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NEUROFARMACOLOGIA

Implicações terapêuticas e fundamentos fisiológicos


do mecanismo de ação das drogas neuroativas

Prof. Dr. Luiz Carlos Schenberg

Departamento de Ciências Fisiológicas


Centro de Ciências da Saúde - UFES
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila} 2

FUNDAMENTOS DA FARMACOLOGIA
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FARMACOCINÉTICA

1) A farmacocinética é o estudo do movimento e destino das drogas no organismo.


Envolve quatro processos fundamentais: absorção, distribuição, biotransformação e
excreção.

2) Os efeitos de qualquer droga dependem de sua concentração no sítio de ação, chamada


biodisponibilidade. Como é muito difícil determinar a concentração das drogas no sítio
de ação, utiliza-se a concentração de droga livre no plasma como medida indireta da
biodisponibilidade. A biodisponibilidade depende de fatores essencialmente
farmacocinéticos como:

a. quantidade da droga administrada,


b. taxa de absorção,
c. velocidade de absorção,
d. distribuição da droga no organismo,
e. biotransformação,
f. excreção.

3) Embora algumas drogas possam se movimentar através de poros ou espaços


intercelulares, a maioria das drogas necessita locomover-se através de vários tipos de
células. Para isso devem utrapassar uma „barreira comum’: a membrana celular.

4) O transporte de drogas através de membranas é regulado por fatores físico-químicos


determinados pela estrutura molecular das membranas celulares, quais sejam:

a. peso molecular,
b. forma molecular,
c. grau de ionização,
d. solubilidade da forma não ionizada em lipídios,
e. gradientes eletroquímicos.

5) A passagem através da membrana celular envolve os mecanismos da Tabela 1.

Tabela 1. Mecanismos da permeabilidade das drogas através das membranas celulares.


MECANISMOS CARACTERÍSTICAS
Processos Difusão Depende do gradiente de concentração, do
Passivos (dissolução na coeficiente de partição lípide/água e do grau de
(substâncias membrana) ionização/pH.
lípide ou Filtração Ocorre por fluxo de água, arrastando pequenas
hidrossolúveis) (canais de 80 Å) moléculas hidrossolúveis.
Difusão Facilitada Ocorre por fluxo a favor de gradientes eletroquí-
micos mediante proteínas transportadoras.
Processos Ativos Ocorre por fluxo contra gradientes eletroquí-
(ions, metabólitos, micos, utiliza proteínas transportadoras, depende
neurotransmissores) de energia, é seletivo, saturável e inibido
competitivamente.

6) Freqüentemente, as drogas são ácidos ou bases fracas. Diferentemente dos ácidos e


bases fortes, que estão completamente ionizados em solução aquosa, a ionização dos
ácidos e bases fracas depende do pH. O pH no qual 50% dos ácidos ou bases fracas estão
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ionizados chama-se pKa e é uma propriedade da substância. Em geral, a forma não
ionizada difunde-se mais facilmente que a ionizada. Como os ácidos ionizam-se em
meios básicos e as bases em meios ácidos, vale a regra abaixo:

meios ácidos favorecem a absorçãode ácidos


fracos
e
meios básicos favorecem a absorçãode bases
fracas

I. VIAS DE ADMINISTRAÇÃO, ABSORÇÃO E DISTRIBUIÇÃO

1) VIAS DE ADMINISTRAÇÃO: Em geral, os tratamentos sistêmicos são mais eficazes que


os tópicos, mesmo quando a afecção está localizada numa pequena região do corpo.
Contudo, os tratamentos tópicos são indicados quando são comprovadamente eficazes em
afecções localizadas, ou quando seus efeitos adversos não aconselham, ou mesmo
proíbem, o uso da via sistêmica. Dentre as vias sistêmicas, a administração endovenosa é
a mais precisa, tem efeito quase imediato e contorna os problemas da absorção. Contudo,
por razões de ordem prática, a administração oral é a via mais utilizada. Não obstante,
embora ambas as vias permitam a utilização de volumes grandes, a via oral requer a
utilização de soluções palatáveis e a cooperação do paciente. Em adição, ela não pode ser
utilizada para administração de peptídeos, pois seriam hidrolisados pelo suco gástrico.
Assim, a insulina deve administrada por via subcutânea. Quando a via oral não é
possível, tanto por recusa do paciente quanto por causas físicas (doença orofaríngea) ou
coma, utilizam-se as vias endovenosa, intramuscular ou retal. A via intramuscular
permite a absorção rápida de soluções aquosas, mas gradual de soluções oleosas. Por sua
vez, a via retal é limitada pelo intenso metabolismo hepático de 1a passagem. Embora a
via sublingüal contorne este problema, ela não impede o metabolismo de 1a passagem do
pulmão. Por fim, a via arterial somente é utilizada para administração de contrastes (para
raio X, tomografia, etc) ou tratamento de um órgão isolado com drogas que apresentam
efeitos adversos graves (por exemplo, anticancerígenos) (Tabela 2). As vias subdural ou
intratecal são utilizadas em anestesia peridural ou para administração de antibióticos em
infecções graves do SNC, contornando a „barreira-hematoencefálica‟.

2) ABSORÇÃO: É a passagem da droga do sítio de administração para a circulação.


Depende, basicamente, da área de absorção, fluxo regional hidrossolubilidade, velocidade
de dissolução e concentração da droga no sítio de administração (Tabela 3).

3) DISTRIBUIÇÃO: É o movimento das drogas no organismo após a sua absorção. Estuda


a velocidade, trajeto e extensão da distribuição da droga e baseia-se no conceito de
compartimento. Depende da lipossolubilidade, grau de ionização, peso molecular, débito
cardíaco, fluxos regionais, ligação às proteínas plasmáticas e aos tecidos, gradientes
físico-químicos, transporte ativo e características das membranas biológicas (Tabela 3).

Difusão através dos capilares: É a primeira barreira. Depende dos mesmos fatores da
absorção, só que em sentido oposto, do plasma ao interstício. Adicionalmente, sofre a
influência determinante da pressão sanguínea e do fluxo regional.

Drogas lipossolúveis: difundem-se rapidamente através das membranas. O fluxo


regional é determinante.

Drogas hidrossolúveis: difundem-se lentamente, na razão inversa do peso molecular, por


filtração através de poros dos capilares. A pressão arterial média é determinante.
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Tabela 2. Principais vias de administração de drogas.


Sistêmicas Enterais Oral
Sublingual
Retal
Parenterais Endovenosa
Intramuscular
Subcutânea
Pulmonar
Intrarterial
Intratecal/Subdural
Tópicas Cutânea
Ocular
Auricular
Orofaríngea
Nasofaríngea
Uretral

Penetração celular: A membrana é mais permeável a substâncias apolares e


lipossolúveis. A diferença entre o pH extracelular (7,4) e intracelular (7,0) favorece a
permeabilidade das bases. Portanto, distúrbios do equilíbrio ácido-básico do indivíduo
podem levar ao acúmulo intracelular inadequado das drogas.

Compartimentos especiais:
a. Barreira Hematoencefálica (poros de 8 Å, capa de astrócitos, areas pérvias)
b. Barreira Hematoliquórica (plexos coróides)
c. Placenta (trofoblastos): Não se trata de uma „barreira‟ como muitos pensam,
praticamente todas as drogas ingeridas pela mãe chegam ao feto.

Ligação das drogas aos tecidos e proteínas plasmáticas: Só a droga livre exerce efeito
sistêmico. A ligação das drogas aos tecidos reduz a taxa de excreção e às proteínas
plasmáticas leva à formação de reservatórios e posterior redistribuição das drogas,
primeiro para órgãos mais vascularizados e, em seguida, para os de menor fluxo regional.

Tabela 3. Fatores que favorecem a absorção e a distribuição de drogas no organismo. Conforme


podemos notar, com exceção do fluxo regional, os fatores são distintos.
ABSORÇÃO DISTRIBUIÇÃO
Fluxo regional Pressão arterial e fluxo regional
Hidrossolubilidade Lipossolubilidade
Velocidade de dissolução Grau de ionização
Concentração Peso molecular
Área de absorção Ligação às proteínas do plasma
Ligação aos tecidos
Gradientes físico-químicos
Transporte ativo
Características das membranas biológicas
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4) Patamar máximo de concentração:

Meia-vida (t½) e patamar plasmático. Define-se meia-vida plasmática como o tempo


necessário para que a concentração plasmática da droga absorvida seja reduzida em
50%. Por outro lado, o patamar plasmático, ou concentração média de patamar (Cp), é a
concentração plasmática de equilíbrio para um determinado esquema de doseamento.
Em geral, se um fármaco (preparação farmacêutica da droga) é administrado em
intervalos de 1 meia-vida, a droga atinge a concentração de patamar após 4 doses. A
concentração plasmática de patamar para outros esquemas de doseamento pode ser
calculada a partir da seguinte fórmula:

1,44 (t½) (f) (d)


CP =
(Vd) (T)

Onde,
t½ = meia-vida
f = fração absorvida
d = dose individual
Vd = volume de distribuição (droga absorvida/concentração
plasmática)
T = doseamento (em meias-vidas)

II. BIOTRANSFORMAÇÃO

1) PAPEL DA BIOTRANSFORMAÇÃO

A biotransformação acelera e, frequentemente, inativa as drogas. Estes procesos evitam que


as sejam reabsorvidas pelo intestino ou pelos túbulos renais.

As drogas são metabolizadas, principalmente, pelo sistema microssomal hepático, mas


também pelo plasma, pelos rins, pelos pulmões e pelo trato gastrointestinal.

A biotransformação também permite a utilização de precussores (pró-drogas) quando as


drogas originais são polares e não atravessam as membranas celulares (ex: purinas ou
pirimidinas anticancerígenos, L-dopa). Os metabólitos ativos podem sofrer nova
biotransformação ou serem eliminados pelos órgãos excretores.

2) PADRÕES DE BIOTRANSFORMAÇÃO: REAÇÕES DAS FASES I E II

Reações da Fase I: Polarizam as moléculas por oxidação, redução ou hidrólise. Resultam


em metabólitos mais, menos ou igualmente ativos à droga precussora.

Reações da Fase II: São reações sintéticas ou de conjugação. Acoplam substratos endógenos
à droga, tais como o ácido glicurônico, um amino ácido ou outras substâncias. Raramente
levam à formação de metabólitos ativos.

Quando ambos processos concorrem para a metabolização da droga, as reações da


Fase I precedem as da Fase II. Uma única droga pode sofrer oxidação ou redução
produzindo metabólitos ativos e/ou inativos.
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3) SISTEMA MICROSSOMAL HEPÁTICO

Microssomas são artefatos em forma de vesícula derivados do retículo endoplasmático liso de


células eucarióticas. Portanto, os microssomas não existem na célula viva. Os microssomas
são obtidos por homogenização dos tecidos seguida de centrifugação diferencial. Células
intactas, núcleos e mitocôndrias sedimentam a 10.000 g, enquanto as enzimas solúveis e os
fragmentos de retículo endoplasmático permanecem no sobrenadante. A centrigugação a
100.000 g produz a sedimentação dos fragmentos de retículo endoplasmático, separando-o das
enzimas solúveis que permanecem no sobrenadante. Usualmente, denomina-se sistema
microssomal hepático às enzimas P450 (CYP1, CYP2 e CYP3) localizadas nas membranas
do retículo endoplasmático liso dos hepatócitos. Embora estas enzimas catalizem as reações
de oxidação da maioria das drogas, as reações de conjugação são principalmente citosólicas
(enzimas solúveis). As reações de redução e hidrólise podem ser microssomais ou não.
Evolutivamente, o sistema microssomal hepático deve ter se desenvolvido como um
mecanismo de proteção à ingestão de toxinas. Ele também é responsável pelo efeito hepático
de primeira passagem das drogas administradas por via oral.

4) FATORES IMPORTANTES NA METABOLIZAÇÃO

Solubilidade Lipídica: Favorece a penetração das drogas no retículo endoplasmático com sua
consequente ligação à enzima citocromo P450, o componente fundamental do sistema
oxidativo.

Indução Enzimática: É o aumento da função das enzimas do sistema microssomal hepático.


Ela é um dos fatores responsáveis pela variação individual de até 6 vezes na velocidade de
metabolização. A susceptibilidade à indução é determinada geneticamente.

5) MECANISMOS OXIDATIVOS

São realizados pelas oxidases de função mista ou monoxigenases. Estas exigem a presença de
um agente redutor (doador de elétrons), o NADPH (dinucleotídeo da nicotinamida e adenina
reduzido) e oxigênio molecular. A citocromo P450 e a redutase da citocromo P450 são os
componentes fundamentais destes processos oxidativos que, basicamente, transferem elétrons
do NADPH para o complexo P450-DROGA-Fe3+ que, na presença de oxigênio, resulta na
produção da droga oxidada e água. Contudo, as aminas biogênicas (deaminação) são oxidadas
pela monoaminoxidase (MAO) da parede externa das mitocôndrias e, em grau bem menor,
pela catecol-orto-metiltransferase (COMT) do citoplasma.

Figura 1. Mecanismos oxidativos do sistema microssomal. A redutase da citocromo P450 tranfere um


elétron do NADPH para o complexo P450-DROGA-Fe3+, reduzindo a valência do Fe3+ para Fe2+. O
complexo P450-DROGA-Fe2+ reage com o oxigênio molecular dando origem à droga oxidada e H2O.
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Os processos oxidativos resultam em:

a. desalquilação
b. hidroxilação alifática (cadeia aberta) ou aromática (anel benzênico)
c. oxidação e hidroxilação de radicais aminados
d. formação de radicais sulfóxido
e. dessulfuração

Também produzem epóxidos intermediários que formam ligações covalentes com


macromoléculas e são responsáveis pela toxicidade de várias drogas. Estes epóxidos são
neutralizados pela glutationa hepática cujo estoque é limitado.

6) SÍNTESE GLICURÔNICA

O ácido glicurônico é formado a partir da glicose no citosol dos hepatócitos. Os glicuronatos


formam-se no sistema microssomal hepático a partir das glicuroniltransferases e do ácido
UDP-glicurônico. Ainda que em menor grau, a síntese de glicuronatos também ocorre no
sistema microssomal do rim e de outros tecidos.

Os glicuronatos constituem os principais metabólitos de fenóis, alcoóis e ácidos carboxílicos.


Em geral, são metabólitos inativos e rapidamente excretados pela urina e pela bile (os últimos
podem ser reabsorvidos através do ciclo entero-hepático). Apesar de serem rapidamente
excretados, podem em alguns casos alcançar concentrações plasmáticas próximas às da droga
precussora.

As outras reações sintéticas incluem acetilação, conjugação com glicina, com sulfatos e O- S-
e N-metilações.

7) INIBIÇÃO DO METABOLISMO MICROSSOMAL

A inibição competitiva é facilmente demonstrável in vitro, mas tem um significado menor in


vivo uma vez que a maioria das enzimas microssomais apresenta cinética de primeira ordem
(exponencial), ou seja, age em faixas de concentração muito inferiores àquelas de sua
saturação. Entretanto, drogas cuja metabolização segue cinética de ordem zero (linear), ou
seja, processos saturáveis, podem sofrer inibição competitiva de sua metabolização (ex:
dicumarol inibe o metabolismo da fenitoína aumentando seus efeitos adversos).

8) INDUÇÃO DA ATIVIDADE DAS ENZIMAS MICROSSOMAIS

Centenas de drogas, que podem ser substratos específicos ou inespecíficos destas enzimas,
podem induzir a sua atividade. A indução enzimática tem importância na:

a. terapêutica
b. toxicologia
c. toxicidade de tratamentos crônicos
d. desenvolvimento de tolerância

Por exemplo, o antiepiléptico fenobarbital induz a síntese de P450 e da redutase da P450,


aumentando o metabolismo de quase todas as drogas. Em particular, enquanto o tratamento
com fenobarbital reduz os efeitos do warfarim, a suspensão do tratamento tem efeitos opostos,
podendo resultar em graves hemorragias.

9) METABOLISMO NO FETO E NO RECÉM-NASCIDO


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A icterícia do recém-nascido expressa a hiperbilirrubinemia decorrente de sua reduzida


atividade microssomal. Às vezes é grave, resultando em encefalopatia. A atividade
microssomal reduzida pode potenciar os efeitos adversos de drogas como o cloranfenicol e os
analgésicos opióides. Adicionalmente, o feto e o recém-nascido também apresentam uma
reduzida atividade metabólica não-microssomal, mecanismos ineficazes de excreção e uma
frágil barreira hemato-encefálica.

10) BIOTRANSFORMAÇÃO NÃO-MICROSSOMAL

Com exceção da formação de glicuronatos, todas reações de conjugação e algumas reações de


oxidação, redução e hidrólise podem ser catalizadas por enzimas não microssomais do fígado e,
em menor extensão, do plasma e do trato gastrointestinal. Ainda que secundariamente, estas
reações contribuem para a metabolização de várias drogas (ex: aspirina, sulfonamidas).
Adicionalmente, as monoaminas endógenas (noradrenalina, adrenalina, epinefrina e serotonina)
são metabolizadas pela monoaminoxidase (MAO) localizada na superfície externa das
mitocôndrias ou pela catecol-orto-metiltransferase (COMT) do plasma e citoplasma que, no
entanto, está ausente nos neurônios adrenérgicos.

A metabolização das enzimas não-microssomais também apresenta enorme variação, de 6 vezes


ou mais de indivíduo para indivíduo. Estas enzimas, no entanto, não parecem sofrer mecanismos
de indução.

III. EXCREÇÃO

1) PAPEL DA BIOTRANSFORMAÇÃO NA EXCREÇÃO DAS DROGAS

As drogas podem ser excretadas na forma intacta ou como metabólitos. Com exceção do
pulmão, os órgãos excretores eliminam os compostos polares mais facilmente que os
apolares.

Os rins são os principais órgãos de excreção de drogas e de seus metabólitos. As drogas ou


metabólitos encontrados nas fezes são, em geral, decorrentes de má absorção de drogas
administradas por via oral. A excreção pulmonar é importante para a eliminação dos gases
anestésicos e vapores. Por sua vez, a excreção pelo leite é importante, não pela quantidade,
mas pelos possíveis efeitos indesejáveis para o bebê.

2) EXCREÇÃO RENAL DE DROGAS E SEUS METABÓLITOS

Filtração glomerular
3 processos: Secreção tubular ativa
Reabsorção tubular passiva

Filtração: Depende da fração de droga ligada às proteínas plasmáticas e da taxa de filtração


glomerular

Secreção Tubular Ativa: A secreção ativa de certos anions e cátions ocorre nos túbulos
proximais. Muitos ácidos orgânicos (tal como a penicilina) e metabólitos (como os
glicuronatos) utilizam-se dos mesmos mecanismos que secretam substâncias endógenas tal
como a uréia. Bases orgânicas (tal como o tetraetilamônio) são transportados por um sistema
específico que secreta a colina, histamina e outras bases endógenas. Ambos sistemas são
relativamente não-seletivos e íons orgânicos de carga similar competem pelo transporte.
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Reabsorção Passiva: As formas apolares das bases e ácidos fracos sofrem reabsorção passiva
nos túbulos proximal e distal. Como a reabsorção é dificultada para substâncias polarizadas,
pode-se acelerar a eliminação de ácidos ou bases fracos pela alcalinização ou acidificação da
urina, respectivamente. O efeito é maior para ácidos ou bases fracos de pKa similar ao pH da
urina (5.0 a 8.0). Entretanto, a alcalinização pode aumentar de 4 a 6 vezes a eliminação de
ácidos relativamente fortes, como os salicilatos, quando o pH da urina é alterado de 6.4 para
8.0. O procedimento é muito importante para a desintoxicação do indivíduo.

Figura 2. Produção da urina. A maioria das drogas é


excretada pela urina. Na figura vemos um néfron, a
unidade funcional do rim, e as principais etapas de
formação da urina: 1. Filtração glomerular, 2.
Reabsorção ativa de Na+ no túbulo contornado
proximal, 3. Reabsorção osmótica de Na+ por
mecanismo de contra-corrente entre a alça de Henle
e a vasa recta, 4. Reabsorção ativa de Na+ no túbulo
contornado distal, 5. Permuta de íons Na+ e K+ no
túbulo distal, 6. Reabsorção de H2O e concentração
da urina no túbulo distal, processo facilitado pelo
hormô-nio anti-diurético (HAD ou vaso-pressina).
Várias drogas podem ser secretadas ou reabsorvidas
ao longo dos túbulos. As drogas que se polarizam
no pH da urina são reabsorvidas em menor grau e,
portanto, excretadas mais rapidamente. Assim,
enquanto a acidificação da urina auxilia na excreção
de bases fracas, a alcalinização da mesma favorece
a excreção de ácidos fracos.

3) EXCREÇÃO BILIAR E FECAL

Mecanismos não seletivos de transporte de íons orgânicos, similares aos dos túbulos renais,
também ocorrem na formação da bile. Os esteróides são excretados por mecanismos
específicos.

Embora os metabólitos biliares possam ser excretados nas fezes, eles são, mais comumente,
reabsorvidos e excretados pelos rins.
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FARMACODINÂMICA

A maioria dos fenômenos biológicos involve a comunicação molecular entre


células. As moléculas que medeiam esta comunicação requerem a presença de uma molécula na
célula alvo, o receptor, que reconhece o sinal e o traduz, usualmente, por meio de uma série
complexa de eventos intracelulares, num efeito biológico, a resposta. Embora boa parte das
drogas aja em receptores, as drogas também agem em enzimas. Não obstante, os mecanismos de
ação em receptores e enzimas obedecem a leis similares uma vez que ambos dependem da
estereoseletividade dos ligantes aos sítios de ligação em proteínas.
A farmacodinâmica visa a descrição quantitativa da atividade das drogas ao nível
molecular. Esta atividade, denominada mecanismo ou modo de ação, é a principal propriedade
das drogas. A farmacodinâmica surgiu em 1878, quando John Langley, antes mesmo de cunhar o
termo substância receptiva, sugeriu que as combinações droga-célula e, conseqüentemente, os
efeitos das drogas sobre o organismo, eram governados pelos mesmos princípios da Equação de
Michaelis-Menten da química. Esta concepção foi plenamente desenvolvida por Alfred J. Clark
em 1920 e permanece como o fundamento do modo de ação das drogas.
Em sua monografia clássica, O Modo de Ação das Drogas nas Células (1933),
Clark considera que o efeito de uma droga - o agonista - num receptor, é proporcional à fração
de receptores ocupada pela droga e que o efeito máximo é atingido quando todos os receptores
são ocupados. Embora esta premissa seja verdadeira para alguns casos, as exceções são comuns.
Em 1954, Äriens introduziu o termo atividade intrínseca (,ou constante de
proporcionalidade), para explicar estas exceções e a relação entre o efeito (E) e a ocupância
(DR), que é a concentração dos complexos droga-receptor: E=[DR]. Portanto, quando  é
menor que 1, entende-se porque certas drogas não produzem o efeito máximo a despeito da
utilização de altas concentrações que, certamente, saturaram os receptores. Posteriormente,
Stephens criou o termo eficácia para denominar uma constante de mesmo significado da
atividade intrínseca de Äriens. Atualmente, os termos atividade intrínseca e eficácia são
utilizados como sinônimos.
Se assumirmos que (1) o agonista interage irreversivelmente com o seu receptor,
(2) que seu efeito é proporcional ao número de receptores ocupados e (3) que o efeito máximo
ocorre quando todos os receptores são ocupados, conforme supõe o modelo original de Clark,
podemos escrever:
k1
Droga (D) + Receptor (R)  DR  Efeito
k2

Demonstra-se que a relação entre efeito e concentração de droga livre (isto é, a droga que não
está ligada a proteínas inertes, tais como a albumina), pode ser descrita pela seguinte equação:
[D]
Efeito = Efeito máximo   , onde KD = k2/k1
KD + [D]

Onde [D] é a concentração de droga livre (expressa em moles), KD é a constante de dissociação


para uma situação de equilíbrio do complexo droga-receptor (ou seja, quando a concentração do
complexo permanece constante), e [D]/kD+[D] é a fração de receptores ocupada pela droga ou
ocupância. Esta equação é uma hipérbole retangular idêntica à equação de Michaelis-Menten
para a interação de um substrato com sua enzima (Fig. 1-A). A equação, expressa pela curva
dose-efeito, define a potência da droga, isto é a relação entre efeito e concentração.
Freqüentemente, representa-se o efeito em função do log[D], permitindo que uma grande faixa
de doses possa ser representada num único gráfico. Neste caso obtém-se uma curva sigmóide
(Fig.1B,C). Quando existe uma relação linear entre resposta e ocupação dos receptores, tal como
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ocorre no modelo clássico de Clark, o ponto de inflexão da sigmóide representa 50% do efeito
máximo e a concentração correspondente é a CE50 ou DE50 (concentração ou dose eficaz média
ou mediana). Em termos molares, a CE50 corresponde à KD. No entanto, como a amplificação do
efeito é um evento comum que não segue o modelo clássico de Clark, a CE50 é freqüentemente
menor que a KD (Fig. 1D).

Figura 1. Interações de agonistas com receptores biológicos. A - No caso mais simples, em que a ocupância dos
receptores pelo agonista obedece a lei de ação das massas, a relação entre concentração do agonista (em escala
linear) e efeito pode ser descrita por uma hipérbole retangular. B – O efeito da resposta em função do logarítmo da
concentração do agonista é uma função sigmoidal. Na ausência de cooperatividade negativa ou positiva, uma
variação de 100 vezes na concentração do agonista produzirá 10 a 90% dos efeitos simétricamente distribuídos ao
redor da CE50. C – Agonistas diferem quanto à potência e eficácia. A CE50 corresponde à concentração do agonista
que produz 50% do efeito. A droga L é mais potente que as drogas M e N; as drogas L e N são mais eficazes que M,
um agonista parcial. D – Como o efeito também depende da atividade intrínseca (eficácia) do agonista, a ocupância
nem sempre está relacionada ao efeito observado. Conseqüentemente, as curvas dose-resposta situam-se,
freqüentemente, à esquerda das curvas dose-ocupância dos receptores. Em outros termos, a concentração do
agonista que corresponde à constante de dissociação ou de equilíbrio (KD), na qual 50% dos receptores estão
ocupados, é maior que a CE50, a concentração que produz 50% do efeito.

Os antagonistas são drogas que se ligam ao receptor, ou a componentes do


mecanismo efetor, inibindo a ação do agonista, mas não desencadeiam os efeitos do agonista. Se
esta inibição for plenamente revertida pelo aumento da concentração do agonista, resultando no
efeito máximo, diz-se que o antagonismo é competitivo (Fig. 2A,B). Os antagonistas
competitivos clássicos têm eficácia (ou atividade intrínseca) zero. Como o efeito máximo
pode ser obtido por uma concentração suficiente do agonista na presença do antagonista
competitivo, a curva dose-efeito do agonista é deslocada para a direita (Fig. 2B).

