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AULA 5

TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA

Profª Rossana Ghilardi


TEMA 1 – EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO

Apresentar as políticas públicas para educação especial e inclusiva,


traduzidas principalmente em legislações, é o foco desta aula. O atendimento na
área de educação está sujeito e depende de leis e regulamentações, mas de nada
adiantam as regras se desconhecidas ou mal aplicadas, por isso trataremos das
leis, decretos e políticas que estão relacionadas principalmente ao atendimento
educacional da pessoa com Transtorno de Espectro Autista.
Nosso enfoque será com base na educação especial e inclusiva e é natural
começar com a Constituição de 1988 – Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 –, pois nela se define toda a educação nacional. O art. 22 da
Constituição estabelece como competência da União legislar sobre a educação
nacional, definindo suas diretrizes e bases. O art. 23 reforça que a União também
deve proporcionar os meios de acesso à educação (Brasil, 1988).
As definições principais da educação estão no Capítulo III da
Constituição/88. O art. 205 a estabelece como “direito de todos e dever do Estado
e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Brasil, 1988).
O art. 208 indica a educação básica como obrigatória e gratuita dos 4 aos
17 anos para todos, além de “atendimento educacional especializado aos
portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (Brasil,
1988). Em vários outros pontos da Constituição há garantias para inclusão das
pessoas com deficiência na vida social e econômica da nação.
Precisamos lembrar o contexto da elaboração da Constituição de 1988:
após um longo período de ditadura, consolidava-se a redemocratização do país,
incorporando várias ideais de direitos individuais e de liberdade, com igualdade e
justiça.
Um pouco mais adiante na cronologia dos fatos para definir educação
inclusiva contribuíram eventos e documentos internacionais, como a Declaração
de Jomtien, conhecida também como a Declaração Mundial de Educação para
Todos, de 1990; e a Declaração de Salamanca, elaborada quatro anos depois.

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1.1 Declaração de Jomtien

A Declaração de Jomtien é fruto da Conferência Mundial sobre Educação


para Todos realizado na Tailândia e, além de levantar a bandeira da educação de
qualidade para todos, tinha como principal objetivo promover a satisfação das
necessidades básicas da aprendizagem, traduzidas em itens como expandir o
enfoque além do que havia no momento em relação aos recursos, currículo e
sistema de ensino; universalizar o acesso à educação e promover a equidade;
concentrar atenção na aprendizagem; ampliar os meios e o raio de ação da
educação básica; propiciar um ambiente adequado à aprendizagem; fortalecer as
alianças entre o governo e ações do estado, com a própria instituição escolar e
familiar, além de organizações não governamentais, comunidades locais e outros,
com investimento na formação e condições de trabalho para professor (Unicef,
1990).
O documento também apresenta sugestões de como construir e chegar às
metas, baseando-se em políticas públicas contextualizadas de apoio à educação
para todos, a mobilização dos recursos para tanto e a solidariedade e apoio
internacional como forma de conquistá-la.

Saiba mais

Você pode encontrar a Declaração de Jomtien no site da Unicef, acessando


o link a seguir:
UNICEF. Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Aprovada
pela Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em Jomtien, Tailândia, de
5 a 9 de março de 1990. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/declaracao-
mundial-sobre-educacao-para-todos-conferencia-de-jomtien-1990>. Acesso em:
15 abr. 2021.

