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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES


FACULDADE DE EDUCAÇÃO
FUNDAÇÃO CECIERJ Consórcio CEDERJ / UAB

Curso de Licenciatura em Pedagogia Modalidade EAD


Disciplina Educação Inclusiva e Cotidiano Escolar

Coordenadora: Prof.ª Dr.ª Rosana


Mediadoras: Profs. Mariana Lopes da Silva e
Ana Caroline Henrique Rached

A Educação Inclusiva nas políticas públicas brasileiras 1

1 – Principais diret rizes polít icas e legislação


A presente aula apresenta os parâmetros legais sob os quais vem sendo
implementada a Política de Educação Inclusiva em nosso país.
Inicialmente, precisamos entender que o conceito de uma “Educação para todos” é
relativamente recente na história, remontando ao final do século XIX na Europa. Este ideário
ganhou força durante a primeira metade do século XX, culminando, após as duas Grandes
Guerras Mundiais, com a Declaração dos Direitos Humanos de 1948, assinada por todos os
países membros na Organização das Nações Unidas (ONU). Entre outros pressupostos, é
estabelecido, como princípio básico, que toda a pessoa tem direito à Educação, e que esta
deveria ser obrigatória e gratuita, pelo menos nos níveis iniciais.
Nos anos que se seguiram, em função de movimentos sociais em prol dos direitos
de grupos minoritários, diferentes diretrizes e modelos educacionais foram criados e
implementados. Estas iniciativas culminaram com as diversas conferências internacionais
da década de 1990, as quais resgataram os preceitos originais da referida Declaração com a
proposta de Educação Inclusiva. Entre essas destacam-se a Conferência Mundial sobre a
Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, em Jomtien, na
Tailândia em 19902; a Conferência de Nova Delhi, na Índia em 19933, e a conhecida

1 GLAT, R.; MASCARO, C. A.; PINHEIRO, V.C. S. A Educação Inclusiva nas políticas públicas brasileiras.
Texto elaborado para a Disciplina Educação Inclusiva e Cotidiano Escolar. Curso de Pedagogi a.
Faculdade de Educação, UERJ, revisado e atualizado em 2021.
2 Promovida pelo Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a

Cultura (UNESCO), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a conferência teve a participação de representantes de 155
países.
3 Nesta conferência, as nações mais pobres e populosas do mundo reiteraram os compromissos

assumidos em Jomtien. Para tal, deveriam redobrar os esforços para assegurar a todas as crianças,
jovens e adultos, até o ano 2000, conteúdos mínimos de aprendizagem considerados elementares
Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e Acessibilidade, em
Salamanca, na Espanha, em 19944.
A Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), produto desta conferência, da qual o
Brasil é signatário, reafirmou o direito à educação de todos os indivíduos, como consta na
Declaração dos Direitos dos Homens de 1948, e propôs linhas de ação para o
desenvolvimento da Educação Especial, nos marcos do conceito de “Educação para a
Diversidade” e atenção às necessidades educacionais especiais de cada aluno.
Desde então, o sistema educacional brasileiro, nos seus três níveis (federal, estadual
e municipal), vem sofrendo constantes reformas para assegurar o ingresso, permanência na
escola e aprendizagem de todos os alunos. Tais reformas instituíram, entre outras medidas,
a obrigatoriedade de matrícula, a idade de ingresso, a duração dos níveis de ensino, os
processos nacionais de avaliação do rendimento escolar, as diretrizes curriculares
nacionais, bem como definições para a escolarização dos alunos com necessidades
educacionais especiais.
A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), no inciso III do artigo 208,
estabelece que o atendimento educacional especializado “aos portadores de deficiências”
deve se dar “preferencialmente na rede regular de ensino”. Esse preceito foi reafirmado no
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990 (BRASIL, 1990) e na
Política Nacional de Educação Especial (BRASIL,1994). Este documento, em suas diretrizes,
destacava o apoio ao sistema regular de ensino para inserção de alunos com deficiências,
priorizando o financiamento de projetos institucionais que envolvessem ações de
integração5. Os princípios legais também foram reafirmados na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDB - Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996) e nas Diretrizes Nacionais para
Educação Especial na Educação Básica- Resolução CNE/CEB Nº. 2 de 2001 (BRASIL, 2001),
as quais dispõem sobre a organização dos sistemas de ensino e a formação de professores.
Pode-se considerar, então, que no início do século XXI a Educação Inclusiva efetivou-
se como política educacional oficial do país, amparada pela legislação em vigor e convertida
em diretrizes para a Educação Básica dos sistemas federal, estaduais e municipais de ensino.
Conforme delibera a já citada Resolução CNE/CEB Nº. 2 de 2001:

Art. 2º: Os sistemas de ensino devem matricular a todos os alunos,


cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos educandos com
necessidades educacionais especiais, assegurando às condições
necessárias para uma educação de qualidade para todos (BRASIL, 2001).

para a vida contemporânea.