Figura 2. Propriedades de bloqueio de resposta pelos antagonistas. A – Curvas dose-resposta na ausência


do antagonista (X) e em presença de antagonistas competitivo (Y) e não competitivo (Z). B – Efeitos do
agonista na presença de doses crescentes do antagonista competitivo fornece uma série de curvas
paralelas deslocadas para a direita. A razão das doses é a razão das concentrações (ou doses) do agonista
na ausência ou presença de diversas concentrações do antagonista que são necessárias para a produção da
mesma resposta. C – A função de Schild (Schild regression) é obtida representando-se o logarítmo da
razão das doses (menos 1) em função do logarítmo das respectivas concentrações do antagonista. A
função permite estimar o KD de um antagonista competitivo e, portanto, a concentração na qual ocorre o
bloqueio de 50% dos efeitos do agonista (segundo o modelo clássico). Quando a inclinação (tangente da
reta) é igual a 1, o antagonista é competitivo. Caso contrário, o antagonista não é competitivo ou
prevalecem limitações experimentais.
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Um antagonista não competitivo impede a produção do efeito máximo, qualquer
que seja a concentração do agonista. Este efeito resulta da interação irreversível do antagonista
com o receptor, ou componentes do mecanismo efetor, reduzindo ou eliminando o efeito do
agonista. Este efeito seria equivalente à remoção dos receptores do tecido. No entanto, o agonista
ainda pode agir em receptores que não interagiram com o antagonista. Tipicamente, as curvas
dose-efeito apresentam uma eficácia reduzida, mas potência similar, ou seja, os efeitos são
menores, porém observados na mesma faixa de doses (Fig. 2-A).
Um dos aspectos mais intrigantes da farmacodinâmica consiste na observação de
que a adição de um simples átomo a um agonista (por exemplo, um radical Cl -), possa convertê-
lo num antagonista, ou vice-versa. Esta questão central da farmacodinâmica também é central
para a nossa compreensão da estrutura protéica e das interações de um ligante à proteína do
receptor.
O estudo dos receptores gabaérgicos revelou outro aspecto intrigante da interação
droga-receptor. Mostrou-se que os benzodiazepínicos interagem alostericamente com o GABA.
Qual seja, a ligação dos benzodiazepínicos ao sítio  aumenta a afinidade do GABA ao seu sítio
específico num lugar diferente da proteína receptora. Em seguida, demonstrou-se que existem
ligantes do sítio , como as carbolinasque interagem alostéricamente com o GABA
produzindo o efeito inverso dos benzodiazepínicos, qual seja, reduzindo a condutância ao cloro.
Estas drogas foram denominadas agonistas inversos e têm atividade intrínseca negativa.
O mecanismo de ação variado de agonistas, antagonistas e agonistas inversos
levou ao desenvolvimento da hipótese que os receptores mudam de estado conformacional
aleatoriamente, apresentando maior ou menor condutância iônica, ou ativando processos
metabólicos em maior ou menor grau, e que os agonistas e antagonistas apenas estabilizariam o
receptor num destes estados.

ENSAIOS BIOLÓGICOS E ENSAIOS DE LIGAÇÃO

Os estudos quantitativos das interações droga-receptor são realizados por ensaios


biológicos. Para a realização de um ensaio biológico precisamos de um organismo ou tecido vivo
que apresente uma resposta específica a uma determinada droga que possa ser facilmente
mensurável. Os ensaios biológicos clássicos consistiam no íleo de cobaia, no coração isolado ou
qualquer outro tecido que pudesse ser mantido in vitro que respondesse à droga de interesse. As
respostas podem ser a contração do íleo à acetilcolina, as alterações dos batimentos cardíacos ou
à noradrenalina, o crescimento da crista de galos à testosterona, as variações da pressão arterial
em animais anestesiados ou, mais recentemente, variações nos níveis de AMPc aos agonistas -
adrenérgicos ou ensaios bioquímicos similares. Frequentemente, os ensaios biológicos são
apresentados pela função de Schild (Fig.2) que fornece a KD diretamente. No caso da
psicofarmacologia, os ensaios biológicos verificam os efeitos de drogas no comportamento
exploratório, na freqüência de pressão à barra, no comportamento punido ou no comportamento
agressivo de animais livres e não anestesiados. Contudo, enquanto nos ensaios fisiológicos os
efeitos são observados numa ampla faixa de doses, que variação de 100 vezes ou mais, os efeitos
comportamentais ocorrem numa estreita faixa de doses. Por isso, as curvas-dose resposta
comportamentais têm a forma de um „U‟ invertido e empregam escalas logarítmicas de base 3.
Contudo, devido à baixa concentração de receptores nos tecidos, a mensuração
das interações droga-receptor nas concentrações tissulares exigiu técnicas com sensibilidade
várias ordens de magnitude maior que aquela dos ensaios biológicos. O desenvolvimento dos
ensaios de ligação (binding assays) com radioligantes (ligantes radioativos) permitiu a
mensuração das concentrações tissulares usuais dos complexos droga-receptor, geralmente, ao
redor de um picomol por mililitro, fornecendo um enorme impulso à farmacodinâmica.
Atualmente, o problema das baixas concentrações de receptores nos tecidos vem sendo resolvido
pelo uso de sistemas de clonagem de receptores in vitro a partir do DNA complementar (cDNA).
Contudo, os ensaios de ligação ainda são fundamentais para a mensuração direta da distribuição
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila} 14
e concentração dos receptores nos tecidos, fornecendo informações extremamente importantes
para a compreensão da resposta biológica às drogas.
Os princípios básicos dos ensaios de ligação são bastante simples. O primeiro
passo é a escolha do tecido que contenha o receptor e do ligante apropriado. A seguir, o tecido
é incubado, em tempo e temperatura padronizados, com concentrações adequadas do ligante
marcado com um isótopo radioativo, em geral, iodo (125I) ou hidrogênio pesado (3H, ou trício).
Após a lavagem do tecido para remoção do radioligante livre, registra-se a radioatividade com
um contador Geiger sofisticado). Esta medida corresponde à droga ligada aos receptores. A
conversão da radioatividade para massa molar baseia-se na radioatividade específica do ligante
fornecida pelo fabricante, por ex., 50 ou 80 cintilações por milimol (80 Ci/mmol). Estes passos
são repetidos na presença de concentrações variadas de ligantes ou moduladores não
marcados, de acordo com os objetivos de cada experimento. Os dados são analisados para
obtenção das constantes de velocidade ou afinidade. A última é a constante de dissociação (KD),
qual seja, a concentração necessária do ligante não marcado que reduz a concentração do
radioligante do tecido à metade. Contudo, nos ensaios de ligação, a KD é chamada de constante
inibitória (Ki) pois representa a quantidade do ligante não marcado que inibe a ligação do
radioligante em metade dos receptores.
Os ensaios de ligação podem ser realizados num animal inteiro, num tecido, numa
suspensão de células, numa fração de membrana, numa preparação solubilizada ou numa
preparação purificada. Dependendo de como são utilizados, os ensaios de ligação fornecem
informações sobre a farmacologia molecular dos receptores, o mecanismo de acoplamento do
ligante ou a natureza e mecanismo das interações receptor-efetor. Além disto, estes ensaios
permitem estimar a concentração dos receptores em diversos tecidos, sua distribuição em tipos
diferentes de células, seu desenvolvimento ontogenético e como sua síntese, inserção na
membrana, acoplamento, degradação e reciclagem são regulados em um determinado tipo de
célula.

Entendendo a Equação de Clark a partir da Equação de Michaelis-Menten

A equação de Clark baseou-se no desenvolvimento da equação de Michaelis-


Menten. A característica fundamental de uma reação enzimática é a formação de um composto
intermediário entre enzima (E) e substrato (S), o complexo ES. Leonor Michaelis e Maud Menten
propuseram que a velocidade (V) de uma reação enzimática seja proporcional à concentração do
substrato [S], de acordo com o seguinte modelo:

k1 k3
E + S  ES  E + P (1)
k2

Neste modelo, uma enzima E combina-se com o substrato S com a constante de


velocidade k1 (expressa em moles por segundo). O complexo ES tem dois destinos possíveis. Ele pode
dissociar-se em E e S, com uma constante de velocidade k2, ou pode formar o produto P, com uma
constante de velocidade k3, regenerando a enzima em ambos os casos (note que não há constante k3 no
modelo droga-receptor de Clark). Assume-se ainda que não há conversão do produto ao substrato. (uma
condição válida para o estágio inicial da reação onde a concentração do produto ainda é pequena em
relação à do substrato). Do modelo acima, conclui-se que a velocidade de catálise é dada por,

V=k3[ES] (2)

A concentração do substrato [ES] pode ser expressa por quantidades conhecidas da


seguinte forma:

Velocidade de formação de ES = k1[E][S] (3)


L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila} 15
Velocidade de decomposição de ES = (k2 + k3)[ES] (4)

Contudo, no estado de equilíbrio a concentração do composto intermediário


permanece constante, enquanto aquelas do substrato e produto mudam. Assim, se as velocidades
de formação e decomposição do complexo ES são iguais, temos,

k1[E][S] = (k2 + k3)[ES] (5)


ou
[E][S]
[ES] = ___________________ (6)
(k2 + k3)/k1

O denominador desta equação é conhecido como Constante de Michaelis (KM) e


corresponde à concentração do substrato quando a velocidade da reação é metade da velocidade
máxima (Vmax). Podemos, portanto, reescrever a última equação como,

[E][S]
___________________
[ES] = (7)
KM
Como a concentração do complexo enzima-substrato [ES] é muito pequena, a
concentração do substrato [S] é praticamente igual à sua concentração total. Contudo, a
concentração da enzima livre [E] é igual à concentração da enzima total [E T] menos a
concentração do complexo enzima-substrato [ES].

[E] = [ET]-[ES] (8)

Substituindo esta expressão na equação 7, e resolvendo-a para [ES], temos:


[S]
[ES] = [ET] ___________________ (9)
[S]+KM

Substituindo-se [ES] pela equação 2 e rearranjando os termos, temos:

[S]
V = k3 [ET] _______________ (10)
[S]+KM

A velocidade máxima (Vmax) é alcançada quando todos sítios catalíticos da


enzima estão saturados com o substrato, isto é, quando [S] é muito maior que KM, de forma que
[S]/([S]+KM) [S]/[S]  1. Portanto,

Vmax= k3 [ET] (11)

Substituindo a equação 11 em 10, obtemos a Equação de Michaelis-Menten


[S]
V = Vmax _______________ (10)
[S]+KM

que representa a cinética enzimática da Figura 3A.


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Figura 3. Modelo de Michaelis-Menten da cinética enzimática.

Contudo, é conveniente transformar a equação de Michaelis-Menten numa função


linear. Isto pode ser feito equacionando-se o recíproco de ambos os lados da equação, qual seja:

1/V = ([S]+KM)/Vmax[S]
ou
1/V = 1/Vmax + KM/Vmax [S] (11)

A transformação linear está representada na Figura 3B.


Abaixo comparamos as equações de Michaelis-Menten e Clark, para a interação
enzima-substrato e droga-receptor, respectivamente.

[S] [D]
V = Vmax _______________ Efeito=Efeito máximo _______________
[S]+KM [D]+KD

Equação de Michaelis-Menten Equação de Clark


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NEUROTRANSMISSÃO

1. A COMUNICAÇÃO ENTRE CÉLULAS EXCITÁVEIS É CONTROLADA POR


SINAPSES. A sinapse é uma zona especializada de comunicação celular por meio da
liberação de substâncias químicas (mediadores ou transmissores) num estreito espaço
chamado fenda sináptica. Estas substâncias são liberadas pelos impulsos nervosos,
produzindo respostas em neurônios, músculos (liso, cardíaco e esquelético) e glândulas
endócrinas ou exócrinas. A caracterização de uma sinapse requer (1) a demonstração da
presença de uma substância biológicamente ativa e de suas enzimas sintetizadoras (exceto
para os peptídeos que são sintetizados nos ribossomas e transportados ao botão terminal),
(2) a coleta da substância em perfusatos após a estimulação do nervo, (3) a demonstração
de que a substância produz respostas similares àquelas da estimulação do nervo, (4) a
demonstração da existência de um mecanismo de inativação e/ou recaptação da
substância, (5) a modificação da resposta à estimulação do nervo por drogas específicas
que, usualmente, bloqueiam a ação do neurotransmissor (antagonistas). Note, no entanto,
que também foi demonstrada a presença de „sinapses elétricas‟, onde a comunicação entre
neurônios ocorre pela aposição das membranas (não possuem fenda) e por canais
especializados cuja operação prescinde da liberação de substâncias químicas.

Figura 1. Propriedades dos canais iônicos voltagem- e quimicamente-dependentes.

2. A NEUROTRANSMISSÃO PODE ENVOLVER CANAIS IÔNICOS. Os canais


iônicos (ou ionóforos) são proteínas que controlam a permeabilidade (ou condutância) da
membrana celular a cátions e ânions. Existem 2 tipos de canais iônicos. O primeiro tipo
compreende os canais voltagem-dependentes. Estes canais são proteínas cuja conformação
espacial é alterada por mudanças do potencial elétrico da membrana. O segundo tipo são
os canais transmissor-dependentes, isto é, canais cujo funcionamento depende da ligação
de uma molécula a um sítio específico da proteína que forma o canal iônico. Os canais
voltagem-dependentes estão presentes no corpo celular, dendritos, axônio e botões
terminais dos neurônios. Estes canais são altamente seletivos, permitindo a passagem de
um único tipo de íon (Fig.1, esquerda) e são os únicos canais dos axônios, sendo
responsáveis pela propagação do potencial de ação (PA). Os canais transmissor-
dependentes estão presentes no corpo celular, dendritos e botões terminais, mas não
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existem no axônio, e são permeáveis a vários tipos de íons (Fig.1, direita). Estes canais
estão envolvidos na neurotransmissão. Note que o canal não „transporta‟ o íon. A entrada
ou saída de um íon decorrerá de suas concentrações interna e externa, isto é, do seu
gradiente de concentração. Estes gradientes são pré-formados por proteínas funcionais da
membrana que operam como „bombas iônicas‟, transportando os íons contra gradientes de
concentração. Portanto, elas dependem de energia, consumindo grandes quantidades de
trifosfato de adenosina (ATP). Em realidade, as bombas são ATPases, enzimas que
convertem o ATP em difosfato de adenosina (ADP) e fosfato. A energia liberada pela
remoção do radical fosfato é utilizada no transporte dos íons contra os gradientes. Este
mecanismo resulta no aumento das concentrações de Na+ e K+ no exterior e interior da
célula, respectivamente.

3. O POTENCIAL DE AÇÃO. O PA consiste numa inversão transiente, auto-propagável e


de amplitude constante, da polaridade da membrana do axônio. Durante o mesmo, o
potencial intracelular (Ei) passa de um valor negativo (entre -70 e -50 mV) para um valor
levemente positivo (entre 10 e 15 mV) mediante o aumento da permeabilidade ao Na+. A
polaridade da membrana axonal retorna ao nível de repouso pela autoinativação
(fechamento) dos canais de Na+ nos potenciais mais positivos e, em menor grau, pela
abertura dos canais de K+, que flui para o meio extracelular onde ele está menos
concentrado.

4. EXISTEM DOIS TIPOS NEUROTRANSMISSÃO. A despolarização do terminal pré-


sináptico pelo PA promove a entrada de Ca2+ por meio da abertura de canais de Ca2+
voltagem-dependentes. A entrada de Ca2+ é um pré-requisito universal para o atracamento
das vesículas sinápticas que contém o neurotransmissor às proteínas específicas da
membrana pré-sináptica (neurexina, sintaxina, etc), promovendo a fusão da vesícula à
membrana sináptica e a liberação do transmissor (exocitose).

Figura 2. Receptores ionotrópicos (esquerda) e metabotrópicos acoplados a proteínas G (direita) e


respectivas estruturas moleculares.
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Uma vez liberado, o transmissor poderá ligar-se a receptores pré- ou pós-sináticos, ser
inativado por enzimas, recaptado para o terminal pré-sináptico ou glia, ou difundir-se ao meio
adjacente e ser eliminado pelo organismo. Embora toda neurotransmissão dependa do PA,
elas diferem quanto aos eventos pós-sinápticos, sendo:

a) IONOTRÓPICA: Quando o reconhecimento do neurotransmissor (1o


mensageiro) e a alteração do estado da célula são feitos por uma única
molécula que opera um canal iônico. Neste caso, o receptor é um canal iônico
formado por 5 subunidades (), cada qual com 4 -hélices que
transfixam a membrana (Fig.2, esquerda).

b) METABOTRÓPICA: Quando o reconhecimento do neurotransmissor e a


alteração do estado da célula são feitos por 2 moléculas (1o e 2o mensageiros).
Estes receptores são formados por uma única unidade proteica, com 7 -
hélices que transfixam a membrana (domínios transmenbrânicos), e estão
associados às proteínas G (proteínas de ligação dos ribonucleotídeos da
guanosina GDP/GTP). A ativação dos receptores pelo neurotransmissor
desencadeia processos metabólicos intracelulares mediados por 2os
mensageiros (Fig.2, direita).

5. NEUROTRANSMISSÃO IONOTRÓPICA. A neurotransmissão ionotrópica pode ser


excitatória ou inibitória. A combinação do neurotransmissor excitatório com os receptores
pós-sinápticos de dendritos, corpos celulares ou botões terminais, aumenta a
permeabilidade ao Na+ e/ou Ca2+, produzindo uma despolarização local chamada de
potencial pós-sináptico excitatório (PPSE) (de forma análoga, temos o potencial de placa
na junção neuromuscular). No caso de um neurotransmissor inibitório, há o aumento da
permeabilidade ao Cl- ou K+, resultando numa hiperpolarização local, o potencial pós-
sináptico inibitório (PPSI) (Fig.3). Diferentemente do PA, estes potenciais sofrem
somação algébrica. O predomínio de influências excitatórias resulta em um novo PA.

Figura 3. Neurotransmissão ionotrópica. O esquema ilustra as sinapses de 2 botões axonais com uma
espícula dendrítica.
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6. EXISTEM 8 RECEPTORES IONOTRÓPICOS. A despeito de suas funções


proeminentes no SNC e na periferia, existem somente 8 receptores ionotrópicos, quais
sejam:

a) Colinérgico nicotínico (ativado pela acetilcolina, ACh).


b) Glutamatérgicos caínico, NMDA e AMPA (ativado por ácido glutâmico,
GLU).
c) Gabaérgico-A (ativado pelo ácido gama-aminobutírico, GABA).
d) Glicinérgico-A, bloqueado pela estricnina (ativado pela glicina, GLY).
e) Serotonérgico 5-HT3 (ativado pela serotonina, 5-HT).
f) Purinérgicos P2X (ativado por trifosfato de adenosina, ATP).

7. O PARADIGMA DOS RECEPTORES IONOTRÓPICOS É O RECEPTOR


COLINÉRGICO NICOTÍNICO. A ACh tem dois tipos de receptores, cada um com
vários subtipos. Como ambos os tipos são ativados pela ACh, eles foram classificados
segundo sua sensibilidade aos agonistas exógenos nicotina ou muscarina. O receptor
nicotínico é o paradigma dos receptores ionotrópicos. Ele é uma glicoproteína com peso
molecular de 275.000 daltons composto de 5 subunidades (em geral, , , , , ), cada
qual formada por 4 -hélices (M1-M4). O receptor é formado pelo acoplamento das 5
subunidades, e o ionóforo pela justaposição de 5 -hélices M2 (Fig.4). A abertura máxima
do ionóforo é promovida pela ligação de 2 moléculas de ACh a 2 resíduos de cisteína
situados na região hidrofílica externa das subunidades . O receptor nicotínico é
excitatório e permeável ao Na+ e K+ (Fig.5), sendo encontrado na junção neuromuscular,
gânglios e SNC.

Figura 4. Os receptores ionotrópicos são proteínas de estrutura quaternária. As cadeias de aminoácidos


(estrutura primária) formam -hélices (estrutura secundária) que transfixam a membrana. A
justaposição de 4 -hélices (M1-M4) forma a subunidade do receptor (estrutura terciária). O
acoplamento de 5 subunidades (, , , ) forma um receptor (estrutura quaternária) que contém um
poro central formado pela justaposição de 5 -hélices.
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Tal como o receptor nicotínico, todos os receptores ionotrópicos são formados por 4 ou 5
subunidades, cada qual composta de 4 -hélices (M1-M4) que transfixam a membrana. As
propriedades excitatórias ou inibitórias dos receptores dependem das -hélices que compõem
a parede do ionóforo.

Figura 5. Ativação plena do receptor colinérgico nicotínico requer a ligação de 2 moléculas de


acetilcolina (ACh) a resíduos de cisteína da região hidrofílica do receptor.

8. O RECEPTOR GLUTAMATÉRGICO TEM 3 TIPOS E VÁRIOS SUBTIPOS. Os


receptores glutamatérgicos ionotrópicos são responsáveis por funções fundamentais do
SNC. Em particular, são responsáveis pela neurotransmissão excitatória de neurônios de
projeção (axônios longos) de circuitos fundamentais como o trato piramidal e as conexões
tálamo- e estriato-corticais. Existem 3 tipos de receptores glutamatérgicos ionotrópicos.

Figura 6. Tipos de receptores glutamatérgicos.


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RECEPTORES CAÍNICO E QUISQUÁLICO-A:

a) Os receptores caínico e quisquálico-A (Fig.6) são seletivamente ativados pelos


aminoácidos que lhes nomeiam.
b) Contudo, a abreviatura AMPA advém da ativação seletiva do receptor
quisquálico-A pelo ácido -amino-1,hidroxi-5,metoxi-4,isoxazol propiônico.
c) Estes receptores têm ionóforos de baixa condutância (20 pS) permeáveis ao Na+
e K+.
d) O receptor quisquálico-A também tem um sítio de ligação para o Zn2+

RECEPTOR NMDA:

a) É seletivamente ativado pelo aminoácido N-metil-D-aspártico(NMDA).


b) No repouso, o canal iônico está bloqueado pelo Mg2+. Para que o GLU tenha
efeito, o Mg2+ precisa ser removido do ionóforo por uma despolarização
preliminar da membrana (cerca de 20 a 30 mV) mediante a ativação de
receptores excitatórios vizinhos (nicotínicos, caínicos, 5HT-3, etc).
Conseqüentemente, este é o único receptor que é e voltagem e químicamente
dependente.
c) Estas propriedades permitem que ele participe de processos cooperativos nos
quais 2 aferências devem ser ativadas, uma após a outra, tal como no
aprendizado com 2 tipos de estímulo. Por exemplo, para aprender que um som
será seguido por comida, estes estímulos realizariam a despolarização
preliminar da membrana e a liberação do GLU, removendo o Mg2+ e ativando o
receptor NMDA, respectivamente.
d) O ionóforo tem alta condutância (50 pS), sendo permeável ao Na+, Ca2+ e K+.
e) Adicionalmente, o receptor tem sítios de ligação para GLY, Na+, K+ e Zn2+.
f) O sítio de ligação para GLY, também chamado receptor glicinérgico tipo-B,
não é bloqueado por estricnina e deve estar ocupado para que o receptor seja
ativado (a GLY é um cotransmissor). Acredita-se que os níveis liquóricos de
GLY sejam suficientes para saturá-los. Contudo, evidências recentes sugerem
que estes sítios são, em realidade, ocupados pela D-serina.
g) O receptor também tem sítios inibitórios para o alucinógeno fenciclidina (PCP)
e MK801.
h) Todos os sítios de ligação situam-se numa única subunidade (NR2).
i) As correntes de Ca2+ do receptor NMDA promovem a síntese de 2os
mensageiros envolvidos na potenciação sináptica prolongada (LTP, long-term
potentiation), que é um dos mecanismos moleculares da memória. O receptor
também está envolvido na neurotoxicidade do status epilepticus e da coréia de
Huntington, bem como na morte celular por traumatismos e acidentes
vasculares cerebrais (AVCs).

9. O RECEPTOR SEROTONÉRGICO 5-HT3.

a) É seletivamente ativado pela fenilbiguanida.


b) É permeável aos íons Na+, Ca2+ e K+.
c) Está presente em alta densidade no núcleo do trato solitário e núcleo dorsal do
vago (importantes para o controle neurovegetativo), substância gelatinosa e
núcleo do trigêmino (importantes no processamento da dor) e em densidades
menores no córtex, hipocampo e amígdala.
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10. O RECEPTOR GABAÉRGICO SUBTIPO-A

a) O receptor funcional requer somente 3 subunidades (, , ).


b) Os resíduos básicos de lisina e cisteína das -hélices que compõem o poro
tornam-o impermeável aos cátions.
c) Contrariamente, ele é um receptor inibitório com um canal permeável ao Cl-.
d) Embora todas as subunidades tenham sítios de ligação para o GABA, os sítios
da subunidade  têm maior afinidade pelo neurotransmissor.
e) Os barbitúricos ligam-se às subunidades  e  e os benzodiazepínicos à
subunidade  (sítio ).
f) Cerca de 40% dos receptores do SNC são gabaérgicos, principalmente, no
cérebro.

11. O RECEPTOR GLICINÉRGICO

a) Os receptores glicinérgicos tipo-A são antagonizados pela estricnina e têm


propriedades e têm um canal permeável ao Cl-, hiperpolarizando a membrana
pós-sináptica.
b) Cerca de 25% dos receptores do SNC são glicinérgicos, principalmente, na
medula espinhal.

12. NEUROTRANSMISSÃO METABOTRÓPICA. O receptor metabotrópico é formado


por uma única subunidade composta por 7 -hélices que transfixam a membrana.

Figura 7. Neurotransmissão metabotrópica (A) e regiões funcionais da subunidade G (B). A


ligação do neurotransmissor (1° mensageiro) ao receptor promove a permuta do GDP pelo GTP e a
dissociação do complexo G-GTP. O complexo G-GTP ativa um Efetor Primário, ou seja, uma
enzima ancorada à membrana celular que produz o 2° mensageiro. O 2o mensageiro age em
Efetores Secundários, desencadeando processos metabólicos ou transcricionais no citoplasma e
núcleo da célula, respectivamente.
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O receptor encontra-se associado à proteína de ligação do nucleotídeo da guanosina


(proteína-G), a qual é composta pelas subunidades ,  e . Daí a denominação destes
receptores como receptores acoplados às proteínas-G. Existem, pelo menos, 12 tipos de
proteínas-G (por ex., enquanto a Gs é ativada pela toxina do vibrião da cólera, as Gi e Go
são inativadas pela toxina da Bordetella pertussis). A ligação do neurotransmissor (1°
mensageiro) ao receptor promove uma alteração conformacional que repercute na
configuração espacial da proteína-G. Esta alteração ocasiona a substituição do difosfato de
guanosina (GDP), que no receptor inativo está ligado à subunidade  da proteína-G, pelo
trifosfato de guanosina (GTP). A ligação do GTP à subunidade  promove sua
dissociação, migração e acoplamento a uma enzima ancorada à membrana plasmática,
ativando-a. Esta enzima sintetiza o 2° mensageiro, uma molécula pequena que pode se
difundir por toda a célula, inclusive, para o interior do núcleo. O 2° mensageiro é a
molécula responsável pela alteração do estado celular (Fig.8).