1.2 Declaração de Salamanca

A Declaração de Jomtien fornece algumas das referências para Declaração


de Salamanca, elaborada na Espanha em 1994 durante a Conferência Mundial
sobre Educação Especial. O documento apresenta o propósito dos delegados dos
países envolvidos, reafirmando:

compromisso para com a Educação para Todos, reconhecendo a


necessidade e urgência do providenciamento de educação para as
crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais

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dentro do sistema regular de ensino e reendossamos a Estrutura de
Ação em Educação Especial, em que, pelo espírito de cujas provisões e
recomendações governo e organizações sejam guiados. (Unesco, 1994.
p. 1)

Assim, o documento apresenta orientações e recomendações para que os


governantes garantam que as escolas convencionais passem a incluir a todos os
alunos, oferecendo condições e oportunidade de acesso à educação de qualidade
também para aqueles com necessidades especiais.
São sugeridas ações relativas a leis e políticas públicas para promover a
matrícula de todas as crianças, preferencialmente em escolas convencionais, na
perspectiva inclusiva e para que a educação especial se desenvolva na medida
do possível dentro das escolas regulares com investimento na preparação de
professores e aquisição de recursos.

O desafio que confronta a escola inclusiva é no que diz respeito ao


desenvolvimento de uma pedagogia centrada na criança e capaz de bem
sucedidamente educar todas as crianças, incluindo aquelas que
possuam desvantagens severa. O mérito de tais escolas não reside
somente no fato de que elas sejam capazes de prover uma educação de
alta qualidade a todas as crianças: o estabelecimento de tais escolas é
um passo crucial no sentido de modificar atitudes discriminatórias, de
criar comunidades acolhedoras e de desenvolver uma sociedade
inclusiva. (Unesco, 1994, p. 4)

Para o combate à exclusão, são propostas transformações contundentes


nas práticas e serviços, mas principalmente nos valores que sustentam a
educação, sendo necessário o atendimento às diferenças individuais e
adaptações dos processos educacionais.
Assim, com vistas à sociedade inclusiva, constituída pela educação
inclusiva, em nosso país foram criadas leis específicas para educação em geral,
incorporando educação especial e inclusiva.

Saiba mais

O conteúdo completo da Declaração de Salamanca está disponível no


Portal do MEC, no endereço a seguir:
UNESCO. Declaração de Salamanca sobre princípios, políticas e
práticas na área das necessidades educativas especiais. Salamanca, 7 jun.
1994. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf>. Acesso em: 15 abr.
2021.

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TEMA 2 – EDUCAÇÃO DE QUALIDADE PARA TODOS

Os ditames da Declaração de Salamanca estão presentes na Política


Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil,
1994), assim como na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei n. 9.394 (Brasil,
1996) e demais regulações que se seguiram.
Segundo Costa (2017), contribui para a visão atual de Educação Especial
e Inclusiva também a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (2000),
com compromisso de eliminar a discriminação, em todas as suas formas e
manifestações, contra as pessoas portadoras de deficiência. No Brasil, ela foi
incorporada pelo Decreto n. 3.956, de 8 de outubro de 2001.
Além disso, considera-se fundamental o Decreto n. 6.949, de 25 de agosto
de 2009, que promulga no Brasil a Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinado em Nova York,
em 2007, cujo propósito é “promover, proteger e assegurar o exercício pleno e
eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as
pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”
(Brasil, 2009a, art. 1).

2.1 Escolas de educação especial

Não podemos esquecer que, anteriormente às declarações e legislações


citadas, a opção de atendimento escolar para as pessoas com necessidades
especiais era preferencialmente uma escola especial específica para cada
condição. Havia escolas para crianças cegas e com deficiência visual, outras para
as surdas ou com deficiência auditiva e assim por diante.
Essa abordagem foi entendida pelos responsáveis em definir as políticas
públicas educacionais como enfatizando a deficiência do aluno, desmerecendo
suas potencialidades, vindo a provocar ainda mais discriminação e olhar negativo
sobre o sujeito.
A perspectiva é a de contrapor a visão excludente que as escolas de
educação especial ofereciam anteriormente, promovendo uma visão inclusiva,
proposta pelas abordagens decorrentes das declarações e decretos já citados.

