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Do direito de retirada ou recesso de consórcio público

Na primeira unidade deste módulo de estudo, o professor Ricardo


Marcondes versou sobre a estrutura da administração pública, tecendo críticas a
uma das pessoas jurídicas da administração indireta mais polêmicas no Brasil, os
consórcios públicos.
Diversos entes reúnem-se em consórcios públicos, porém, em muitos casos,
os administradores avaliam, após determinado período, que aquela reunião de
municípios/estados não traz benefícios ao ente e gera gastos desnecessários à
administração (contrato de rateio, entre outros), ocasionando na intenção de retirada
do consórcio, o que é dificultado pelas direções dessas pessoas jurídicas. Portanto,
o problema base deste estudo é: um consórcio público pode obrigar um membro a
permanecer associado por determinado período?
Alguns consórcios públicos, e nesse estudo analisaremos o protocolo de
intenções do Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Sustentável da Serra
Gaúcha (CISGA)1, inserem nos protocolos a obrigação de que os entes
permaneçam consorciados por um determinado período de tempo mínimo, contado
do momento da efetiva subscrição do contrato de consórcio por parte do município.
Inicialmente, é importante destacar que a Lei Federal 11.107/2005, em seu
art. 11, determina que:

A retirada do ente da Federação do consórcio público dependerá de ato


formal de seu representante na assembleia geral, na forma previamente
disciplinada por lei.2

Dessa forma, conclui-se preliminarmente que a Lei que regula os consórcios


públicos determina que a única ação necessária para a saída do consórcio é ato
formal de seu representante em assembleia geral, o que não é, muitas vezes,
respeitado pelas diretorias dos consórcios, que inserem nos protocolos de intenções
do consórcio outras obrigações para a retirada do consórcio.

1
CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA SERRA GAÚCHA.
Protocolo de Intenções do CISGA. Disponível em:
http://www.cisga.com.br/fotos/historicos/arquivos/a4eb4e7d770c225dbcd95319af238922.pdf. Acesso
em: <26 jun. 2020>.
2
BRASIL. Lei Federal 11.107, de 6 de abril de 2005. Dispõe sobre normas gerais de contratação de
consórcios públicos e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11107.htm>. Acesso em: <26 jun.
2020>.
2

Além disso, o Decreto Federal 6.017/2007, que regulamentou a Lei Federal


11.107/2005, determinou, em seu art. 24, que “Nenhum ente da Federação poderá
ser obrigado a se consorciar ou a permanecer consorciado” 3. Da mesma forma, a
melhor doutrina considera que:

O pressuposto da retirada é o interesse do consorciado em afastar-se do


consórcio. A despeito de sua participação gerar uma série de obrigações, é
possível que fator superveniente conduza o ente ao afastamento. Para não
deixar dúvida a respeito, o Decreto no 6.017/2007 foi peremptório em
garantir que nenhum ente da federação pode ser obrigado a
consorciar-se ou a permanecer consorciado.
[...]
Sendo o contrato de consórcio público um ajuste plurilateral de interesses
paralelos e de parceria, à semelhança dos convênios em geral, a retirada
voluntária não encontra qualquer óbice na lei e depende unicamente
da vontade do retirante4.

Mesmo que se considere essa cláusula válida, pelo motivo de possibilitar


aos consórcios uma organização mínima no rateio dos custos, essa disposição no
parágrafo terceiro da cláusula vigésima do protocolo do CISGA, que determina que a
retirada de um ente pode ocorrer após 3 (três) anos da efetiva subscrição do
contrato de consórcio público por parte do município, gera uma dúvida com relação
a em que momento deve ser considerada a data de subscrição de um ente no
contrato de consórcio público. No momento em que a Lei do ente foi aprovada e
publicada, ou no momento de efetivo ingresso do município no consórcio, por meio
de requerimento aprovado na assembleia geral?
Por exemplo, o município de Farroupilha aprovou, em sua câmara
municipal, no dia 30 de abril de 2014, a ratificação do Protocolo de Intenções do
CISGA, porém, ingressou oficialmente no consórcio por meio de requerimento à
assembleia geral (iniciando o pagamento de contrato de rateio e outros valores)
apenas em agosto de 2018.
Dessa forma, a indagação que permanece é: o município de Farroupilha
poderia requerer sua retirada em assembleia geral em abril de 2017 (considerando a
data de aprovação da lei municipal para entrada no CISGA) ou em agosto de 2021

3
BRASIL. Decreto Federal nº 6.017, de 17 de janeiro de 2007. Regulamenta a Lei no 11.107, de 6
de abril de 2005, que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos. Disponível
em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6017.htm>. Acesso em: <28
jun. 2020>.
4
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Consórcios públicos: Lei no 11.107, de 06.04.2005, e
Decreto no 6.017, de 17.01.2007. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 122-123.
3

(considerando a data do efetivo ingresso do município em assembleia geral do


consórcio)?
Para a análise dessa indagação, é importante destacar o art. 5º da Lei
Federal 11.107/2005, que não deixa dúvidas quanto ao momento de
celebração/subscrição/ratificação do contrato de consórcio público:

Art. 5º O contrato de consórcio público será celebrado com a ratificação,


mediante lei, do protocolo de intenções.5

Relevante observar que o determinado pelo parágrafo terceiro do mesmo


artigo desta lei, isto é, de que a ratificação do contrato dependerá de homologação
da assembleia geral do consórcio, não altera a data de
celebração/subscrição/ratificação do consórcio, isto é, o momento de promulgação
da lei, conforme caput do art. 5º da Lei 11.107/2005.
Dessa forma, respeitando o disposto no protocolo de intenções do CISGA e
o previsto na legislação federal, conclui-se que o município de Farroupilha poderia
retirar-se do consórcio a partir de abril de 2017, isto é, 3 (três) anos após a
aprovação de lei municipal para sua entrada.
Caso o consórcio desejasse manter seus membros por no mínimo 3 (três)
anos de seu efetivo ingresso no CISGA, poderia ter previsto em seu protocolo o
prazo de 3 (três) anos contados do efetivo ingresso no consórcio, e não da
subscrição do contrato. De qualquer forma, tal disposição também poderia ser
anulada em análise judicial por, como explicado anteriormente, criar obrigações
adicionais às previstas em lei para a retirada de um ente.
Finalmente, importante destacar que os entes devem respeitar contratos de
rateio já assinados, realizando normalmente seus pagamentos, mesmo que haja a
intenção de retirada do consórcio, haja vista o disposto na Lei de Improbidade
Administrativa6, que tipifica, em seu artigo 10º, inciso XV, a celebração de contrato
de rateio de consórcio público sem dotação orçamentária como ato de improbidade
administrativa que causa lesão ao erário.

5
BRASIL. Lei Federal 11.107, de 6 de abril de 2005. Dispõe sobre normas gerais de contratação de
consórcios públicos e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11107.htm>. Acesso em: <26 jun.
2020>.
6
BRASIL. Lei Federal 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos
agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou
função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Disponível
em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm>. Acesso em: <28 jun. 2020>.

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