Você está na página 1de 13

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA CÍVEL DA

COMARCA DE SANTO ÂNGELO - RS.

TRAMITAÇÃO PREFERENCIAL: IDOSO 70 ANOS

ADAIR SILVEIRA TORRES, brasileiro, divorciado,


aposentado, inscrito no CPF nº. 396.089.210-15, RG nº
7065698131, residente e domiciliado no Distrito Rincão
dos Castanha, s/n, interior, no município de São Miguel das
Missões – RS, vem por meio de seu procurador, com
procuração anexa, perante Vossa Excelência, propor:

AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E


INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL

em desfavor do BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO


SUL S.A, inscrito no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas
– CNPJ sob o número 92.702.067/0001-96, com sede na
Rua Capitão Montanha, nº 177, centro, na cidade de Porto
Alegre – RS CEP 90.010-040, pelos fatos e motivos de
direito que passa a expor:

DOS FATOS.

Como a maioria dos brasileiros que recebem aposentadoria de um salário


mínimo, o Autor já teve gastos infortúnios (medicamentos, etc.) e para isso socorreu-se
a financeiras visando a contratação de empréstimos consignados, cujos valores dos juros
tendem ser inferiores.

Acontece que a parte Autora tomou conhecimento de irregularidades e


cobranças indevidas sobre benefícios previdenciários através de notícias veiculadas pelo
rádio, fato que lhe despertou desconfiança, em vista do ínfimo valor que lhe sobra de
seus proventos como aposentada.

Com a ajuda de terceiros o Autor retirou um extrato de empréstimos


consignados do INSS (anexo) quando verificou um contrato de cartão ativo com o
Requerido com limite no valor de R$1.190,00 e cobrança mensal no valor de R$60,60
sem previsão de término e, cuja contratação não reconhece.

Ocorre que o Autor nunca teve interesse em contratar um cartão de


crédito com o Réu, pois somente buscou com a financeira a contratação de empréstimo
consignado pura e simplesmente.
Ressalta-se que nunca recebeu cartão algum ou faturas do mesmo.
Logo, de duas uma, ou não houve a contratação constituindo na
imposição de um serviço indevido, ou o consumidor foi levado à erro pensando se tratar
de um empréstimo consignado, não tendo sido informado sobre a real natureza do
negócio.

Indubitavelmente, é dever de o fornecedor prestar as informações do


negócio de forma clara e adequada fazendo transparecer fidedignamente ao
consumidor o serviço que está sendo prestado, bem como o valor cobrado, prazo,
condições, juros, etc., visando trazer o equilíbrio necessário à boa relação estabelecida.

Os empréstimos consignados possuem juros bem inferiores aos do cartão


de crédito consignado, e tem sua finalidade específica de fornecer crédito ao
aposentado que necessita de dinheiro, podendo comprometer até 30% do benefício do
contratante.

Por outro lado, os contratos de cartão de crédito consignados foram


criados com possibilidade de desconto de até 5% sobre o benefício previdenciário,
visando auxiliar os aposentados/pensionistas a realizarem compras do dia a dia, gastos
de pouca monta, e não para fins de realização de empréstimos.

Portanto, no caso em testilha, o Autor não reconhece a contratação do


cartão consignado cujos descontos ocorrem diretamente no seu benefício
previdenciário, não encontrando outro modo para solucionar o impasse, busca a tutela
do Poder Judiciário no intuito de resguardar seus direitos, quais sejam: a declaração de
nulidade do contrato e das cobranças, ou caso constatado que o Autor foi induzido em
erro, a conversão do contrato de cartão em empréstimo consignado puro e simples, bem
como a restituição em dobro dos valores indevidamente descontados do benefício, bem
como uma indenização pelo dano moral sofrido ante a conduta ilegal do banco Réu.

DO DIREITO:
DA RELAÇÃO DE CONSUMO E APLICAÇÃO DO CDC.

Embora a contratação não tenha sido realizada pelo Autor, o Requerente


se enquadra no conceito de consumidor por equiparação, sendo vítima do dano à luz do
disposto no art. 17 do CDC, in verbis:

Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as
vítimas do evento.

