta deliberação é nula.
Quanto à segunda deliberação, esta parece, e é, censurável. Podíamos pensar em invocar aqui a cláusula
geral dos bons costumes, pois há aqui algo nesta deliberação que ofende os bons costumes. Todavia,
aquilo que viola os bons costumes não é propriamente o conteúdo da deliberação – aprovar uma venda
não viola os bons costumes. O que viola os bons costumes é o objetivo, a finalidade, pois esta venda é
feita em determinados termos, com um certo objetivo. O art.56º/1/d diz-nos que são nulas as
deliberações cujo conteúdo seja ofensivo dos bons costumes.
Mas no nosso caso não se trata do conteúdo da deliberação, mas sim da finalidade. Como é que vamos
proceder? O Dr. Coutinho de Abreu sugere, em casos como este, 1 de duas vias:
➔ Ou interpretamos extensivamente esta ideia de conteúdo, ou seja, não apenas os efeitos que a
deliberação visa produzir mas também a finalidade da mesma;
➔ Ou então, se considerarmos que estamos perante uma doação mista, que em parte é uma doação
porque 9/10 são-lhe oferecidos, o que nós temos é uma violação da norma sobre a capacidade jurídica
da sociedade (art.6º), que é uma norma imperativa, pois trata-se de um ato gratuito contrário ao fim
lucrativo. Vamos na mesma para a alínea d), mas para a parte que refere “preceitos legais que não
possam ser derrogados”.

Em ambos os casos, a deliberação estará ferida de nulidade. Ou seja, é invocável a todo o tempo, por
qualquer interessado (art.286º CC). Neste caso, os interessados seriam os sócios e os credores. Há
também um regime especial no art.57º que diz que o órgão de fiscalização ou, na sua ausência, a
gerência, tem o dever de adotar uma série de medidas, incluindo a propositura da ação de declaração
de nulidade, para tentar esclarecer o mais rapidamente a situação e evitar que se prolongue no tempo,
porque a nulidade não tem limite temporal para a arguição.

4. "Sociedade xyz, Lda". Sócios A, B, C, D e E. Capital social de 5.000 €. Cada sócio tem quota de 20%. O
contrato atribuiu ao sócio A o direito a ser o único gerente enquanto for sócio. Em assembleia
convocada por D através de carta registada com 5 dias de antecedência (carta que, por lapso, não foi
enviada a E), com os votos favoráveis de B e D, abstenção de C e os votos contra de A (sendo que E
esteve ausente) os sócios deliberaram:
➔ Destituir sócio A da gerência, nomeando gerente único o sócio D;
➔ Introduzir no estatuto uma cláusula possibilitando a convocação de assembleias gerais com
antecedência mínima de 5 dias (atualmente o pacto fixa 21 dias);
➔ Comprar um terreno (para ampliação de instalações da fábrica que a sociedade explora) ao sócio
B;

Aprecie a validade das deliberações e diga, se for o caso, quem as poderá impugnar e em que termos.
A solução seria idêntica se E houvesse estado presente?

O primeiro ponto do nosso exame a estas deliberações são as circunstâncias preliminares do procedimento
de convocação que vão afetar todas elas. O art.248º estabelece o procedimento de convocação das
assembleias gerais nas SQ. O nº3 desta norma diz-nos que a convocação das assembleias gerais compete a
qualquer um dos gerentes. No nosso caso, o único gerente era A, que tinha um direito especial à gerência.
E quem convocou a assembleia foi D, que não era gerente. Portanto, temos um vício de procedimento. Além
disso, a convocação deve ser feita por meio de carta registada, e no caso foi, mas com antecedência mínima
de 15 dias. O problema é que aqui foi feita com 5 dias de antecedência, e, para além disso, a carta não foi
enviada a E, logo, temos outros 2 vícios de procedimento. Temos ainda um 4º vício, porque, não só estavam
a violar o art.248º/3 que exige 15 dias, como estavam a violar o estatuto que exige 21 dias. Assim, temos um
vício de procedimento por violação da lei e por violação do estatuto.