13. PRINCIPAIS RECEPTORES METABOTRÓPICOS

a) -Adrenérgicos (1A-D, 2A-D) m) Taquicininas:Substância-P, Substância-K,


b) -Adrenérgicos (1-3) Neurocinina B (NK1-3)
c) Dopaminérgicos (Tipo D1: D1,5; n) Vasopressina (V1A-B,2)
Tipo D2: D2-4) o) Ocitocina (OT)
d) Serotonérgicos (5HT1A-B,D-F; p) Fator liberador da corticotrofina (CRF1, 2)
5HT2A-C; 5HT4-7) q) Urocortina
e) Histamínicos (H1-3) r) Melatonina (MEL1A-B)
f) Glutamatérgicos (mGLU1-8) s) Somatostatina (SST1-5)
g) Gabaérgicos (GABAB) t) Colecistocinina (CCKA-B)
h) Muscarínicos (M1-5) u) Neuropeptídeo Y (Y1-2,4-6)
i) Opióides (,, , ORL) v) Polipeptídeo intestinal vasoativo (VIP1-2)
j) Canabinóides (CB1-2) w) Galanina
k) Angiotensina (AT1-2) x) Endotelinas (ETA-B), purinas, fator
l) Bradicinina (B1-2) natriurético atrial (ANF), etc.

14. OS EFETORES PRIMÁRIOS SÃO ENZIMAS DA MEMBRANA CELULAR

a) Adenilato Ciclase. c) Fosfolipase-A2 (PLA2).


b) Fosfolipase-C (PLC). d) Guanilato Ciclase.

15. 2os MENSAGEIROS ESTABELECIDOS

a) Produto da adenilciclase: Monofosfato cíclico de adenosina (AMPC).


b) Produtos da fosfolipase C: 1,4,5-trifosfato de inositol (IP3) e diacilglicerol (DAG).
c) Produto da fosfolipase A2: Ácido aracdônico.
d) Produto da guanilciclase: Monofosfato cíclico de guanosina (GMPC).

16. OS 2os MENSAGEIROS E RESPECTIVOS EFETORES SECUNDÁRIOS

2O MENSAGEIRO EFETOR SECUNDÁRIO


a) AMPC: Fosfocinase dependente do AMPC (PKA).
b) IP3: Depósitos intracelulares de Ca2+.
c) DAG: Fosfocinase-C (PKC).
d) ÁC. ARACDÔNICO: Cicloxigenase, 5- e 12-Lipoxigenases.
e) GMPC: Fosfocinase dependente do GMPC (PKG).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 25

Figura 8. Molécula de AMPc (A) e sua formação (tons laranja e vermelho) após a estimulação do
neurônio sensitivo do molusco Aplysia californica com 5-HT.

17. PRINCIPAIS SISTEMAS DE NEUROTRANSMISSÃO METABOTRÓPICA:

Figura 9. Principais sistemas de segundos mensageiros.

18. OS 2os MENSAGEIROS ATIVAM CASCATAS DE EFEITOS INTRACELULA-


RES. Os 2ºs mensageiros desencadeiam processos metabólicos em cadeia. Por exemplo, a
liberação do Ca2+ do retículo endoplasmático pelo IP3 ativa a calmodulina (uma proteína
que capta íons Ca2+) que, por sua vez, ativa uma fosfocinase, resultando na fosforilação
das proteínas intracelulares. Receptores ionotrópicos, metabotrópicos e canais iônicos
operam em colaboração (Fig. 10).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 26

Figura 10. Interação de múltiplos receptores e canais iônicos num único neurônio.

19. O ÓXIDO NÍTRICO: UM 2o MENSAGEIRO INCOMUM. Embora a fosforilação


dependente de GMPc seja encontrada em todo o cérebro, ela corresponde a apenas 10% da
fosforilação proteica. As funções da fosfocinase dependente de GMPc (PKGMPc) também
são menos conhecidas que as da fosfocinase dependente do AMPc (PKA). Contudo, a
fosforilação dependente de GMPc é a forma predominante das células de Purkinje do
cerebelo. Notavelmente, a guanilciclase cerebelar é ativada por um gás, o óxido nítrico
(NO), que é uma molécula instável e altamente reativa (o NO é um gás tóxico que não
deve ser confundido com o óxido nitroso, o N2O, que é um gás anestésico). O NO age,
portanto, como um 2º mensageiro. Assim, não devemos nos surpreender se o cerebelo está
entre as áreas do cérebro com os níveis mais elevados de sintetase neuronal do NO
(NOSn) (Fig. 11).

Figura 11. Distribuição de sintetase neuronal do óxido nítrico (áreas claras). Em ordem
decrescente, as estruturas mais ricas em NOSn são os bulbos olfatórios, o cerebelo, as camadas
superficiais do colículo superior, a camada externa do colículo inferior, o tálamo anterior, o corpo
estriado e o hipocampo. A distribuição heterogênea sugere um papel no processamento de
informação.

O principal estímulo para a síntese do NO neuronal é a ativação do receptor NMDA,


disponibilizando Ca2+ em quantidades suficientes para a ativação da calmodulina. A
produção do NO ocorre a partir do aminoácido L-arginina, em presença do Ca2+, da
calmodulina, do dinucleotídeo reduzido da adenina e nicotinamida (NADPH) e da
sintetase neuronal do óxido nítrico (NOSn), uma enzima ativada pela calmodulina (Fig.
12). Na reação a L-arginina é convertida no aminoácido citrulina. Tal como ocorre para os
eicosanóides (prostaglandinas e leucotrienos), a alta difusibilidade do NO através das
membranas dá origem a formas incomuns de modulação da atividade celular, por
exemplo, a „neurotransmissão retrógrada‟, na qual o neurônio pós-sináptico pode
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 27

influenciar o neurônio pré-sináptico. De fato, demonstrou-se que o NO sintetizado a partir


da liberação do ácido glutâmico aumenta a liberação deste aminoácido por via retrógrada
(Fig. 12).

Figura 12. A via NMDA-NO-GMPc. A ativação do


receptor NMDA é o principal estímulo para a síntese do
óxido nítrico (NO) no SNC. A produção do NO ocorre
a partir do aminoácido L-arginina, em presença do Ca2+,
da calmodulina, do dinucleotídeo reduzido da adenina e
nicotinamida (NADPH) e de uma enzima específica, a
sintetase neuronal do óxido nítrico (NOSn), que é
ativada pela calmodulina. A ativação do receptor
NMDA fornece o Ca2+ necessário para a ativação da
calmodulina. Nesta a L-arginina é convertida no
aminoácido citrulina e NO. Este pode agir como 2º
mensageiro, ativando a guanililciclase citoplasmática,
ou pode difundir-se para o neurônio pré-sináptico,
funcionando como um „neuro-transmissor retrógrado‟.
De fato, existem evidências de que o NO age
retrogradamente facilitando a liberação do ácido
glutâmico.

20. PRINCIPAIS AÇÕES DOS 2os MENSAGEIROS:

a) Amplificação do sinal original: como os efetores primários são enzimas que operam no
limite de difusibilidade, uma única molécula do neurotransmissor pode levar à formação
de milhares de moléculas de 2ºs mensageiros, amplificando o sinal original.
b) Alteração da conformação de enzimas: conforme já mencionamos, os 2ºs mensageiros
ativam fosfocinases, direta ou indiretamente. A fosforilação de proteínas tem um papel
fundamental no metabolismo e sinalização celular.
c) Alteração de uma subunidade de canal iônico: dentre os efeitos da fosforilação de
proteínas, a fosforilação de canais iônicos tem especial importância, aumentando ou
reduzindo a condutância para um determinado íon.
d) Alteração do citoesqueleto: Os neurônios apresentam formas que variam da exuberância
de um neurônio de Purkinge, cuja árvore dendrítica é uma verdadeira „antena parabólica‟
que capta todo e qualquer sinal ao seu alcance, aos modestos „tufos‟ dendríticos de
interneurônios envolvidos no processamento local de informação. Estas formas
dependem de proteínas estruturais (por ex., filamentos de actina ou tubulina) cuja
fosforilação pode causar alterações significativas de forma e função dos neurônios.
e) Alteração de fatores transcricionais: os 2ºs mensageiros podem agir, de forma direta ou
indireta, em processos nucleares, interagindo com fatores transcricionais que ativam ou
inibem a expressão de determinados genes. Podem, portanto, causar tanto a sub-
regulação (downregulation) quanto a sobre-regulação (upregulation) de enzimas ou
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 28
receptores. A alteração significativa dos níveis de enzimas ou da densidade dos
receptores pode requerer um tempo muito maior que aquele das ações sinápticas da
droga. Estes mecanismos podem explicar a latência extremamente longa, às vezes, de
várias semanas, do efeito clínico dos antidepressivos ou das drogas para o tratamento
profilático da enxaqueca.

21. SINALIZAÇÃO RÁPIDA E LENTA NO SNC. A ativação dos receptores ionotrópicos


causa alterações do potencial de membrana, de latência e duração da ordem de
milissegundos. Por outro lado, os receptores metabotrópicos podem agir na escala de
segundos, minutos, ou mesmo horas, dependendo dos mecanismos intracelulares ativados.
Os receptores ionotrópicos têm, portanto, um papel crucial na transmissão rápida da
informação no SNC. Por sua vez, os receptores metabotrópicos modulam a atividade
neuronal por longos períodos, aumentando ou diminuindo a eficácia da neurotransmissão. As
ações prolongadas parecem ser o fundamento da ação terapêutica de muitas drogas de ação
central, cujos efeitos tardam dias, ou mesmo semanas, para se manifestar. Nestes casos, o 2o
mensageiros podem agir, direta ou indiretamente, em fatores transcricionais, aumentando ou
reduzindo a expressão gênica de proteínas funcionais (receptores ou enzimas) ou estruturais.
A ação lenta destes compostos também tem sido explicada pela alteração da sensibilidade
dos receptores pós-sinápticos decorrente do tratamento crônico com estes agentes.

22. PRINCIPAIS SÍTIOS DE AÇÃO DAS DROGAS NAS SINAPSES.

Figura 13. Principais sítios sinápticos de ação das drogas. Em geral, o precussor (1) tem de ser captado
pelo terminal para que haja a síntese (2) do transmissor. Contudo, os transmissores peptídeos são
sintetizados nos ribossomas e transportados ao botão terminal. A síntese do transmissor pode ser alterada
pela disponibilidade dietária do precussor ou pela inibição das enzimas de síntese ou metabolização. Em
seguida, o transmissor tem de ser armazenado em vesículas via transportadores vesiculares (3), caso
contrário será degradado por enzimas citoplasmáticas (4). Por exemplo, a reserpina ocasiona a depleção
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de noradrenalina através do bloqueio do transporte para a vesícula. O transmissor também pode ser
deslocado do grânulo por um neurotransmissor-falso, formado a partir de um precussor anômalo, tal
como ocorre na síntese de metilnorepinefrina a partir da metildopa. Por outro lado, a inibição da enzima
de degradação leva à acumulação do neurotransmissor. Por exemplo, o antidepressivo Pargilina é um
inibidor da monoaminoxidase. Em seguida, o neurotransmissor é liberado na fenda sináptica (5). A toxina
botulínica e a guanetidina bloqueiam a liberação de acetilcolina e noradrenalina, respectivamente. Caso
liberado, o transmissor poderá ligar-se a receptores pós-sinápticos ionotrópicos (6) ou metabotrópicos (7),
resultando em efeitos que são mimetizados por agonistas ou bloqueados por antagonistas. Os curares e a
atropina são antagonistas de receptores colinérgicos nicotínicos (ionotrópicos) e muscarínicos
(metabotrópicos), respectivamente. Por sua vez, a fenoxibenzamina e o propranolol são antagonistas dos
receptores  e -adrenérgicos, respectivamente, e os antiesquizofrênicos são antagonistas de receptores
dopaminérgicos. A ligação do transmissor a um receptor ionotrópico causará a depolarização ou
hiperpolarização da membrana pós-sináptica . Contudo, sua ligação a um receptor metabotrópico resulta
na substituição do GDP pelo GTP na subunidade- da proteína-G. O complexo G-GDP ativará uma
enzima de membrana, o efetor primário (8), que formará o segundo mensageiro (9). Este poderá ativar
uma fosfocinase (ou quinase protéica) (10), que tranferirá radicais de fosfato a um canal iônico (11) ou a
outras proteínas intracelulares, ou agirá em organelas citoplasmáticas, ou no núcleo da célula, ativando ou
inibindo processos transcricionais (12), resultando no aumento ou diminuição da síntese de proteínas
funcionais (receptores, enzimas, co-enzimas). O transmissor também pode agir em receptores pré-
sinápticos (13) que controlam o processo de síntese (14) mediante 2º mensageiros. A clonidina e a
ioimbina são exemplos de agonista e antagonista do receptor adrenérgico pré-sináptico 2. O término da
ação do transmissor pode ocorrer por recaptação ativa para o terminal (15), degradação enzimática pós-
sináptica ou extracelular (16) ou difusão no meio externo e eliminação (17). Os antidepressivos agem pela
inibição da recaptação de noradrenalina (maprotilina) e serotonina (fluoxetina), ou de ambas as
monoaminas (imipramina). A cocaína inibibe a recaptação de dopamina e noradrenalina.
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DROGAS DE USO GERAL


L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 31

ANESTÉSICOS LOCAIS

DEFINIÇÃO. Os anestésicos locais (AL) são drogas que aplicadas localmente produzem o
bloqueio reversível da geração e condução dos potenciais de ação, causando a perda das
sensações de uma região do corpo, sem perda da consciência. Os AL agem em qualquer parte do
sistema nervoso e em qualquer tipo de fibra, mielinizada ou não. Portanto, quando administrados
nas vizinhanças de um tronco nervoso, produzem tanto anestesia quanto paralisia da região
inervada.

RELAÇÃO ESTRUTURA-ATIVIDADE. Os AL típicos possuem uma extremidade


hidrofóbica (obrigatoriamente, um anel aromático) e outra hidrofílica (em geral, uma amina
terciária), separadas por ligações éster ou amida. Os AL com ligação éster são hidrolisados
rapidamente pelas esterases plasmáticas. A potência e a duração da anestesia estão diretamente
relacionadas à hidrofobicidade do AL.

Figura 1. Estrutura química dos principais anestésicos locais. A clorprocaína tem a mesma
fórmula da procaína, porém, com um átomo de cloro na posição 2 do anel benzênico.

MECANISMO DE AÇÃO. Os AL bloqueiam a geração e condução dos potenciais de ação


agindo na parte interna da membrana do axônio (as aminas quaternárias são ineficazes se
aplicadas no meio extracelular). Sua ação baseia-se no bloqueio do aumento da condutância ao
Na+ da membrana despolarizada. O bloqueio dos canais de Na+ voltagem-dependentes aumenta
o limiar de despolarização dos axônios e reduz o tempo de subida e a velocidade de condução
dos potenciais de ação.
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Acredita-se que as paredes do poro do canal de Na+ sejam formadas pela justaposição das -
hélices S5 e S6 e pelos segmentos curtos (short segments) de conexão SS1 e SS2. Após a
abertura, o canal fecha-se em questão de milisegundos devido a uma porta (gate) de inativação.
A porta de inativação é formada pelo segmento curto SS1 e SS2 que une as regiões (domains) III
e IV da subunidade . Acredita-se que esta alça dobra-se sobre a boca do poro, bloqueando a
entrada do Na+.

B
Inativo Ativo Desativado

Figura 2. Estrutura molecular do canal voltagem-dependente de sódio. O sensor de voltagem é o


segmento S4 das regiões I a IV da subunidade . Em potenciais mais positivos o canal fecha-se
automaticamente (é desativado) por meio de uma mudança conformacional dos segmentos curtos
SS1 e SS2 que conectam as regiões III e IV da subunidade . A atividade do canal pode ser
modificada por fosforilação alça longa que conecta as regiões I e II.

Os resíduos de aminoácidos importantes para a ação dos AL encontram-se nas partes central e
interna do segmento transmembrânico 6 (-hélice 6) da região IV da subunidade . A
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 33
substituição do resíduo hidrofóbico de isoleucina pela alanina permite o acesso aos anestésicos
quaternários.

O canal de sódio é hidrofóbico. Portanto, a hidrofobicidade do anestésico local aumenta sua


disponibilidade no sítio de ação e reduz seu metabolismo por esterases plasmáticas e enzimas
hepáticas. A hidrofobicidade também potencia os efeitos tóxicos.

Figura 3. Sítio de ação dos anestésicos locais. Os anestésicos locais ligam-se ao segmento
transmembrânico S6 da região IV da subunidade  do canal de sódio. I, F e Y são resíduos de
isoleucina, fenilalanina e tirosina, respectivamente.

EFEITO ESTADO-DEPENDENTE DOS ANESTÉSICOS LOCAIS. A ação anestésica


também depende do estado funcional do nervo, sendo menor no estado de repouso. O bloqueio
da condução é mais intenso nos potenciais mais positivos e nas freqüências mais elevadas de
disparo, pois a abertura do canal de Na+ facilita o acesso do AL ao sítio de ligação.
Adicionalmente, o AL ionizado liga-se mais fortemente ao sítio de ação do canal „desativado‟
dos potenciais mais positivos de membrana (e não ao canal „inativo‟ do potencial de repouso).

Conseqüentemente, a ação dos AL depende de forma significativa da freqüência e duração dos


potenciais de ação (PA). As fibras de menor diâmetro, que disparam PA longos (5 ms) e de alta
freqüência, são mais sensíveis aos AL. Contudo, as doses mínimas eficazes de algumas fibras
mielinizadas podem ser menores que aquelas de fibras não-mielinizadas de igual diâmetro. Em
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 34
todo caso, fibras não-mielinizadas de dor e autonômicas (C), e fibras mielinizadas de pequeno
diâmetro (A), são bloqueadas por doses inferiores às das fibras de maior calibre que conduzem
impulsos motores, posturais, de tato ou pressão (A, A, A).

Tabela 1. Ação diferencial dos anestésicos locais (AL) sobre as fibras nervosas de funções e
propriedades distintas.

Classe do Axônio

Velocidade
Bloqueio Localização
Mielina de Condução Função
pelos AL Anatômica
(µm) (m.s-1)
Grupo Subgrupo

A +
Aferências/eferências Motora e
sim 6-22 10-85
de músculos/tendões Propriocepção
A ++

Tono
A A ++ Eferências para fusos sim 3-6 15-35
Muscular

Raízes sensoriais e Dor,


A +++ nervos aferentes sim 1-4 5-25 Temperatura,
periféricos Tato

Autonômic
B ++++ Pré-ganglionares sim <3 3-15 Visceromotora
as
0,3-
Simpáticas ++++ Pós-ganglionares não 0,7-1,3 Visceromotora
1,3

C Raízes sensoriais e Dor,


0,4-
Raiz dorsal ++++ nervos aferentes não 0,1-2 Temperatura,
1,2
periféricos Tato

EFEITO DO pH. A ação anestésica também depende do pH do tecido e do pKa do AL. Como
os AL são bases fracas (pKa entre 8 e 9), eles atravessam a membrana mais facilmente em meios
alcalinos, nos quais se encontram na forma apolar. Contudo, a redução da permeabilidade em
meios ácidos pode ser compensada pela ligação mais forte da forma ionizada (catiônica) ao canal
de Na+.

Embora o pH ácido dos tecidos infeccionados tenha sido apontado como a causa principal do
efeito reduzido dos AL nestes tecidos (a outra razão, talvez mais convincente, é a hiperalgesia do
tecido inflamado), o efeito do pH parece ser mais complexo do que se supõe. De fato, como todo
sal de base fraca, os sais comerciais dos AL são levemente ácidos e ionizam-se em pH alcalino.
Assim, demonstrou-se que o bloqueio da condução nervosa pelos anestésicos comerciais pode
ser revertido pelo ligeiro aumento do pH de 7,2 para 9,6.

ASSOCIAÇÃO A VASOCONSTRITORES. Os AL são quase sempre associados a


vasoconstritores. A vasoconstrição reduz a absorção do AL, aumentando sua permanência no
local de administração. Usualmente, os AL são associados à adrenalina. Os vasoconstritores tam-
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 35
Tabela 2. Propriedades clínicas e farmacológicas dos principais anestésicos locais (AL).
Anestésico Meia-
Nome Vida Iníci Duraç Penetraç Indicações e Efeitos
Nome Plasmátic o ão ão Adversos
Classe Comercia
Genérico a (horas)
l
Primeiro e único AL
Médi natural de uso clínico.
Cocaína --- 0,8 Média Boa
o Usado como aerossol no
trato respiratório superior.
Primeiro AL sintético.
Anestesia de baixa potên-
Novocaín Médi cia, início lento e duração
Procaína <1 Curta Pequena
a o curta, indicado apenas
para infiltração e diagnós-
tico.
É a procaína com um
Muit átomo de cloro no anel
Éster
Clorprocaín Nesacaín o benzênico. Ação fugaz,
0,007 nd nd
a a Rápi meia-vida plasmática de
do 25 s. Foi suspensa para
uso epidural.
Muit Anestesia mais intensa e
Pontocaí o prolongada que a da pro-
Tetracaína ~1 Longa Moderada
na Lent caí-na. Indicada em oftal-
o mologia.
Pouco irritante e anti-
Proparacaín Rápi gênica, indicada em oftal-
Alcaína nd Curta Boa
a do mologia e para alérgicos
aos outros AL
Anestesia mais rápida e
intensa que a da procaína.
Indicado para uso tópico
na pele, mucosas e vísce-
Rápi
Lidocaína Xilocaína ~2 Média Boa ras (brônquios, esôfago,
do
bexiga, trato genito-
urinário), mas não pene-
tra na submucosa ou
juntas. É antiarrítmico.
Anestesia prolongada,
Lent
Amida Bupivacaína Marcaína ~2 Longa Moderada mais cardiotóxica que a
o
lidocaína.
Similar à lidocaína, pouca
vasodilatação e baixa to-
xicidade central. Indi-
cada para bloqueio regio-
Médi
Prilocaína Citanest ~2 Média Moderada nal intravenoso. Causa
o
metemoglobinemia (do-
ses>8mg/kg), contraindi-
cada em obstetrícia. Dose
máx. 300 mg
Anestesia de superfície na
pele e mucosas (mas não
dos olhos). Devido à
Outros Pramoxina Anusol nd nd nd Boa
estrutura distinta, é
indicada para alérgicos
aos ésteres e amidas.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 36

bém reduzem os efeitos tóxicos sistêmicos dos AL. Preparações de cocaína não necessitam de
vasoconstritores uma vez que ela é, em sí mesma, vasoconstritora, pois inibe a recaptação de
noradrenalina e adrenalina.

EFEITOS ADVERSOS.

Sistema Nervoso Central: Devido à depressão de neurônios inibitórios, podem produzir agitação
e tremores que podem evoluir para convulsões clônicas seguidas de depressão do SNC e até
mesmo morte por parada respiratória. Também podem produzir sonolência, zumbidos e tontura
dentre outros efeitos centrais.

Junção Neuromuscular e Gânglios Autonômicos: Podem afetar a neurotransmissão de ambas as


estruturas. Por exemplo, a procaína bloqueia os receptores nicotínicos tanto da junção quanto dos
gânglios autonômicos.

Sistema Cardiovascular: O miocárdio pode ser deprimido após a absorção sistêmica de doses
elevadas dos AL, reduzindo a excitabilidade, condução e força de contração do coração. Os AL
também causam vasodilatação das arteríolas. Embora estes efeitos ocorram com maior
freqüência nas doses altas e após os efeitos centrais, alguns pacientes podem apresentar colapso
cardiovascular e morte com doses baixas, possivelmente, por uma ação ao nível do marca-passo
cardíaco. Contudo, enquanto a bupivacaína e etidocaína causam taquicardia e fibrilação, a
lidocaína e procainamida são antiarrítmicos estabelecidos.

Músculo Liso: Os AL deprimem as contrações do intestino „in vivo‟ e „in vitro‟ e relaxam vasos
e brônquios. Contudo, pequenas concentrações podem promover inicialmente contrações do trato
gastrointestinal. Administrações espinhal, epidural e instilação intraperitoneal podem causar
bloqueio simpático, aumentando o tônus gastrointestinal.

Reações de Hipersensibilidade: As reações de hipersensibilidade são raras, principalmente com


ésteres, manifestando-se como dermatite alérgica ou asma.

METABOLISMO. O metabolismo é de fundamental importância para os efeitos tóxicos dos


AL, uma vez que os últimos dependem das taxas de absorção e eliminação dos AL, assim como
de sua ligação às proteínas plasmáticas e de outros tecidos, reduzindo a concentração de droga
livre.

Os ésteres são hidrolisados majoritariamente pelas esterases plasmáticas, principalmente, a


colinesterase.

As amidas são degradadas no retículo endoplasmático dos hepatócitos por desalquilação seguida
de hidrólise, sendo contraindicadas em pacientes hepáticos.
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GASES ANESTÉSICOS

DEFINIÇÃO. Os gases anestésicos são gases ou líquidos voláteis que promovem anestesia pela
perda total, porém temporária, da consciência.

PROPRIEDADES GERAIS

I. MODO DE AÇÃO: Não foi demonstrada nenhuma relação entre estrutura molecular e
atividade ou potência dos anestésicos gerais. Existe, no entanto, uma teoria físico-química:
como a potência está diretamente correlacionada à solubilidade lipídica dos anestésicos,
acredita-se que estes alterariam a matriz lipídica da membrana dos neurônios com a
consequente alteração da condutância dos seus canais iônicos.

Potência = k (coeficiente de partição lípide/gás)

Figura 1. Correlação da potência anestésica com a solubilidade lipídica do anestésico geral. Note que a
potência anestésica, dada pela concentração alveolar mínima para indução da anestesia cirúrgica, e a
solubilidade lipídica, dada pelo coeficiente de partição, são maiores para o metoxiflurano e menores
para o N2O.

II. FARMACOCINÉTICA

Conceito de pressão parcial ou tensão de um gás. A indução, a profundidade e o retorno da


anestesia dependem da tensão do agente no cérebro. A tensão do agente no cérebro depende
de sua tensão no sangue.

A tensão no sangue 1. concentração do anestésico na mistura


depende 2. ventilação pulmonar
3. absorção do anestésico
4. distribuição do anestésico
5. eliminação do anestésico
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1. CONCENTRAÇÃO DO ANESTÉSICO NA MISTURA

A concentração do anestésico na mistura determina a tensão sanguínea do


anestésico: quando um gás ou vapor (aerosol) é inalado à pressão constante, a
tensão sanguínea aproxima-se, assintoticamente, da tensão do agente na mistura
inalada. A tensão do gás no sangue é inversamente proporcional à sua solubilidade.