A relação de consumo é demarcada pelo Código de Defesa do


Consumidor conforme prevê os artigos. 2º e 3º.
Ressalta-se ainda, que o CDC é aplicado aos serviços bancários, conforme
entendimento firmado pelo STJ na súmula 297, verbis:

O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

À relação estabelecida entre as partes, incidem as normas da Lei


8.078/90, mais precisamente o preceito contido no caput de seu artigo 14, que consagra
a responsabilidade civil objetiva dos fornecedores:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da


existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores
por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Conforme relatado, há relação de consumo entre a Autora e o Réu,


devendo-se aplicar as regras do CDC, e a responsabilidade objetiva ao caso em liça.

DO DIREITO DE INFORMAÇÃO.

Em atenção ao princípio da transparência tutelado pelo Código de Defesa


do Consumidor, toda relação de consumo precisa fornecer informação clara e adequada
fazendo transparecer fidedignamente ao consumidor o serviço que está sendo prestado,
bem como o valor cobrado, prazo, condições, juros, etc., visando trazer o equilíbrio
necessário à boa relação estabelecida.

O art. 6º, inc. III do CDC prevê a informação como direito básico do
consumidor, senão vejamos:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:


(...)
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços,
com especificação correta de quantidade, características, composição,
qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que
apresentem;

No mesmo sentido é o posicionamento do C. STJ:

AGRAVO INTERNO. DIREITO DO CONSUMIDOR. SEGURO DE VIDA. CLÁUSULA


COM PREVISÃO DE PRAZO DE CARÊNCIA. ABUSIVIDADE. AUSÊNCIA DE
CONHECIMENTO PRÉVIO DO SEU CONTEÚDO. DECISÃO MANTIDA. (...) 4. Ao
revés do propugnado pelo Tribunal de origem, a jurisprudência do STJ, em
harmonia com o que preconiza o Código de Defesa do consumidor, prevê
que todas as informações destinadas ao consumidor devem ser claras e
precisas, para que se permita a livre e consciente escolha daquilo que será
contratado. 5. No âmbito contratos que regulam as relações de consumo, o
consumidor só se vincula às disposições neles inseridas se lhe for dada a
oportunidade de conhecimento prévio do seu conteúdo (CDC, art. 46),
especialmente no que diz respeito a cláusulas que importem restrição de
direitos (REsp 1.660.164/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira
Turma, julgado em 17/10/2017, DJe 23/10/2017). (...) 7. Agravo Interno não
provido. (AgInt nos EDcl no AREsp 1186391/BA, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 28/06/2019).

No caso em tela, ressalta-se que o Autor não tinha interesse em nenhum


contrato por meio de cartão, valendo-se o Réu de método abusivo e desleal, de modo
que resta claro o desatendimento a princípios básicos de proteção ao consumidor como
o direito à informação e transparência, configurando prática abusiva.

DIFERENÇAS ENTRE O EMPRÉSTIMO CONSIGNADO E O CONTRATO DE


CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO – DESVANTAGEM EXCESSIVA.

Os empréstimos consignados possuem juros bem inferiores aos do cartão


de crédito consignado, e tem sua finalidade específica de fornecer crédito ao
aposentado que necessita de dinheiro, podendo comprometer até 30% do benefício do
contratante, de acordo com o art. 115, inc. VI da Lei nº 8.213/91.

No empréstimo consignado existe a fixação do valor da parcela e do


número de meses para quitação do contrato.

De outra banda, os contratos de cartão de crédito consignados foram


criados com possibilidade de desconto de até 5% sobre o benefício previdenciário,
visando auxiliar os aposentados/pensionistas nas despesas diárias de pequena monta, e
não para fins de realização de empréstimos com alcance de valores maiores.

Na modalidade do cartão de crédito consignado não há previsão para o


término dos descontos, ou seja, não há indicação do número de parcelas necessárias
para quitação do contrato.