4 Promovida também pela UNESCO e o Governo da Espanha, participaram cerca de 100 países e

inúmeras organizações internacionais


5 Para uma discussão sobre a diferença do modelo de Integração e Inclusão, ver o Texto1.
Foi, porém, a partir de 2008, com a aprovação da Política Nacional da
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008a) que o
processo de inclusão escolar se intensificou em todo o território nacional. Esta
Política orienta que as redes escolares se transformem em “sistemas educacionais
inclusivos”, em sintonia com os princípios da Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2007).
O objetivo da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva, é:
[...] assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento 6 e altas habilidades/superdotação,
orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular,
com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados
do ensino; transversalidade da modalidade de Educação Especial desde a
educação infantil até a educação superior; oferta do atendimento
educacional especializado; formação de professores para o atendimento
educacional especializado e demais profissionais da educação para a
inclusão; participação da família e da comunidade; acessibilidade
arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e
informação; e articulação intersetorial na implementação das políticas
públicas (BRASIL, 2008a, p. 14).

Para apoiar a implementação da Política, o Ministério da Educação


promulgou diversos decretos e diretrizes (BRASIL, 2008b; 2009; 2011a, 2011b,
entre outros) que asseguravam oferta de atendimento educacional especializado
(AEE) para alunos público-alvo da Educação Especial, através de apoio técnico e
financeiro aos sistemas públicos de ensino.
Originalmente, no Decreto 6571 (BRASIL, 2008b) tinha ficado estabelecido
que o FUNDEB ((Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação Básica) 7
disponibilizaria para as escolas duplo financiamento para cobrir os alunos com
deficiências ou outras síndromes que estivessem matriculados concomitantemente
no ensino regular e no atendimento educacional especializado (salas de recursos
multifuncionais).

6 Esse termo foi alterado em 2013 pelo Manual do Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais V
da Associação Americana de Psiquiatria, para” Transtorno do Espectro Autista.
7 FUNDEB é o Fundo da Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos

Profissionais da Educação. É responsável pelo financiamento com recursos federais de toda a


Educação Básica, da creche ao ensino médio, em vigor desde 2007. A rede escolar recebe uma quanti a
por aluno.
Este dispositivo, na prática, inviabilizava o funcionamento de instituições
filantrópicas, escolas e classes especiais, que perderam grande parte de seus
recursos. Pois, para receber algum tipo de atendimento educacional especializado ,
ou seja, Educação Especial, financiado pelo Governo, os alunos deveriam
obrigatoriamente que estar matriculados em escolas regulares, no ensino comum,
independentemente do tipo e grau de deficiência e (o que era mais grave) das
condições de acessibilidade física e curricular oferecidas pela escola.
Essa medida causou grande polêmica, a discussão chegando até a mídia.
Assim, em função de um intenso movimento e manifestações por parte de gestores
e profissionais da Educação, comunidade acadêmica, e, sobretudo, representação de
movimentos sociais de pessoas com deficiências e suas famílias, no final de 2011, foi
assinado, e permanece em vigor, o Decreto 7611 (BRASIL, 2011a), revogando o
decreto anterior, e flexibilizando a forma de oferta e financiamento do AEE.
Ainda em 2011 um outro dispositivo legal importante foi a publicação do
Decreto 7612 (BRASIL, 2011b), que institui o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa
com Deficiência, também chamado Plano Viver sem Limites8.
Cabe pontuar, também, o Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024)
regulamentado pela Lei 13.005 (BRASIL, 2014) que norteia a organização do
sistema educacional. Esse documento, entre outras metas e propostas inclusivas,
estabelece a Educação Especial, não mais como um sistema educacional paralelo,
mas como uma modalidade de ensino que perpassa todos os segmentos da
escolarização, da Educação Infantil ao Ensino Superior. O PNE é composto por 12
artigos e um anexo com 20 metas, e tem como foco a valorização do magistério e a
qualidade do ensino. O texto foi alvo de intenso debate (tanto que demorou três anos
para ser aprovado), sendo uma das principais polêmicas a Meta 4, cujo texto original
do MEC previa garantia de escolarização para o público -alvo da Educação Especial
apenas no âmbito do sistema regular de ensino.
O texto final aprovado na Câmara foi:
Meta 4: Universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete)
anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas

