REAÇÕES TRANFUSIONAIS CONDUTAS INICIAIS INTRODUÇÃO Ao se identificar uma potencial reação adversa à A transfusão de sangue é um procedimento transfusão, independentemente de qual tipo seja, universalmente aceito e com efeitos benéficos as condutas iniciais são as que se seguem: comprovados, mas que não é isento de riscos. • Interromper a transfusão e comunicar ao As reações adversas à transfusão de sangue médico assistente; podem ocorrer mesmo quando o procedimento • Manter acesso venoso com SF 0,9; é bem indicado; por esse motivo, é importante • Conferir as identificações do que toda a equipe envolvida no processo hemocomponentes e do receptor e verificar, à transfusional esteja capacitada, a fim de beira do leito, se o hemocomponente foi minimizar os erros relacionados à indicação, corretamente administrado ao paciente preparo e instalação dos hemocomponentes, além indicado; de identificar e conduzir precocemente e de forma adequada as reações transfusionais. • Verificar os sinais vitais; se indicado, coletar e enviar amostras de sangue do paciente junto Reação transfusional é definida como qualquer com a bolsa e o equipo de transfusão para o intercorrência que ocorra como consequência serviço de hemoterapia, bem como enviar da transfusão de sangue, durante ou após a amostras de sangue e ou urina para o sua administração. laboratório clínico; • Registrar as ações no prontuário do paciente e As reações transfusionais podem ser notificar o serviço de hemoterapia. classificadas de acordo com: o tempo de aparecimento do quadro clínico ou laboratorial; REAÇÕES TRANSFUSIONAIS IMEDIATAS a gravidade; o mecanismo fisiopatológico; a IMUNES correlação com a transfusão (imputabilidade).
REAÇÃO HEMOLÍTICA AGUDA IMUNE (RHAI)
Definição: Reação em que ocorre hemólise
intravascular das hemácias incompatíveis transfundidas, devido à presença de anticorpos pré-formados na circulação do paciente. Sua gravidade e prognóstico estão em grande parte relacionados ao volume de hemácias infundido e às características da reação entre antígeno e MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS anticorpo, principalmente quanto à capacidade desse último de fixar complemento. Os sinais e sintomas mais comumente relacionados às reações transfusionais Incidência: Sua incidência, estimada a partir de imediatas são os seguintes: dados reunidos de estudos de hemovigilância de vários países, revela taxa de 1:76.000, sendo o • Febre e/ou calafrios; número de mortes relacionadas a esse tipo de • Náuseas, com ou sem vômitos; reação de 1:1.800.000 de unidades transfundidas. • Dor no local da infusão, e dor na região Etiologia: A principal causa é atribuída a erros torácica ou lombar; de identificação do receptor ou das amostras • Alterações agudas da pressão arterial: coletadas para os testes pré-transfusionais. hipotensão ou hipertensão; Causada pela ação de anticorpos presentes no • Alterações respiratórias, como dispneia, receptor que interagem com antígenos do taquipneia, hipóxia, sibilos; doador. As principais reações estão relacionadas à transfusão de hemácias ABO incompatíveis, e dímeros D), função renal e hemograma mas também pode acontecer com a transfusão de com contagem de plaquetas; plasma ABO incompatível, caso o doador • A análise do esfregaço de sangue periférico apresente altos títulos de anticorpos ABO. pode mostrar hemácias fragmentadas e Anticorpos anti-Lea, com amplitude térmica, esferócitos; anti-vel, anti-PP1 e anti-P1, também podem • Uma vez identificada a RHAI, infundir estar implicados nesse tipo de reação. solução cristaloide com o intuito de manter Anticorpos da classe IgM e algumas subclasses de uma diurese de 100 mL/h por, pelo menos, IgG (IgG4 não fixa complemento), especialmente 18 a 24 horas. Observação: A administração em altos títulos, são fortes ativadores de de diuréticos pode ser recomendada, bem complemento e podem ativar C3a e C5a e como o uso de aminas vasoativas, em caso de promover a liberação de histamina e serotonina hipotensão refratária a volume; dos mastócitos, levando à vasodilatação e • O tratamento da CIVD pode requerer a contração da