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Entende-se que o melhor local para as pessoas com dificuldades,
deficiências e altas habilidades é a integração com os demais alunos,
independentemente de origem e condição.
Dessa maneira, as escolas de educação especial passam a ser
consideradas complementares e eventuais (Decreto n. 3.298/1999 que
regulamenta a Lei n. 7.853/89) (Brasil, 1999). De acordo com Costa (2017 p. 38),
“isso significou, para os sistemas de ensino, uma readequação para atender
aqueles que, por suas características próprias, necessitassem de adequações de
várias naturezas, garantindo seu acesso e permanência no ambiente escolar”.
Consideramos aqui um ponto importantíssimo: as declarações, decretos e
resoluções costumam destacar a necessidade de capacitar professores, preparar
as escolas convencionais, tanto no que se refere à estrutura física, quanto a
equipamentos e assistência profissional especializada, para que consigam
assumir todos os alunos em condições variadas. Para suprir essa demanda,
surge, a partir do PNEE (Brasil, 2008), o Atendimento Educacional Especializado
no espaço convencional da escola, mas com recursos diferenciados e
profissionais habilitados.

TEMA 3 – LEGISLAÇÃO PARA EDUCAÇÃO ESCOLAR

A consolidação da educação inclusiva no Brasil se dá por meio da LDB (Lei


n. 9.394/96), que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional em
conformidade com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos e define a
Educação Especial no contexto na rede regular de ensino (Brasil, 1996). Alguns
dos principais artigos da LDB são os seguintes:

Capítulo V
Da educação especial
Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a
modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede
regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. (Redação
dada pela Lei n. 12.796, de 2013)
§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na
escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação
especial.
§ 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou
serviços especializados, sempre que, em função das condições
específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes
comuns de ensino regular.
Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades
ou superdotação: (Redação dada pela Lei n. 12.796, de 2013)

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I -currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização
específicos, para atender às suas necessidades;
II - terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível
exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas
deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa
escolar para os superdotados;
III - professores com especialização adequada em nível médio ou
superior, para atendimento especializado, bem como professores do
ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas
classes comuns;
IV - educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração
na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não
revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante
articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que
apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou
psicomotora;
V - acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais
suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular.
(Brasil, 1996)

3.1 PNEE 2008

A LDB é o ponto de partida para se estabelecer a educação especial e


ajustes na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva – PNEEPEI, publicado em 2008, ratificado em 2014, que substitui a
PNEE de 1994.
A PNEE tem por objetivo “o acesso, a participação e a aprendizagem dos
estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e alta
habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de
ensino para promover respostas às necessidades educacionais” (Brasil, 2008).
Dentre as garantias, estabelece o Atendimento Educacional Especializado (AEE)
destinado ao atendimento de crianças com necessidades especiais, sendo
oferecido em espaços como a sala de recursos multifuncionais ou nos próprios
centros de atendimento especializado.
Na PNEE (Brasil, 2008), o Atendimento Educacional Especializado é a
alternativa para assegurar a inclusão escolar para crianças com necessidades
especiais, como os alunos com TEA, orientando os sistemas de ensino para
buscar a garantia de acesso ao ensino. Além disso, o profissional atuante no AEE
deve identificar, organizar e elaborar recursos pedagógicos e de acessibilidade
visando a eliminação de barreiras que possam impedir a participação e o
desenvolvimento de alunos nas condições já citadas anteriormente.
A formação dos professores do AEE está regulamentada no Decreto n.
7.611/2011, que dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional
especializado e dá outras providências (Brasil, 2011).

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A Resolução n. 4, de 2 de outubro de 2009, institui as Diretrizes
Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado (AEE) na educação
básica. No art. 1º da Resolução consta que:

os sistemas de ensino devem matricular os alunos com deficiência,


transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação nas classes comuns do ensino regular e no
Atendimento Educacional Especializado (AEE), ofertado em salas de
recursos multifuncionais ou em centros de Atendimento Educacional
Especializado da rede pública ou de instituições comunitárias,
confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos. (Brasil, 2009b)

TEMA 4 – PNEE 2020

Em 2020, a PNEE é novamente substituída, agora pela Política Nacional


de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida,
regulada pelo Decreto Federal n. 10.502/2020.
O propósito primeiro do Decreto é implementar programas e ações com
vistas à garantia dos direitos à educação e ao atendimento educacional
especializado aos educandos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.