8 Em linhas gerais trata da articulação de políticas, programas e ações necessárias para a garantia do
“exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência” Para tal, entre outros aspectos,
são apontados os eixos de atuação aos quais as ações governamentais estarão voltadas a fim de
garantir o exercício dos principais direitos humanos para uma vida dignidade: I - acesso à educação;
II - atenção à saúde; III - inclusão social; e IV - acessibilidade.
habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento
educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino,
com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos
multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou
conveniados.

Vale destacar, ainda, a Lei Nº 13.146 (BRASIL,2015), denominada Lei


Brasileira de Inclusão, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência. O seu
capítulo referente à educação, determina que:
Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência,
assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e
aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo
desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas,
sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses
e necessidades de aprendizagem (BRASIL, 2015).

A legislação federal é referência básica para a fomentação das políticas


públicas educacionais dos estados e municípios. No caso do Estado do Rio de Janeiro,
destaca-se a Deliberação Conselho Estadual de Educação nº 355 de 14 (CEE- RJ,
2016) que estabelece as normas para regulamentar o atendimento educacional
especializado, nas formas complementar 9 e suplementar 10, buscando eliminar
barreiras que possam obstar o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos
com deficiência, com transtorno do espectro autista e com altas
habilidades/superdotação, no sistema de ensino
Mais recentemente, no Governo Bolsonaro, foi promulgado o Decreto nº
10.502, de 30 de setembro de 2020 que instituiu a Política Nacional de Educação
Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida (BRASIL, 2020).
Esta visava a flexibilização da oferta da escolarização de alunos com deficiência,
além do ensino comum, em escolas ou classes especializadas, e escolas ou classes
bilíngues para surdos. A política estabelecia, ainda, critérios de identificação,
acolhimento e acompanhamento aos alunos que não se beneficiariam das escolas
comuns e propunha que a União disponibilizasse suporte técnico e assistência
financeira aos estados e municípios para sua implementação.
A promulgação deste decreto, que, ao contrário da Política anterior (BRASIL,
2008)11 foi elaborado com muita pouca representatividade acadêmica e dos movimentos

9 Refere-se ao atendimento em salas de recursos ou outras modalidades especializadas,


complementando o trabalho em sala de aula.
10 Atendimento de enriquecimento curricular para alunos com altas habilidades/ superdotação.
11 É importante destacar que a Política de 2008 estava em análise, no final do Governo Temer, por

um grupo de trabalho com representantes de várias universidades, inclusive a Uerj, para sua revisão,
sociais, causou uma grande polêmica e manifestações de toda ordem. Para muitos
especialistas e membros de associações para defesa das pessoas com deficiência
representou um retrocesso na medida em que viola os princípios da Educação Inclusiva,
deixando sob responsabilidade da família a escolha de em qual instituição matricular as
crianças e adolescentes.
Entre outros aspectos, a maior preocupação foi que o decreto abriu a possibilidade
de as escolas comuns voltarem a recusar matrícula de alunos com deficiências, alegando
que seriam melhor atendidos em escolas ou classes especializadas. Conforme discutimos
nas aulas anteriores, a escola é para todos. Não é o aluno que tem que se adaptar à escola, é
a escola que tem que se transformar para atender a todos os alunos.
A prioridade de matrícula tem que ser nas escolas
comuns, senão a escola pode dizer ‘vai para a escola
especial, eu não tenho condições de lhe atender’, e os
pais vão continuar batendo de porta em porta para
que alguém possa receber os seus filhos. Isso exime a
escola de se transformar, de qualificar seus
professores e de flexibilizar seu currículo. Quando
você flexibiliza as práticas pedagógicas, a forma de
ensinar e de avaliar, não é só o aluno com deficiência
que se beneficia, todos os outros alunos também. As
crianças aprendem vivendo a diversidade (GLAT,
2020)12.

Por estes e outros motivos, uma liminar do Ministro Dias Toffoli do Supremo
Tribunal Federal (STF), ratificada em plenário em dezembro de 2020, suspendeu o referido
decreto. A liminar, mantida pelo STF por nove votos a dois, considera que a nova política
proposta traria ainda mais discriminação e segregação aos alunos com deficiência, violando
o direito a uma educação inclusiva13.