Além disso, os descontos realizados no benefício se referem ao mínimo


do aludido cartão (5%), gerando sempre um abatimento menor do que o valor já
efetivamente quitado, causando pagamentos sem fim, e tornando a dívida quase que
infinita.

No caso em epígrafe, o Autor nunca teve interesse em contratar um


cartão de crédito com o Réu, pois somente buscou com a financeira a contratação de
empréstimo consignado pura e simplesmente, não tendo recebido informação
suficiente a respeito do negócio, bem como das desvantagens em vista do contrato de
cartão em detrimento ao empréstimo consignado. Ressalta-se que nunca recebeu
cartão algum ou faturas do mesmo, o que facilitou o vício de consentimento.
Em evento análogo o Des. e relator Alberto Delgado Neto, discorreu:1

Analisando a forma como se desenrola a contratação, verifica-se que nesta


modalidade é creditado na conta bancária do consumidor o valor solicitado
para empréstimo, independentemente de envio e/ou desbloqueio de cartão
de crédito, e sem que seja necessária a utilização deste.

Tal fato induz o consumidor a acreditar que está diante de um empréstimo


consignado, e que os valores descontados diretamente em seus proventos de
aposentadoria são suficientes à quitação. No entanto, se não houver
pagamento integral, será descontado em folha apenas o valor mínimo da
fatura (reserva de margem consignável), incidindo sobre a diferença encargos
rotativos em valores bastante superiores aos encargos praticados pelo
mercado nas operações de empréstimo consignado.

Permitir esse tipo de operação autoriza que a instituição financeira se torne


credora permanente e vitalícia da parte Apelante, pois pratica descontos
insuficientes ao pagamento do empréstimo, tornando a dívida eterna. Logo
impagável nos moldes do valor descontado, limitado pela margem de
consignação. Pois haverá constante incidência de juros e encargos sobre
valores que sequer atingem o valor mínimo ao pagamento das faturas,
onerando excessivamente a parte hipossuficiente.

Assim, se houve a contratação, o consumidor foi levado à erro pensando


se tratar de um empréstimo consignado, não tendo sido informado sobre a real natureza
do negócio. Nesse viés, o CDC esclarece que:

Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de


crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá,
entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:

I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;


II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;
III - acréscimos legalmente previstos;
IV - número e periodicidade das prestações;
V - soma total a pagar, com e sem financiamento.
(...)

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-
fé ou a eqüidade;

Nesse caso, tendo em vista o abuso sofrido pela Requerente que nunca
teve intenção de firmar contrato de cartão de crédito, caso constatada eventual
contratação nessa modalidade, deve-se adequar a relação ao fim pretendido,
convertendo o contrato de cartão de crédito em empréstimo pessoal consignado,
aplicando as mesmas taxas e prazos previstos para esta modalidade na época da
pactuação, recalculando o montante do débito.

1 Apelação Cível, Nº 70081643785, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS.
Nesse sentido tem se manifestado o Colendo TJRS:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO


DE VALORES CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.
RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. Trata-se
responsabilidade civil pelo fato do serviço fundada na teoria do risco do
empreendimento. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. AUSÊNCIA DE
INFORMAÇÃO ADEQUADA – NULIDADE DA CONTRATAÇÃO. Comprovada a
abusividade na sistemática de cobrança realizada pela instituição financeira
ré que efetua descontos mensais nos proventos de aposentadoria da
demandante, sem definição de termo final, relativos aos valores do
pagamento mínimo da fatura, tornando a dívida eterna, gerando, com isso,
lucros exorbitantes ao banco e, principalmente, desvantagem exagerada ao
consumidor, o que é vedado expressa e categoricamente pelo Código de
Defesa do Consumidor, nos termos do seu art. 51, IV. Reconhecimento da
nulidade da cláusula contratual, que implica no acolhimento do pedido de
conversão do cartão de crédito consignado para empréstimo pessoal
consignado. [...] APELAÇÃO CÍVEL PARCIALMENTE PROVIDA.(Apelação Cível,
Nº 70082094293, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Altair de Lemos Junior, Julgado em: 31-07-2019).