Saiba mais

1. O Decreto n. 10.502/2020 pode ser lido na íntegra acessando o link a


seguir:
BRASIL. Decreto n. 10.502, de 30 de setembro de 2020. Diário Oficial da
União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 1 out. 2020. Disponível em:
<https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.502-de-30-de-setembro-de-
2020-280529948>. Acesso em: 1 out. 2020.
2. Há um caderno de orientações que acompanha o decreto, encontrado
acessando o link a seguir:
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Modalidades
Especializadas de Educação. Política Nacional de Educação Especial (PNEE):
equitativa, inclusiva e com aprendizado ao longo da vida. Brasília: MEC; SEMESP,
2020. Disponível em: <https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/mec-lanca-
documento-sobre-implementacao-da-pnee-1/pnee-2020.pdf>. Acesso em: 15 abr.
2021.

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O PNEEPEI 2008/2014 primava pela educação especial como modalidade,
perpassando todos os níveis e etapas de ensino com atendimento educacional,
recursos e serviços especializados nas turmas comuns do ensino regular.
Diferentemente, a versão de 2020 prevê escolas especializadas para aqueles que
não conseguem se beneficiar em seu desenvolvimento das escolas inclusivas
regulares; classes especializadas nas escolas regulares com recursos e
profissionais qualificados para atender educacionalmente estes alunos; escolas e
classes bilíngues para surdos; e plano de desenvolvimento individual e escolar,
enquanto instrumento de planejamento para ações pedagógicas de cada aluno
com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação (Brasil, 2020a)
Reações adversas surgiram por parte de alguns especialistas em educação
quanto ao retorno do atendimento em instituições e classes especializadas,
existindo, inclusive, um movimento no sentido de revogar o Decreto. Mas também
encontramos análises provocadoras sobre a nova política, que traremos na
sequência.
O caderno de orientações do PNEE 2020 traz uma comparação entre as
duas versões (Quadro1), mostrando as características da inclusão total, base para
o PNEEPEI (2008), e da educação especial com atendimento especializado, do
PNEE 2020.

Quadro 1 – Diferencial entre as versões dos defensores da educação especial e


defensores da inclusão total

DEFENSORES DA EDUCAÇÃO ESPECIAL DEFENSORES DA INCLUSÃO TOTAL

Defendem a colocação da ampla maioria de Advogam a colocação de todos os estudantes,


educandos como membros de uma classe independentemente do grau e tipo de
comum, mas deixam abertas as oportunidades impedimento de longa duração de qualquer
para sejam ensinados em outros ambientes na natureza, na classe comum em todos os níveis
escola e na comunidade. da educação.

Defendem que a retirada da criança da classe Insistem na igualdade de atendimento para


comum seria possível nos casos em que seus todos, ainda que acatem alguma prestação de
planos de ensino individualizados previssem serviços de apoio de ensino especial no
que seria improvável derivar benefícios contraturno.
educacionais da participação exclusiva na
classe comum.

Entendem que o objetivo principal da escola é Entendem que o objetivo principal da escola é
auxiliar o educando a dominar habilidades e fortalecer as habilidades de socialização e
conhecimentos necessários para a vida futura, mudar o pensamento estereotipado sobre as
tanto dentro quanto fora da escola. deficiências ou transtornos.

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Acreditam que mesmo uma radical Acreditam na possibilidade de reinventar a
reestruturação da escola comum não tornará a escola a fim de acomodar todas as dimensões
classe comum adequada a todos os da diversidade da espécie humana.
educandos.
Fonte: Brasil, 2020b, p. 17.