musculatura lisa, especialmente transfusão de concentrado de plaquetas, de brônquios e trato gastrointestinal. Também plasma e, eventualmente, crioprecipitado, ocorre a liberação de citocinas, leucotrienos, fator além de outras medidas específicas. de necrose tumoral (TNF-α), radicais livres e óxido nítrico, com efeitos clínicos variáveis. Esse Prevenção: Identificação ativa do paciente e processo de fixação de complemento resulta na conferência de seus dados pessoais no formação de um “poro” na membrana das momento da coleta da amostra pré- hemácias, seguida do extravasamento de seu transfusional e no momento da instalação do conteúdo (hemólise intravascular). Em hemocomponente. Também deve ser feita a consequência, haveria aumento dos níveis de conferência com os dados da bolsa e da hemoglobina livre (hemoglobinemia), que, por requisição de transfusão/prescrição. Além disso, sua vez, seria filtrada pelos glomérulos, podendo outros cuidados recomendados são infusão lenta ser detectada na urina (hemoglobinúria). dos primeiros 50 mL da transfusão e monitoramento dos sinais vitais e de possíveis Quadro Clínico e Diagnóstico: O paciente pode queixas. apresentar dores torácica, lombar e/ou no local da punção, febre e/ou calafrios, mal-estar, Observação: Durante a transfusão, no caso de náusea e vômitos, hipotensão grave, pacientes anestesiados ou inconscientes, devem ansiedade, inquietação e sensação de morte ser monitorados o volume e a coloração da iminente. Além do quadro clínico, os achados diurese, uma vez que, nessa situação, a ausência laboratoriais evidenciam provas de hemólise de sintomas pode retardar o diagnóstico. positivas (teste direto da antiglobulina positivo REAÇÃO FEBRIL NÃO HEMOLÍTICA (RFNH) [TDA], queda de hemoglobina e hematócrito, hemoglobinúria e haptoglobina diminuída; mais Definição: Caracterizada como o aumento da tardiamente, pode-se observar elevação da temperatura corporal em 1°C ou mais, com ou desidrogenase lática e da bilirrubina indireta). O sem calafrios, sensação de frio e desconforto, paciente pode cursar com alteração da função que ocorre durante ou até 24 horas após o renal e das provas de coagulação. início da transfusão, sem outros motivos associados. É a reação adversa à transfusão Tratamento: mais comumente descrita na literatura. • Deve-se interromper a transfusão e manter Incidência: Varia de 0,33% a 6% para o acesso venoso com solução salina; transfusões de concentrados de hemácias não • Conferir a identificação da bolsa e do leucorreduzidos, e de 0,11% a 0,5% para receptor (número e ABO/Rh da bolsa, e nome, hemácias leucorreduzidas. Para concentrados registro e ABO/Rh do paciente) para de plaquetas não leucorreduzidos, a incidência evidenciar possível troca de amostra/paciente; pode variar de 1,7% a 38%. Reações recorrentes • Colher sangue da bolsa e do paciente para podem ocorrer nesses pacientes e, nessas a realização de hemocultura (para descartar situações, justifica-se a pesquisa de anticorpos contaminação bacteriana dos HLA. hemocomponentes); • Enviar a bolsa de sangue e amostra do Etiologia: Há dois mecanismos etiológicos receptor para realização de exames imuno- envolvidos e, em ambos, a presença dos hematológicos (tipagem sanguínea, PAI e leucócitos nos hemocomponentes é condição TDA). Colher exames para avaliação de fundamental: (1) Presença de citocinas pró- hemólise (LDH, bilirrubinas, haptoglobina), inflamatórias e interleucinas nos componentes hemostasia (TP, TTPa, TT, fibrinogênio, PDF celulares que são liberadas pelos leucócitos residuais; (2) Presença de anticorpos antileucocitários, no paciente, que interagem com antígenos do doador, como, por exemplo, da usualmente presente no plasma do doador. classe HLA, levando à formação do complexo Mastócitos são ativados, resultando na sua antígeno-anticorpo, ativação do complemento e degranulação e liberação de histamina pré- liberação de pirógenos endógenos. formada, fatores quimiotáticos, proteases e proteoglicanos. Além disso, ocorre a liberação de Quadro Clínico e Diagnóstico: A RFNH ocorre metabólitos do ácido araquidônico, leucotrienos, no momento da