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Diferenciação biológica

do sexo e do sistema
genital em humanos

PROFBIO • Mestrado Profissional em


Ensino de Biologia

Prof. Dr. Felipe Bastos


CAp João XXIII/UFJF
Objetivos
Geral:
Compreender níveis da diferenciação sexual biológica
– sexo genético, sexo gonadal e sexo fenotípico –
bem como as características da gônada, do trato
genital e da genitália externa.

Específico:
Compreender os fundamentos da diferenciação
biológica do sexo.
Explorar o desenvolvimento embrionário e a
formação dos sistemas genitais masculino e feminino.
Analisar os processos moleculares e genéticos
envolvidos na determinação do sexo.
Introdução
A diferenciação biológica do sexo é um processo intricado que
determina o desenvolvimento dos sistemas reprodutivos masculino e
feminino. Inicia-se nos estágios iniciais do desenvolvimento
embrionário e envolve uma série complexa de eventos moleculares,
genéticos e hormonais.

A compreensão desse processo é crucial para a contextualização das


características sexuais primárias e secundárias que emergem ao longo
da vida.
Introdução
A diferenciação biológica do sexo é fundamental para a reprodução e
perpetuação da espécie humana. Além disso, ela desempenha um
papel crítico nas interações sociais, identidade de gênero e saúde.

Compreender os mecanismos dessa diferenciação não apenas


enriquece o conhecimento científico, mas também contribui para a
promoção da saúde, a prevenção de condições médicas associadas à
diferenciação sexual e a promoção de ambientes inclusivos e
respeitosos.
Sexo genético, gonodal e
fenotípico
Nos seres humanos, o DNA está organizado em 46 cromossomos,
sendo um conjunto de 23 cromossomos provenientes do óvulo e os
outros 23 vindo do espermatozoide no momento da fecundação.

Vinte e dois pares são chamados de cromossomos autossômicos.


Esses cromossomos são semelhantes em comprimento e têm os
mesmos genes presentes na mesma localização, independentemente
de serem herdados da mãe ou do pai.
Sexo genético

O sexo genético é determinado pelo último par, os cromossomos


sexuais, presente nas células de um organismo. Nos seres humanos,
por exemplo, indivíduos com dois cromossomos X (XX) geralmente
são do sexo feminino, enquanto aqueles com um cromossomo X e um
cromossomo Y (XY) são geralmente do sexo masculino. Este é o
ponto de partida inicial para a diferenciação sexual.
Sexo gonodal
O sexo gonadal refere-se ao desenvolvimento das gônadas, que são
os órgãos reprodutores primários. Nos embriões, as gônadas se
desenvolvem inicialmente de maneira bipotencial, o que significa que
elas têm a capacidade de se tornar testículos ou ovários.

A gônada bipotencial é uma estrutura inicialmente indiferenciada com


potencial para se desenvolver em testículos ou ovários. A ativação ou
inibição de vias genéticas específicas determinará o destino dessa
gônada bipotencial, estabelecendo a base para o desenvolvimento
sexual futuro.
Gonadação
A bipotencialidade da gônada refere-se à sua capacidade de se
desenvolver tanto em testículos quanto em ovários, dependendo dos
sinais moleculares e hormonais que são recebidos durante o
desenvolvimento embrionário.

A diferenciação das genitálias externa e interna no sexo masculino é


um processo dependente da produção de hormônios sexuais pelo
testículo, enquanto que no sexo feminino esse processo independe
dos hormônios ovarianos. Portanto a diferenciação sexual é gônada-
dependente apenas nos homens.
Gonadação
Apresentam duas regiões: cortical e medular, que são áreas distintas
dentro da gônada bipotencial que desempenham papéis específicos
na diferenciação.
A região cortical está associada à possível formação de ovários,
enquanto a região medular é mais relacionada ao desenvolvimento
potencial de testículos. A interação entre fatores genéticos e
hormonais determinará o destino final dessas regiões.
Gonadação
As gônadas, tanto em sua fase bipotencial quanto durante a
diferenciação subsequente, são compostas por células da linhagem
germinativa e somática. As células da linhagem germinativa são
aquelas que eventualmente se tornarão gametas, enquanto as células
da linhagem somática desempenham papéis variados na formação e
suporte dos órgãos reprodutivos.
Determinação sexual
O embrião possui dois pares de dutos genitais: o ducto mesonéfrico
de Wolff e o ducto paramesonéfrico de Müller. Ambos correm
paralelos e desembocam no seio urogenital. As extremidades caudais
do ducto de Müller se fundem e dão origem ao duto útero-vaginal.

A presença dos ductos de Wolff e de Müller indica que o sistema de


dutos ainda não se diferenciou em masculino ou feminino. A
diferenciação sexual dos ductos e das glândulas do sistema genital
depende dos hormônios e de outros fatores reguladores da gônada
fetal em desenvolvimento.
Determinação sexual
A transição da gônada bipotencial para a formação de testículos ou
ovários é um processo altamente regulado por fatores genéticos e
hormonais.

