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Maria Cano Salgado - Comercial I

Trespasse

O que é um estabelecimento comercial?

Unidade jurídica fundada numa organização de meios que constitui um instrumento de


exercício relativamente estável e autónomo de uma atividade comercial

Elementos de um estabelecimento comercial, podem ser:

 Ativos – conjunto de todas as posições jurídicas ativas (p.e bens e direitos) com
expressão patrimonial ou económica
 Passivos – conjunto de obrigações a que o comerciante se vinculou no exercício
da atividade económica

O estabelecimento tem:

 Fator funcional – O estabelecimento existe enquanto tal por organizar as coisas


corpóreas, em conjunto com as incorpóreas, para conseguir angariar clientela e
daí lucro.
 Fator jurídico – O Direito concede ao conjunto de elementos referidos, um
regime especial inaplicável a cada elemento individualmente, mas ao todo.

Há certos elementos sobre os quais a doutrina discute se são elementos, são eles, e,
portanto, sempre que aparecem devemos ter uma especial atenção:

 Aviamento (aptidão funcional e produtiva)


 MC: Não é elemento, mas uma característica deste, que nos permite
saber a suscetibilidade de gerar lucro
 Nuno Aureliano: Distingue entre aviamento objetivo (aptidão para gerar
lucro depende das características do estabelecimento) e subjetivo
(aptidão para gerar lucro decorre de características do titular da
empresa), considerando que o primeiro é um elemento suscetível de
transmissão.
 Clientela
 CA: Ele é uma mera consequência do funcionamento do estabelecimento
 Gravato Morais: É um elemento natural do estabelecimento
Questões para queijinho:

1. Se ainda não entrou em funcionamento, e por isso ainda não tem clientela e
outros elementos que dependem do funcionamento, é estabelecimento?
CA: Sim, já existe um conjunto de meios organizado com fim à prossecução de
uma finalidade
2. Se os seus elementos materiais foram destruídos (p.e incendio que queima um
café)
Em princípio sim, mas temos de analisar qual a essência daquele
estabelecimento comercial. Restam os elementos imateriais (p.e as patentes, o
direito à firma, ao nome), e continuam a existir as relações com clientes,
fornecedores embora de forma suspensa.

É uma coisa? Corpórea ou incorpórea?

 CA: É uma coisa 202ºn.1, mas é uma soma de todos os elementos e por isso uma
coisa imaterial. No entanto, as coisas incorpóreas podem ser alvo de
propriedade, até porque este possui um substrato material.
 OA: É uma coisa corpórea, e, portanto, sujeito de direito de propriedade pelo
1302º

Trespasse 1112º (ato de comércio objetivo)

Transmissão a título definitivo da propriedade de um estabelecimento comercial por


negócio inter vivos (p.e doação, compra e venda)

Objeto: Estabelecimento comercial. Tem de ser transmitido enquanto universalidade que


é, e por isso não podem excluir da transmissão elementos sem os quais haja uma
descaracterização daquele estabelecimento (cumprir o âmbito mínimo cf. 1112º n.2, se
não cumprir apenas temos cessão da posição contratual)

Forma: Simples escrito 1112º n.3

Âmbitos do trespasse:

 Mínimo: É o mínimo funcional, sem ele não há trespasse. Para analisar se está
cumprido temos de ver se estão todos os elementos sem os quais aquele concreto
estabelecimento comercial já não é aquele mesmo estabelecimento.
 Natural: É o que se transmite em caso de silêncio das partes.
 Convencional: Só se transmitem por convenção das partes
Nota: Ferreira Gomes fala-nos do âmbito máximo – todos os elementos suscetíveis
de recondução ao estabelecimento e decorre tipicamente de declarações expressas
das partes como “transmito sem qualquer exceção, ou reserva”, “com todo o ativo e
passivo”.

Analisar sempre casuisticamente, porque p.e em certos casos um elemento pode ser
em abstrato do âmbito natural, mas no caso concreto ser do âmbito mínimo.

