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RACISMO ESTRUTURAL

Nos últimos anos, o tema do racismo tem tomado a cena no


Brasil e no mundo. Seja pela mídia, em manifestações nas ruas
ou nas redes sociais, o modo como classificamos as pessoas de
acordo com a tonalidade da pele e outras características
fenotípicas tem sido alvo de intensos questionamentos.

Antes de falarmos de racismo no Brasil e sobre os


posicionamentos da Psicologia brasileira, é preciso distinguir
racismo de injúria racial.
A injúria racial significa associar traços fenotípicos a
termos pejorativos para ofender uma pessoa
(violência moral e psicológica) ou tratar alguém de
modo diferente, em virtude de seus traços físicos,
como barrar o acesso de uma pessoa a determinado
espaço ou fazer acusações sem outra sustentação
que não o preconceito.
Mas a injúria racial é só a “ponta do iceberg” do racismo
estrutural, que é um sistema muito mais sutil e complexo.

Ele se manifesta, por exemplo:

Quando alguém sente mais medo de um jovem negro do que de


um jovem branco, ao andar pela rua à noite.
Quando alguém supõe que um negro é pobre ou tem um cargo
subalterno, pelo simples fato de ele ser negro.
Quando a sociedade constrói padrões de beleza associados a
traços brancos e europeus e, por consequência, considera feios
todos os traços físicos associados à raça negra, como pele
escura, cabelos crespos ou nariz menos angulado.

É importante observar que as pessoas podem não fazer isso


intencionalmente e, às vezes, podem até se reprimir quando
percebem que o erro foi baseado em preconceito. Fazem isso
porque, querendo ou não, todos fomos criados dentro de uma
cultura que transmite esses valores de forma subliminar, ou seja,
sem que tenhamos consciência de que estamos reproduzindo
preconceitos.

Comentário
Veja, por exemplo, por quantas décadas as pessoas negras só
tinham papel de empregados domésticos e escravos nas novelas
e nunca figuravam nos comerciais. Isso cria aquilo que
chamamos de falta de representatividade, ou seja, negros e
brancos crescem acreditando que não é possível aos negros
serem outra coisa diferente de subalternos, o que acarreta,
obviamente, uma alta carga de sofrimento psíquico à população
negra.

A despeito de todas as lutas que o movimento negro traça há


muito tempo por uma sociedade mais justa e equânime, foi
somente nas últimas décadas que o tecido social se tornou mais
permeável a escutar o sofrimento dessa importante parcela da
população. A população negra começa a ter espaço para
ressignificar a beleza atribuída aos seus traços, exibindo sem
vergonha suas altas cabeleiras, abusando dos turbantes e
tecidos de estampas étnicas e exaltando suas raízes. Sua história
pode, enfim, ser recontada, não mais como escravos, mas como
civilizações que foram escravizadas e conseguiram sua liberdade
por meio da luta e não da benesse da nobreza portuguesa. O
racismo passa a ser nomeado e afirmado pela população negra,
pois é quem possui, como se diz nos jargões da Psicologia, o
“lugar da fala”. O mito da democracia racial começou a ruir e
todos, cidadãos e psicólogos, negros ou não, vimo-nos obrigados
a rever profundamente nossos valores e perceber que eles
também reproduziam preconceitos raciais.

A ciência já provou que não existem raças humanas, elas podem


ser entendidas como constructos que, apesar de não terem uma
existência concreta, são resultado de modelos e práticas vigentes
em dado momento histórico. O racismo, entretanto, existe. Ele é
considerado um sistema de saberes implícitos e explícitos, que
organiza formas de subjetivação e atua nos modos de viver com
abrangência ampla, complexa e violenta. Atravessa e estrutura as
formas de relação e, portanto, penetra e participa da cultura, da
política, da economia e da ética, forjando experiências subjetivas
e de vínculo social e institucional diferenciados para negros e
brancos.

É preciso colocar que o racismo é estrutural no Brasil, ou seja,


é uma configuração de forças da realidade que atravessa a todos
os sujeitos, modulando formas de relações. Lançar essa
afirmação não implica necessariamente dizer que todos os
sujeitos brasileiros são racistas, mas todos, de um modo ou de
outro, são afetados pelo racismo existente, sendo beneficiados
ou prejudicados.

Apenas nos últimos anos, empresas, instituições e universidades


têm se questionado sobre as consequências do racismo
estrutural nos seus quadros de pessoal e investido em políticas
afirmativas que visam distribuir oportunidades de liderança de
modo mais uniforme entre negros e brancos, bem como
contratado profissionais, inclusive psicólogos, para consultorias e
programas de treinamento em diversidade e inclusão.

Diversidade é um fato. Inclusão é um ato.


No âmbito da Psicologia Clínica, também é necessário repensar
nosso fazer. Não é preciso dizer o quanto crescer com a
autoimagem relacionada a funções subalternas pode minar a
autoestima e a saúde mental de um indivíduo ou de uma
população. Depressões, angústias e sentimentos de inadequação
são comuns nos consultórios e, apesar de deverem ser pensados
em sua dimensão pessoal, de acordo com a singularidade de
cada história de vida, é preciso também problematizar a
construção social que impulsiona essas histórias. Por isso, a
Psicologia como um todo, mas também cada um de nós, deve
trabalhar por uma sociedade mais justa e, portanto, menos
violenta e discriminatória.

VEM QUE EU TE EXPLICO!

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