A presença ou ausência do gene SRY (“Sex-determining Region Y”),


localizado no cromossomo Y, desempenha um papel crítico nesse
processo. Se o gene SRY estiver presente, iniciará uma cascata de
eventos que resultará no desenvolvimento de características
masculinas. Em sua ausência, o desenvolvimento seguirá um caminho
feminino.
Determinação sexual
A expressão do SRY ativa uma cascata de eventos genéticos e
moleculares que levam à formação de cordões seminíferos,
preenchidos pelas espermatogônias e células de Sertoli.

As células de Sertoli desempenham um papel crucial no


desenvolvimento dos túbulos seminíferos e na produção de proteínas
que promovem o desenvolvimento dos ductos deferentes e outros
órgãos sexuais masculinos. O SRY desencadeia o desenvolvimento
dos testículos, que são os órgãos reprodutores primários do sexo
masculino.
Determinação sexual
O gene SRY codifica uma proteína chamada Fator Determinante de
Testículos (TDF), que induz a diferenciação das gônadas embrionárias
em testículos. Uma vez que os testículos se diferenciam, eles
secretam três hormônios que promovem o desenvolvimento da
genitália masculina interna e externa:

1. As células de Sertoli secretam o hormônio anti-mülleriano (AMH).


2. As células de Leydig secretam testosterona e seu análogo di-
hidrotestosterona (DHT). Estes dois hormônios são predominantes no
sexo masculino e se ligam aos mesmos receptores androgênicos (AR).
Determinação sexual
No desenvolvimento masculino o AMH causa regressão do ducto de
Müller, enquanto a testosterona induz a conversão dos ductos de
Wolff em epidídimo, ducto deferente e vesícula seminal.

Posteriormente, a testosterona controla a migração dos testículos da


cavidade abdominal para o escroto e o DHT promove a diferenciação
da próstata e da genitália externa.
Determinação sexual
Já nos indivíduos XX, onde não há um cromossomo Y com o gene
SRY, o desenvolvimento segue um caminho diferente. A ausência do
SRY permite o desenvolvimento dos ovários e o estabelecimento dos
órgãos sexuais femininos.

Neste processo, as gônadas se diferenciam em ovários, os ductos de


Müller desenvolvem-se nas tubas uterinas, útero e vagina, e os ductos
de Wolff degeneram. Ao nascimento, observamos no ovário os
folículos primordiais, estrutura onde estão depositadas os oócitos I.
Determinação sexual
Nos embriões femininos, onde a produção de testosterona é menor, a
ausência significativa desse hormônio permite que os ductos
paramesonéfricos (ductos de Müller) persistam e se diferenciem para
formar os órgãos reprodutivos internos femininos, como o útero, as
trompas uterinas e a parte superior da vagina.

No desenvolvimento feminino, com a ausência do AMH, o ducto de


Müller dará origem às tubas uterinas, ao útero e à porção superior da
vagina. Na ausência de testosterona e DHT, os ductos de Wollf
degeneram e a genitália externa assume características femininas.
Sexo fenotípico
O sexo fenotípico refere-se às características sexuais observáveis
externamente, incluindo órgãos genitais, características secundárias
sexuais e outras características físicas relacionadas ao sexo.

A diferenciação fenotípica é influenciada pelos hormônios sexuais,


como testosterona e estrogênio, que são secretados pelas gônadas e
desempenham um papel crucial no desenvolvimento dos órgãos
sexuais externos, características corporais e distribuição de pelos,
entre outros.
Sexo fenotípico
A coordenação entre os níveis genético, gonadal e fenotípico é
fundamental. Os genes nos cromossomos sexuais (genético)
influenciam a formação das gônadas, que, por sua vez, secretam
hormônios que desencadeiam a diferenciação fenotípica.

A sensibilidade das células aos hormônios sexuais e a resposta a


esses sinais desempenham um papel significativo na forma como as
características sexuais se manifestam no fenótipo.
Sexo fenotípico
Diferentes células no corpo humano possuem receptores específicos
para os hormônios sexuais, como os receptores de androgênios
(testosterona) e receptores de estrogênio e progesterona. A presença
desses receptores nas células determina a resposta das células aos
sinais hormonais.

Quando os hormônios sexuais se ligam aos seus receptores


específicos, ocorre a ativação desses receptores, desencadeando uma
cascata de eventos moleculares no interior da célula.
Sexo fenotípico
Receptores de Androgênios (Testosterona):
Encontrados em células-alvo nos órgãos sexuais masculinos e em tecidos periféricos.
Exemplos incluem células nos testículos, próstata, músculos, pele e cabelo.