Cada um destes vícios de procedimento vai determinar uma consequência específica, sendo que alguns são
mais graves que outros. A regra dos vícios de procedimento, seja por violação da lei, seja por violação de
disposições estatutárias, é a de que geram a anulabilidade (art.58º/1/a), a não ser que afetem o direito de
participação dos sócios na assembleia. Neste caso, nós temos 2 vícios que afetam esse direito. Primeiro, a
falta de convocação de E, logo, viu-se de todo impossibilitado de exercer o seu direito de participação. Este
é um vício de procedimento grave, previsto no art.56º/1/a. Quando se diz que são nulas as deliberações dos
sócios tomadas em assembleia não convocada, entende-se por “não convocada” de todo ou em relação a
algum dos sócios que não tenha recebido a convocatória. Portanto, o que nós temos aqui é uma nulidade
por ausência de convocação de E. Mas mais, quando se diz que a assembleia foi convocada por alguém que
não é gerente, é também uma situação grave porque o art.56º/2 equipara ao dizer que não se consideram
convocadas as assembleias cujo aviso convocatório seja assinado por quem não tenha essa competência,
que foi o que aconteceu. Posto isto, temos aqui 2 vícios de procedimento graves, que geram a nulidade de
todas as deliberações que foram tomadas.

Todavia, este regime da nulidade do art.56º é afastado se todos os sócios estiveram presentes, porque se tal
sucedeu, o art.56º/1/a/in fine exceciona essa situação, retira-a do âmbito da nulidade. Nesse caso, podemos
ter 1 de duas situações: ou há uma assembleia universal nos termos do art.54º, com os seus requisitos e as
deliberações que aí vierem a ser tomadas são válidas e eficazes; ou então, não havendo esta assembleia,
como estão todos presentes não é afetado o direito de participação de nenhum, logo, a questão transita
para o art.58º da anulabilidade. Mas, no nosso caso concreto, E esteve ausente. Portanto, não há hipótese
de salvar por estas vias as deliberações tomadas da sanção da nulidade. A única hipótese de fazê-lo é,
segundo o art.56º/3, se os sócios ausentes e não representados derem, posteriormente, por escrito, o seu
assentimento. Assim, a única hipótese seria de salvar estas deliberações, seria se E desse o seu
consentimento. Caso contrário, todas elas seriam nulas.

Quanto à antecedência de 5 dias, este é, simultaneamente, um vício de procedimento em face da lei


(art.248º/3) e em face do estatuto, que fixava 21 dias. Estes 2 vícios de procedimento geram a mera
anulabilidade (art.58º/1/a).

Vamos agora analisar cada uma das deliberações tomadas. Quanto à primeira, estamos perante o regime
dos direitos especiais (art.24º), nomeadamente, do direito à gerência. Assim, o sócio A apenas pode ser
destituído da gerência por 1 de duas maneiras: havendo justa causa, e nesse caso não podia ser por
deliberação da sociedade, os sócios só podiam deliberar que a sociedade interpusesse uma ação em
tribunal (art.257º) e não foi isso que aconteceu, nem se invoca justa causa; por destituição sem justa causa,
era necessário o consentimento do próprio. Enquanto ele não der o seu consentimento, a deliberação é
ineficaz (art.55º). Se existisse uma justa causa, nesse caso, tendo ele um direito especial, tem de ser o tribunal
a destitui-lo. Neste caso, imaginando que havia essa justa causa, ele foi destituído por deliberação. Quid
iuris? Este efeito colide com o art.257º/3, que diz que este efeito só pode ser alcançado através do tribunal.
Logo, se fosse invocada justa causa, a deliberação seria nula, que seria invocada nos termos gerais.

Quanto à segunda deliberação, que efeitos é que esta visa produzir? Que no futuro, os estatutos determinem
que a antecedência para a convocação de assembleias seja de 5 dias. Mas este efeito não é admitido por
lei, pois o art.248º/3 diz-nos que a convocação das assembleias gerais deve ser feita com a antecedência
mínima de 15 dias, a não ser que a lei ou o contrato estabeleçam um prazo mais longo. Fixa-se aqui um
prazo mínimo, ou seja, é preciso sempre respeitar esta antecedência. Uma deliberação que pretenda
introduzir no contrato uma cláusula que consagre menos de 15 dias, é uma deliberação que padece de um
vício de conteúdo. Apesar de estarmos a versar sobre uma questão que, em geral, é uma questão de
procedimento – o prazo para a convocação –, aquilo que se pretende fazer com aquela deliberação, o efeito
visado, o conteúdo da mesma, que é baixar a fasquia dos 15 dias para um número inferior, colide com o
conteúdo de uma norma imperativa e, por isso, a deliberação vai ser nula por vício de conteúdo
(art.56º/1/d/in fine). Esta questão ajuda-nos a diferenciar vício de procedimento de vícios de conteúdo.
Assim, se eu convocar uma assembleia concreta com menos de 15 dias de antecedência, é um vício de
procedimento; se eu quiser introduzir nos estatutos uma cláusula que colida com a imperatividade desta
norma, temos um vício de conteúdo.