Figura 2. Curva de saturação do anestésico geral. Note que a saturação é mais rápida para o
N2O, que é menos solúvel, e mais lenta para o metoxiflurano, que é o mais solúvel dos 3
gases anestésicos.

2. ESTADO DA VENTILAÇÃO PULMONAR

O estado da ventilação pulmonar determina o transporte do anestésico aos


alvéolos.
A tensão sanguínea é diretamente proporcional à ventilação pulmonar (importante
para agentes pouco solúveis como o N2O).

3. ABSORÇÃO DO ANESTÉSICO

Determina a velocidade de indução da anestesia.


Em condições normais, não há barreiras que impeçam a
passagem do anestésico dos alvéolos para o sangue

A absorção Coeficiente de Partição sangue/gás ()


dependerá Tensão sanguínea do agente
de Fluxo regional pulmonar

3.1. Coeficiente de partição sangue/gás ()

O coeficiente de partição sangue/gás mede a solubilidade do agente no


sangue.
Quanto mais solúvel for o agente anestésico, menor será a tensão
desenvolvida no sangue.
Como a indução anestésica é uma função direta da tensão sanguínea do
agente, a velocidade de indução da anestesia é uma função inversa do
coeficiente de partição sangue/gás.
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Velocidade de Indução = k (tensão sanguínea) = k / 

Exemplo: Metoxiflurano =12 indução 20-30 min


N2O =0,5 indução < 5 min

3.2. Tensão sanguínea do agente

3.3. Fluxo regional pulmonar

4. DISTRIBUIÇÃO DO ANESTÉSICO

A distribuição do anestésico determina a tensão do anestésico nos tecidos e


cérebro. De forma análoga à absorção,

a distribuição Coeficiente de partição tecido/sangue


dependerá Fluxos regionais dos tecidos e cérebro
de Tensões do gás no sangue e tecidos

4.1. Coeficiente de Partição Tecidos / Sangue:

No equilíbrio a tensão tissular = tensão sanguínea


Tecidos magros e matéria cinzenta CP  1
Tecidos gordurosos CP >>1

4.2. Fluxos Regionais dos Tecidos e Cérebro:

A tensão tissular (ou cerebral) é diretamente proporcional ao fluxo


regional.

Tensão Tissular = k (fluxo regional)

4.3. Tensões do Gás no Sangue e Tecidos:

A distribuição do gás para os tecidos depende do gradiente de tensão


gasosa entre sangue e tecido. Próximo à situção de equilíbrio, há uma
passagem cada vez menor de gás para o tecido, com pouca variação da
tensão tissular.

5. METABOLIZAÇÃO E ELIMINAÇÃO DOS ANESTÉSICOS

A metabolização e eliminação determina a velocidade de retorno da anestesia.

Velocidade de Retorno = k (tensão sanguínea) = k / 


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Figura 3. Curva de eliminação do anestésico geral. Note que a eliminação é mais rápida
para o N2O, que é menos solúvel, e mais lenta para o metoxiflurano, que é o mais solúvel
dos 3 gases anestésicos.

METABOLIZAÇÃO VARIÁVEL: ISOFLURANO 0,2%


METOXIFLURANO 70%

III. MEDIDA DA POTÊNCIA ANESTÉSICA

CONCENTRAÇÃO ALVEOLAR MÍNIMA (CAM): é a concentração do


agente, à pressão de 1 atmosfera, que produz anestesia cirúrgica , ou seja,
abolição dos reflexos à incisão, em 50% dos indivíduos.

DOSE CIRÚRGICA DO AGENTE ISOLADO = 1,3 CAM PRODUZ


ANESTESIA EM 99%
DOS PACIENTES

COM AGENTES SUPLEMENTARES = 0,8-1,2 CAM


SÃO SUFICIENTES

IV. TOXICIDADE

BAIXO ÍNDICE TERAPÊUTICO:


DOSE LETAL = 2-4 VEZES A DOSE ANESTÉSICA

V. PRINCIPAIS ANESTÉSICOS

1. DROGAS

LÍQUIDOS VOLÁTEIS HALOTANO, ENFLURANO


ISOFLURANO, (METOXIFLURANO).
GÁS ÓXIDO NITROSO (N2O).
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2. PROPRIEDADES

Tabela 1. Propriedades dos principais gases anestésicos.


Concentração
Pressão de Coeficiente Coeficiente
CAM Máxima de
Anestésico Vapor de Partição de Partição
(%) Vaporizador
(mmHg) Sangue/Gás Lípide/Gás
(%)
METOXIFLURANO 0,16 22,5 3 12 970
HALOTANO 0,75 243 32 2,3 224
ENFLURANO 1,68 175 23 1,9 98
ISOFLURANO 1,15 250 33 1,4 99
N2O 105,00 GÁS - 0,5 1,4

2.1. ANESTESIA E ANALGESIA

N2O é um potente analgésico, mas um fraco anestésico.


20% de N2O  à morfina, 80% de N2O  anestesia (risco de hipóxia).
Na indução prefere-se os barbitúricos ultra-rápidos.
Manutenção: concentrações são < que as de indução.
Retorno < 1 hora.

2.2. EFEITOS CARDIOVASCULARES

DEPRESSORES: HALOTANO = METOXIFLURANO > ENFLURANO


NÃO DEPRESSORES: ISOFLURANO, N2O

HALOTANO:  PA ( miocárdio, baroreflexo, tônus simpático).


 FC ( nódulo sinoatrial, tônus simpático).
 DC ( 20 a 50%).
Taquiarritmias.
ISOFLURANO:  FC (sem produção de arritmias).
ENFLURANO: Antagonismo tipo .
N2O:  catecolaminas plasmáticas.
 RP,  PA,  DC.

2.3. EFEITOS RESPIRATÓRIOS

DEPRESSORES: HALOTANO=METOXIFLURANO<ENFL.<ISOFL.
 PCO2  VMR  RESP AO CO2  RESP À
ANÓXIA.
NÃO DEPRESSORES: N2O (efeitos pequenos agravados pelos opióides).

HALOTANO:  CO2 = TAQUIPNÉIA.

ENFLURANO: TAQUIPNÉIA INCOMUM.


VENTILAÇÃO ASSISTIDA.
(HIPERVENTILAÇÃO  CONVULSÕES).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 42
2.4. EFEITOS SOBRE O SNC

Enflurano: causa convulsões.


contraindicado em epilépticos.

2.5. EFEITOS SOBRE A MUSCULATURA ESQUELÉTICA

Miorrelaxantes: halotano, enflurano., isoflurano, metoxiflurano.


Não é miorrelaxante: N2O.

2.6. EFEITOS SOBRE A MUSCULATURA UTERINA

Metoxiflurano e N2O: não relaxam.

2.7. EFEITOS SOBRE A FUNÇÃO RENAL

Metoxiflurano: nefrotoxicidade fatal em 20% dos casos (a recuperação da função


renal dos sobreviventes pode demorar 1 ano)

2.8. BIOTRANSFORMAÇÃO

METABOLIZAÇÃO: Isoflurano 0,2 %


Enflurano 2-5 %
Halotano 15 %
Metoxiflurano 50-70%
(metabólitos halogenados nefrotóxicos)
N20: totalmente exalado.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 43

ANALGÉSICOS OPIÓIDES E ANTAGONISTAS

1. OPIÓIDES E OPIÁCEOS: As propriedades medicinais do ópio são conhecidas há


milênios, provavelmente, desde a era dos sumérios. No entanto, a primeira referência
indiscutível do uso medicinal do „sumo da papoula‟ encontra-se nos escritos de Teofrasto
(300 a.C.), tanto que ópio provém de opium, o termo grego para „suco‟. Os árabes, que
também conheciam as qualidades terapêuticas do ópio, principalmente no tratamento de
diarréias, foram os responsáveis pela sua difusão no oriente. Após o declínio da civilização
grega, o ópio só foi reintroduzido na Europa no século XVI, fato atribuído a Paracelso
(1493-1541).
Embora a analgesia seja o efeito mais notável do ópio, ele também possui efeitos
antitussígenos e constipantes (antidiarréicos). Seus efeitos psicotrópicos - tranqüilizantes,
euforizantes e alucinógenos - também são conhecidos desde a antiguidade e foram os
responsáveis pelo termo morfina, que provém de morpheus, o deus grego dos sonhos, bem
como pelo abuso e dependência de opióides no passado e na atualidade. Não obstante, o
ópio foi tolerado em diversas épocas e culturas, até mesmo na sociedade ocidental, como
relata o livro „Confissões de um comedor de ópio‟ do ensaísta inglês Thomas De Quincey,
que tornou-se dependente após o tratamento de uma neuralgia facial. O livro foi publicado
em 1821 como uma advertência aos perigos do ópio. Contudo, embora descreva os
pesadelos terríveis, às vezes „diurnos‟, dos estágios mais avançados da dependência, De
Quincey também relata os „prazeres‟ deste vício numa prosa poética e imaginativa (existe
tradução em português). A disponibilidade praticamente irrestrita de ópio que prevaleceu
nos EUA até as primeiras décadas do século XX, é outro exemplo de épocas em que o seu
consumo foi amplamente tolerado.
As propriedades medicinais do ópio provêm dos 20 alcalóides, ou mais, presentes
na papoula (Papaver somniferum), dos quais a morfina é o protótipo. Notavelmente,
enquanto a „analgesia‟ dos anestésicos gerais, ou aquela dos corticóides e analgésicos não-
esteroidais (aspirina, paracetamol, etc), são os subprodutos respectivos da perda de
consciência ou da redução de processos inflamatórios, a analgesia dos opióides resulta da
inibição seletiva das vias nociceptivas da medula espinhal e cérebro. São, portanto, os
analgésicos por excelência.
Usualmente, denominamos opiáceos aos derivados naturais e semi-sintéticos da
papoula, e opióides a todos os compostos, naturais, endógenos, sintéticos ou semi-sintéticos,
que agem de forma similar à morfina, ou seja, agonistas ou antagonistas que ligam-se aos
receptores opióides. Contudo, os peptídeos opióides, tanto endógenos (endorfinas),
quanto sintéticos, merecem uma classificação à parte, seja pela natureza química totalmente
distinta dos opiáceos, seja pela função neurotransmissora das endorfinas.

Tabela 1. Classificação dos compostos opióides.


naturais morfina, codeína, tebaína, etc
opiáceos oxicodona, buprenorfina,
semi-sintéticos
nalorfina, naloxona, etc
OPIÓIDES sintéticos meperidina, fentanil, etc
-endorfina, encefalinas,
endorfinas
peptídeos dinorfinas
sintéticos DAMGO, DPDPE, etc

2. O QUE É DOR? A dor exerce um papel inestimável na defesa do indivíduo. De fato, os


traumatismos de crianças portadoras de analgesia congênita podem passar despercebidos,
resultando em danos permanentes. A dor é uma sensação comumente associada a agulhadas,
compressão dos tecidos, queimaduras e inflamações. Conseqüentemente, parece ser uma
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 44
sensação característica da estimulação intensa de vários receptores. Calor, frio ou pressão
excessivos seriam, desta forma, as causas primárias da sensação dolorosa. Contudo, um
estímulo que é inócuo numa parte do corpo, pode ser doloroso noutra região.
Adicionalmente, luz, som, odores e sabores, ainda que muito intensos, tais como um prato
extremamente azedo ou salgado, podem ser muito aversivos, mas não causam dor,
necessariamente. Portanto, a dor não é uma função exclusiva da magnitude do estímulo,
mas depende de receptores específicos – os nociceptores – que estão distribuídos de forma
heterogênea nos órgãos e tecidos do nosso corpo.
As modalidades sensoriais comumente associadas à dor são aquelas relacionadas
ao núcleo ventral posterior do tálamo, tanto de sua parte lateral (aferências
somestésicas), quanto medial (aferências trigeminais). Não obstante, embora usualmente
classificada como uma submodalidade das sensações somáticas, tais como o tato, pressão e
cinestesia, a dor também pode ser produzida por estímulos químicos, como ácidos e bases
inorgânicos, toxinas, ou substâncias de origem vegetal, como a capsaicina, que produz a
ardência da maioria das pimentas.
A dor pode ser aguda ou crônica. Contudo, enquanto a dor aguda é,
indiscutivelmente, uma defesa do indivíduo, a dor crônica da maioria das condições clínicas,
não parece ter função alguma além de tornar a vida do paciente ainda mais miserável. A dor
crônica é denominada nociceptiva, quando resulta da ativação dos nociceptores da pele e de
outros tecidos, ou neuropática, quando é produzida pelo dano direto de nervos ou vias
centrais, tais como as dores que acompanham as infecções de Herpes zoster, a „dor
fantasma‟ de um membro amputado, ou aquelas devidas a tumores cerebrais. Usualmente, a
dor neuropática assemelha-se a uma „ardência‟ ou „choque elétrico‟.
Não obstante, até o início do século XX, a dor era considerada um fenômeno
totalmente subjetivo por muitos pesquisadores. De fato, a sensibilidade aos estímulos
dolorosos varia enormemente entre as culturas, ou entre indivíduos de uma mesma cultura.
A sensibilidade à dor pode variar, inclusive, para o mesmo indivíduo em situações
diferentes. Os casos de soldados que não sentiram o tiro recebido no calor da batalha, mas
que „urraram de dor‟ ao receber uma injeção na enfermaria, são exemplos bastante
conhecidos da influência da situação ambiental na percepção dolorosa. Similarmente, atletas
em competições esportivas podem tornar-se insensíveis a traumatismos que seriam
intoleráveis em outras situações. Também foram amplamente documentados os casos de
analgesia por hipnose, yoga, transes religiosos e outras formas especiais da consciência,
como a analgesia que se segue ao „De Qi‟, um estado de sonolência e torpor produzido pela
acupuntura.
Embora a dor seja mediada pelo sistema nervoso, deve-se distinguir a dor dos
mecanismos neurais da nocicepção, pois a ativação dos nociceptores nem sempre causa a
sensação de dor. Portanto, tal como as outras sensações, a percepção da dor requer a
elaboração central dos estímulos nociceptivos da periferia.
A dor também é acompanhada de um componente afetivo específico, que
chamamos „sofrimento‟, cuja presença causa ansiedade, e cuja permanência pode resultar
em estresse e depressão. O sofrimento também pode gerar agressividade se ele foi infligido
por outro indivíduo ou animal de outra espécie. Sabe-se, por exemplo, que a luta entre
animais da mesma espécie pode ser induzida pela aplicação de choques a um assoalho
eletrificado. Este fenômeno, denominado „agressão induzida por choque‟ (shock-induced
aggression) foi demonstrado para praticamente todos os vertebrados, de répteis a primatas.
Assim, enquanto a análise da intensidade, modalidade e localização da dor está
relacionada às etapas mais recentes da evolução, tendo sido indispensável para a história da
humanidade, o aspecto motivacional da dor é uma das suas características mais primitivas e,
possivelmente, mais importante para a sobrevivência do indivíduo.
A dor constitui-se, portanto, num sistema sensorial único, com aferências
específicas, mas inúmeras projeções límbicas, sendo totalmente diversa das outras
modalidades sensoriais.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 45

3. NOCICEPTORES E SISTEMA ÂNTERO-LATERAL

Os nociceptores podem ser térmicos, que são ativados por temperaturas maiores
que 45oC ou menores que 5oC, mecânicos, que são ativados por pressão, ou polimodais,
que respondem a estímulos térmicos, mecânicos ou químicos. Como toda informação
somestésica, a zona de entrada destas informações é o corno dorsal da medula, em
particular, as lâminas I, II e III, conhecidas por substância gelatinosa.

Figura 1. Padrão de aferentação das lâminas


do corno dorsal da medula espinhal,
mostrando as fibras não mielinizadas de
pequeno calibre (fibras C; 0,1-1,5 µm),
exclusivamente nociceptivas, as fibras
mielinizadas de calibre médio (fibras A; 2-
5 µm), que conduzem informações de
pressão e nociceptores térmicos, e as fibras
mielinizadas de grande diâmetro (A,
calibre maior que 12 µm) que conduzem
informações de mecanorreceptores (tato,
pressão e vibração). Os neurônios da lâmina
V são chamados neurônios de faixa
dinâmica ampla (wide dynamic-range
neurons), pois respondem a estímulos
fracos e intensos.

Os neurônios destas lâminas fazem conexões com interneurônios do corno dorsal,


os neurônios de projeção, cujos axônios decussam ao lado contralateral da medula e
ascendem pelo sistema ântero-lateral. Este compõe-se de três tratos principais, (1) trato
espinotalâmico, forma do por axônios de neurônios das lâminas I, V, VI e VII que
projetam-se ao tálamo, é o trato mais recente na evolução e é responsável pela análise da
modalidade, intensidade e localização da dor, (2) trato espinoreticular, formado por
axônios de neurônios das lâminas VII e VIII, destina-se à formação reticular bulbar e
mesencefálica, e também ao tálamo, e parece estar envolvido nos reflexos viscerais à dor, e
(3) trato espinomesencefálico, composto por axônios das lâminas I e V que se projetam à
matéria cinzenta periaquedutal e núcleo parabraquial. Estas vias parecem estar envolvidas
com o componente emocional da dor e mecanismos autoanalgésicos.A existência de 3 tratos
permite uma espécie de „divisão de trabalho‟ na percepção da dor. Enquanto o trato
espinotalâmico ocupa-se da análise fina da dor, os tratos espinomesencefálico e
espinoreticular são responsáveis pelas respostas emergenciais emocionais e autonômicas.
Como veremos, o „processamento distribuído‟ da dor tem implicações importantes para a
ação dos opióides.
Até pouco tempo, as únicas evidências da elaboração cortical da dor consistiam na
existência de algumas epilepsias que apresentavam „aura dolorosa‟ e tinham origem cortical
(SII). Contudo, o advento das técnicas modernas de neuroimagem por tomografia por
emissão positrônica (TEP) e ressonância magnética funcional (TRMf), demonstrou a
participação de inúmeras áreas corticais na apreciação ou resposta à dor. Dentre estas,
destacam-se os córtices somestésico secundário (SII) e insular, envolvidos na apreciação da
magnitude do estímulo doloroso, e a parte ventroposterior do giro cingulado anterior (área
24b de Brodmann), envolvido no componente afetivo da dor, e a área motora suplementar 6,
envolvida na resposta à dor.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 46

Figura 2. Tratos ascendentes do sistema ântero-lateral da medula espinhal.

4. MODULAÇÃO DA DOR E SISTEMA ANALGÉSICO ENDÓGENO

Conforme mencionamos, os estados emocionais e as contingências ambientais influenciam a


percepção da dor num grau muito maior ao que ocorre nas outras modalidades sensoriais.
Muitos dos mistérios que envolviam a percepção dolorosa começaram a ser desvendados a
partir dos anos 60.

Figura 3. Teoria da comporta de Wall-Melzack (A) e sistema analgésico descendente (B).


L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 47
O primeiro passo foi dado por Patrick D. Wall e Ronald Melzack que propuseram
a Teoria da Comporta para explicar a observação trivial de que a estimulação táctil ou
vibratória atenua a dor de uma área machucada. Segundo a teoria, os estímulos tácteis e
vibratórios conduzidos pelas fibras mielinizadas Aestimulariam um interneurônio que
inibiria o neurônio de projeção, inibindo a dor. Em suma, enquanto as aferências não-
nociceptivas „fecham‟ a comporta, as aferências nociceptivas „abrem-na‟, permitindo o
trânsito da informação nociceptiva. Além de ter sido confirmada por evidências
neuroanatômicas, neurofisiológicas e neuroquímicas, a teoria da comporta fornece uma base
racional para os efeitos analgésicos da „estimulação elétrica transcutânea‟ (TENS), bem
como para parte dos efeitos analgésicos da acupuntura.

Figura 4. Ação dos opióides no corno dorsal da medula: bloqueio da neurotransmissão e inibição dos
neurônios sensitivos e de projeção espinotalâmica.

A segunda observação foi baseada em experimentos com animais que revelaram


mecanismos analgésicos ainda mais potentes. Observou-se que a estimulação da matéria
cinzenta periaquedutal, ou da matéria cinzenta periventricular (particularmente, do
núcleo arqueado do hipotálamo), produz uma analgesia profunda e seletiva de áreas
extensas do corpo abrangendo, por exemplo, o tronco e membros inferiores, sem alteração
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 48
dos limiares dos estímulos não dolorosos. A estimulação da matéria cinzenta periaquedutal
também bloqueia o „reflexo de retirada‟ produzido por estímulos nociceptivos. Como este
reflexo é multisegmental, ou mesmo, pansegmental, o efeito analgésico parece envolver a
totalidade da medula espinhal. A analgesia por estimulação intracraniana é tão intensa que
possibilita a realização de laparotomia exploratória em ratos que não receberam tipo algum
de anestésico ou analgésico. Por fim, demonstrou-se que a administração da própria morfina
e congêneres na matéria cinzenta periaquedutal também produzia analgesia. O sistema
analgésico descendente depende de forma crucial das projeções bulboespinhais
serotonérgicas do núcleo magno da rafe. Contudo, as projeções descendentes
noradrenérgicas do locus cerúleo também contribuem para a analgesia. A participação
destes mecanismos monoaminérgicos é a base do tratamento de dores crônicas com os
antidepressivos amitriptilina e fluoxetina.
A ativação destes sistemas é responsável pela analgesia produzida pelos opióides,
bem como pela analgesia associada às situações estressantes e estados anormais da
consciência. Em particular, estudos recentes com tomografia por emissão positrônica (PET)
ou ressonância magnética funcional (fMRI), mostraram que a matéria cinzenta
periaquedutal e o núcleo arqueado são ativados pela acupuntura. Estas observações
foram confirmadas em ratos por meio da imuno-histoquímica da proteína c-fos, uma
proteína que é sintetizada imediatamente após a despolarização do neurônio.

5. MECANISMO DE AÇÃO DOS OPIÓIDES

Portanto, ao final dos anos 60 não restavam quaisquer dúvidas sobre a existência
de um sistema analgésico endógeno. Mais importante, demonstrou-se que tanto a analgesia
por morfina, quanto a analgesia por estimulação intracraniana, eram atenuadas, ou
bloqueadas, por naloxona, um antagonista opióide. Nos anos 70, munidos dos ensaios de
radioligantes, os pesquisadores lançaram-se à busca dos receptores e neurotransmissores
responsáveis pela analgesia.
Os resultados não tardaram a aparecer. Estes e estudos posteriores revelaram a
existência de vários tipos e subtipos de receptores opióides, confirmando hipóteses
anteriores que haviam sido formuladas com base nas ações diferenciadas dos opióides, em
particular, da nalorfina, que antagoniza a analgesia por morfina, mas tem efeitos
analgésicos próprios. Adicionalmente, a nalorfina causa menos depressão respiratória e, ao
contrário da morfina, produz ansiedade e disforia. Os receptores µ,  e, e respectivos
subtipos, cujos genes já foram clonados, são os receptores opióides „clássicos‟. Mais
recentemente, propôs-se a existência dos receptores e , que, no entanto, estão menos
caracterizados.
A descoberta dos opióides endógenos ocorreu menos de dez anos após a
demonstração da existência dos receptores. Surpreendentemente, eles eram peptídeos,
moléculas totalmente diferentes dos opióides conhecidos até o momento. Não obstante,
demonstrou-se uma analogia estrutural da morfina com os 4 aminoácidos (tyr-gly-gly-phe)
que conferem atividade opióide a estes peptídeos. Cada família de peptídeo opióide deriva
de um polipeptídeo precursor, com distribuição anatômica diferenciada. Os precursores são
moléculas com alto peso molecular e podem dar origem a vários produtos finais. Por
exemplo, a pró-ópiomelanocortina (POMC) origina, primeiramente, a -lipotropina, o
hormônio estimulante dos melanócitos (-MSH) e a corticotrofina (ACTH). Em seguida, a
-lipotropina é processada, dando origem ao -MSH e -endorfina. Por isso, devido à
origem comum do ACTH e da -endorfina, os níveis plasmáticos de ambos os peptídeos são
aumentados durante o estresse.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 49
A) RECEPTORES OPIÓIDES: São receptores metabotrópicos cuja ativação reduz as
concentrações intracelulares de AMPc e a condutância ao Ca2+, mas aumenta a
condutância ao K+. Portanto, os opióides hiperpolarizam os neurônios e bloqueiam a
neurotransmissão, efeitos típicos de sua ação no corno dorsal da medula. Por outro lado, como
os opióides inibem os neurônios, a ativação do sistema analgésico descendente ocorre por
mecanismos indiretos. De fato, demonstrou-se que os opióides inibem os neurônios
gabaérgicos da matéria cinzenta periaquedutal, ativando as projeções descendentes
responsáveis pela analgesia.
Abaixo seguem as principais propriedades dos receptores opióides „clássicos‟ e de
seus subtipos.

1,2 (mu) Analgesia supraespinhal (subtipo 1)


Constipação intestinal (subtipo 2)
Depressão respiratória (subtipo 2)
Miose (subtipo 1)
Euforia
Síndrome de abstinência

1,2,3 (kappa) Analgesia espinhal


Depressão respiratória ( < )
Miose ( < )
Disforia, ansiedade
Alucinações

1,2 (delta) Analgesia supraespinhal


Analgesia térmica espinhal
Propriedades reforçadoras (dependência)

B) PEPTÍDEOS OPIÓIDES ENDÓGENOS

Os precussores e peptídeos opióides endógenos estão apresentados na Tabela 2.


Os peptídeos opióides são liberados pelos mecanismos tradicionais de despolarização de
terminais axonais e entrada de Ca2+ por canais voltagem-dependentes. Contudo, o término
de sua ação ocorre por hidrólise enzimática por endopeptidases e carboxipeptidases.

Tabela 2. Estrutura molecular dos peptídeos opióides endógenos.