Receptores de Estrogênio:
Encontrados em células-alvo nos órgãos sexuais femininos e em tecidos periféricos.
Exemplos incluem células no útero, ovários, mama, ossos e cérebro.

Receptores de Progesterona:
Encontrados principalmente em células-alvo nos órgãos sexuais femininos,
especialmente durante a fase lútea do ciclo menstrual e durante a gravidez. Exemplos
incluem células no útero (endométrio) e nas glândulas mamárias.
Em Biologia, onde
há regra, há
excessão
Intersexualidade
A intersexualidade refere-se a condições em que
características sexuais não se alinham claramente
com as categorias típicas de "masculino" ou
"feminino".

As causas da intersexualidade são variadas e


podem envolver fatores genéticos, hormonais e
ambientais. A discussão aprofundada dessas
condições permite uma compreensão mais rica da
diversidade biológica e desafia as noções
tradicionais de binarismo de gênero.
Intersexualidade
Síndrome de Insensibilidade Androgênica (CAIS):
Esta condição ocorre devido a uma mutação no
gene do receptor de androgênio (AR), localizado
no cromossomo X. Já vimos os papeis dos
androgênios, como a testosterona, no
desenvolvimento dos órgãos reprodutivos e em
características sexuais secundárias.
O CAIS corre em indivíduos XY que possuem
resistência aos hormônios androgênicos,
resultando no desenvolvimento de características
físicas externas femininas. Este exemplo ilustra
como a resposta dos tecidos aos hormônios
desempenha um papel crítico na diferenciação
sexual.
Intersexualidade
Indivíduos com CAIS têm uma resposta reduzida
ou ausente aos androgênios, apesar de terem
níveis normais ou elevados desses hormônios. Isso
resulta em uma falta de desenvolvimento dos
órgãos sexuais externos masculinos e em uma
aparência externa tipicamente feminina.

Na CAIS, a genitália externa pode parecer


completamente feminina, com uma vagina curta e
uma abertura vaginal na região perineal. O
desenvolvimento dos órgãos sexuais internos,
como útero e ovários, também é geralmente
normal.
Intersexualidade
Embora a genitália externa seja feminina, as
gônadas internas (testículos) geralmente estão
presentes nas mulheres com CAIS. No entanto,
esses testículos são frequentemente não funcionais
e estão em risco de desenvolver tumores, levando
à recomendação comum de remoção cirúrgica.

Na adolescência, a ausência de resposta aos


androgênios resulta em uma puberdade típica
feminina, com desenvolvimento mamário e
crescimento de pelos corporais limitado.
Intersexualidade
Desafios éticos:
A decisão de realizar cirurgias ou outras intervenções
médicas em pessoas com CAIS levanta questões éticas
relacionadas à autonomia do paciente. A abordagem moderna
enfatiza cada vez mais o respeito à escolha informada do
indivíduo.
Há um debate em curso sobre a prática de realizar cirurgias
genitais em bebês com CAIS. Muitos defensores dos direitos
intersexuais argumentam contra intervenções cirúrgicas
irreversíveis antes que o indivíduo tenha idade suficiente para
tomar decisões informadas.
As práticas médicas em relação à CAIS estão evoluindo à
medida que a compreensão da variabilidade da identidade de
gênero e as perspectivas dos direitos intersexuais ganham
destaque.
Seria a
intersexualidade
uma anomalia
biológica?
Uma anomalia é uma irregularidade, desvio ou diferença
significativa em relação a uma norma, padrão ou expectativa
estabelecida.

Esse termo é frequentemente utilizado em diversos campos para


descrever algo que se afasta do que é considerado típico,
regular ou normal.

A detecção de anomalias muitas vezes implica uma variação ou


discrepância notável em relação ao que é considerado comum
ou esperado em determinado contexto.
Seria a
intersexualidade
uma anomalia
biológica?
No entanto, o termo "anomalia" frequentemente carrega
consigo não apenas implicações médicas, mas também sociais,
muitas vezes resultando em preconceito e estigmatização.

Ao associarmos determinadas condições biológicas a pessoas,


estamos estigmatizando-as, situando-as em um local distante e
fora do que se espera para ela.

O preconceito associado a “anomalias” médicas pode surgir de


uma falta de compreensão, medo do desconhecido e padrões
estabelecidos de beleza e normalidade.
Seria a
intersexualidade
uma anomalia
biológica?
Portanto, aposto numa visão educativa que combata o
preconceito e a estigmatização associados a tais “anomalias”.

Isso inclui desafiar noções preconcebidas de normalidade,


celebrar a diversidade humana e criar ambientes inclusivos que
respeitem e valorizem todas as experiências de saúde.

Por fim, é preciso pensar no poder das palavras. E se ao invés de


hierarquizar as condições em normais e anormais, apenas
tratássemos delas como variações de condições biológicas?

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