Mas, ainda quanto à segunda deliberação, esta consiste na introdução no estatuto de uma cláusula. Ou seja,
estamos perante uma alteração estatutária (art.265º). Esta norma diz que as deliberações de alteração do
contrato só podem ser tomadas por maioria de ¾ dos votos emissíveis, os votos totais. Cada um tinha 20%,
ou seja, seriam necessários os votos a favor de 4 sócios, para alcançarmos os 80%. Mas neste caso, apenas
B e D votaram favoravelmente, ou seja, apenas tivemos 40% dos votos, o que não é suficiente para a
alteração do contrato. O presidente da assembleia devia ter declarado uma deliberação negativa, ou seja,
não aprovada. Todavia, declarou uma deliberação positiva. Ou seja, o resultado foi mal apurado e temos
aqui um vício de procedimento do art.58º/1/a.

E quanto às outras deliberações que foram também aprovadas e para as quais não se exige maioria
qualificada? A regra é a do art.250º, ou seja, basta a maioria dos votos emitidos. Neste caso, para apurarmos
os votos emitidos, deixamos de fora o sócio E, que esteve ausente, e o socio C, que se absteve. Portanto,
temos B, D e A como blocos de votos. Temos 2 blocos a favor e 1 contra. Ou seja, 2/3 de votos a favor e 1/3
de votos contra, porque todos têm o mesmo número de votos. 2/3 é mais do que a maioria simples (66,6%),
logo, quanto a este ponto não havia vício de procedimento.

Relativamente à terceira deliberação, este foi um negócio entre a sociedade e o sócio B e este votou a favor.
O art.251º diz-nos que o sócio não pode votar quando relativamente à matéria em deliberação se encontra
em situação de conflito de interesses com a sociedade. Há, portanto, um impedimento de voto quando
houver uma situação de conflito de interesses, isto é, quando em abstrato o interesse da sociedade for
contrário ao interesse do sócio, que é o que acontece justamente no nosso caso. O interesse do vendedor
é contrário ao interesse, em abstrato, do~comprador. O vendedor quer vender pelo preço mais alto, o
comprador quer comprar pelo preço mais baixo. Portanto, há um conflito em abstrato de interesses que
coloca o B numa situação de impedimento de voto. No nosso caso, está em causa uma relação entre a
sociedade e o sócio estranha ao contrato de sociedade (alínea g). Podia ser um sócio ou um terceiro, não
tem nada a ver com a qualidade de sócio. Mas B, apesar disto, votou. Mais uma vez, o presidente da
assembleia enganou-se, não devia ter contado o voto de B. O que nós temos é um vício de procedimento
relevante, porque sem os votos de B, tínhamos 1 bloco a favor e 1 bloco contra, ou seja, 50% dos votos a
favor e 50% contra. Logo, não haveria maioria e a deliberação não deveria ter sido aprovada. Assim, esta
deliberação é anulável (art.58º/1/a).

Apreciada a validade das deliberações, passemos à legitimidade para a sua impugnação. No que diz
respeito às deliberações nulas, podem ser impugnadas por qualquer interessado (art.286º CC),
nomeadamente sócios, credores, e os membros do órgão de administração e de fiscalização têm esse dever
nos termos do art.57º. Para as deliberações anuláveis, vale o regime do art.59º, que nos diz que pode arguir
a anulabilidade, além do órgão de fiscalização, qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez
vencimento e o prazo geral é de 30 dias contados do prazo em que foi encerrada a assembleia geral. Assim,
quem pode arguir a anulabilidade é quem não votou no sentido da aprovação, ou seja, A, B e E. Apreciada
a validade das deliberações, passemos à legitimidade para a sua impugnação. No que diz respeito às
deliberações nulas, podem ser impugnadas por qualquer interessado (art.286º CC), nomeadamente sócios,
credores, e os membros do órgão de administração e de fiscalização têm esse dever nos termos do art.57º.
Para as deliberações anuláveis, vale o regime do art.59º, que nos diz que pode arguir a anulabilidade, além
do órgão de fiscalização, qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento e o prazo
geral é de 30 dias contados do prazo em que foi encerrada a assembleia geral. Assim, quem pode arguir a
anulabilidade é quem não votou no sentido da aprovação, ou seja, A, B e E.