A inclusão total está na base da proposta de 2008, com o acolhimento de


todo e qualquer aluno na mesma escola e classe, com atendimento similar para
eles, mesmo que com apoio no contraturno. A escola é espaço fundamental para
eliminação da discriminação e tem como principal objetivo fortalecer habilidades
sociais. Para tanto, deve se reinventar e abarcar a diversidade humana.
O entendimento base da proposta de 2020 considera a oportunidade de
educação escolar fora da classe comum para aqueles poucos cujos planos de
ensino individualizado não possam ser executados nas escolas convencionais.
Entende que o objetivo da escola é levar ao desenvolvimento e domínio de
habilidades e conhecimentos para vida e que o atendimento de todos num único
formato de escola não seria alcançado nem mesmo com a completa
reestruturação dela.
Assim, Lacerda (2020), detalhando os pontos diferenciais do PNEE 2020
em relação ao anterior, destaca:

1. Processo de ensino individualizado concretizado em Plano de


Desenvolvimento Individual e Escolar (PDIE). Retirando o foco da
instituição e centrando-se na pessoa, no aluno, oferecendo para cada um
aquilo que precisa. Concretizando, assim, a equidade que aparece na
denominação da própria política e originalmente na Declaração de Jontiem,
lá em 1990.

Desta maneira, estaria de acordo com o art. 59 da LDB, que solicita aos
sistemas que ensino garantir currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e
organizações em consonância com necessidade de cada aluno, abrindo opção
aos familiares em participar nas decisões sobre a vida escolar dos filhos.

2. Salas de recursos específicas: prestação de serviço e formação profissional


especializada para atender demandas distintas com base no plano
individual. A intenção é superar o respeito às diferenças, previsto na versão
anterior da PNEE, oferece profissionais qualificados em cada domínio da
Educação Especial para efetivamente atender o aluno em suas
necessidades.

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3. Dados mensuráveis de acompanhamento do PDIE – acompanhamento e
avaliação das ações com base nas metas estabelecidas e constando no
próprio plano de educacional, verificado por todos os envolvidos, incluindo
familiares e outros profissionais que atendam o aluno fora do âmbito
escolar.

Lacerda (2020, p. 21) reforça que o “estabelecimento dos dados dos Planos
Individualizados como ferramenta de monitoramento da política seja de fato o
elemento mais fundamental para seu controle social, na apreciação da efetividade
ou não dos processos implementados”.

4. Direito das pessoas atendidas pela educação especial ao acesso às


práticas com a melhor evidência científica disponível para seu pleno
desenvolvimento:

A expectativa da PNEE 2020 é que a área da educação especial possa


fundamentar-se, de modo cada vez mais amplo e profundo, nas
evidências científicas. Convém explicitar que a educação baseada em
evidências está fundamentada no conhecimento oriundo de pesquisas
científicas conduzidas com rigor metodológico, o que possibilita aos
educadores identificar métodos e práticas eficientes para suas práticas
interventivas no cotidiano escolar (Brasil, 2020b, p. 37)

Segundo Lacerda (2020), trata-se do primeiro documento da educação


nacional que ressalta a evidência científica como parâmetro para estabelecer
práticas educacionais. Assim, a produção científica reconhecida é o parâmetro
para estabelecer a proposta de atendimento educacional na educação especial.

5. O reconhecimento de escolas especializadas e salas especializadas como


parte do sistema educacional para a escolarização de pessoas que são
atendidas pela educação especial – Lacerda (2020) alerta que o Plano
Nacional de Educação de 2010 não recebeu aprovação na meta de eliminar
as escolas especializadas, mas provocou um hiato na fiscalização das
mesmas, pela falta de previsão de aporte para isso. Reconhecer a
existência das escolas especiais dá sustentação para que sejam
fiscalizadas e regulamentadas.

Para Lacerda (2020), classes e escolas especializadas não existem por si


mesmas; são derivações da educação especial centrada no sujeito, isto é,
aparecem para atender a necessidade de cada aluno com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.