Precussor Peptídeo Seqüência de Aminoácidos
Leucina-encefalina Tyr-Gly-Gly-Phe-Leu-OH
Pró-encefalinas
Metionina-encefalina Tyr-Gly-Gly-Phe-Met-OH
Tyr-Gly-Gly-Phe-Met-Thr-Ser-
Glu-Lys-Ser-Gln-Thr-Pro-Leu-
Pró-ópiomelanocortina
-Endorfina Val-Thr-Leu-Phe-Lys-Asn-Ala-
(POMC)
Ile-Val-Lys-Asn-Ala-His-Lys-
Gly-Gln-OH
Tyr-Gly-Gly-Phe-Leu-Arg-Arg-
Dinorfina Ile-Arg-Pro-Lys-Leu-Lys-Trp-
Pró-dinorfinas Asp-Asn-Gln-OH
Tyr-Gly-Gly-Phe-Leu-Arg-Lys-
-Neoendorfina
Tyr-Pro-Lys
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 50
Tabela 3. Distribuição e possíveis funções dos opióides endógenos. Abreviaturas: MCPAv - matéria
cinzenta periaquedutal ventral, NMR - núcleo magno da rafe, NTS - núcleo do trato solitário, NDV -
núcleo dorsal do vago.
ENDORFINAS Núcleo arqueado do hipotálamo, MCPAv,
distribuição tálamo, NMR ..............................................  modulação da dor
restrita NTSc, formação reticular bulbar ................  controle autonômico
Hipotálamo e hipófise ................................  controle hormonal
Sistema límbico, amígdala e hipocampo ...  emoção e memória
ENCEFALINAS Lâminas I e II do corno dorsal da medula,
distribuição núcleo espinhal do trigêmino, MCPAv,
ampla NDR, NMR. ...............................................  modulação da dor
NTS, NDV, núcleo parabraquial ................  controle autonômico
Corpo estriado, substância negra ................  controle motor
Hipotálamo e hipófise ................................  controle hormonal
Núcleo accumbens ......................................  dependência
Sistema límbico, amígdala e hipocampo ....  emoção e memória
Neocórtex ................................................... cognição

DINORFINAS Lâminas I e II do corno dorsal da medula,
distribuição núcleo espinhal do trigêmino e MCPAv ....  modulação da dor
ampla NTS ............................................................  controle autonômico
Hipotálamo e hipófise posterior .................  controle hormonal
Sistema límbico, amígdala e hipocampo ....  emoção e memória
Corpo estriado, substância negra ................  controle motor

C) CLASSIFICAÇÃO DOS OPIÓIDES SEGUNDO O MODO DE AÇÃO

AGONISTAS: Morfina
AGONISTAS PARCIAIS: Buprenorfina
AGONISTAS-ANTAGONISTAS Nalorfina( -; ,  +), Pentazocina ( -)
ANTAGONISTAS: Naloxona, Naltrexona

Tabela 4. Ações dos principais opióides nos receptores. (+) agonista, (-) antagonista, (±) agonista
parcial, (0) sem afinidade.
RECEPTOR
OPIÓIDE   
(mu) (delta) (kappa)
MORFINA ++ + +
FENTANIL +++ + +
SUFENTANIL ++++ + +
_
PENTAZOCINA ? ++
_
BUTORFANOL ? ++
_
NALBUFINA ? ++
BUPRENORFINA  ? _
_
NALORFINA + +
_ _ _
NALOXONA
_ _ _
NALTREXONA
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 51
5. CARACTERÍSTICAS DA ANALGESIA: A analgesia é seletiva, afetando,
predominantemente, o componente emocional da dor (sofrimento). Portanto, embora ainda
presente, a dor torna-se mais tolerável ao paciente. Não obstante, a analgesia não é um mero
subproduto dos efeitos emocionais, uma vez que a administração intratecal de opióides produz
profunda analgesia segmentar sem a ocorrência de efeitos motores ou emocionais. Embora os
opióides sejam bastante eficazes na dor nociceptiva, eles têm efeitos menores nas dores
neuropática e inflamatória. Adicionalmente, a dor contínua é mais sensível que a dor
espasmódica (pontadas). Entretanto, até mesmo as cólicas renais e biliares podem ser
atenuadas por doses suficientes de morfina.

6. OUTROS EFEITOS E RESPECTIVOS SÍTIOS DE AÇÃO

A) MIOSE (divisão autonômica do complexo oculomotor, n. Edinger-Westfall).


B) NÁUSEA (1/3 dos pacientes, mais grave nos ambulantes, área postrema).
C) SONOLÊNCIA (sistema ativador reticular ascendente? n.supraquiasmático ? núcleo
reticular do tálamo?).
D) CONSTIPAÇÃO INTESTINAL (plexos mientéricos de Meissner e Auerbach).
E) EFEITOS HORMONAIS: 1) redução do GnRH e, portanto, do FSH e LH.
2) redução do CRH e, portanto, do ACTH e glicocorticóides.
F) RIGIDEZ MUSCULAR (corpo estriado, rico em encefalinas).
G) EFEITOS EMOCIONAIS (dependência, n. accumbens septi).
H) DEPRESSÃO RESPIRATÓRIA (efeito colateral grave, NTS, bulbo).
I) DEPRESSÃO CARDIOVASCULAR (NTS, bulbo).

7. FARMACOCINÉTICA

Os opióides atravessam a placenta e podem deprimir a respiração do recém-nascido.

Tabela 5. Parâmetros farmacocinéticos aproximados de algumas drogas opióides. ND – dados não


disponíveis.
Biodispon. Excreção Lig. Prot. T1/2 Concentr. Concentr.
DROGA P.O. Urinária Plasma (h) Plasmática Plasmática
(%) (%) (%) Eficaz Tóxica
65-80
MORFINA 25 6-10 35 3 ND
ng/ml
400-700
MEPERIDINA 52 1-25 58 3 ND
ng/ml
FENTANIL ND 8 80 3,7 1 ng/ml 1 ng/ml#

ALFENTANIL ND <1 90 1,6 ND ND

METADONA 92 24 89 35 ND ND
ND ND ND
NALOXONA 2* 1,2 ND
* A despeito da absorção quase completa, sofre metabolismo hepático de 1a passagem, #

depressão respiratória.
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8. DROGAS E INDICAÇÕES

A) ANALGESIA

Tabela 6. Principais analgésicos opióides.


METADONA
FENILPIPERI-
FENANTRENOS E OUTROS
DÍNICOS
CONGÊNERES
NATURAIS MORFINA
__ __ __
CODEÍNA
TEBAÍNA
SEMI- LEVORFANOL
SINTÉTICOS NALORFINA
BUPRENORFINA
HEROÍNA
__ __ __
HIDROMORFONA
HIDROCODONA
OXIMORFONA
OXICODONA
NALBUFINA
ETORFINA
SINTÉTICOS MEPERIDINA METADONA PENTAZOCINA
FENTANIL PROPOXIFENO CICLAZOCINA
__
ALFENTANIL N-ALILNORME-
SUFENTANIL TAZOCINA

B) CONSTIPANTES (antidiarréicos)

Não devem ser administrados nas disenterias, ou seja, fezes líquidas com muco e sangue
que são características de quadros infecciosos. Entretanto, são úteis nos casos de
diarréias causadas por estresse (cólon irritável) ou problemas alimentares e metabólicos
de menor gravidade.

Loperamide (ação exclusivamente periférica)


Elixir paregórico (tintura de ópio)
Difenoxilato (ação predominantemente periférica)

C) ANTITUSSÍGENOS

Codeína.
Dextrometorfanol (isômero óptico do levorfanol de ação similar à codeína, porém,
seus efeitos constipantes e subjetivos são menores e não produz analgesia).

D) ANTAGONISTAS

Naloxona, naltrexona.

E) EMÉTICOS

Apomorfina (agonista dopaminérgico).


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DROGAS DA NEUROLOGIA
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HIPNÓTICOS
1. DEFINIÇÃO E IMPORTÂNCIA DOS DISTÚRBIOS DO SONO:

A insônia é o principal distúrbio do sono e consiste na queixa sobre a dificuldade em iniciar ou


manter o sono, ou sobre sono superficial e não repousante. A queixa de desempenho
insatisfatório e de outras sequelas no período diurno, também faz parte da síndrome. Os insones
primários têm temperatura corporal mais elevada, um fato que tem sido aventado como uma das
causas da insônia. A pseudoinsônia e a insônia antecipatória correspondem a 12% e 15% dos
casos, respectivamente.

Estudos de epidemiologia de vários países monstraram que cerca de 35% da população adulta
sofre de alguma dificuldade para iniciar o sono, para mantê-lo, ou ambos, sendo que 8% têm
problemas crônicos e 27% ocasionais. Dos 35%, cerca de 17% descrevem seus problemas como
„bastante incômodos‟. A incidência de problemas do sono é maior em mulheres e idosos.

As principais consequências da insônia são a fadiga, distúrbios psiquiátricos e fracasso repetido


dos tratamentos. Os acidentes automobilísticos são 2,5 vezes mais frequentes com os insones que
no resto da população. Os outros distúrbios incluem déficits de memória e desempenho diurno,
dificuldades de concentração, rebaixamento do humor, prejuízo das relações familiares,
ansiedade e risco aumentado de quadros de depressão maior. Adicionalmente, a busca de
tratamento faz com que 40% dos insones usem o álcool ou façam uso exagerado de sedativos.
No caso do álcool, o rápido desenvolvimento da tolerância leva ao aumento contínuo do
consumo. Por outro lado, a fadiga diurna favorece o uso de psicoestimulantes.

O custo econômico dos problemas de sono nos EUA foi estimado entre US$ 92,4 e 107,5
bilhões (incluindo cuidados médicos, perda de dias de trabalho ou produtividade, acidentes e
gastos com seguro). Somente os custos médicos foram estimados em cerca de US$ 11 bilhões,
dos quais US$ 1,1 bilhão foram devidos a gastos com medicamentos. Estimativas mais
conservadoras relativas aos 10% de insones graves da população apontam custos de US$ 30 a 35
bilhões.

A insônia pode ter várias causas tais como, doenças sistêmicas, distúrbios psiquiátricos (35%
dos casos), uso de drogas, fatores puramente comportamentais, disritmias circadianas (horário de
verão, insônia da segunda-feira, jet-lag), ou distúrbios primários do sono. O tratamento adequado
exige o diagnóstico diferencial.

2. CLASSIFICAÇÃO DOS DISTÚRBIOS DO SONO:

a) Insonias (dificuldade em iniciar ou manter o sono).


b) Hipersonias (sono excessivo).
c) Parassonias (disfunções mentais e comportamentais durante o sono).
d) Distúrbios do ciclo sono-vigília.

3. PRINCIPAIS TIPOS DE INSÔNIA:

a) Insônia de latência prolongada.


b) Insônia com 1 a 2 períodos longos de vigília durante a noite.
c) Insônia com períodos frequentes e curtos de vigília durante a noite.
d) Insônia matinal.
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Figura 1. Durante o sono, os pacientes insones


apresentam temperatura retal superior à dos
indivíduos normais. Os gráficos ao lado mostram a
temperatura retal (acima) e o tempo de insônia
(abaixo) de 10 pacientes insones e 10 indivíduos
sadios pareados para sexo e idade, em função do
início do período de sono.

4. PRINCIPAIS TIPOS DE HIPERSONIA:

a) Apnéia do sono.
b) Narcolepsia.

5. PRINCIPAIS TIPOS DE PARASONIAS:

a) Terror noturno.
b) Sonambulismo.
c) Enurese noturna.
d) Distúrbio comportamental do sono paradoxal (sono MOR).

6. MECANISMOS DE CONTROLE DO SONO E VIGÍLIA.

O sono caracteriza-se por 1) periodicidade, 2) rítmo endógeno e 3) isolamento parcial do


meio ambiente. Ele não ocorre na presença de perigo e requer a redução da estimulação dos
telerreceptores (visão, audição e olfato), dos receptores somestésicos e proprioceptores, assim
como a satisfação das motivações básicas (fome, sede, sexo). Principalmente, o indivíduo
deve estar no período de inatividade circadiana.

As estruturas envolvidas nos efeitos hipnóticos permanecem em grande parte


desconhecidas. Estruturas diencefálicas (núcleo supraquiasmático, área pré-óptica, gânglios
basais de Meynert e hipotálamo posterior), mesencefálicas (sistema ativador reticular
ascendente, ou SARA), pontinas (núcleo parabraquial) e bulbares (núcleo do trato solitário e
núcleo gigantocelular) parecem estar envolvidas. Algumas estruturas participam,
especificamente, do sono de movimentos oculares rápidos (sono MOR ou REM, de rapid eye
movement). Por exemplo, a lesão do locus cerúleo abole a atonia típica desta fase.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 56
Adicionalmente, alguns neurotransmissores e peptídeos parecem ter papel hipnogênico
(injeção de 5-HT no hipotálamo produz sono).

Contudo, o sono parece ser controlado por dois mecanismos básicos. O primeiro controla o
ciclo sono-vigília, qual seja, as alterações na profundidade do sono. O segundo controla o
ciclo atividade-inatividade, determina o tempo total de sono, bem como de outros eventos, e
tem um período de, aproximadamente 24 h. São os rítmos de „cerca de um dia‟, ou ritmos
circadianos.

Figura 2. O eletroencefalograma (EEG) é o principal instrumento para o estudo do sono na clínica e


no laboratório. Ele sofre uma transformação dramática quando o indivíduo atravessa as sucessivas
fases do sono. A consciência sofre uma transformação igualmente dramática à medida que o EEG de
ondas rápidas evolui para as ondas delta (estágio IV). Este padrão reverte-se espontaneamente para o
sono de movimentos oculares rápidos (MOR ou REM), que apresenta um EEG similar ao da vigília.
Durante o sono MOR as formas de consciência onírica tornam-se mais prováveis.

A) CICLO SONO-VIGÍLIA

Os 2 princípios fundamentais do ciclo sono-vigília foram formulados por Giuseppe Moruzzi e


Horace Magoun, nos anos 50, retificando as teorias passivas do sono formuladas por
Bremmer:

1. O primeiro princípio afirma que a substituição do EEG de ondas lentas de grande


amplitude pelo EEG de ondas rápidas e pequena amplitude, ou seja, do rítmo
sincronizado do sono pelo ritmo dessincronizado da vigília, deve-se ao sistema
ativador reticular ascendente (SARA), cujos neurônios estão a formação reticular do
tronco cerebral e projetam-se de forma difusa para o córtex, tálamo e corpo estriado.
Moruzzi e Magoum mostraram que a estimulação elétrica destes neurônios promove o
despertar normal de gatos, enquanto sua lesão produz um estado permanente de
sonolência. Adicionalmente, eles mostraram que os neurônios do SARA respondem a
variedade enorme de estímulos, tanto exteroceptivos quanto interoceptivos. Assim,
embora estes neurônios não tenham a capacidade de nos informar acerca dos aspectos
específicos da realidade, tais como as cores ou sons dos objetos, eles nos informam
sobre a magnitude total da estimulação ambiental. Por este motivo, quando nos
preparamos para dormir, buscamos ambientes escuros e silenciosos e reduzimos a
estimulação táctil, cobrindo a cama com um lençol. Estes estudos foram
revolucionários na medida que mostraram que a consciência da vigília depende da
função de estruturas primitivas do tronco cerebral. Estudos posteriores com cordotomia,
ou estimulação química do SARA com aminoácidos excitatórios (que não despolarizam
axônios de passagem) mostraram que os efeitos da estimulação elétrica são devidos à
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila)
57
estimulação de neurônios intrínsecos desta estrutura. Adicionalmente, estudos mais
recentes de eletrofisiologia (com registros extra- e intracelulares) mostraram que os
neurônios do SARA, além de estarem mais ativos durante os estados de vigília,
aumentam o rítmo de disparo imediatamente antes da passagem do repouso para
estados ativos.

2. O segundo princípio afirma que o tálamo participa de forma fundamental na mediação


destes processos, tanto que a excitabilidade dos neurônios tálamo-corticais é
dramaticamente aumentada durante a dessincronização do EEG. De fato, demonstrou-
se que o rítmo dessincronizado deve-se à ativação das projeções colinérgicas e
peptidérgicas do SARA ao tálamo, causando a alteração dos disparos coerentes dos
neurônios tálamo-corticais (rítmo sincronizado) para disparos tônicos de potenciais
isolados (rítmo dessincronizado).

Tabela 1. Rítmos eletroencefalográficos (alfa, beta, delta e teta) e principais eventos comportamentais
das fases do sono. Abreviaturas: MOR – movimentos oculares rápidos, PGO – ondas ponto-genículo-
ocipitais, PA – pressão arterial, FC – freqüência cardíaca.

FASES DO CICLO SONO-VIGÍLIA EEG RÍTMO EVENTOS


(Hz)
VIGÍLIA OLHOS ABERTOS 20-40 BETA (córtex) Atenção, tono
5-7 TETA (hipocampo) musc. elevado.
OLHOS FECHADOS 8-13 ALFA Repouso, tono
musc. reduzido
SONO SONOLÊNCIA FASE I 20-40 BETA(córtex) Sono MOR,
8-13 ALFA ondas PGO,
7-14 FUSOS sonhos, ereções,
5-7 TETA (hipocampo) variações na PA,
FC e movimentos
na vigência de
miorrelaxamento.
SONO FASE 7-14 FUSOS
II 5-7 TETA
1-4 DELTA
<1 RITMO LENTO
SONO PROFUNDO FASES 1-4 DELTA Miorrelaxamento,
III e IV <1 pesadelos,
enurese,
sonambulismo

B) RÍTMOS CIRCADIANOS (período e freqüência de cerca de 24h)

O segundo mecanismo controla o ciclo atividade-inatividade, a duração total de sono e outras


funções fisiológicas que apresentam atividade cíclica de cerca de 24 h. A estrutura crucial
deste mecanismo é o núcleo supraquiasmático (NSQ), assim chamado pela sua localização
bilateral imediatamente acima do quiasma óptico. O NSQ contradiz, frontalmente, a teoria
passiva do sono. Embora o NSQ tenha uma atividade cíclica intrínseca, ela depende de
„marcadores de tempo‟ (Zeitgebers), como o ciclo de luminosidade, refeições, jornada de
trabalho, relógios, rotinas familiares ou profissionais, etc. A luz age diretamente no núcleo
supraquiasmático e área pré-óptica através do trato retino-hipotalâmico. Assim, enquanto os
ritmos circadianos são fortemente afetados na cegueira devida a retinopatias (por ex., no
diabetes mellitus), eles são mantidos na cegueira por lesão do córtex visual.
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C) CICLOS SAZONAIS: RÍTMO INFRADIANO (período > 28 h ou freqüência < 24h)

Aparentemente, os rítmos infradianos são controlados pelos ciclos circadianos. Assim, o


movimento migratório das aves do hemisfério norte parece ter início com a redução do
período diurno. Também parece haver uma relação entre depressão e ritmos infradianos. A
maior incidência de depressão durante o inverno dos países do hemisfério norte, chamada
depressão sazonal, é conhecida há muito tempo e pode ser tratada por banhos controlados de
luz ou ajustes do sono. Além disto, a fase inicial do uso de antidepressivos caracteriza-se pelo
aumento do tempo total de sono, às vezes, já na primeira noite após o início do tratamento,
acompanhado da redução da latência e tempo total de sono paradoxal, sinais considerados
como indicadores de uma boa resposta à droga. Na segunda fase, a “normalização” do sono
coincide com a elevação do humor dos pacientes. Não se sabe, no entanto, se é a depressão
que causa o distúrbio circadiano ou vice-versa. Curiosamente, os IMAO suprimem o sono
paradoxal, reduzindo a experiência onírica dos pacientes.

Figura 3. Estruturas envolvidas no controle do sono: TAL - tálamo, APO - área pré-óptica, NSQ -
núcleo supraquiasmático, NBM - núcleo basal de Meynert.
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A

C
0
TEMPERATURA MÍNIMA
2 TEMPERATURA MÁXIMA
ATIVIDADE
4 INATIVIDADE

6
ISOLAMENTO (DIAS)

10

12

14

16

18

20

22

24
0 12 24 12 24 12 24 12 24 12 24 12 24 12 24 12 24

HORAS DO DIA

Figura 4. Características do ciclo sono-vigília e dos rítmos circadianos: A) segmentos (épocas) do


eletroencéfalograma (EEG), eletroculograma (EOG) e eletromiograma (EMG) das fases típicas do sono,
B) hipnograma ilustrando a arquitetura normal do sono. As barras vermelhas correspondem aos períodos
de sono paradoxal (MOR, sono de movimentos oculares rápidos ou, em inglês, REM, rapid eye
movements), C) Rítmos circadianos da atividade e temperatura de um indivíduo em isolamento total (ciclo
atividade-vigília em curso livre, sem pistas temporais). Note-se a defasagem progressiva do ciclo de
atividade sem alteração correspondente do ciclo da temperatura.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 60

Figura 5. Variação do tempo e arquitetura do sono com a idade do indivíduo. Note-se que nos idosos há
uma redução do tempo total, do sono de movimentos oculares rápidos e da fase IV (sono profundo), que é
considerada a fase mais repousante do sono. Também, há um aumento no número de despertares.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 61

Figura 6. Traçados do eletroencefalograma (EEG), eletroculograma (EOG) e eletromiograma (EMG) no


sonambulismo (A) e narcolepsia (B). Neste caso, compare o início do sono normal com o início brusco do
sono do paciente de narcolepsia, com características do sono paradoxal (movimentos oculares rápidos e
intenso miorrelaxamento). O quadro de narcolepsia também é acompanhado de alucinações hipnagógenas
(„sonhar acordado‟) e cataplexia (perda total do tono durante emoções fortes, boas ou ruins).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 62
7. GÊNESE DO RÍTMO SINCRONIZADO
NEURÔNIO NEURÔNIO
CORTICAL TÁLAMO-
CORTICAL

NEURÔNIO DO
NÚCLEO RETICULAR
DO TÁLAMO

Figura 7. Os rítmos sincronizados são coerentes com as rajadas de potenciais do núcleo reticular do
tálamo (RE). Os disparos dos neurônios gabaérgicos do RE hiperpolarizam os neurônios tálamo-corticais
(Th-Cx), causando a abertura de canais de Ca2+ voltagem-dependentes de baixo limiar (canais de Ca2+
„transientes‟, ou tipo-T) que operam em potenciais inferiores a -70 mV. As correntes de Ca2+ geram
potenciais lentos na freqüência típica dos fusos (7-14 Hz), os quais são os sinais estigmáticos do início do
sono (de Steriade, 1993).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 63

Na+
Ca2+

Cl-

Figura 8. Aspectos intracelulares das atividades oscilatórias em neurônios do núcleo reticular do tálamo
(RE), neurônios tálamo-corticais (Th-Cx) e potenciais do trato piramidal (PT). As sequências de fusos
marcadas com um asterisco estão ampliadas na parte inferior da figura. Os neurônios gabaérgicos do RE
são os marca-passos dos rítmos sincronizados (fusos e rítmo delta), causando a hiperpolarização dos
neurônios Th-Cx (Cl-). A hiperpolarização de-inativa (de-inactivate) as correntes de Ca2+ de baixo limiar
que operam com potenciais de membrana inferiores a -70 mV, gerando potenciais oscilatórios lentos
(Ca2+) que são ocasionalmente coroados por um potencial de Na+ (de Steriade, 1988).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 64

Figura 9. Ausência de atividade eletroencefalográfica de fusos dos núcleos do tálamo anterior („tálamo
límbico‟) do gato. Estes núcleos são naturalmente desprovidos de aferências do núcleo reticular do
tálamo. Gráficos superior e médio: histogramas das amplitudes dos potenciais de fuso (sp, spindle
potentials), filtrados para 7-14 Hz, em registros simultâneos dos núcleos centrolateral (CL) e ântero-
ventral (AV) do tálamo de uma preparação com transecção intercolicular. As abcissas representam o
tempo real. Registro inferior: efeito da alteração do potencial de membrana no modo de disparo de um
neurônio do núcleo ânteromedial do tálamo numa preparação sob anestesia barbitúrica. Os disparos
tônico, em rajadas (seta à esquerda), induzidos por despolarização do neurônio no estado de repouso (-60
mV), transformam-se em potenciais lentos, de baixo limiar, coroados por potenciais de Na+ quando a
membrana é hiperpolarizada para –72 mV. À direita pode-se observar a recuperação do modo tônico de
disparo. A seta curva indica um potencial isolado de baixo limiar. Portanto, experimentalmente, os
neurônios do tálamo anterior também podem gerar ritmos sincronizados. Não o fazem naturalmente
porque são desprovidos das aferências gabaérgicas do núcleo reticular (de Steriade, 1988).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 65
8. GÊNESE DO RÍTMO DESSINCRONIZADO
NEURÔNIO NEURÔNIO NEURÔNIOS
CORTICAL TÁLAMO- DOS NÚCLEOS
CORTICAL PEDUNCULOPONTINO
E LÁTERODORSAL

 K+

Figura 10. Aspectos intracelulares do bloqueio da atividade de fuso num neurônio no núcleo reticular do
tálamo (A) e num neurônio tálamo-cortical (B) do núcleo geniculado lateral. Sequências espontâneas de
um fuso (1) e seu bloqueio (2) por uma breve estimulação (setas) do núcleo peribraquial do sistema
ativador reticular ascendente (SARA). O bloqueio da atividade do núcleo reticular do tálamo (NRT) é
devido ao aumento da condutância ao K+ mediado pela ativação de receptores muscarínicos. A excitação
inicial, imediatamente após a estimulação do SARA, é devida à ativação de receptores nicotínicos. A
ativação do SARA promove o bloqueio da atividade rítmica do NRT e o conseqüente despertar do
indivíduo. De forma oposta, a redução da atividade do SARA nos momentos que antecedem o sono dá
início à atividade rítmica do NRT (de Steriade, M., 1988).
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Figura 11. Excitação de um neurônio tálamo-cortical do núcleo geniculado lateral pela estimulação do
núcleo peribraquial da formação reticular do mesencéfalo (componente do SARA). Registros
intracelulares: A) estímulos aplicados ao núcleo peribraquial (setas) eliciam uma excitação de pequena
latência, devida à ativação de receptores nicotínicos, seguida de uma excitação com latência de 1-2 s e
duração prolongada (cerca de 6 segundos), possivelmente, devida à liberação de peptídeos co-localizados
nos neurônios colinérgicos do núcleo peribraquial. B) Registro em maior velocidade para mostrar os dois
componentes, nicotínico e peptidérgico, da excitação induzida pela estimulação do núcleo peribraquial do
SARA. Note a despolarização prolongada da membrana do neurônio (de Steriade, M., 1988).
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9. MODO DE AÇÃO DOS PRINCIPAIS HIPNÓTICOS

Breve história dos hipnóticos:

Antiguidade Infusões de várias ervas e ópio.


Fins do séc. 19 Ópio, álcool, brometos, cloral, paraldeído, uretana.
1903 Barbitúricos.
1950 Meprobamato, anti-histamínicos, neurolépticos.
1960 Benzodiazepínicos,
Antidepressivos „tipo imipramina‟ (anti-histamínicos).
1987 Zopiclone (ciclopirrolonas).
Zolpidem (imidazopiridinas).