Quanto à última questão, se E houvesse estado presente a solução não seria idêntica no que diz respeito às
nulidades decorrentes do processo de convocação por violação do art.56º, porque de acordo com o
art.56º/1/a, só se afeta verdadeiramente o direito de participação e há nulidade quando, de facto, há sócios
que não estão presentes.

5. Aprecies ainda as seguintes questões, reportadas à mesma assembleia, mas supondo agora que foi
convocada por A com 21 dias de antecedência:
➔ Foi adotada uma deliberação, autorizando o trespasse de um estabelecimento da sociedade para
F, que todavia não ficou documentada em ata: deverá ser executada pela gerência?
➔ Poderá B impugnar as deliberações adotadas pelo facto de a carta que recebeu não ter sido
registada? E se tivesse sido impedido de participar na assembleia com o argumento de que “só ia
causar conflitos e, de todo o modo, sempre haveria maioria a favor da aprovação das
deliberações”?
➔ Com os votos a favor de todos menos de A, foi aprovada a dissolução da sociedade. Sabendo que
B e C acabam de constituir uma nova sociedade com objeto idêntico, diga se e como poderá A
reagir.
Agora, esta convocação não padece de nenhum vício de procedimento, pois foi convocada pelo gerente e
no prazo estabelecido no estatuto.
Quanto à primeira questão, o facto de não haver a documentação da deliberação em ata afeta de alguma
forma a sua validade ou eficácia? Não, a ata não é condição nem de validade, nem de eficácia da
deliberação. É apenas um modo típico da sua narração, tem apenas a função de certificar, documentar e até
é meio de prova, de acordo com o art.63º/1. Mas não é um meio de prova taxativo. Isto é, pode-se provar
por outros meios de prova igualmente admissíveis que esta deliberação foi adotada. Portanto, a gerência
deve executá-la.
Quanto à primeira parte segunda questão, o facto de a carta não ter sido registada é um vício de
procedimento irrelevante (art.248º/3), no sentido de que não deve fundar uma ação de anulação, pois não
impediu a participação de B na assembleia e este não viu nenhum interesse legítimo afetado. Quanto à 2ª
parte desta questão, o sócio ser impedido de participar na assembleia é um vício de procedimento que
afeta o exercício de um direito fundamental da socialidade, o direito de participar no órgão deliberativo, e
este era um vício relevante, que levava à nulidade.
Relativamente à última questão, a dissolução da sociedade exige uma maioria qualificada (art.270º), que foi
reunida no caso porque temos 80% dos votos a favor. Assim, em termos de quórum deliberativo não há
problema. O que pode estar aqui em causa é o regime das deliberações abusivas na primeira modalidade,
isto é, a que tem vantagens, neste caso, para B e C, e desvantagens para todos os outros que não fazem
parte da nova sociedade (art.58º/1/b). As vantagens especiais são o facto de utilizarem uma atividade da
sociedade que dissolveram para a nova sociedade e há um propósito, parecendo haver um dolo direto de
B e de C. Além disso, a prova de resistência da parte final é superada, pois 4 sócios votaram a favor e os
votos abusivos terão sido os de B e de C, os tais que beneficiaram. Ora, se tirássemos os votos de B e de C,
a dissolução tinha sido aprovada por 40% dos votos emissíveis, logo, não estava reunida a maioria exigida
e a deliberação não teria sido aprovada. Quer isto dizer que esta deliberação de dissolução da sociedade
pode ser anulada por ser abusiva. Mas quem é que a pode anular? O único que poderá anular é A, que foi
o único que não votou no sentido da deliberação que fez vencimento. Pode, ainda, pedir responsabilidade
a B e C.