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6. O direito das pessoas que são atendidas pela educação especial (sempre
que forem capazes de expressar suas preferências) e de seus pais de
escolherem entre salas comuns, salas especializadas e escolas
especializadas – consequência da visão da educação especial centrada na
pessoa, a decisão do local de educação fica a critério da própria pessoa
(quando possível) ou de seus familiares. Sempre apoiado em avaliações
técnicas elaboradas por equipe multiprofissional e interdisciplinar, além do
ponto de vista da família;
7. O direito a uma avaliação multidisciplinar – o caderno de orientações
especifica a equipe multiprofissional e inclui profissionais importantes para
alunos com necessidades especiais quase sempre esquecidos nos
documentos na área de educação nacional:

A Equipe Multiprofissional e Interdisciplinar de Educação Especial


realiza estudo de caso ou elaboração de projetos conjuntos, em parceria
multifuncional e colaboração intersetorial, local e ou itinerante. A equipe
é composta por professor da educação especial e, no mínimo, mais dois
profissionais de áreas que contribuam para a avaliação biopsicossocial
escolar, como: psicologia, fisioterapia, medicina, enfermagem,
fonoaudiologia, assistência social e terapia ocupacional, entre outros de
áreas afins. A composição das equipes multiprofissionais e
interdisciplinares deve responder às demandas de cada situação e à
normatização dos sistemas de ensino. (Brasil, 2020b, p. 82)

Lacerda (2020) esclarece que, no caso de pessoas com transtornos do


neurodesenvolvimento, não há barreiras entre o que é nomeado atendimento
educacional e atendimento terapêutico. Por essa razão, a integração de diferentes
profissionais se torna essencial para a conquista de resultados.
O autor elabora um quadro comparativo entre as duas Políticas de
Educação Especial que nos parece bastante elucidativo, por isso o reproduzimos
aqui (Quadro 2).

Quadro 2 – Quadro comparativo entre as Políticas de Educação Especial do


PNEEPEI e PNEE 2020

PNEEPEI PNEE 2020

Norma Não constitui Decreto 10.502

Documentos 10 fascículos Caderno + Diretrizes do CNE


complementares (em elaboração)

Modelo Centrado na instituição Centrado na pessoa

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Individualização de É considerado crime É um direito do estudante da
processos Educação Especial

Acompanhamento da Número de matrículas Dados de aprendizagem


política

Epistemologia Pós-modernista Científica

Escolas e salas Condena Reconhece


especializadas

Fundamento da ação Construtivismo Práticas Baseadas em


pedagógica Evidências

Formação do professor da Reiteração do valor do Valores da diferença +


educação especial respeito à diferença preparação técnica para a
implementação das práticas
baseadas em evidências

Salas de recursos Multifuncionais Multifuncionais ou específicas

Profissionais envolvidos Educadores Multiprofissional


Fonte: Lacerda, 2020, p. 26.

As contraposições que se apresentam entre políticas públicas são


frequentes e geram reações racionais, outras vezes passionais. Mas esperamos
que os novos momentos que se desenham tragam apenas benefícios para os
estudantes com deficiência transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotação.
No entanto, se analisarmos o capítulo referente à educação na Lei n.
13.146/2015, que institui e baliza a inclusão da pessoa com deficiência (Estatuto
da Pessoa com Deficiência) (Brasil, 2015), naturalmente a PNEE 2020 está em
consonância. É o Estatuto da Pessoa com Deficiência a lei a nortear as ações em
todas as camadas da sociedade no que se refere a “assegurar e a promover, em
condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais
por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania” (Brasil,
2015, art. 1). As consequências dessa lei estão muito presentes em nosso
cotidiano, representadas, por exemplo, pelas rampas de acesso em edificações
em geral, pelas vagas preferenciais nos estacionamentos e reformulações
urbanas que lentamente são incorporadas para atender e permitir vida social mais
plena para todos.