transfusão ou até 24 horas prostaglandina D2 e fator ativador de plaquetas. após a instalação do hemocomponente. O paciente pode cursar com febre (t > 38°C) Quadro Clínico e Diagnóstico: A maioria das associada à elevação de pelo menos 1°C da manifestações é de comprometimento cutâneo e temperatura inicial, tremor e/ou calafrios. O pode cursar com eritema cutâneo, prurido, quadro é benigno e autolimitado, porém justifica- pápulas, exantema, urticária, e edema se a coleta de microbiológico e provas palpebral. A intensidade das lesões pode ser de imunohematológicas se houver dúvida entre a leve a grave, com acometimento de vias aéreas possibilidade de contaminação bacteriana e superiores e/ou inferiores. Os pacientes podem reação hemolítica aguda. Observação: queixar-se ou apresentar edema de laringe, Normalmente, não acontece no início da tosse, rouquidão, estridor laríngeo e sensação transfusão porque o aparecimento dos sinais e de aperto na garganta ou sibilos, sensação de sintomas está relacionado com a quantidade de aperto torácico, dor subesternal, dispneia, leucócitos e/ou citocinas que o receptor recebeu. ansiedade ou cianose. Os pacientes também podem apresentar manifestações Tratamento: Interromper a transfusão e manter gastrintestinais, que incluem náuseas, vômitos, o acesso com solução salina SF 0,9%. O uso de dor abdominal e diarreia. antitérmicos e/ou meperidina é recomendado para o alívio dos sintomas. O hemocomponente Classificação: envolvido deve ser descartado e, depois que o paciente se restabelecer, novo • Reação alérgica: lesões cutâneas, que hemocomponente pode ser instalado. podem variar desde pápulas pruriginosas, placas eritematosas e elevadas e ou Prevenção: Pelo fato de as RFNH serem vermelhidão da pele; condições autolimitadas e benignas, o uso de pré- • Reação anafilactoide: lesões de pele medicações (como antitérmicos e/ou meperidina) combinadas aos sintomas de hipotensão e em pacientes sem história prévia de reações comprometimento de vias aéreas; não está justificado. Após dois ou mais • Reação anafilática: sintomas semelhantes ao episódios de RFNH, ou após o primeiro, se ele for da reação anafilactoide, porém com considerado grave, é indicada a transfusão de hipotensão e perda da consciência, e de difícil hemocomponentes celulares leucorreduzidos. manejo. Observação: O seu uso reduz a quantidade de leucócitos para menos que 5x106 /unidade, Tratamento: A maioria das reações alérgicas é minimizando ou eliminando as reações. considerada benigna e pode cessar após a interrupção do hemocomponente. Caso a REAÇÕES ALÉRGICAS reação persista, pode ser administrado anti- histamínico VO ou IV e, em algumas situações, Definição: Aparecimento de reação de pode ser necessário o uso de corticoide. Se os hipersensibilidade durante a transfusão ou até sintomas cessarem, e a reação tiver sido 24 horas após o seu início. Em geral, é benigna considerada leve, a unidade de e autolimitada, mas pode ser grave, hemocomponente pode ser REINSTALADA. principalmente quando houver comprometimento Observação: Se as lesões cutâneas forem respiratório ou circulatório. extensas ou houver comprometimento de vias Incidência: A frequência das reações alérgicas aéreas, hipotensão ou sintomas gastrointestinais, corresponde a 1% a 3% das transfusões, pode ser necessário o uso de corticoide, podendo representar até 30% das reações adrenalina, reposição com solução fisiológica transfusionais. Pápulas e urticária são 0,9% e/ou suplementação de oxigênio. Nessas relativamente comuns, enquanto reações situações, o hemocomponente não deve ser anafilactoides e anafiláticas são bem menos reinstalado. frequentes, tendo uma frequência de 1:20.000 a Prevenção: Em pacientes com episódios 1:50.000 transfusões. frequentes de reação alérgica, ou mesmo único, Etiologia: Causada pela presença, no receptor, de mas grave, pode ser administrada medicação anticorpos contra proteínas plasmáticas do anti-histamínica profilática 30 minutos antes da doador. Anticorpos pré-formados (geralmente da transfusão. Caso a medicação não evite a classe IgE) no receptor interagem com o alérgeno, ocorrência