Propriedades de um hipnótico ideal:

a) Indução do sono em menos de 30 min.


b) Sono com arquitetura normal por cerca de 6 a 8h.
c) Ausência de insônia de reversão quando da suspensão do tratamento.
d) Pouco ou nenhum efeito residual na manhã seguinte (bem estar diurno)

Hipnóticos atuais

a) Benzodiazepínicos - Midazolam (Dormonid), lorazepam, etc


b) Ciclopirrolonas - Zopiclone (Imovane)
c) Imidazopiridinas - Zolpiden (Stilnox), alpidem
d) Anti-histamínicos - Alimemazine, difenidramina, etc

A) SINERGISTAS DO GABA BENZODIAZEPÍNICOS (midazolam, lexotan, etc)


CICLOPIRROLONAS (zopiclone)
IMIDAZOPIRIDINAS (zolpidem, alpidem)
BARBITÚRICOS (pentobarbital)
(ETANOL)

Agem nos receptores GABA-A e no sítio de ligação dos benzodiazepínicos


(sítios 1 e 2). Os mecanismos gabaérgicos do núcleo reticular do tálamo, discutidos nas
seções anteriores, fornecem evidências convincentes da participação do GABA no
mecanismo de ação destas drogas. Contudo, embora o aumento da condutância ao cloro
tenha sido tradicionalmente aceito como o mecanismo de ação subjacente à maioria dos
efeitos dos benzodiazepínicos, barbitúricos e etanol; sugeriu-se recentemente que estas
drogas também podem agir pelo bloqueio da recaptação intracelular de cálcio.
Por outro lado, o ZOPICLONE e o ZOLPIDEM foram os primeiros
ligantes não-benzodiazepínicos de receptores benzodiazepínicos. O zolpidem é um
agonista seletivo do sítio 1. A interação dos benzodiazepínicos, ciclopirrolonas e
imidazopiridinas com receptores GABA-A recombinantes (Tabelas 1 e 2) sugere que as
diferentes propriedades destes compostos refletem a afinidade diferenciada dos mesmos
às subunidades do receptor gabaérgico, em particular, as subunidades 1 e 2, que
conferem especificidade à ligação com o receptor benzodiazepínico.
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Figura 12. Estrutura química de ligantes do receptor benzodiazepínico. Compostos


benzodiazepínicos: diazepam, flunitrazepam, clobazam, midazolam, oxazepam (agonistas plenos),
bretazenil (agonista parcial) e flumazenil (antagonista competitivo). Compostos não
benzodiazepínicos: DMCM (agonista inverso, -carbolina), zolpidem (agonista pleno,
imidazopiridina) e zopiclone (agonista pleno, ciclopirrolona).
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Tabela 2. Inibição por vários hipnóticos da ligação de [3H]-flumazenil (um antagonista


competitivo específico de receptor benzodiazepínico) a 6 formas recombinantes de receptores
GABAA do homem (1 2 2/3 , 3  2 2/3 e 5 2 2/3 ).
Ki (nM)
Composto 1 2 3 2 5 2
2 3 2 3 2 3

Zolpidem 29,4 > 4.400 685 > 4.400 > 4.400 > 4.400
Zopiclone 66,7 70,0 262 325 52,7 178
Triazolam 0,7 2,3 1,3 7,8 0,6 2,0
Midazolam 1,8 17,8 3,6 24,4 0,8 5,5
Flunitrazepam 2,0 34,9 1,5 31,6 1,0 3,8
Os valores de Ki foram calculados através da fórmula de Cheng e Prusoff, K i = CI50/(1+C/Kd), onde C representa a
concentração de [3H]-flumazenil usada no experimento (Graham et al.,1996).

Note-se que embora o triazolam e o flunitrazepam sejam os ligantes de


maior afinidade pelos 6 receptores, o zolpidem é o mais seletivo, ligando-se apenas ao
receptor 122 e, em grau muito menor, ao 322.
A Tabela 3 ilustra a interação alostérica do GABA com dois
benzodiazepínicos (diazepam e flunitrazepam) e uma imidazopiridina (zolpidem). O
experimento consiste num ensaio de competição dos hipnóticos (ligantes) com o [3H]-
flumazenil (radioligante). Como o radioligante é um antagonista competitivo clássico, isto
é, sem atividade intrínseca, a afinidade do mesmo não é alterada pela presença do GABA
(dados ausentes da Tabela 3). Contudo, enquanto o GABA aumentou a afinidade dos
hipnóticos aos receptores recombinantes (a CI50 foi reduzida na presença do GABA), sua
presença reduziu a afinidade do DMCM em cerca de 40-60%, um agonista inverso do
receptor benzodiazepínico. Note-se, por outro lado, que a potenciação foi mais acentuada
para o receptor 322, principalmente, para o zolpidem (10,6 vezes). Em contraste, o
GABA não potenciou a ligação do zolpidem ao receptor 522. Estes dados corroboram a
alta seletividade das imidazopiridinas a determinados tipos de receptores gabaérgicos.

Tabela 3. Potenciação pelo GABA (GABA shift) da capacidade de vários hipnóticos e do DMCM,
(um agonista inverso do receptor benzodiazepínico) em inibir a ligação do [3H]-flumazenil às
formas recombinantes de receptores GABAA do rato (1  2 2 , 3 2 2, 5 2 2). A potenciação, é
dada pelo quociente da concentração inibitória (CI50) na ausência (CI50|GABA) e presença
(CI50|GABA) do GABA. O GABA shift é um índice da interação alostérica do GABA com os
ligantes do sítio de ligação dos benzodiazepínicos.
Potenciação pelo GABA (GABA shift)
1 2 2 3 2 2 5 2 2

Diazepam 3,8 8,7 2,3


Flunitrazepam 3,8 9,0 3,1
Zolpidem 5,0 10,6 -
DMCM 0,4 0,6 0,6
______
GABA shift = (CI 50 | GABA) / (CI50 | GABA) (Graham et al.,1996).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 70

B) NÃO SINERGISTAS DO GABA: ANTI-HISTAMÍNICOS

Os neurônios histaminérgicos do cérebro estão concentrados no hipotálamo posterior.


Sabe-se que este núcleo envia projeções densas para o núcleo supraquiasmático, onde a
histamina é um neurotransmissor excitatório. Os efeitos hipnóticos dos anti-
histamínicos decorrem, portanto, de uma ação nos mecanismos que regulam o ciclo
circadiano, um mecanismo diverso daquele dos sinergistas do GABA que atuam nos
mecanismos que atuam na profundidade do sono. Por serem praticamente desprovidos
de efeitos colaterais, os anti-histamínicos podem ser utilizados como hipnóticos de
crianças insones.

9. FARMACOCINÉTICA

Conforme podemos observar na Tabela 2, não parece haver grandes


diferenças entre o midazolam e o flunitrazepam quanto à afinidade pelos vários tipos de
receptores. Portanto, as diferenças marcantes entre as ações hipnóticas destes compostos
devem-se, provavelmente, às diferenças farmacocinéticas. O exame das características
farmacocinéticas da Tabela 4 sugere que a duração mais longa dos efeitos do
flunitrazepam possa ser devida à fração maior de droga livre. Contudo, as diferenças
também podem ser devidas à formação de metabólitos ativos de longa ação. De fato,
embora a meia-vida plasmática seja similar para estes compostos (Tabela 4), existem
diferenças consideráveis na „meia-vida do efeito‟ que é inferior a 4 h para o midazolam
maior que 24 h para o flunitrazepam. Os efeitos prolongados dos benzodiazepínicos são,
em grande parte, devidos a metabólitos ativos cujas meias-vidas plasmáticas variam entre
de 36 h (nordiazepam) a 120 h (desalquilflunitrazepam). Como o nordiazepam é o
metabólito ativo da maioria dos benzodiazepínicos de longa-duração, costuma-se chamar
estes benzodiazepínicos de „nordiazepínicos‟. Estes metabólitos têm uma importância
fundamental na terapia da insônia, sendo responsáveis pelos efeitos residuais de
sonolência e rebaixamento da atenção no dia seguinte.

Tabela 4. Parâmetros farmacocinéticos de ligantes dos receptores benzodiazepínicos.


Volume de T1/2
Clearance Fração Livre Razão
-1 -1 Distribuição plasmática
(mL.min .kg ) (%) Sangue/Plasma
(L.kg-1) (min)

Diazepam 79,5± 6,9 125± 13 10,0± 0,1 41± 2 1,4± 0.1


Flunitrazepam 58,6± 8,3 75,3± 12 26,6± 0,3 42± 4 1,6± 0.1
Midazolam 50,4± 5,0 80,1± 12 6,6± 1,5 32± 1 1,0± 0.1
Clobazam 69,5± 4,0 88,9± 14 37,7± 3,8 33± 2 1,8± 0.7
Oxazepam 34,0± 3,2 172± 53 11,7± 2,1 64± 3 1,2± 0.1
Zolpidem 52,6± 3,8 10,4± 3,7 4,2± 0,1 20± 1 1,7± 0.3
Zopiclone 27,5± 3,8 57,7± 11 16,6± 0,8 20± 1 ND
Bretazenil 25,0± 3,8 207± 19 9,8± 0,3 53± 9 ND
DMCM 53,3± 7,7 158± 67 <0,1 20± 1 0,45± 0,01
(modificado de Visser et al., 2003).

Adicionalmente, os benzodiazepínicos sofrem indução enzimática,


inclusive, cruzada (por ex., com barbitúricos e etanol), de forma que 1/3 dos pacientes
desenvolvem tolerância ao uso continuado. Recomenda-se, portanto, que os tratamentos
sejam suspensos tão logo ocorra a normalização efetiva do sono. Este efeito pode perdurar
por várias semanas se for mantida uma higiene adequada do sono, reintroduzindo-se a
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 71

medicação conforme a necessidade. Por fim, pacientes que se queixam dos „efeitos
ansiogênicos do dia seguinte‟ que são mais freqüentes com os benzodiazepínicos de curta
duração, têm maior tolerância aos benzodiazepínicos de duração intermediária. Em geral,
estes benzodiazepínicos são os metabólitos ativos dos hipnóticos nordiazepínicos.

Tabela 5. Duração da ação hipnótica de vários compostos. A tabela refere-se à meia-vida (T½) do
„efeito‟, isto é, o tempo necessário para que os efeitos hipnótico-sedativos desapareçam em 50%
dos indivíduos. Portanto, a meia-vida do efeito inclui a ação dos metabólitos ativos, mesmo
quando toda droga precussora já foi totalmente eliminada.
Duração da Ação Hipnótica
Classe Curta Intermediária Longa
(T½ < 4h) (4h <T½ < 24h) (T½ < 24h)
Benzodiazepínicos Midazolam Lorazepam Clordiazepóxido,
Triazolam Alprazolam Diazepam,
Bromazepam Flurazepam,
Oxazepam Clonazepam
Temazepam Flunitrazepam,
etc
Ciclopirrolonas Zopiclone --- ---
Imidazopiridinas Zolpidem --- ---
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 72

DROGAS PARA O TRATAMENTO DA


DOENÇA DE PARKINSON, ESPASTICIDADE E
ESPASMOS MUSCULARES AGUDOS
I - FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS NEURODEGENERATIVAS

A característica central deste grupo de doenças é a degeneração bastante seletiva


dos sistemas envolvidos. A degeneração é mais seletiva na Doença de Parkinson,
Coréia de Hungtington e Esclerose Amiotrófica Lateral, e menos evidente no
Alzheimer. Várias causas têm sido propostas sem, no entanto, provas definitivas:
1) Infecções: existe o caso comprovado da encefalite letárgica de 1910.
2) Tóxicos ambientais: N-metil-4-fenil-1,2,3,6-tetrahidropiridina (MPTP).
3) Determinantes genéticos:
a. A Coréia/Doença de Hungtington é provocada pela presença de um
gene com penetrância de 98%. A proteína mutante huntingtina (htt),
que apresenta uma expansão de mais de 37 poliglutaminas na região
amino-terminal, é apontada como a causa da DH.
b. O Parkinsonismo em indivíduos jovens também parece ser herdado
parentalmente, possivelmente, por mutações no gene da -
sinucleína, a proteína predominante dos corpos de Lewy, ou do gene
de parkina que codifica a ubiquitina-E3 ligase que teria um papel
neuroprotetor, impedindo a liberação de citocromo-C e a ativação de
caspases que levam à apoptose.
c. Também existem evidências de um número maior de mutações do
genoma mitocondrial dos neurônios dopaminérgicos da substância
negra no Parkinsonismo de idosos (forma esporádica).
4) Excitotoxidade, ou seja, aumento da liberação de ácido glutâmico, com
aumentos anormais da [Ca2+]i. Este parece ser um mecanismo importante
na esclerose amiotrófica lateral, uma vez que a maior parte das vias
motoras descendentes são glutamatérgicas, incluindo o trato piramidal.
5) Ação de radicais livres, por exemplo, produção de peróxidos e radicais
hidroxil no metabolismo da DA, pode ter uma importância fundamental no
Parkinsonismo.
MAO
DA + O2  DOPAC + NH3 + H2O2
H2O2 + Fe 2+
 
OH + OH- + Fe3+

6) Envelhecimento: Além da exposição a um tempo mais prolongado aos


tóxicos ambientais e radicais livres, os idosos podem apresentar uma
degeneração acentuada do genoma mitocondrial, levando à deficiência do
metabolismo oxidativo, queda da produção de ATP e despolarização
parcial da membrana do neurônio, cujo potencial depende de altas
quantidades de ATP (a bomba Na+/K+ é uma ATPase). A despolarização
parcial da membrana liberaria o Mg2+ do ionóforo dos receptores NMDA,
tornando estes neurônios mais susceptíveis às ações excitotóxicas do
glutamato.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 73

Figura 1. Degeneração da substância negra pars compacta (SNpc) (e da área ventral de Tsai ,
AVT) pela administração de MPTP em camundongos. SNpr – substância negra pars reticulata
(coloração para degeneração neuronal por prata aminocúprica).

Figura 2. Corte do cérebro de um paciente portador de Alzheimer. A) corte coronal mostrando


áreas afetadas no córtex, tálamo (Tal), estriado (Str), hipocampo (Hpc). B) neurônios com
emaranhados neurofibrilares. C) Placas neuríticas no estriado. Ci – cápsula interna.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 74

Figura 3. Corte coronal do cérebro do camundongo, da linhagem transgênica PS-1/APP, que


desenvolve a doença de Alzheimer. Coloração negra - placas de proteína -amilóide, coloração
âmbar – placas de proteína amilóide (coloração por prata de Campbell-Switzer).

Figura 4. Lesão excitotóxica de neurônios do córtex motor (camada 5) do rato produzida pela
administração de uma dose elevada de ácido caínico (coloração para degeneração neuronal por
prata amino cúprica).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 75

II - DROGAS USADAS NA TERAPIA DA DOENÇA (OU MAL) DE PARKINSON

A) ASPECTOS CLÍNICOS DA DOENÇA DE PARKINSON

Sintomas Motores Primários: Tremor de repouso


Bradicinesia
Rigidez muscular

Sintomas Motores Secundários: Postura


Marcha
Expressão facial
Escrita
Deglutição
Respiração
Fala

Sintomas psíquicos Apatia


Depressão
Demência

Figura 6. Celebridades vítimas de doenças neurodegenerativas: Acima, Rita Hayworth, a musa


do cinema americano dos anos 50 que faleceu após longa luta contra o Alzheimer; ao centro,
Papa João Paulo II, que faleceu devido a uma infecção respiratória, comum na doença de
Parkinson, e o astrofísico Stephen Hawking, autor do best-seller “Breve História do Tempo”,
um caso raríssimo de sobrevivência à esclerose amiotrófica lateral. Abaixo, Stephen Hawking
profere conferência por meio de um notebook, numa cadeira de rodas.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 76

B) FISIOPATOLOGIA DA DOENÇA DE PARKINSON

Do ponto de vista funcional, o mal de Parkinson caracteriza-se pela deficiência


dopaminérgica das projeções nigroestriatais. Há uma correlação significante
entre os sintomas da doença de Parkinson e a perda de neurônios dopaminérgicos
nigroestriatais (ocorre o “empalidecimento” da substância negra). Note-se que na
coréia de Huntington ocorre a deficiência de neurotransmissores das projeções
estriatonigrais, tais como o GABA e as encefalinas. Os gânglios da base são um
conjunto de núcleos que formam duas alças (direta e indireta, via núcleo
subtalâmico de Luys) com o tálamo motor (via ansa lenticularis) e com o córtex
motor. Como as aferências ao estriado são em número muito maior que as
eferências da ansa lenticularis, acredita-se que os gânglios da base filtram as
informações essenciais dos movimentos aprendidos, armazenamento aqueles que
são rotinas, como fazer uma assinatura, girar uma chave, ou mesmo, dirigir um
automóvel ou tocar piano. Os distúrbios destes mecanismos causam déficits
enormes da motricidade “automática”, mas também voluntária.

CÓRTEX CEREBRAL

NEOESTRIADO
D1(+) D1(+) D2(-)

SUBSTÂNCIA GLOBO NÚCLEO
NEGRA PÁLIDO SUBTALÂMICO
pars compacta pars lateralis

SUBSTÂNCIA NEGRA pars reticulata / TÁLAMO


GLOBO PÁLIDO pars medialis VA/VL

 DOPAMINA: D1(+) receptor excitatório, D2(-) receptor inibitório

ÁCIDO GLUTÂMICO (receptor excitatório)

GABA (receptor inibitório)

C) DROGAS UTILIZADAS NA TERAPIA DO MAL DE PARKINSON

1) Precussores da dopamina

Droga – Levodopa + Carbidopa / Benzerazida

Modo de Ação - A levodopa, ou seja, a L-3,4-dihidroxifenilalanina, é um


composto praticamente inerte. Formada a partir da L-tirosina é, no entanto, um
precussor intermediário da síntese das catecolaminas. A levodopa, por sua vez, é
convertida em dopamina sob ação da descarboxilase do aminoácido L-aromático.
Análise post mortem do cérebro de pacientes tratados com altas doses de
levodopa revelou concentrações de dopamina 5 a 8 vezes maiores que as do
corpo estriato dos pacientes não tratados. Assim, embora em concentrações
marcadamente reduzidas, a descarboxilase de pacientes parkinsonianos ainda é
suficiente para converter quantidades apreciáveis de levodopa em dopamina.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 77

Farmacocinética - A levodopa é rapidamente absorvida por mecanismos de


transporte ativo do intestino delgado. A absorção depende, em grande parte, do
pH e da velocidade de esvaziamento gástricos. A administração com refeições
pode retardar a absorção e reduzir a concentração plasmática em 30%. A
levodopa tem uma meia-vida plasmática curta, de 1-3 horas. Cerca de 95% da
droga administrada por via oral, no entanto, transforma-se em dopamina pela
ação da descarboxilase periférica, principalmente, hepática. Possivelmente, não
mais que 1% da levodopa administrada penetra no SNC. Como a dopamina não
atravessa a barreira hematoencefálica, doses muito elevadas de levodopa são
necessárias para que se atinjam concentrações eficazes no SNC. Estas doses são
reduzidas pela administração concorrente de um inibidor periférico da
descarboxilase do aminoácido L-aromático (medicamentos combinados com
benzerazida ou carbidopa). Os principais metabólitos são os mesmos das
catecolaminas (DOPAC e HVA).

Propriedades Clínicas: Não tem efeito algum em indivíduos normais. Apresenta,


no entanto, eficácia clínica em 75% dos parkinsonianos, com efeito excepcional
em alguns pacientes, principalmente, no início do tratamento. Com exceção da
demência, que atinge até 1/3 dos pacientes, todos sintomas respondem bem à
levodopa. A bradicinesia e a rigidez muscular respondem melhor que o tremor.
Os sintomas motores secundários também são aliviados. A apatia que acompanha
o Parkinson também é atenuada pela levodopa, sendo substituida por uma
sensação de vigor e bem estar, com o retorno da autoestima e do interêsse pela
família e pelo ambiente.

Efeitos Adversos: A maioria dos pacientes experimenta efeitos adversos, alguns


inócuos, outros levando à interrupção do tratamento. Em geral são dose-
dependentes e reversíveis. Pacientes idosos são mais susceptíveis. Os efeitos
periféricos são grandemente atenuados pela administração concomitante de
benzerazida ou carbidopa

Sistema Cardiovascular - As concentrações plasmáticas de dopamina são


acentuadamente aumentadas pelo tratamento com a levodopa. A dopamina tem
efeitos  e -adrenérgicos proeminentes, embora de potência bem menor que a
epinefrina, noradrenalina ou isoproterenol. Não obstante, efeitos apenas
modestos, tais como hipotensão ortostática e efeitos crono e inotrópicos leves,
são produzidos pelas doses terapêuticas de levodopa. Estes desenvolvem
tolerância ao cabo de algumas semanas de tratamento. Enquanto os mecanismos
da hipotensão ortostática não são plenamente conhecidos, a estimulação cardíaca
é bloqueada por propranolol. A dosagem deve ser cuidadosamente controlada,
dando-se atenção especial aos pacientes cardíacos.

Sistema Endócrino - A dopamina inibe a secreção de prolactina, tanto por ação


direta na adenohipófise, quanto por ação hipotalâmica. Decréscimo da secreção
de prolactina, portanto, é um dos efeitos comuns do tratamento com levodopa.

Sistema gastrointestinal - Anorexia, náusea, vômitos e gastrite acompa-nham o


início do tratamento em cerca de 80% dos pacientes. Podem haver casos de
ulceração gástrica. A náusea e os vômitos são efeitos centrais, mas não podem
ser tratados com fenotiazinas ou metoclopramida, pois são antagonistas
dopaminérgicos.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 78

Sistema extrapiramidal - Movimentos involuntários anormais, como tiques


faciolinguais, caretas, movimentos pendulares dos membros, etc, aparecem em
cerca de 50% dos pacientes nos 4 meses iniciais e em 80% após um ano de
tratamento. Infelizmente, não desenvolvem tolerância e seu aparecimento
coincide com a melhor fase do tratamento do parkisonismo. São dose-
dependentes e podem ser atenuados por piridoxina.

Sistema límbico e outros - Insônia, pesadelos, ansiedade, alucinações, hipomania,


ou mania, e paranóia podem ocorrer durante o tratamento. Distúrbios sérios
ocorrem em cerca de 15% dos pacientes, principalmente, idosos ou indivíduos
com história de distúrbios psiquiátricos, requerendo redução da dosagem ou
interrupção do tratamento.

Interações: Antipsicóticos e piridoxina (cofator da descarboxilase) podem


antagonizar o efeito da levodopa. Inibidores não seletivos da MAO (fenelzina e
isocarboxazida) podem potenciar seus efeitos centrais e cardiovasculares. O
tratamento com estas drogas devem ser descontinuado, pelo menos, 14 dias antes
do início do tratamento com levodopa. Drogas antimuscarínicas de ação central
são sinergistas, podendo promover a melhora do paciente, principalmente do
tremor.

2) Liberadores de dopamina

Droga - Amantadina

Modo de Ação - Como a amantadina libera dopamina de terminais periféricos, a


sua ação antiparkisoniana parece repousar na liberação de dopamina de terminais
ainda intactos das projeções nigroestriatais. Também inibe a recaptação de
dopamina. Portanto, pode ser potenciada pela administração concomitante de
levodopa. O contrário nem sempre ocorre.

Farmacocinética - É bem absorvida por via oral e tem uma ação prolongada. É
excretada inalterada pela urina.

Propriedades Clínicas: Ela é menos eficaz que a levodopa, mas mais eficaz que
os antimuscarínicos. Seus efeitos são perceptíveis após alguns dias de tratamento,
mas diminuem após 6-8 semanas. Portanto, evita-se seu uso contínuo,
introduzindo-a apenas quando o paciente requerer melhoras adicionais.

Efeitos Adversos: Comparada aos outros agentes, a amantadina praticamente não


apresenta efeitos adversos. Em geral são leves, transientes e reversíveis. Sua
incidência aumenta com doses diárias maiores que 200 mg ou quando a droga é
combinada a anticolinérgicos. Também são mais frequentes em pacientes com
história de distúrbios psiquiátricos. Podem ocorrer insônia, vertigem, letargia,
sonolência, fala arrastada, alucinações, confusão mental e pesadelos.

3) Agonistas dopaminérgicos: aporfinas, ergolinas

Drogas - Aporfinas: apomorfina


Ergolinas: bromocriptina, lisuride, mesurlegine, pergolide
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 79

Modo de Ação - A apomorfina e certos derivados do ergot (bromocriptina,


lisuride, pergolide, mesulergine) têm atividade dopaminérgica (D1 e/ou D2).
Somente o segundo grupo tem sido usado na clínica. A bromocriptina é o
principal agente e tem maior afinidade para o subtipo D2.

Farmacocinética - A bromocriptina é rápida mas apenas parcialmente absorvida


pelo trato gastrointestinal (30%). Como sofre um intenso metabolismo de
primeira passagem, uma fração pequena ficará disponível ao organismo. Sua
meia-vida é de cerca de 3 h e seus metabólitos são excretados pela bile.

Propriedades Clínicas: - Pacientes com parkinsonismo do tipo cíclico (“on-off”),


ou que não toleram tratamentos à base de levodopa, podem ser beneficiados por
uma terapia mais suave com a bromocriptina. Em muitos pacientes altas doses de
bromocriptina (50-100 mg/dia) têm efeitos equivalentes à levodopa e resultados
ótimos têm sido obtidos com a combinação de doses submáximas de
bromocriptina e levodopa. Por fim, a bromocriptina induz menos discinesia que a
levodopa

Efeitos Adversos: Efeitos iniciais incluem náusea, vômito e hipotensão postural.


Pode ocorrer um “efeito de primeira dose”, com um repentino colapso
cardiovascular. Efeitos tardios incluem constipação, discinesia, reações
psiquiátricas. Ela também inibe a secreção de prolactina.

4) Inibidores da monoaminoxidase B (MAO-B)

Droga - Selegilina (deprenil)

Modo de Ação - Existem 2 isoenzimas que oxidam as monoaminas:


monoaminaoxidases A e B. Enquanto ambas as isoenzimas estão presentes na
periferia, a MAO-B predomina em certas regiões do SNC. A selegilina (deprenil)
é um inibidor altamente seletivo da MAO-B.

Propriedades Clínicas: Como a selegilina inibe a degradação central de


dopamina, ela potencia a eficácia terapêutica da levodopa e permite a redução de
sua dose. A selegilina não traz benefícios para estados avançados da doença.

Interações: Ao contrário dos inibidores inespecíficos da MAO, a selegilina não


causa a potenciação dos efeitos letais das catecolaminas, mas apresenta
interações adversas com a meperidina.

5) Agentes anticolinérgicos

Drogas - Antimuscarínicos: Triexifenidil, benztropina, biperiden, etopromazina,


prociclidina.
Antihistamínicos antimuscarínicos: Difenidramina, orfenadri-na.

Modo de Ação - Agem pelo bloqueio dos receptores colinérgicos muscaríni-cos


dos gânglios da base. A acetilcolina e a dopamina exercem efeitos opostos no
corpo estriado.

Propriedades Clínicas: Já foram as drogas mais eficazes no tratamento do


parkisonismo. A introdução da levodopa e dos inibidores da descarboxilase
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 80

periférica, como a benzerazida e a carbidopa, relegaram estes agentes a um papel


complementar. Isolados, ainda são úteis em pacientes com sintomas mínimos ou
que não toleram a levodopa.Também são úteis na terapia do parkinsonismo dos
antipsicóticos. Têm particular eficácia no tratamento dos tremores.
Adicionalmente, atenuam a sialorréia excessiva dos pacientes.O triexifenidil,
protótipo deste grupo de drogas, assemelha-se à atropina e drogas similares..
Alguns antihistamínicos com ação anticolinérgica, como a difenidramina e a
orfenadrina, também são utilizados, principalmente em idosos devido aos seus
menores efeitos adversos.