A instituição financeira efetuou descontos na aposentadoria do Autor por


serviço diverso do que este pretendia contratar, o que trouxe inegável prejuízo ao
aposentado uma vez que os juros previstos para o empréstimo pessoal na modalidade
consignada é bem inferior aos do cartão consignado, trazendo desvantagem ao
consumidor.

Recalculado o empréstimo para modalidade de consignado pessoal,


tendo como base o período de 60 meses (5 anos), deverá ser compensado o montante
já quitado e havendo eventual saldo devedor este deverá ser descontado de modo que
não extrapole a margem para empréstimo consignado disponível a Autora observando
o limite de 30% previsto na Lei nº 8.213/91 art. 115, inc. VI, “a” e “b”2.

Ademais, apurados valores indevidos e/ou saldo remanescente deve ser


devolvido em dobro o Autor, corrigido a partir do primeiro pagamento, conforme
preceitua o CDC, o que será melhor debatido em tópico posterior.

DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO.

2
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
VI - pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento
mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, ou por
entidades fechadas ou abertas de previdência complementar, públicas e privadas, quando expressamente
autorizado pelo beneficiário, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor do benefício, sendo
5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para:
a) amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou
b) utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
No caso em comento, houve falha na prestação do serviço imputável ao
Requerido, de modo que este deve responder pelos danos causados ao Requerente.
Assim, constatada a prática abusiva, o Autor deve ser restituído em dobro
por todo o valor pago indevidamente, nos termos do p. único do artigo 42 do CDC:

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à


repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso,
acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano
justificável.

Além disso, a cobrança do contrato de cartão de crédito quando a


intenção do Autor era firmar empréstimo consignado é totalmente ilícita, sendo que a
diferença da parcela paga e a efetivamente devida deve ser devolvida em dobro.

Ademais, embora seja elemento evidentemente presente na conduta do


Réu, que propositalmente omitiu informações e ludibriou o Autor, o Código de Defesa
do Consumidor não exige má-fé do fornecedor como pressuposto à repetição em dobro
de valores indevidos. Nesse sentido, cabe trazer a baila análise do Desembargador
Leonel Pires Ohlweiler no Acórdão da Apelação Cível nº 70053708798:

“A medida prevista no parágrafo único do citado dispositivo legal vem ao


encontro da sistemática adotada pelo próprio Código de Defesa do
Consumidor, quando elege a responsabilidade objetiva e, portanto, não há
que se buscar pela presença da culpa, sequer dolo e, consequentemente, da
má-fé. Assim admiti-lo seria malferir os objetivos da lei consumerista, pela
inserção de um elemento subjetivo estranho ao parágrafo único do art. 42”

Presente a conduta ilícita do Requerido, que efetuou descontos


diretamente no benefício de aposentadoria do Autor, referente a um contrato de cartão
e “EMPRÉSTIMO SOBRE A RMC” que nunca foi almejado pela Requerente, há evidente
nexo de causalidade entre tal conduta e o dano causado, surgindo o dever de reparar o
prejuízo causado.

Pelo contexto apresentado, denota-se que o Réu incorreu em prática


abusiva, violando o art. 39, inc. III e IV do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras


práticas abusivas:
(...)
IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista
sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus
produtos ou serviços;

Portanto, havendo fraude na contratação e/ou necessitando a conversão


do empréstimo de cartão para empréstimo consignado, eventual saldo remanescente
deverá ser devolvido em dobro a Requerente.
DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.

No presente caso, a Requerente como parte frágil da relação, pessoa


humilde, idosa, que se apresenta com hipossuficiência tanto técnica como jurídica.

Ressalta-se, que estamos diante de abusos cometidos pelo Requerido,


que enganou o Autor impingindo sobre sua aposentadoria desconto não autorizado ou
ainda, levando-o a contrair um empréstimo por cartão consignado, pensando estar
firmando somente um empréstimo consignado. Perante esses abusos o Código de
Defesa do Consumidor busca salvaguardar os direitos dos consumidores, trazendo em
seu berço a facilitação da defesa para a parte mais fraca, qual seja, o consumidor (art.
6º, inc. VIII do CDC).