2- Algumas reflexões sobre a Política de Educação Inclusiva no Brasil


Não foi nossa intenção fazer uma análise aprofundada da legislação vigente.
Entendemos que nosso arcabouço legal, certamente, apresenta inúmeras lacunas que
dificultam sua implementação, e que é necessário que as leis vigentes sejam revistas de
tempos em tempos. Nesta segunda parte da aula, gostaríamos de destacar alguns aspectos
que consideramos importantes.
Segundo o Decreto 7611 (BRASIL, 2011a) é garantido ao público-alvo da Educação

com base em nas experiencias e pesquisas realizadas nos dez anos desde sua implementação. A nova
Política proposta pelo Governo Bolsonaro, entretanto, não levou em consideração esta iniciativa.

12 Entrevista da Prof. Rosana Glat para Boletim Faperj, outubro de 2020.


13 Até o momento de elaboração deste texto (fevereiro de 2021) o Decreto 10.502 continua sem efeito
legal.
Especial14, “ensino fundamental gratuito e compulsório, asseguradas adaptações razoáveis,
de acordo com as necessidades individuais.” (Art. 1°, IV, grifo nosso). O uso do termo
razoáveis na redação do artigo, pelo seu sentido extremamente subjetivo, pode levar a
inúmeras interpretações. Por exemplo, pode-se argumentar que adaptações muito
diferenciadas, como comunicação alternativa para alunos não verbais, não precisam ser
asseguradas; ou, ainda, que adaptações de acessibilidade que envolvam recursos
financeiros altos, tais como colocação de elevadores ou substituição de escadas por rampas,
ultrapassassem o limite de que seria considerado “razoável” para aquela rede escolar.
A ambiguidade da lei também pode ser notada no parágrafo VI deste primeiro
artigo, onde está escrito que para efetivação de uma “inclusão plena”, deverão ser
adotadas “medidas de apoio individualizadas (grifo nosso) e efetivas.” Não, há, porém,
definição operacional destas medidas, ficando a critério de cada rede ou escola seu
provimento.
Conforme comentado, na política de Educação Inclusiva, a função da
Educação Especial é “garantir os serviços de apoio especializado (conjunto de
atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos] voltado a eliminar as barreiras
que possam obstruir o processo de escolarização de estudantes com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.”
(BRASIL, 2011a) Esta afirmativa vem reforçar a importância do papel da Educação
Especial no processo de inclusão escolar. Como discutiremos nas próximas aulas,
para que alunos com necessidades educacionais especiais possam aprender em
turmas comuns é importante que haja acessibilidade à escola e ao currículo.
É preciso lembrar, porém, que o oferecimento de atendimento educacional
especializado, sobretudo se esse for restrito à modalidade de salas de recursos 15,
nem sempre é suficiente para eliminar as barreiras que possam obstruir o processo
de escolarização de estudantes com deficiências e outras necessidades educacionais
especiais. Medidas que envolvem políticas educacionais e ações de âmbito da
administração e gestão escolar, como por exemplo, o quantitativo de alunos em sala
de aula regular, orientação e formação continuada de professores para atuarem
numa perspectiva inclusiva, interação entre professores regentes e da Educação
Especial, entre outras, são fatores que favorecem a inclusão, participação nas
atividades e aprendizagem deste alunado.