Efeitos Adversos: Cicloplegia, constipação e retenção urinária. Sonolência,


confusão mental, delírio e alucinações também podem ocorrer e limitar seu uso.

III - DROGAS USADAS NA TERAPIA DA ESPASTICIDADE E DE


ESPASMOS MUSCULARES AGUDOS

A) FISIOPATOLOGIA DA ESPASTISCIDADE

A espasticidade é definida como um aumento do tono muscular caracterizada por


uma resistência inicial à flexão passiva de um membro seguida por um relaxamento
súbito (flexão de canivete). Não se trata de uma doença única. Engloba um conjunto
de distúrbios de regulação anormal do músculo esquelético, envonvendo os sistemas
descendentes córtico, vestíbulo e retículoespinhal e, em menor grau, os reflexos
espinhais. Uma condição predominante é a hiperexcitabilidade dos reflexos de
estiramento, com o consequente aumento do tono. Os reflexos tendinosos também
estão exagerados, ocorrendo espasmos flexores dolorosos, fraqueza muscular e
perda da destreza. A espasticidade é um sintoma presente na Esclerose Amiotrófica
Lateral, uma doença degenerativa dos motoneurônios do côrno ventral da medula e
dos neurônios corticais dos quais recebem aferências inibitórias. A doença é
caracterizada por espasticidade, fraqueza progressiva, atrofia muscular e
fasciculações, disartria, disfagia e comprometimento da respiração. Em geral, é
progressiva e fatal.

B) DROGAS

1) Miorrelaxantes de ação central

1.1. Baclofen

Modo de Ação - É um derivado do GABA. Reduz a frequencia e severidade dos


espasmos flexores e extensores, e reduz o tono muscular. Parece agir ao nível da
medula, pois também é eficaz em pacientes que sofreram transecção medular
completa. Parece agir deprimindo a transmissão mono e polissináptica na medula
espinhal.Reduz os potenciais pós-sinápticos sem a alteração do potencial de
membrana. É uma ação similar à do GABA nas sinapses axo-axônicas com as
fibras aferentes primárias. Os efeitos do baclofen, no entanto, não são
antagonizados pela bicuculina. Talvez aja pelo aumento da condutância ao
potássio ou redução da condutância ao cálcio. Foi postulada a existência de
receptores GABA-B específicos para o baclofen.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 81

Farmacocinética: É absorvido rapidamente, tem meia-vida de 3 h e é excretado


na forma inalterada pelo rim.

Propriedades Clínicas: É particularmente útil para o alívio da espasticidade da


esclerose amiotrófica lateral, a qual é insensível aos benzodiazepínicos e outros
miorrelaxantes.

Efeitos adversos: Incluem sonolência, ataxia, tonteira e confusão mental.

1.2. Diazepam

Modo de ação - Sinergista do GABA.

Tabela 1 - Dose miorrelaxante mínima na flexão passiva (gravitacional) dos membros


posteriores do gato (Randall & Kappel, The Benzodiazepines, p.27-51, 1973).

Droga Dose Eficaz Mínima


(mg / kg, p.o.)
Flunitrazepam 0,02
Clonazepam 0,05
Nitrazepam 0,1
Diazepam 0,2
Bromazepam 0,2
Clórdiazepóxido 2
Flurazepam 2
Medazepam 4
Pentobarbital 50

Propriedades Clínicas e Efeitos adversos : (já foram examinados em Hipnóticos).

2) Miorrelaxantes de ação periférica

Droga - Dantrolene

Modo de ação - Comparado ao baclofen e diazepam, tem um modo de ação único


na medida em que age diretamente sobre o músculo esquelético. Atenua o tono
muscular e os espasmos por uma ação direta no mecanismo de acoplamento
excitação-contração. Aparentemente, age pela redução da liberação de cálcio do
2+
retículo sarcoplasmático, reduzindo a disponibilidade intracelular do Ca . Não
reduz, portanto, o potencial de ação do músculo.

Propriedades Clínicas - Reduz a espasticidade de pacientes com lesão do


motoneurônio superior. Dantrolene também alivia os sintomas da hipertermia
maligna, uma síndrome rara, geneticamente determinada, que é precipitada pela
administração de bloqueadores neuromusculares e anestésicos inalatórios em
cirurgias. A síndrome, aparentemente, ocorre pela liberação excessiva de cálcio
do retículo sarcoplásmico.

Efeito adversos - O efeito adverso predominante é uma fraqueza generalizada


que pode anular os benefícios da redução da espasticidade. O mais sério é a
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 82

hepatotoxicidade (0,1-0,2%), que pode ser fatal e que ocorre em tratamentos com
mais de 60 dias. O tratamento deve ser interrompido se não se obtém benefícios
após 45 dias de tratamento
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 83

TERAPIA DA ENXAQUECA (MIGRÂNEA)

1. ENXAQUECA. A dor de cabeça é um dos sofrimentos mais comuns da humanidade.


Boa parte das dores de cabeça pode ser diagnosticada como enxaqueca, um mal que
aflige cerca de 6% dos homens e 15-18% das mulheres. A enxaqueca é um transtorno
freqüente e incapacitante, caracterizado por ataques severos de dor de cabeça, disfunção
autonômica e, em alguns pacientes, „auras‟ de sintomas neurológicos. Estima-se que a
enxaqueca cause a perda de 64 milhões de dias de trabalho por ano, só nos EUA.

2. MANEJO DA ENXAQUECA. Um dos principais problemas na farmacoterapia da


enxaqueca consiste na ausência de orientações precisas no manejo da doença. Embora
existam várias drogas anti-enxaqueca, sua eficácia varia e o efeito nem sempre é
predizível para um dado indivíduo. A terapia, portanto, tende a ser personalizada,
variando de caso a caso.

3. ABORDAGENS GERAIS: Analgésicos moderados e combinação de analgésicos são


recomendados para dores de cabeça ocasionais e com latejamento leve. Diagnostica-se
como enxaquecas as dores de cabeça com latejamento moderado ou severo,
frequentemente unilaterais (hemicranias), que prejudicam o desempenho do indivíduo.
Estas devem ser tratadas com medicamentos específicos como os derivados do ERGOT e
o SUMATRIPTANO. Abordagens profiláticas devem ser empregadas para enxaquecas
severas que resultaram em mudanças significativas no modo de vida do paciente.

4. A SÍNDROME: a enxaqueca é uma síndrome neurológica específica que apresenta uma


ampla gama de manifestações. Estes sintomas estão ausentes na dor de cabeça mais
comum que é devida à tensão emocional.
 O sintoma principal da enxaqueca consiste nos ataques de dor de cabeça latejante,
freqüentemente, unilaterais (hemicranias). Os ataques duram de 4 a 72 h (mediana de
24 h) e são agravados pela movimentação do paciente.
 O diagnóstico deve incluir pelo menos um dos sintomas adicionais: náusea, vômito,
fotofobia ou fonofobia.
 Auras prodrômicas (principalmente visuais, mas também somestésicas ou motoras)
ocorrem com freqüência em 15% dos pacientes e, ocasionalmente, em 31% dos casos.
 Também são relatados poliúria, diarréia e „sintomas premonitórios‟ (alterações no
humor e apetite 24 h antes do início dos ataques).

5. SUBTIPOS CLÍNICOS DE ENXAQUECAS.

Tabela 1. Nosologia da enxaqueca segundo a Sociedade Internacional de Dor de Cabeça (IHS,


International Headache Society).
Enxaqueca sem aura (“enxaqueca comum”)
Enxaqueca com aura (“enxaqueca clássica”)
Enxaqueca com aura típica
Enxaqueca com aura prolongada
Enxaqueca com aura de início abrupto
Enxaqueca hemiplégica familiar
Enxaqueca basilar
Aura de enxaqueca sem dor de cabeça
Enxaqueca oftalmoplégica
Enxaqueca de retina
Figura 1. Fisiopatologia da enxaqueca. A enxaqueca resulta da disfunção de
vias do tronco encefálico que modulam informações nociceptivas
intracranianas. As vias centrais dos ataques de dor são as aferências trigêmino-
vasculares dos vasos das meninges. Estas passam pelo gânglio do trigêmino e
fazem sinapses em neurônios de segunda-ordem do complexo trigêmino-
cervical. Por sua vez, estes neurônios projetam-se ao tálamo contralateral, via
trato quintotalâmico. O reflexo trigêmino-autonômico está facilitado nos
indivíduos com cefaléias trigêmino-autonômicas (cluster headache),
hemicranias paroxísmicas e, aparentemente, enxaquecas. O reflexo é mediado
por neurônios pontinos do gânglio salivar superior e resulta numa resposta
parassimpática efetuada pelos gânglios pterigopalatino, ótico e carotídeo.
Estudos de neuroimagem sugerem que os neurônios ricos em serotonina dos
núcleos dorsal e magno da rafe e os neurônios noradrenérgicos do lócus
cerúleo exercem uma modulação importante das aferências nociceptivas
trigêmino-vasculares.

6. FISIOPATOLOGIA DA ENXAQUECA

Teoria Neurovascular – As anormalidades do fluxo sanguíneo cerebral parecem


jogar um papel importante na patogênese da enxaqueca. De fato, a enxaqueca tem
sido considerada uma „doença vasoespástica‟ desde os anos 40. A vasoconstrição
tem sido associada aos sinais prodrômicos e a vasodilatação ao ataque de dor,
propriamente dito. Não obstante, as alterações do fluxo cerebral não são suficientes
para a produção de dor. Por exemplo, não há dor durante a intensa vasodilatação que
acompanha a hipercapnia. Assim, a dor da enxaqueca depende, aparentemente da
combinação de 3 fatores: 1) vasos cranianos, 2) inervação destes vasos pelo
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 85

trigêmino e nervos vertebrais, 3) do reflexo parassimpático trigêmino-autonômico. A


dor pode ser gerada em vasos cranianos grandes ou pequenos, ou nos vasos da dura
mater. Estes vasos são inervados pela divisão oftálmica do trigêmino e pelos ramos
dos nervos vertebrais cervicais (C1-C2). A superposição das áreas ativadas pela
estimulação dos aferentes dos vasos e e do nervo C2 explica a distribuição comum da
dor da enxaqueca nas regiões frontal e temporal, bem como a dor referida nas regiões
temporal, parietal e cervical. Em particular, a ativação periférica do trigêmino leva à
liberação de peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), um agente
vasodilatador que pode estar na origem da inflamação vascular neurogênica. A dor
também pode ser causada pela percepção alterada – por sensibilização de vias
centrais ou periféricas – de sinais craniovasculares normalmente indolores e pela
ativação de um mecanismo neurovascular dilatador específico para a divisão
oftálmica do trigêmino.
Depressão Alastrante – A “depressão alastrante”, descrita pelo brasileiro Aristides
Leão (1944), tem sido aventada como uma das possíveis causas tanto da enxaqueca
como das crises de ausência. O fenômeno consiste num decréscimo da atividade
espontânea, ou evocada, do EEG, que alastra-se do local estimulado por todo o
hemisfério a uma velocidade de 2-3 mm/min. O registro das variações do potencial
cortical revela uma onda lenta de –40 mV, 1-2 min após o início do fenômeno,
seguida por uma onda positiva de menor amplitude, mas de maior duração. A
depressão alastrante pode ser desencadeada por estímulos mecânicos, térmicos,
elétricos ou químicos, incluindo sais (solução concentrada de KCl) e inúmeros
peptídeos neuroativos. Após a indução da depressão alastrante, o fluxo cerebral é
reduzido em 20-25%. De forma similar, durante os ataques de enxaqueca clássica
(com aura) observa-se uma redução do fluxo cortical que se alastra da região ocipital
para as regiões mais rostrais. Esta redução não está relacionada com os principais
vasos cerebrais. Como o fluxo cerebral não é alterado nos ataques de enxaqueca
comum (sem aura), a vasoconstrição tem sido associada tanto à aura e depressão
alastrante.
Anormalidades Serotonérgicas – A serotonina (5-HT) tem sido implicada na
patogênese da enxaqueca. Em particular, os níveis plasmáticos e plaquetários de 5-
HT variam durante as fases de um ataque de enxaqueca. Similarmente, níveis
aumentados de 5-HT e de seus metabólitos são excretados na urina durante a maior
parte das dores de cabeça. A enxaqueca também pode ser precipitada por liberadores
de 5-HT, como a reserpina e fenfluramina. Por fim, grande parte das drogas anti-
enxaqueca age em mecanismos serotonérgicos, por vezes, bastante seletivos, como é
o caso dos triptanos e da metisergida. Aparentemente, elas agiriam nos mecanismos
dos núcleos serotonérgicos da rafe (principalmente, dorsal e magno) que modulam as
aferências craniovasculares do trigêmino.
Inflamação Vascular Neurogênica - Este fenômeno consiste no extravazamento de
plasma pela despolarização de axônios perivasculares. Possivelmente, depende da
liberação de substância P, neurocinina A e, principalmente, do CGRP, que é liberado
durante os ataques de enxaqueca.
Outras Hipóteses – Alterações de neurotransmissores (ácido glutâmico, óxido
nítrico e opióides), da condutância ao cálcio, da atividade dos núcleos da rafe ou do
sistema nervoso autônomo, também têm sido aventados como fatores primários ou
secundários na evolução de um ataque de enxaqueca.
Bases Genéticas da Enxaqueca – Comprovadamente, a enxaqueca hemiplégica
familiar está associada a um gene do cromossomo 19 envolvido na expressão da
subunidade 1 do canal de cálcio voltagem-dependente tipo P/Q.
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7. MANEJO CLÍNICO DA ENXAQUECA

A abordagem deve considerar a freqüência e severidade dos ataques, a idade do


paciente, os resultados de tratamentos anteriores, contraindicações e efeitos
colaterais, assim como a presença de outros tipos de dor de cabeça. As principais
decisões do clínico devem considerar:

1) Pode-se tratar a enxaqueca com drogas que não requerem prescrição como
aspirina e agentes anti-inflamatórios não esteroidais?
2) Se a terapia aguda for necessária, qual é a droga mais eficaz e com menores
efeitos colaterais?
3) O quadro exige um tratamento profilático?

Vários fatores podem predispor ou desencadear a enxaqueca. Eles devem ser


identificados e o paciente deve ser aconselhado em evitá-los: álcool (vinho tinto),
certos alimentos (chocolates, queijos, etc), padrões irregulares de sono, estresse,
variações de fuso horário, altas altitudes e variações hormonais do ciclo menstrual.

Tabela 2. Manejo da enxaqueca segundo a gravidade do quadro clínico.


Grau da
Característica Terapia
Enxaqueca
Leve Dores de cabeça ocasionais Analgésicos fracos, combinação
(menos de 1 ataque por mês) de analgésicos, antieméticos
com latejamento, não há
prejuízos maiores do desempe-
nho diário ou do lazer.
Moderado Dores de cabeça moderadas ou Combinação de analgésicos,
severas (mais de 1 por mês), sumatriptano, alcalóide do ergot
algum prejuízo do desempenho e antieméticos
ou lazer, náuseas freqüentes
Severo Mais que 3 ataques severos por Sumatriptano, alcalóide do ergot,
mês com prejuízo significante medicação profilática e antiemé-
do desempenho e lazer, náusea ticos
acentuada e/ou vômitos

8. TRATAMENTO DE ENXAQUECA LEVE

Estes casos podem ser tratados com analgésicos anti-inflamatórios não-esteroidais ou


com a combinação destes analgésicos e um vasoconstritor moderado (isometepteno)
ou um sedativo barbitúrico (butalbital, não existe em nosso mercado). O
isometepteno tem atividade  e -adrenérgica e é contraindicado em pacientes com
glaucoma, doença renal grave, hipertensão, doenças cardíacas ou hepáticas, ou uso
concomitante de IMAOs. Os anti-eméticos compreendem os anti-histamínicos
difenidramina (Benadril) e prometazina (Fenergan), e antidopamínicos como a
proclorperazina e a metoclopramina (Plasil). No Brasil existem muitos
medicamentos à base de dipirona, recentemente liberada nos EUA.
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9. TRATAMENTO DA ENXAQUECA MODERADA OU SEVERA

Estes casos devem ser tratados com ALCALÓIDES DO ERGOT (extraídos do fungo
Claviceps purpúrea) ou com os TRIPTANOS.
Tabela 3. Estrutura química e principais ações farmacológicas dos alcalóides do ergot. Os
alcalóides azuis são, predominantemente, agonistas da 5-HT, sendo indicados no
tratamento agudo, e os verdes, antagonistas indicados no tratamento profilático. Note as
propriedades singulares da bromocriptina e metisergida. A bromocripitina, um potente
inibidor da liberação de prolactina, só é prescrita na enxaqueca associada ao ciclo
menstrual.
PRINCIPAIS AÇÕES FARMACOLÓGICAS
DOS ALCALÓIDES DO ERGOT

RECEPTORES RECEPTORES RECEPTORES


SEROTONÉRGICOS DOPAMINÉRGICOS ADRENÉRGICOS

Bromocriptina Emético menos poten- Antagonista menos po-


te que a ergotamina, tente que a di-hidro-
potente agonista D2 ergotamina em vários
(inibe a secreção de tecidos.
Ações irrelevantes
prolactina), agonista
parcial e antagonista
em várias regiões do
SNC.
Ergotamina Agonista parcial em Emético potente por Ações predominante-
certos vasos, antago- via endovenosa. mente antagonísticas
nista não seletivo em na periferia e SNC,
vários tipos de múscu- agonista parcial e an-
los lisos. tagonista em certos
vasos.
Di-hidroergotamina Agonista parcial, an- Emético pouco poten- Agonista parcial em
tagonista em alguns te, antagonista não veias, antagonista em
tipos de músculos seletivo em gânglios vasos, vários músculos
lisos. simpáticos. lisos, periferia e SNC.
Ergonovina e Antagonista seletivo e Emético e inibidor da Agonistas parciais em
Metilergonovina razoavelmente poten- prolactina menos po- vários vasos.
te de vários músculos tente que a bromocrip-
lisos, agonista parcial tina, antagonistas fra-
dos vasos da placenta cos em certos vasos
e cordão umbelical, sanguíneos, agonistas
agonista parcial e an- parciais e antagonistas
tagonista no SNC. em várias regiões do
SNC.
Metisergida Antagonista seletivo e
muito potente em
muitos tecidos e áreas
Ações irrelevantes Ações irrelevantes
do SNC, agonista
parcial em certos vasos
sanguíneos.
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Tabela 4. Estrutura química (do sumatriptano) e modo de ação dos triptanos.

RECEPTORES
RECEPTORES RECEPTORES
DOPAMINÉRGICO
SEROTONÉRGICOS ADRENÉRGICOS
S

Sumatriptano
Rizatriptano
Naratriptano Agonistas seletivos
Zolmitriptano de receptores Inativos Inativos
Almotriptano 5-HT1D/1B
Eletriptano
Frovatriptano

Tabela 5. Interações da di-hidroergotamina e do sumatriptano com diversos receptores.


habilidade destes compostos de deslocar o mesmo agonista dos receptores. Ki – constante
de dissociação. Note a alta afinidade do sumatriptano por receptores 5-HT1D/1B.
VALORES DE Ki (nM)
RECEPTORES
DI-HIDROERGOTAMINA SUMATRIPTANO
Serotonérgicos
5-HT1D 0,55 6,7
5-HT1A 0,83 120
5-HT1B 6,2 35
5-HT1E 8,8 920
5-HT2C 39 >10.000
5-HT2A 78 >10.000
5-HT3 >10.000 >10.000
Adrenérgicos
1 6,6 >10.000
2 3,4 >10.000
 960 >10.000
Dopaminérgicos
D1 700 >10.000
D2 98 >10.000
Outros
AChM >10.000 >10.000
GABA/BZD >10.000 >10.000

Propriedades farmacológicas dos alcalóides do ergot. Os alcalóides do ergot foram os


primeiros medicamentos eficazes e ainda encontram-se entre os principais agentes anti-
enxaqueca. No entanto, são pouco seletivos e interagem com muitos receptores. Em geral,
os efeitos dos alcalóides do ergot derivam de suas ações como agonistas parciais ou
antagonistas de receptores adrenérgicos, dopaminérgicos ou serotonérgicos. Os efeitos
agonísticos aparecem em concentrações bastante inferiores aos antagonísticos (exceto para
as ações centrais vasculares da metisergida). Em geral, as amidas (-CONH2) derivadas do
ácido lisérgico (LSD) são antagonistas potentes e relativamente seletivos da 5-HT. Fatores
que reduzem a amplitude do pulso (p.ex., compressão digital das carótidas) atenuam a
enxaqueca. Os alcalóides do ergot têm efeito similar nas pulsações carotídeas.
Adicionalmente, a ergotamina reduz o fluxo extracraniano (que apresenta anastomoses
com vasos intracranianos) e a hiperperfusão do leito da artéria basilar, sem alterar a
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perfusão telencefálica. Notavelmente, os alcalóides do ergot bloqueiam a inflamação


vascular neurogênica em vasos peridurais. A contribuição específica da ação dos alcalóides
do ergot nos diversos receptores é, no entanto, obscurecida pela diversidade dos seus
efeitos.

Propriedades farmacológicas dos triptanos. Os triptanos apresentam várias vantagens


em relação aos alcalóides do ergot, principalmente, farmacologia seletiva, farmacocinética
simples e consistente, eficácia estabelecida baseada em ensaios controlados, prescrição
baseada em evidências, tolerância e índice terapêutico elevados.
Os triptanos têm alta afinidade por receptores 5-HT1D/1B e afinidade menor por 5-
HT1A/1F. A 5-HT e os triptanos agem nos receptores 5-HT1D/1B inibindo a adenilciclase
estimulada por forscolin. Este efeito não ocorre com as drogas utilizadas na prevenção da
enxaqueca (metisergida, amitriptilina, propranolol e verapamil).
A ação terapêutica aguda dos triptanos também deriva dos seus efeitos vasculares.
Contudo, os triptanos inibem neurônios periféricos e a transmissão nos neurônios de
segunda-ordem do complexo trigêmino-cervical. Tal como os alcalóides do ergot, o
sumatriptano bloqueia a inflamação vascular neurogênica de vasos peridurais através de
ações aparentemente mediadas por receptores 5-HT1D/1B.

Figura 2. Mecanismo de ação dos triptanos.


L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 90

Efeitos Colaterais do Tratamento Agudo

Alcalóides do ergot - Náusea, vômito, fraqueza nas pernas e dores musculares, às vezes
severas, podem ocorrer nas extremidades. Dores precordiais e dor sugestiva de angina,
assim como taquicardia ou bradicardia transientes, possivelmente por vasoespasmo
coronariano. Em geral, são drogas seguras quando adequadamente prescritas.

Triptanos – Efeitos de pouca gravidade são relatados. A injeção subcutânea causar dor
local por cerca de 30 s. Os efeitos cardíacos são os mais importantes. A droga não deve ser
dada por via intravenosa devido ao efeito potencial de provocar vasoespasmo coronariano.
Não deve ser administrado em pacientes com angina ou hipertensão não controlada.

Tabela 6. Características clínicas e farmacocinéticas dos triptanos. nd – não disponível.


Note que embora alguns triptanos sejam muito mais potentes (menores doses clínicas) que
o sumatriptano, eles são menos eficazes (efeito terapêutico limitado a apenas alguns
pacientes ou tipos de exaqueca).
Suma- Almo- Ele- Frova- Nara- Riza- Zolmi-
Variável
triptano triptano triptano triptano triptano triptano triptano
Dose Clínica
Máxima 100 12,5 80 2,5 2,5 10 5
(mg)
Eficácia Relativa
com o Sumatriptano ----- > > nd < > =
(100 mg)
Meia-Vida
2,0 3,5 5,0 25,0 5,0-6,3 2,0 3,0
(h)
Concentração
Máxima no Plasma 2,0-2,5 1,4-3,8 1,4-2,8 3,0 2,0-3,0 1,0 1,8-4,0
(h)
Biodisponibilidade
Oral 14 69 50 24-30 63-74 40 40
(%)
Metabolismo/ CYP450/ Rim Rim CYO450/
MAO CYP3A4 MAO
Excreção Primários MAO (50%) (70%) MAO

10. TRATAMENTO PROFILÁTICO DE ENXAQUECA SEVERA

Todos agentes empregados no tratamento profilático devem ser avaliados por 6 a 12


semanas, antes de serem considerados ineficazes. Caso eficazes, o tratamento deve
ser continuado por 6 meses, podendo ser interrompido após este período devido à
alta freqüência de remissão da enxaqueca. Um novo período de 6 meses deve ser
realizado em casos de reincidência.

11. DROGAS EFICAZES NA TERAPIA PROFILÁTICA DA ENXAQUECA

Amitriptilina – Seu efeito antienxaqueca não decorre de sua ação como


antidepressivo. É um potente inibidor da recaptação de 5-HT e um antagonista de
vários receptores. O mecanismo dos efeitos anti-enxaqueca é desconhecido. Os
efeitos colaterais mais frequentes são devidos à sua ação antimuscarínica.
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Metisergida, Pizotifen, Ergonovina, Mianserina e Ciproeptadina – São


antagonistas da 5-HT. A metisergida é eficaz em 60-80% dos pacientes e deve ser
administrada por, pelo menos, 6 semanas para surtir efeito. Os efeitos colaterais
mais frequentes incluem náusea, vômitos e diarréia. Alguns poucos pacientes podem
desenvolver fibrose retroperitoneal em tratamentos prolongados. Portanto, após 6
meses o tratamento deve ser interrompido por 4 ou 8 semanas.

Propranolol, Metoprolol, Timolol, Atenolol, Nadolol - São antagonistas beta-


adrenérgicos.

Bloqueadores de Canais de Cálcio – A flunarizina foi testada com mais sucesso.


Vários estudos menores indicam que outros bloqueadores, como o diltiazem,
verapamil, nitrendipina e nifendipina também são eficazes. O verapamil também
parece ser eficaz em ataques agudos de enxaqueca. Todos são bloqueadores de
canais do tipo-L. Os efeitos colaterais são leves e incluem constipação e hipotensão
ortostática leve.

Antinflamatório Não-Esteroidais - O nalproxeno também apresenta atividade


profilática anti-enxaqueca.
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ANTICONVULSIVANTES

1. EPILEPSIAS - INCIDÊNCIA E DEFINIÇÃO:


Atingem 1 a 2% da população. A incidência é maior em crianças com menos de 7 anos e em
hospícios. São crises recorrentes de fenômenos anormais, acompanhados de anomalias do EEG.
Os fenômenos podem ser:
motores - convulsão ou atonia
sensoriais - auras, alucinações
psíquicos - distúrbios ou perda da consciência
viscerais - micção, defecação, distúrbios da PA, FC,
respiração, equilíbrio hidroeletrolítico, etc

2. CAUSAS:
Epilepsia idiopática ou primária: Descargas excessivas da matéria cinzenta
sem causa identificável
Epilepsia secundária: Trauma cerebral, AVC (hemorragia, isquemia), neoplas-
ma, infecção, medicamentos ou tóxicos, síndrome de abstinência, febres
infantis, uremia, demência de Creutzfeldt-Jakob, etc.