Ademais, impõe o CPC, no seu art. 373, inciso II, no tocante a matéria
probatória que se aplica ao presente caso, ser incumbência da Requerida a produção da
prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito da parte autora.

Assim, cabe ao Requerido provar nos autos a legalidade dos descontos


efetuados no benefício do Autor apresentando para isso os eventuais contratos
firmados com a parte Autora.

Ressalta-se que é essencial a apresentação do contrato pelo Requerido,


eis que não há previsão do término do contrato ou do número de parcelas no extrato
do INSS. Além disso, o Autora não pôde apresenta-los, pois o Réu se recusa a fornecê-lo
quando solicitado.

DA CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL.

Quanto ao dano moral, o mesmo restou sedimentado, pois os fatos, por


certo, causaram o Autor aborrecimentos que superam os do cotidiano, trazendo-lhe
muita angústia e insegurança, sendo, por isso, passíveis de reparação.

A reparação pelo dano moral está prevista no Código Civil em seu art.
186, e art. 927.

A parte Autora tomou conhecimento de irregularidades e cobranças


indevidas sobre benefícios previdenciários através de várias matérias jornalísticas
noticiadas recentemente pela mídia (telas anexas), fato que lhe despertou desconfiança,
em vista do ínfimo valor que lhe sobra de seus proventos como aposentado.
Ao investigar sua situação, com ajuda de terceiros, a Requerente
descobriu ao analisar seu extrato de empréstimos consignados do INSS (anexo) um
contrato de cartão ativo com o Requerido e sem prazo de término com cobrança mensal
no valor de R$60,60 (EMPRÉSTIMO SOBRE A RMC) cuja contratação não reconhece, pois
somente realizou com o Requerido empréstimo consignado puro e simples.

Ressalta-se que nunca recebeu cartão ou faturas do suposto cartão. Logo,


de duas uma, ou não houve a contratação constituindo na imposição de um serviço
indevido, ou o consumidor foi levado à erro pensando se tratar de um empréstimo
consignado, não tendo sido informado sobre a real natureza do negócio, o que, em
ambas as situações trazem desvantagem excessiva o Autor e ferem os princípios do
Código de Defesa do Consumidor.

Não se pode olvidar que os fatos aconteceram sobre pessoa humilde e


de idade avançada, ocorrendo um verdadeiro abuso por parte do Réu, que desrespeitou
o consumidor e prevaleceu de sua pouca instrução para angariar lucro ilícito, sobre os
seus já parcos rendimentos previdenciários (líquido menos que um salário mínimo).

Diante de situação análoga, o Des. Guinther Spode ressaltou:3

Destarte, além dos evidentes aborrecimentos, o fato de a instituição


financeira ter efetuado descontos no benefício previdenciário do Autor de
valores referentes a contrato diverso do que o Autor pretendia pactuar,
acarretou induvidoso prejuízo ao conceito do Autor que configura dano
moral, pois violam direitos vinculados diretamente à tutela do conceito
comercial e da honorabilidade dela, estando caracterizados os requisitos
exigidos pelo instituto da responsabilidade civil para o dever de indenizar:
dano, conduta e nexo causal.

Em tais situações os danos morais são presumidos, verificam-se “in re


ipsa”, ou seja, decorrem da força dos próprios fatos, independente da prova do efetivo
prejuízo sofrido pela vítima. Pela dimensão do fato e sua natural repercussão na esfera
do lesado, a série de frustrações e incômodos a que foi submetido, é impossível deixar
de imaginar que não se configurou o dano.