VINCULAÇÃO DAS SOCIEDADES

6. A gerência da sociedade por quotas X é composta por A, B e C. Aprecie separadamente as seguintes


questões:
a) O estatuto nada prevê quanto à vinculação da sociedade. Ficará a sociedade vinculada pela compra
de equipamento realizada unicamente pelo gerente A?
Se temos 3 gerentes e se nada se diz no estatuto, vale a regra legal da conjunção maioritária (art.261º/1).
Ou seja, era necessária a atuação de 2, logo, a sociedade não ficava vinculada por um ato praticado
apenas por 1.
O problema é que a nossa jurisprudência tem umas ideias diferentes que são criticadas pelo Dr.
Coutinho de Abreu. O problema da jurisprudência é que aplica a estas questões o art.260º/1 em vez de
aplicar o art.261º. O art.260º diz que os atos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro
dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros. Ora, dentro dos poderes que a lei
lhes confere. Justamente, se a lei diz no art.261º que, no caso de haver pluralidade do órgão de
administração e representação, para vincular a sociedade é necessária a conjunção maioritária, se só
atua 1, atua, nos termos desta norma, fora dos poderes que a lei lhe confere. A jurisprudência toma esta
posição, com a intenção de proteger os terceiros, mas este argumento é facilmente reversível. Assim,
nestes casos em que apenas atua 1 gerente, a sociedade não fica vinculada, os atos são ineficazes,
embora, nalguns casos, para proteger as expetativas de terceiros, a invocação da ineficácia pela
sociedade possa ser abusiva. O primeiro argumento é o de que o sujeito que atua sozinho, atua fora dos
poderes que a lei lhe confere, pois exige a conjunção maioritária. Depois, quando haja limitações
estatutárias, estas apenas repetem a da lei. Ou seja, às vezes o próprio contrato diz “a gerência é
composta por 3 elementos e a sociedade fica vinculada pela, intervenção de 2” – está apenas a
reproduzir o art.261º. Quanto à proteção de terceiros, estes não podem ser protegidos de qualquer
maneira e em relação a qualquer tipo de confiança. Há algo que a lei exige a quem contrata com o
representante de uma sociedade, ou qualquer outro representante, que é uma demonstração dos seus
poderes. Isto é, a pessoa tem de se certificar que o senhor A, B ou C, que aparece a dizer que representa
a sociedade X, de facto tem esses poderes, caso contrário corre o risco de o ato ser ineficaz. Por isso, o
cuidado exigível a um terceiro que queria confirmar a qualidade de administrador, é praticamente o
mesmo que é necessário para saber quantos têm de agir. Portanto, não merece proteção esta confiança,
que é contrária àquilo que dispõe a lei. Até porque os interesses da sociedade também merecem
proteção, que é dada pela conjunção maioritária. Portanto, neste caso, a sociedade não ficava vinculada
e esta argumentação baseada na alegada confiança de terceiros era insubsistente. O que podia haver,
em casos muito contados, era um abuso na invocação da ineficácia pela sociedade, mas o ato era
ineficaz.
b) E se o estatuto dispusesse que a sociedade apenas se vincula pela assinatura de 3 gerentes, mas
que basta a assinatura de 1 deles para vincular a sociedade em atos de mero expediente?
R.: Aqui, em regra, vale a conjunção integral e para atos de mero expediente vale a disjunção. Uma das
derrogações estatutárias àquela regra da conjunção maioritária é uma cláusula que se insere nos
estatutos dizendo que basta a intervenção de 1 gerente para vincular a sociedade em atos de mero
expediente. O que são atos de mero expediente? São aqueles que têm pequeno poder económico e
nos quais há uma reduzida margem de discricionariedade, são atos rotineiros. Por ex., a emissão de
faturas, pagamento de salários, distribuição de tarefas, etc. Se o ato for de mero expediente, não se
levanta qualquer problema, atua só 1 e a sociedade fica vinculada. Mas e se atuou só 1 e o ato não era
de mero expediente? A compra de equipamentos não parece ser um ato de mero expediente. Neste
caso, à partida, a sociedade não ficaria vinculada. Todavia, aqui sim pela proteção de terceiros, defende-
se que a sociedade deve ficar vinculada. O terceiro, se tiver a diligência que deve ter, vai ao estatuto e
vê quantos gerentes há e quantos é que têm de atuar e vê que basta 1 para atos de mero expediente.
Ora, não está no estatuto um catálogo do que são atos de mero expediente. Logo, seria exigir demais
ao terceiro que classificasse o ato. Portanto, havendo esta cláusula, se o ato não for de mero expediente,
ainda assim a sociedade fica vinculada.

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