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TEMA 5 – POLÍTICAS PÚBLICAS ESPECÍFICAS PARA TEA

Anterior ao Estatuto da Pessoa com Deficiência e fundamental para nosso


estudo é a Lei n. 12.764, de 24 de dezembro de 2012, que estabelece a Política
Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista,
além das diretrizes para sua consecução (Brasil, 2012).
A Lei n. 12.764/12 foi considerada um avanço na ocasião de sua
promulgação por reconhecer como pessoa com deficiência aquela diagnosticada
com TEA.

Figura 1 – Dia Mundial da Consciência do Autismo – fita azul e quebra-cabeça


colorido

Crédito: Artskvortsova/Ahutterstock.

Também nesta lei foi incorporado o reconhecimento da fita com quebra-


cabeça colorido como símbolo da conscientização do TEA. Mas também é a Lei
n. 12.764/12 que garante diagnóstico precoce, atendimento multiprofissional,
acesso a medicamentos e nutrientes, educação nos diversos níveis e acesso ao
mercado de trabalho para a pessoa com TEA (Brasil, 2012).
Além disso, promove o incentivo à formação e à capacitação adequada de
profissionais especializados e familiares para atender autistas. Também o
estimula a pesquisa científica para caracterizar e dimensionar problemas
associados ao TEA.
Na Lei n. 12.764/12 encontra-se ainda a orientação acerca da necessidade
de se ter um acompanhante especializado nas classes comuns do ensino regular
quando comprovada a necessidade, direito ampliado mais tarde para alunos com
outras deficiências.

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Garante de forma sucinta a inclusão escolar e o direito ao acompanhante
especializado, e o decreto 8.368/2014 que regulamenta essa lei, afirma
que o acompanhante especializado é aquele que em casos de
comprovada a necessidade de apoio as atividades de comunicação,
interação social, locomoção alimentação e cuidados pessoais, exercem
a função de cuidador e também de mediador (Art. 4, §2). (Goveia et al.,
2021)

A figura do acompanhante ou mediador ainda é tema de debate: para


alguns, trata-se de um cuidador para auxiliar nas necessidades básicas do aluno;
para outros, teria poder de intervenção pedagógica. Como consequência, não se
tem um resultado consistente da presença do acompanhante na escola.
Apenas para fechar a discussão sobre os parâmetros legais relacionados
ao autismo, embora sem implicação direta na educação escolar, citamos também
a Lei n. 13.977, de 2020, conhecida como Lei Romeo Mion, já incorporada à nova
redação da Lei n. 12.764/12.
Essa lei recebeu esse nome em referência ao filho do ator e apresentador
Marcos Mion, que é autista, e pelo fato de o pai ter se envolvido ativamente na
aprovação dessa lei, por meio da qual é criada a Carteira de Identificação da
Pessoa com Transtorno de Espectro Autista (Ciptea), com diversos dados
pertinentes à identificação e contatos com vistas a garantir atenção integral,
pronto atendimento e prioridade no atendimento e no acesso aos serviços
públicos e privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência
social (Brasil, 2020c, art. 1).
Ainda temos uma série de decretos, leis, políticas e regulamentações que
incidem no atendimento geral e educacional a pessoas com Transtorno de
Espectro Autista, mas acreditamos ter apresentado aqui aquelas com implicações
mais diretas nas ações que escolas e professores precisam conhecer e se
aprofundar.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial


da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988.

_____. Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Diário Oficial da União,


Poder Legislativo, Brasília, DF, 21 de. 1999.

_____. Decreto n. 3.956, de 8 de outubro de 2001. Diário Oficial da União, Poder


Legislativo, Brasília, DF, 9 out. 2001.

_____. Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009. Diário Oficial da União, Poder


Legislativo, Brasília, DF, 26 ago. 2009a.

_____. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder


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