Assim, o dano moral é inerente ao ilícito civil, do qual decorre o dever de


indenizar, de modo que não há necessidade de comprovar qualquer outro elemento
para sua demonstração. Nesse sentido tem entendido o Tribunal de Justiça Gaúcho:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DECLARATÓRIA


DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANO
MORAL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO

3
Apelação Cível, Nº 70081178469, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS.
PREVIDENCIÁRIO. DESCONTOS A TÍTULO DE RESERVA DE MARGEM
CONSIGNÁVEL – RMC. DEVER DE PRESTAR INFORMAÇÃO CLARA E
ADEQUADA DESCUMPRIDO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. PRÁTICA
ABUSIVA - ART. 39, IV, CDC. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO.
DANO MORAL CONFIGURADO. Da maneira que entabulada a contratação no
caso em exame, resta configurada a excessiva desvantagem da parte
consumidora, tendo em vista que, além de não se tratar de empréstimo
pessoal puro e simples, não havendo sequer definição da quantidade de
descontos necessários ao adimplemento, os quais estão atrelados aos
proventos de aposentadoria do Autor, configurando a abusividade prevista
pelo artigo 39, inciso IV, do CDC. Dano moral. Presente falha na prestação do
serviço pela instituição financeira ao, do que decorre o dever de reparar os
danos causados, conforme art. 14 do CDC. Evidente abuso de direito
indenizável, porque não se trata de mero transtorno ou dissabor, em face
das graves consequências que ocasiona. Dano in re ipsa. Dano vinculado à
própria existência do fato ilícito, cujos resultados causadores de ofensa moral
à pessoa são presumidos, independendo, portanto, de prova. Quantum
indenizatório. Indenização arbitrada com base nos parâmetros utilizados pela
Câmara em situações análogas. Inversão dos encargos sucumbenciais.
APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.(Apelação Cível, Nº 70083497735,
Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther
Spode, Julgado em: 16-03-2020).

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DECLARATÓRIA


C/C DANO MORAL. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). A RELAÇÃO
CONTRATUAL REGIDA PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR RECLAMA
A OBSERVÂNCIA DO DEVER DE INFORMAÇÃO, CONSOANTE PREVISÃO NO
ARTIGO 52 DA LEI CONSUMERISTA. CASO CONCRETO EM QUE AUSENTE
DEMONSTRAÇÃO ACERCA DA CLAREZA DAS INFORMAÇÕES PRESTADAS À
PARTE AUTORA QUANDO DA CONTRATAÇÃO, RAZÃO PELA QUAL IMPÕE-SE A
DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA MODALIDADE CONTRATUAL ENTABULADA
(CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO), COM A CONVERSÃO DA
NATUREZA CONTRATUAL PARA EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO.
VERIFICADO SALDO EM PROL DO CONSUMIDOR, CABÍVEL A REPETIÇÃO DO
INDÉBITO SIMPLES, CONFORME POSTULADO PELA PARTE AUTORA. DANO
MORAL. NO CASO CONCRETO, ALÉM DA VIOLAÇÃO AO DEVER DE
INFORMAÇÃO, A PARTE RÉ INFRINGIU O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA,
CAUSANDO SITUAÇÃO QUE SUPERA O MERO ABORRECIMENTO E QUE, AO
CONFIGURAR ABALO OU OFENSA AO DIREITO DE PERSONALIDADE DA
PARTE AUTORA, É PASSÍVEL DE INDENIZAÇÃO. PRECEDENTES. APELAÇÃO
PROVIDA.(Apelação Cível, Nº 50094722220218210008, Vigésima Terceira
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Afif Jorge Simões Neto,
Julgado em: 14-12-2021)

O bem jurídico atingido é relevante, pois afeta diretamente parcela do


benefício previdenciário e única fonte de renda do Autor, já escassa (valor líquido
inferior a um salário mínimo). A conduta do Requerido configura evidente abuso de
direito, a qual atinge mais que a esfera material, estando caracterizado o dano moral.

Infelizmente o caso não é isolado, várias matérias jornalísticas/rádio


noticiadas recentemente pela mídia retratam episódios similares ao presente.
Desse modo a reparação dissuasória tende a reprimir o opressor, que não
raras vezes obtém vantagem com o ilícito praticado, servindo como aprimoramento de
conduta.