de reação alérgica, pode-se optar pela lavagem com solução fisiológica do após o término da transfusão de um hemocomponente celular, a fim de remover o hemocomponente. O paciente pode apresentar plasma nele contido. Observação: No caso de desde dispneia até insuficiência respiratória concentrado de plaquetas, a lavagem somente aguda, associada ou não a febre, tremores, estaria indicada em reações graves, já que ela hipotensão arterial e taquicardia. A pressão reduz consideravelmente a eficácia transfusional. venosa central é normal, bem como a dosagem Recomenda-se pesquisar a presença de IgA e de BNP (peptídeo natriurético cerebral), já que o anti-IgA no paciente e, quando se identificar mecanismo fisiopatológico é explicado pelo receptor deficiente de IgA, deve-se transfundir, se aumento da permeabilidade capilar. Observação: disponível, hemocomponentes de doadores Quando o suporte ventilatório é prontamente também deficientes de IgA, ou então transfundir instituído, 80% dos pacientes evoluem com produtos celulares lavados, como acima melhora clínica em 48 a 96 horas. mencionado. Tratamento: Baseia-se somente no suporte LESÃO PULMONAR AGUDA RELACIONADA À clínico e respiratório, de forma rápida e eficaz TRANSFUSÃO (TRALI) diante do quadro clínico do paciente. A maior parte dos pacientes necessita de oxigênio e, em Definição: Lesão pulmonar aguda que se inicia algumas situações é necessária a intubação durante ou até seis horas após o término da orotraqueal e ventilação mecânica. transfusão de um hemocomponente. Representada por quadro de hipoxemia aguda, Prevenção: Caso sejam identificados com edema pulmonar bilateral e ausência de anticorpos (anti-HLA ou antineutrófilos) no hipertensão arterial esquerda. paciente, recomenda-se o uso de filtros de leucorredução em produtos celulares que o Incidência: Não se sabe a real incidência de paciente venha receber. Quando os anticorpos TRALI, por ser uma reação ainda identificados estão presentes no doador, não subdiagnosticada devido à dificuldade de sua são necessárias medidas específicas com o identificação, mas estima-se que varia entre paciente. Entretanto, sugerem-se algumas 1/1.300 a 1/5.000 transfusões. medidas a serem tomadas com o doador: Etiologia: Em 70% dos casos, esse quadro é • Excluir doadores cujo sangue tenha estado atribuído à existência de anticorpos envolvido em casos de TRALI (doadores antileucocitários no plasma do doador. Esses implicados e/ou associados a m ltiplos eventos anticorpos são dirigidos contra antígenos do de RALI) ou, pelo menos, não fazer uso sistema HLA (classe I ou II) ou contra antígenos clínico de seu plasma; presentes nos neutrófilos. Em 5% a 20% das • Não utilizar plasma de doadoras que já ocorrências, o anticorpo implicado está tiveram gestação ou submeter seu sangue presente no próprio paciente. No restante dos à pesquisa de anticorpos anti-HLA e casos, a minoria, portanto, não se identificam anticorpos antineutrófilos antes da sua anticorpos nem no doador nem no receptor. utilização; Acredita-se que, para que ocorra essa reação, • Remover o plasma do hemocomponente seriam necessários alguns eventos adicionais, quando se tratar de doação específica e o que justificaria a maior frequência de TRALI em não houver outro doador disponível para o pacientes de maior gravidade clínica: (1) Lesão ou receptor em questão. estresse pulmonar subjacente, resultado de sequestro de polimorfonucleares nos pulmões, como acontece nos quadros de sepse, pneumonia, queimaduras e CIVD; e (2) Infusão de lípides e/ou citocinas presentes no plasma do doador ou no hemocomponente, que lesariam os leucócitos sequestrados, resultando em lesão endotelial e síndrome de extravasamento capilar.
Quadro Clínico e Diagnóstico: É
essencialmente clínico e de exclusão, porém a identificação de anticorpos anti-HLA (classe I ou II) ou antineutrófilos no doador ou no receptor reforça o diagnóstico, da mesma forma que a presença de uma reação linfocitária cruzada positiva entre o soro do doador e os linfócitos do paciente. O quadro consiste na manifestação de sintomas respiratórios durante ou até seis horas