Quando está em prédio arrendado – posição do senhorio:

 Dispensa autorização 1112º n.1 (ratio: proteção do interesse económico geral e


transmissão mais efetiva e eficaz)

 Para a transmissão da posição de arrendatário produzir efeitos é necessário


comunicar ao senhorio a realização do trespasse dentro de:

 Parte da doutrina: 15 dias antes da celebração do trespasse 1038º n.1 g)

 Outra parte: 31 dias, espírito e ratio legis 1059º

 Direito de preferência atribuído ao senhorio, mas só se o negócio subjacente for


CV ou dação em cumprimento 1112º n.4

 Doutrina e jurisprudência costumam acrescentar ainda a exigência de envio de


um exemplar ao senhorio enquanto requisito

 CA: Regra geral, faz parte do âmbito natural

A transmissão da propriedade sobre o imóvel:

 CA: Âmbito natural

A transmissão das relações pessoais duradouras:

 Gomes Ferreira: Âmbito convencional cf. 424º. Exceto se a lei dispensar esse
consentimento p.e 1112º n.1 (dispensa de autorização da posição do
arrendatário) e do 285º n.1 CT (as prestações laborais transmitem-se
automaticamente).
Tem de haver consentimento do 3º?
Contrato de trabalho: Não, devido à tutela da parte mais fraca, prevalecendo o
interesse do trabalhador na manutenção do seu posto. Há quem defenda que isso
leva a uma mercantilização da pessoa humana, e por isso exigem o
consentimento deste.
Fornecedores: Tem de haver consentimento, porque pode não ter relação de
confiança com esta “nova” parte
 OA: O 424º CC não se aplica à cessão da posição em contratos sobre a
exploração do estabelecimento. São transmitidas automaticamente sem
consentimento das partes, aplica-se analogicamente o 1112º n.1 a)

Dívidas:

 Jurisprudência: Negam a transferência automática das dívidas cf. 595º. A


transmissão de débitos exige a ratificação dos credores (independentemente da
vontade do trespassante), caso esta inexista:
 Mota Pinto: Deve-se dar ao trespasse o sentido de uma co-assunção de
dívidas pelo trespassante e pelo trespassário
 MC: Há transmissão quando tal resulte do contrato, o que acontece perante
trespasse de âmbito máximo, convencional, caso em que pode haver transmissão
automática.

Com o trespasse surge uma obrigação implícita de não concorrência?

 Pedro de Pais Vasconcelos: Defende que embora as partes possam acordar


durante um período limitado e mediante uma contrapartida económica, uma
obrigação de não concorrência. Esta não deve ser vista como uma regra geral
decorrente da natureza trespasse, e por isso se as partes nada disserem não
podemos considerar que há uma obrigação de não concorrência. Este autor
argumenta dizendo que no âmbito da União Europeia, a concorrência é protegida
e incentivada, por ser considerada uma forma de gerar valor e eficiência cf. 9º do
DL 178/86 de 3 de Julho e com o art. 136º do CT. Desta forma, se a parte quiser
impor uma limitação da concorrência ao trespassante, deve suscitar a questão
aquando das negociações 227º CC.
 Filipe Cassiano dos Santos considera que não há uma obrigação geral de não
concorrência, mas um dever de não implicação, que pode levar a limitações na
concorrência. Há violação deste dever quando o transmitente ataca os valores
transmitidos, isto é, sempre que ele copia o mecanismo de atuação transmitido, e
apresenta-se de uma forma semelhante no mercando, obtendo em parte ou na
totalidade os valores que transmitiu.
 CA: Existe, e esta pode vincular outras pessoas para além do trespassante p.e o
cônjuge, os filhos quando tenham colaborado com o trespassante, e os sócios
que tenham conhecimentos quanto à empresa trespassada.
Se este entrasse em concorrência punha em causa a empresa trespassada e
consequentemente o dever de entrega. Cunha Gonçalves diz que punha em
causa o cumprimento de entrega do bem transmitido, mas ainda a obrigação de
não evicção (obrigação de não retirar o que foi legitimamente adquirido.
A obrigação tem limites materiais (só não pode iniciar atividade no todo ou
parcialmente igual), temporais (só no prazo de consolidação da empresa
trespassada) e espacial (só no espaço de ação da empresa).

Não há trespasse 1112º n.2, se:

 Não se cumpre o âmbito mínimo


 Não há trespasse quando no momento do negócio, havia intenção de dar outro
destino ao prédio

O 1112º n.5 alarga a proteção dada pelo 1112º n.2, aplicando-se se depois do contrato se
mudar a finalidade do estabelecimento. Consequência:

 CA: Fundamento de resolução autónomo face ao 1083º n.2 c)


 Pinto Furtado: Não é fundamento de resolução autónomo, este só é admitido se
se o contrato de arrendamento não permitia destinar a outro fim

À parte:

Cessão de estabelecimento: Transferência temporária do estabelecimento

Locação do estabelecimento: Cessão de estabelecimento que tem na base uma locação,


e consequentemente envolve obrigação de retribuição periódica 1109º

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