Assim, em contrapartida ao desrespeito do Requerido para com a


Requerente, a quantificação da indenização deve considerar a gravidade do fato, a
reincidência do Réu, bem como o grau de reprovabilidade da conduta ilícita.

Nesse sentido, há que se lançar uma indenização não só por seu


caráter compensatório, mas também pela sua função desestimuladora/preventiva da
prática ilícita, buscando educar o ofensor e a outros de cometer conduta semelhante,
aplicando na lei um sentido tríplice: reparar, punir e educar, que no caso em liça é
sugerido à fixação da importância não inferior a dez salários mínimos (R$12.120,00) a
título indenizatório.

DOS PEDIDOS.

Diante de todo o exposto, requer:

a. O recebimento da inicial, com os documentos que a instruem,


determinando o seu prosseguimento segundo os ditames da Lei e ao final sentença
julgando procedente todos os seus pedidos;

b. Não seja realizada a audiência de conciliação ou mediação, ante a


faculdade que lhe aufere o art. 319, inc. VII c/c art. 334, §4º, inc. I do CPC;

c. A citação do Requerido, por carta com aviso de recebimento, na forma


do artigo 246, inc. I do CPC, para que, querendo e no prazo legal, apresente resposta,
sob as penas da lei;

d. A aplicação do Código de Defesa do Consumidor com a inversão do


ônus da prova em favor do Autor, face à hipossuficiência e verossimilhança das
alegações do Requerente, consoante disposição do art. 6º, inc. VIII do CDC. Assim,
devendo o Réu comprovar nos autos a regularidade das cobranças questionadas, bem
como deve apresentar os contratos de cartão;

e. Seja declarado inexistente/nulo o CONTRATO DE CARTÃO n.º


00150657544417030280 e restituído o montante pago conforme preceitua artigo 42,
parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor (em dobro); OU,

f. Subsidiariamente, constatada eventual contratação seja o CONTRATO


DE CARTÃO convertido para empréstimo pessoal consignado pessoa física, recalculando
o empréstimo, aplicando sobre o valor original do negócio a taxa média de juros
remuneratórios divulgados pelo BACEN para a data da celebração, compensando o
montante já quitado (inclusive juros pelo pagamento da fatura mínima), e:

f.1) Havendo eventual saldo devedor este deverá ser descontado de


modo que não extrapole a margem consignável disponível o Autor
observando a Lei nº 8213/91 art. 115, inc. VI;

f.2) Caso ultrapassada, seja suspenso o contrato até que surja margem
para o empréstimo consignado respeitado o limite máximo de desconto
no percentual de 30% sobre os proventos.

f.3) Ademais, decorrido o prazo de 60 meses (5 anos) seja o contrato


considerado quitado, excluindo da margem consignável, apurados dos
valores devidos eventual saldo remanescente deve ser devolvido em
dobro a Autora, corrigido e com juros a partir do primeiro pagamento,
conforme preceitua art. 42, p. único, do CDC;

g. Seja condenado o Réu ao pagamento de indenização por DANOS


MORAIS, sendo sugerido o quantum debeatur no montante não inferior a dez salários
mínimos (R$12.120,00);

h. A condenação do Réu ao pagamento de custas processuais e de


honorários advocatícios, estes fixados em 20% sobre o valor da condenação, respeitado
um valor mínimo se daquele percentual resultar valor ínfimo, lembrando que os
causídicos do Autor;

i. Defira em favor do Requerente o benefício da Assistência Judiciária


Gratuita, com arrimo no art. 98 do CPC, conforme comprovantes anexos;

j. Seja assegurada a prioridade da tramitação, com fulcro no art. 71 da


Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso), tendo em vista que a Requerente é pessoa idosa,
conforme documento em anexo;

k. Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito


admitidos.

Dá-se a causa o valor de R$13.310,00


(dano moral R$12.120,00 + R$1.190,00 cartão)

Termos em que, pede deferimento.


São Miguel das Missões - RS, 18 de fevereiro de 2022.

Leonardo Colleto Marieli Engel


OAB/RS 97.323 OAB/RS 115.788

Você também pode gostar