14 Estudantes com deficiências, transtorno do espectro autista e altas habilidades/superdotação.


15 Para uma descrição das diferentes modalidades de atendimento educacional especializado, ver a Aula 1.
Conforme já discutido, uma das grandes polêmicas envolvendo a política de
Educação Inclusiva se referia ao financiamento. Apesar da mudança na legislação
que permitiu o provimento de serviços especializados para estudantes que não
estejam matriculados no ensino comum (ou seja, em escolas ou classes especiais),
“para efeitos de distribuição dos recursos do FUNDEB, aos estudantes que
frequentam as classes regulares e recebem atendimento educacional e specializado,
será admitida dupla matrícula” (BRASIL, 2011a). Isto significa que o aluno público-
alvo da Educação Especial “conta” duas vezes para a rede (uma como aluno da turma
comum e outra do AEE). Esta medida, de uma certa forma, dá um incentivo
financeiro aos sistemas escolares para privilegiarem a inclusão como escolha
preferencial de espaço de escolarização, e foi justamente um dos pontos que o
Decreto nº 10.502 de 2020 tentou modificar. Conforme exposto anteriormente,
alguns dispositivos deste decreto poderiam interferir com o processo inclusivo.
Independente da escolha do espaço de escolarização, é importante ter claro,
que um aluno com necessidades educacionais especiais custa mais caro, por assim
dizer, que um aluno dito “normal”, na medida em que ele demanda atendimento
educacional especializado – seja frequentando dois espaços simultaneamente
(classe comum e sala de recursos, por exemplo), seja precisando de mais de um
profissional (professor da turma comum e professor itinerante ou mediador), seja
estudando apenas em espaço especializado (classe ou escola especial) onde o
quantitativo de alunos é muito menor.
Não há dúvida de que nas últimas décadas tem havido uma ação incisiva das
instâncias governamentais no intuito de promover e implementar a Educação
Inclusiva no país. Vale observar, porém, que a forma incisiva em que está política foi
inicialmente apresentada, ocasionou, por vezes, atitudes precipitadas de algumas
redes de ensino, levando, por exemplo, ao fechamento de escolas e classes especiais,
bem como cancelamento de convênios com instituições especializadas filantrópicas.
Esta proposta de “inclusão total”, porém, vem sendo, pela própria experiência dos
sistemas escolares, questionada, na medida em que os mais recentes decretos
reestabeleceram o direito da diversidade do atendimento educacional
especializado.
Certamente transformações institucionais da magnitude demandada para
implantação da inclusão escolar não se fazem “por decreto”. Há um longo caminho
entre a promulgação da política e seu impacto no cotidiano escolar, sobretudo no
que tange às condições reais das escolas e à capacitação de professores. A
implementação da política de Educação Inclusiva demanda que as escolas
organizem uma proposta de gestão democrática, investindo na transformação da
prática educacional em sua totalidade.
Finalizando, gostaríamos de fazer duas observações. Primeiro, documentos
legais não são textos neutros, posto que refletem os interesses, tensões e disputas
para sua consolidação. Logo, precisam sempre ser analisados à luz do momento
histórico em que foram produzidos. Segunda, embora a legislação brasileira
referente à inclusão escolar seja bastante profícua, a promulgação de leis não
garante necessariamente sua implementação. Pois, como discutido nas aulas
anteriores, Educação Inclusiva implica em uma transformação do funcio namento e
organização da escola, das interações sociais, das práticas pedagógicas e
curriculares. Nas próximas aulas aprofundaremos essas questões.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do


Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 16 jul. 1990.

BRASIL. Política Nacional de Educação Especial. Brasília: MEC/ SEESP, 1994.

BRASIL. Lei Federal nº 9394/96 de 20 de dezembro de1996. Estabelece as Diretrizes e


Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, v.134, nº248, 22 de dez. de 1996.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Diretrizes Nacionais


para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília, DF: MEC/SEESP, 2001.

BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.


Brasília: MEC/SEESP, 2008.

BRASIL, Decreto nº 6.571, de 17 de março de 2008. Dispõe sobre o atendimento


educacional especializado, regulamenta o parágrafo único do art.60 da Lei n. 9.394, de 20
de dezembro de 1996, e acrescenta dispositivo ao Decreto n. 6.253, de 13 de novembro de
2007. Brasilia, 2008.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Conselho Nacional de


Educação/Câmara de Educação Básica. Resolução Nº4, de 02 de outubro de 2009. Institui
as diretrizes operacionais para o atendimento educacional especializado na Educação
Básica – na modalidade Educação Especial. 2009.
BRASIL. Decreto Nº 7.611, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a educação especial, o
atendimento educacional especializado e dá outras providências. 2011a.

BRASIL. Decreto Nº 7.612, de 17 de novembro de 2011. Institui o Plano Nacional dos


Direitos da Pessoa com Deficiência - Plano Viver sem Limite, 2011.

BRASIL, LEI Nº 13.005, DE 25 DE JUNHO DE 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação -


PNE e dá outras providências. 2014

BRASIL. Lei nº 13.146 de 06 de julho de 2015. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência - Estatuto da Pessoa com Deficiência. Brasília. 2015.

BRASIL. Decreto nº 10.502, de 30 de setembro de 2020. Institui a Política Nacional de


Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida. Brasília:
2020.

CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇAO DO RIO DE JANEIRO. DELIBERAÇÃO N.º 355. CEE-


RJ, 2016.

ONU, Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Organização das Nações
Unidas, 2007.

UNESCO. Declaração de Salamanca e Linha de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais.


Brasília: CORDE, 1994.

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