3. MODELOS DE EPILEPSIA:
a) Epilepsia por gel de alumina:
Redução da [GABA] no foco primário.
b) Epilepsia por abrasamento (kindling):
Estímulos sublimiares diários por 10 a 15 dias desencadeiam crises es-
pontâneas, possivelmente, por alterações plásticas das sinapses (LTP?).
c) Epilepsia genética:
- epilepsia atáxica em camundongos (tottering): Aos 20 dias ocorre um aumento
da [NE] no locus coeruleo.
- epilepsia táctil em gerbils: Aos 50 dias ocorre um aumento da [GABA] no
hipocampo.
- epilepsia audiogênica em camundongos: Desencadeada por ruído branco.
- epilepsia fótica em macacos: Desencadeada por luz estroboscópica.
- epilepsia mioclônica juvenil em homens: Gene, provavelmente, no braço
curto do cromossoma 6.
d) Epilepsia química:
- bicuculina, picrotoxina, estricnina, pentilenotetrazol, penicilina
- anestésicos locais
e) Epilepsia por depressão alastrante (Leão, 1940):
- aplicação cortical de KCl gera uma onda concêntrica de despolariza-
ção seguida de depressão da atividade cortical

4. EVIDÊNCIAS CLÍNICAS: Pacientes epilépticos apresentam perda neuronal com


proliferação da glia e redução da [GABA].

5. TIPOS DE EPILEPSIA: As diferenças são devidas, principalmente, ao local e


conexões do foco, e não às causas propriamente ditas da epilepsia. A classifi-
cação abaixo baseia-se na adotada pela Liga Internacional Contra a Epilepsia.
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CLASSIFICAÇÃO DAS EPILEPSIAS

1.CRISES PARCIAIS 1.a. Simples (epilepsia Jacksoniana)


Sintomas limitados, precedidos de auras e sem perda da
consciência, com início unilateral e desenvolvi-mento, com
intensidade crescente, podendo seguir a somatotopia do
homúnculo motor ou sensorial.
1.b. Complexas (epilepsias do lobo temporal)
Distúrbios da consciência e do comportamento, pre-cedidos de
auras (ou deja vu), com movimentos complexos, não
convulsivos, como movimentar os lábios, esfregar as mãos,
revolver os objetos da bolsa, assim como micção ou outros
atos sujeitos à má interpretação. As crises duram vários
minutos e são seguidas de “confusão pós-ictal” e amnésia.
1.c. Crises parciais com generalização secundária
Crises parciais, simples ou complexas, que desembo-cam em
crises generalizadas.
2. CRISES GENERALIZADAS 2.a. Crises de ausência (pequeno mal)
Perda da consciência, breve e abrupta, com eventos motores
mínimos e rápida recuperação. Duram de 5-20s são
acompanhadas por um EEG típico de 3Hz.
2.b. Crises tônico-clônicas (grande mal)
Perda da consciência, queda e parada respirató-ria (face
cianótica e contorcida), seguida de espasmo tônico
generalizado (opistótono) e espasmos rítmi-cos (clônicos).
Exceto por uma vaga sensação de que “algo vai ocorrer”, não
são precedidas de auras. Duram mais de 15 min, são seguidas
de amnésia e a recuperação total pode levar dias.
2.c. Crises tônicas
Espasmos tônicos de todos os músculos (opistóto-no), com
perda da consciência e respostas neurove-getativas.
2.d. Crises clônicas
Espasmos rítmicos de todos os músculos (clônus), com perda
da consciência e respostas viscerais.
2.e. Crises mioclônicas
Espasmos súbitos, isolados ou generalizados, com torsão axial
e queda, porém, sem perda da consciên-cia. São associadas ao
grande mal, especialmente, na epilepsia mioclônica juvenil, de
origem genética.
2.f. Crises de atonia
Perda súbita da consciência, tono muscular e postura, com
quedas.
2.g. Status Epilepticus
É a principal emergência. São crises generalizadas
prolongadas e repetidas, sem o retorno da consciência nos
intervalos, podendo causar a morte do paciente quando são
crises de grande mal.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 94
6. MECANISMO DE AÇÃO DOS ANTICONVULSIVANTES:
Parecem agir pelo confinamento ou inibição da atividade do foco. Parece que o principal
mecanismo consiste no confinamento do foco, através da potencialização das sinapses
gabaérgicas do tecido saudável. Entretanto, as concentrações terapêuticas dos
anticonvulsivantes estão muito aquém das necessárias para a alteração da condutância do
cloro. Também podem agir pela inibição da atividade de aminoácidos excitatórios,
bloqueio de canais voltagem-dependentes de sódio (fenitoína, carbamazepina, ácido
valpróico) ou cálcio (etossuximida). Por exemplo, nas concentrações terapêuticas, o
pentobarbital e o fenobarbital diferem acentuadamente quanto às suas ações celulares:

PENTOBARBITAL FENOBARBITAL

 condutância ao Cl- +++ +


 liberação de transmissores +++ +
 da atividade gabaérgica + +++
 da atividade do glutamatérgica + +++

7 CLASSIFICAÇÃO QUÍMICA DOS ANTICONVULSIVANTES


Barbitúricos (fenobarbital)
Análogos do Fenobarbital Hidantoínas (fenitoína)
Deoxibarbitúricos (primidona)
Sucinimidas (etossuximida)
Oxazolidinedionas (trimetadiona)
Benzodiazepínicos (diazepam, clonazepam, clorazepate, nitrazepam)
Iminoestilbenos (carbamazepina)
Ácido Carboxílico (ácido valpróico)
Outros (acetazolamida, paraldeído, tiopental)

8.TRIAGEM FARMACOLÓGICA:
Dois grupos são claramente identificáveis:
1) Antagonismo de convulsão por eletrochoque  grande mal e
epilepsia Jacksoniana
2) Antagonismo de convulsão por pentilenotetrazol pequeno mal

9.EFICÁCIA CLÍNICA:
Controle total 50%
Melhora 25%
Resistentes 25%

10.CLASSIFICAÇÃO TERAPÊUTICA

a) STATUS EPILEPTICUS diazepam (i.v.)


diazepam (i.v.)+fenitoína (i.v.)
diazepam (i.v.)+paraldeído (i.m.)
diazepam (i.v.)+paraldeído (i.m.)+tiopental (i.v.)
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b) PEQUENO MAL etossuximida
ácido valpróico
clonazepam ou clorazepate
(trimetadiona)
(acetazolamida)

c) GRANDE MAL E fenobarbital


CRISES PARCIAIS fenitoína
SIMPLES ácido valpróico
carbamazepina
primidona

d) CRISES PARCIAIS carbamazepina e


COMPLEXAS mesmos agentes usados
para o grande mal

e) ESPASMOS INFANTIS, terapia múltipla e de pouca eficácia;


CRISES MIOCLÔNICAS, ácido valpróico, corticotropina e corticóides
CRISES DE ATONIA E parecem ser benéficos nos espasmos infantis;
ACINESIAS ácido valpróico e clonazepam parecem ser
benéficos nas crises mioclônicas infantis.

11.EFEITOS COLATERAIS:

I) EFEITOS GERAIS: sedação


sonolência

II) EFEITOS ESPECÍFICOS:

1.Fenitoína adm.aguda - arritmias (bloqueio AV)


(I.V.) - hipotensão
- depressão do SNC

doses letais - rigidez similar à decerebração

adm.crônica - distúrbios vestíbulo-cerebelares (ataxia


nistagmo, vertigem),
- distúrbios gastrointestinais (náuseas,
vômitos, queimação),
- distúrbios sanguíneos (anemia, leuco-
penia, neutropenia),
- reações de hipersensibilidade,
- hiperplasia gengival (crianças e jovens)
- hirsutismo,
- distúrbios comportamentais (agitação,
alucinações, confusão),
- piora das crises
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 96

2.Fenobarbital doses altas - distúrbios vestíbulo-cerebelares (ataxia


nistagmo, vertigem),
- depressão cardiorespiratória

doses letais - coma

adm.crônica - distúrbios sanguíneos (anemia sensível


ao ácido fólico),
- reações de hipersensibilidade (1-2%),
- osteomalácia (sensível à vitamina D),
- confusão mental

3.Primidona adm.crônica - distúrbios sanguíneos (anemia sensível


ao ácido fólico),
- leucopenia,
- reações de hipersensibilidade,
- linfadenopatia

4.Carbamazepina adm.aguda - irritabilidade,


- convulsões,
- depressão respiratória,
- estupor,
- coma

adm.crônica - distúrbios vestíbulo-cerebelares (ataxia


nistagmo , vertigem),
- distúrbios visuais (diplopia, cicloplegia)
- distúrbios sanguíneos graves,
- reações de hipersensibilidade,
- hepatotoxicidade.

5. Etossuximida adm.crônica - distúrbios vestíbulo-cerebelares (ataxia,


nistagmo, vertigem),
- distúrbios gastrointestinais,
- distúrbios comportamentais (ansiedade,
agressividade)

6.Trimetadiona adm.crônica - distúrbios visuais (hemeralopia),


- distúrbios sanguíneos letais,
- reações de hipersensibilidade (derma-
tite exfoliativa),
- hepatite.

7.Benzodiazepínicos adm.aguda - depressão cardiorespiratória


(I.V.)

adm.crônica - tolerância e dependência


L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 97
8.Ácido Valpróico adm.crônica - distúrbios vestíbulo-cerebelares (ataxia,
nistagmo, vertigem),
- distúrbios gastrointestinais,
- tremores.

12. FARMACOCINÉTICA

Biodispon. Excreção Lig. Prot. T1/2 Concentr. Concentr.


DROGA P.O. Urinária Plasma (hs) Plasmatica Plasmatica
(%) (%) (%) Efetiva Tóxica
55-100
Ácido Valpróico 100 2 93 14 ND
g/ml
4-10 >9
Carbamazepina > 70 <1 74 15
g/ml g/ml
40-100
Etossuximida ND 25 0 45 ND
g/ml
> 10 > 20
Fenitoína 98 2 89 6-24
g/ml g/ml
10-25 > 30
Fenobarbital 100 24 51 99
g/ml g/ml
5-10 > 10
Primidona 92 42 19 8
g/ml g/ml
> 600
Diazepam 100 <1 99 43* ND
ng/ml
5-70
Clonazepam 98 <1 86 23* ND
ng/ml
ND
Clorazepate ND <1 ND 2* ND
> 200
Nitrazepam 78 <1 87 26* ND
ng/ml
* compostos com metabólitos ativos
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 98

DROGAS DA PSIQUIATRIA
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 99

EMOÇÃO, HUMOR, TEMPERAMENTO E PERSONALIDADE

A maioria das drogas psiquiátricas age sobre as emoções e o humor dos


indivíduos. Contudo, alterações patológicas das emoções e do humor são quase sempre
acompanhadas de distúrbios da cognição, tais como raciocínios delirantes, paranóias,
obsessões, despersonalização e desfiguração da realidade, dentre outros. Adicionalmente,
os antipsicóticos atenuam, ou mesmo abolem, as alterações do humor, emoção e cognição
associadas à esquizofrenia. As ações das drogas psiquiátricas também são
frequentementes descritas por meio das alterações do comportamento dos indivíduos.
Todos nós sabemos, ou julgamos saber, o que são as emoções e o humor.
Chamamos de emoções a ansiedade, medo, raiva, ódio, desejo sexual, etc. Por sua vez, o
termo humor é utilizado para expressar os graus de alegria ou tristeza do indivíduo. Como
as idéias pré-concebidas são uma das principais dificuldades deste campo de estudo,
desenvolvemos, a seguir, estes conceitos de forma mais precisa.

As emoções podem ser abordadas como estados psicológicos ou funções fisiológicas.

A abordagem psicológica busca a definição conceitual ou operacional de


emoção, de forma a diferenciá-la de humor, temperamento ou personalidade. A
abordagem fisiológica busca o substrato neural das emoções no SNC e o seu papel na
sobrevivência do indivíduo e na seleção das espécies.
Do ponto de vista psicológico, as emoções são geralmente consideradas
como estados mentais de curta duração, ou de duração determinada pela permanência de
estímulos internos e/ou externos específicos, que causam alterações somáticas e viscerais
manifestas. Portanto, as emoções preparariam o organismo para uma ação imediata. São
emoções típicas o medo, a raiva e o desejo sexual.

O humor cumpre um papel crucial no planejamento a longo prazo de nossas vidas.

Ao contrário, as mudanças do humor, tais como a alegria ou tristeza,


podem ter duração prolongada e não apresentam alterações somáticas significantes. Mais
importante, elas influenciam a cognição de forma acentuada, gerando avaliações positivas
(otimismo) ou negativas (pessimismo) da realidade e de nossas vidas. Desta forma, o
humor parece estar implicado no planejamento de longo prazo de nossas ações,
condicionando mudanças significativas do nosso modo de vida, tais como o rompimento
de um matrimônio ou a mudança de emprego, quando há um rebaixamento do humor, ou
a expansão das nossas atividades e realização de investimentos, quando o humor está
elevado. Neste sentido, é tentador especular se as migrações dos animais em períodos de
seca ou inverno também sejam motivadas pelo rebaixamento do humor.

As alterações do humor e das emoções dependem de traços hereditários e adquiridos

Entende-se por temperamento as características emocionais herdadas de


nossos pais. A interação do temperamento com o ambiente resulta na personalidade e
determina a variabilidade emocional dos indivíduos.

As emoções têm uma representação específica no SNC.

Alguns pacientes da neurologia têm „cérebro dividido‟ (split-brain), ou


seja, têm os hemisférios desconectados por lesão traumática ou secção cirúrgica do corpo
caloso e comissura anterior, ou por acalosia congênita. Esta situação permite avaliar as
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 100

funções cognitivas e emocionais dos hemisférios cerebrais de forma independente. Por


exemplo, quando as palavras „pai‟ e „assassino‟ são apresentadas, uma a uma, ao
hemisfério direito, os pacientes conseguem fazer a avaliação emocional destas palavras,
respondendo „bom‟ ou „ruim‟, respectivamente. No entanto, eles são incapazes de
identificar o significado semântico das palavras apresentadas, uma vez que elas não
foram processadas pelo hemisfério esquerdo que controla a linguagem. Estes fatos
demonstram que os significados „semântico‟ e „emocional‟ das palavras são representados
em hemisférios distintos, esquerdo e direito, respectivamente. Demonstram também que
as emoções podem ser processadas de forma inconsciente. De fato, Freud foi um dos
primeiros a inferir acerca da natureza inconsciente das emoções. Contudo, pelo menos no
homem, as emoções também podem alterar nossa consciência e ser apreciadas
conscientemente.

Não existe uma representação cerebral unívoca da ‘emoção’.

Da mesma forma que não existe uma representação unívoca da


„percepção‟, mas sistemas somestésico, visual, acústico, o que rotulamos por „emoção‟
representa a atividade de vários sistemas neurais subjacentes aos diversos tipos de
emoções que foram preservadas ao longo da evolução em vista de suas funções
adaptativas. Em realidade, uma única emoção, como a ansiedade, pode ser processada por
múltiplos sistemas de forma similar ao que foi demonstrado para o processamento da
forma e movimento de um estímulo visual. Portanto, tal como foi demonstrado para as
outras funções do cérebro, o processamento das emoções é integrado e distribuído.

A emoção vai além da percepção subjetiva e consciente dos estados emocionais.

Embora o termo comportamento seja utilizado nas mais diversas acepções,


entende-se por comportamento animal às ações motoras dos organismos voltadas ao
meio externo, qual seja, a interação do organismo com seu nicho ecológico, incluindo os
outros organismos da mesma ou de outras espécies. Estas ações são iniciadas por
estímulos tanto internos (fome, sede, etc) quanto externos (ameaças, comida, etc) e visam
à sobrevivência do indivíduo e, conseqüentemente, preservação da espécie. Os
comportamentos podem ser executados tanto pelo sistema motor somático (aproximação,
fuga, agressão, vocalização, expressão facial, etc) quanto autonômico (liberação de
ferormônios, demarcação de território com urina ou fezes, piloereção, etc). Os
comportamentos também são invariavelmente acompanhados de ajustes homeostáticos
(cardiovasculares, endócrinos, etc) que visam a manutenção do meio interno dentro dos
limites fisiológicos da vida. Ao contrário da atividade cognitiva, que pode ser unicamente
introspectiva, é difícil imaginar uma emoção, por exemplo, o medo, sem os
comportamentos (inibição comportamental, tremores, fuga ou agressão) e ajustes
homeostáticos (hipertensão, taquicardia, taquipnéia, micção, defecação, sudorese, etc)
associados. A questão central a ser elucidada está na identificação do sistema neural que
detecta os sinais de perigo, ferormônios, ou outros estímulos que evoquem emoções e os
sistemas efetores das respostas comportamentais e viscerais. Em todo caso, como os
comportamentos „emocionais‟ são controlados por sistemas neurais específicos, as
emoções podem ser abordadas em animais por meio da análise de respostas passíveis de
quantificação.

A consciência das emoções, tal como a consciência de ‘estar com medo’ ou ‘estar com
raiva’, não é diferente das outras formas de consciência.

Ela não difere da consciência de que o objeto redondo e vermelho à sua


L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 101

frente é uma maçã, de que a sentença foi pronunciada em português, ou que você
encontrou a solução de um problema matemático. O que difere nas diversas formas de
consciência é a área específica do córtex cerebral e os sistemas que provêm informações
para as formas específicas de consciência. Não obstante, embora todos nós saibamos que
as emoções influenciam a cognição de forma acentuada, é muito mais difícil alterar as
emoções por meio da cognição. Não basta desejar que a ansiedade ou medo desapareçam,
para que isto efetivamente ocorra. Aliás, embora o homem busque por situações que
alteram seu estado emocional, por exemplo, indo ao cinema ou à praia, ou ingerindo
drogas lícitas, como o álcool, ou mesmo ilícitas, como a cocaína e heroína, ele tem um
controle limitado sobre suas emoções. Em geral, as emoções são eliciadas pelos estímulos
externos de forma automática, sem que tenhamos qualquer controle sobre as mesmas. Isto
ocorre devido ao padrão de circuitos neurais do nosso cérebro que favorece a influência
dos sistemas emocionais sobre os sistemas cognitivos, mas não o inverso. Não obstante, a
terapia cognitiva baseia-se no controle das nossas emoções através da interpretação dos
conteúdos cognitivos do discurso do paciente.

As emoções tornam-se motivações poderosas de comportamentos futuros.

As emoções balizam nossas ações assim como acenam para horizontes


futuros. No entanto, elas podem nos colocar em situações difíceis. Quando o medo torna-
se patológico, quando o desejo torna-se obsessão, o aborrecimento torna-se raiva, ou o
prazer, vício, as emoções tornam-se inadequadas do ponto de vista adaptativo e começam
a trabalhar contra nós. As emoções são úteis ao nosso dia-a-dia, mas podem tornar-se
patológicas também.

TEORIAS PSICOFISIOLÓGICAS DAS EMOÇÕES

O debate entre as teorias da emoção de William James/Karl Lange (1890) e


de Walter Bradford Cannon/Phillip Bard (1927) dominou a fisiologia das emoções nas
primeiras décadas do século XX. Assim, enquanto a teoria de James/Lange sugeria que
a emoção era devida ao feedback de respostas instintivas aos estímulos, tais como a fuga,
vasoconstrição e a taquicardia que se seguem a uma ameaça, a teoria de Cannon/Bard
propunha que os estímulos originavam um estado especial - a emoção – que levaria à
produção das respostas apropriadas à sobrevivência do indivíduo. A emoção subjetiva
seria a consciência deste estado emocional e das respostas somáticas e viscerais
associadas. Assim, enquanto a teoria de James/Lange afirma que temos medo porque
fugimos, a teoria de Cannon/Bard afirma que fugimos porque temos medo.
Esquematicamente, estas teorias podem ser apresentadas da seguinte forma:

James/Lange: estímulo  respostas  feedback  emoção subjetiva

Cannon/Bard: estímulo  emoção  respostas  emoção subjetiva

Dentre as críticas à teoria de James/Lange, Cannon argumentou que a


emoção a um estímulo desenvolve-se muito mais rapidamente que as respostas viscerais
que lhe seguem. Adicionalmente, argumentou que emoções bastante distintas, ou mesmo
opostas, geram respostas viscerais praticamente idênticas. Cannon baseou-se também em
experimentos próprios nos quais a „falsa ira‟, uma reação agressiva de gatos
descorticados, foi produzida em animais totalmente eviscerados, vagotomizados e com
remoção completa dos gânglios simpáticos. De fato, existem casos de pacientes com
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 102

secção espinhal cervical (C3 ou C4) que expressam emoções idênticas àquelas dos
indivíduos sadios. Portanto, Cannon sugeriu que a emoção é um processo cerebral
independente do feedback das aferências viscerais. No entanto, as últimas contribuiriam
para a consciência subjetiva da própria emoção e das respostas somáticas e viscerais
associadas.
O desenvolvimento da eletroencefalografia por Hans Berger (1933) e a
descoberta do sistema reticular ativador ascendente (SARA) por Horace Magoun e
Giuseppe Moruzzi (1949), forneceram a base empírica da teoria de Donald Lindsley
(1951), segundo a qual as emoções seriam devidas à ativação (arousal) cortical. Lindsey
baseou-se no fato de que o SARA recebe aferências de todos os órgãos sensoriais e do
córtex, podendo mediar emoções produzidas por estímulos fisiológicos tanto externos
quanto internos, ou mesmo pelos pensamentos. Adicionalmente, Lindsey apoiou-se em
seus próprios estudos que mostraram que o EEG é dessincronizado no susto, apreensão e
ansiedade, passando para uma atividade de ondas rápidas de baixa amplitude, e que a
lesão da formação reticular do mesencéfalo produz apatia, sonolência e hipocinesia,
comportamentos opostos aos observados nos estados de excitação emocional. A principal
crítica a esta teoria reside na inespecificidade da ativação cortical. Surpreendentemente,
existe uma grande similaridade desta teoria com os modelos contemporâneos de emoção
baseados na ativação do locus cerúleo, um núcleo situado na transição mesopontina que é
a principal origem do sistema noradrenérgico ascendente. Não obstante, a ativação
cortical é um componente inerente à resposta emocional.

Lindsley: estímulos  SARA  hipotálamo/tálamo  córtex  emoção

A Teoria de Stanley Schachter/Jerome Singer (1960) tentou superar o


problema da inespecificidade do estado de excitação autonômica e eletroencefalográfica
das emoções. Para isso, sugeriram que as emoções se diferenciam pela interveniência de
um processo cognitivo cortical. A teoria foi testada pela avaliação do efeito de injeções
de adrenalina em diversos contextos sociais, alegres ou tristes, ou com informações
incorretas sobre as respostas viscerais (feedback falso) aos estímulos ambientais. No
primeiro caso, a administração de adrenalina tornou as emoções mais intensas,
independentemente de serem agradáveis (aniversário) ou tristes (funeral). A produção de
um feedback visceral falso, por exemplo, pela audição de batimentos cardíacos acelerados
artificiais, teve efeitos similares.

Schachter/Singer: estímulo  excitação  cognição  emoção subjetiva

A teoria de Schachter/Singer pressupõe a existência de um estado de


excitação sem, no entanto, explicar a origem deste estado. Magda Arnold (1960) propôs a
teoria da avaliação (appraisal theory) para resolver este problema. Segundo esta teoria, a
avaliação dos benefícios ou perigos potenciais de uma situação produziria as emoções
como a „experiência de uma tendência‟ (felt tendency) de aproximar-se do que fosse
avaliado como bom, ou afastar-se do que fosse avaliado como ruim.

Arnold: estímulo  avaliação  tendência  emoção subjetiva

Ao contrário da teoria de James/Lange, não seria preciso a ocorrência de


uma resposta, tal como a fuga; o „impulso‟ para fugir já seria suficiente para a produção
de medo. A participação da cognição na produção das emoções foi evidenciada por
Richard Lazarus (1960) em experimentos nos quais os indivíduos tinham de avaliar um
filme com cenas desagradáveis de circuncisão de adolescentes aborígines australianos.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 103

Nestes experimentos, o filme era apresentado para dois grupos, um com os sons terríveis
originais e o outro com uma voz sobreposta, minimizando ou „intelectualizando‟ os fatos.
Como o primeiro grupo sentiu-se muito pior, Lazarus concluiu que „a cognição é uma
condição tanto necessária, quanto suficiente para produção da emoção‟.

Lazarus: estímulo  cognição  emoção subjetiva

A primazia dos aspectos cognitivos das emoções foi questionada por


experimentos de Robert Zajonc (1980) (pronuncia-se „zaiunce‟) que demonstraram o
desenvolvimento de „preferências‟ a estímulos sublimiares, isto é, estímulos que não são
percebidos conscientemente por terem duração inferior a 5 milisegundos. Conclusões
similares já haviam sido obtidas por outros autores, nos anos 50, nos estudos de
„percepção defensiva‟ (por exemplo, falha na identificação de palavras obscenas
projetadas rapidamente numa tela), ou de condicionamento autonômico com „percepção
subliminar‟ (cardioaceleração à exposição sublimiar de símbolos previamente pareados a
choques elétricos), ou ainda em estudos com estímulos sublimiares de „inicialização‟
(priming) de respostas comportamentais.

Zajonc: estímulo  emoção subjetiva

Em realidade, Zajonc retomou conceitos que já haviam sido elaborados


durante o desenvolvimento da etologia na primeira metade do século XX. Nas palavras de
John Bowlby, as emoções não passam de um „estado‟ dos circuitos neurais ativados
durante a produção dos comportamentos, tal como a „incandescência‟ é o estado do
filamento da lâmpada durante a passagem da corrente.

Bowlby: estímulo  (ativação neural=emoção subjetiva)  comportamento

Ao contrário das concepções anteriores, Bowlby considera a emoção


inerente à ativação dos circuitos que promovem os comportamentos dirigidos a alvos
específicos, ou de planos comportamentais mais complexos que controlam ações a longo
prazo. Neste caso, a emoção não é nem antecedente, nem subseqüente, aos
comportamentos. Ao contrário, a emoção é a expressão subjetiva da ativação de circuitos
neurais específicos. Na concepção de Bowlby e de outros etólogos, não tem sentido
perguntar se a emoção é processada num lugar à parte no cérebro, paralelamente à
ativação dos mecanismos de execução do comportamento, o que é, evidentemente, uma
simplificação.
Contudo, a emoção pode ser afetada pela memória de eventos passados.
Conseqüentemente, ela não precisa estar necessariamente associada aos estímulos
presentes no ambiente. Assim, frequentemente, atribuímos a causa de nossas emoções a
estímulos ambientais que são totalmente independentes das mesmas. Por exemplo, o pai
pode ralhar com o filho devido aos problemas ocorridos no ambiente de trabalho.

A EMOÇÃO E A COGNIÇÃO SÃO PROCESSOS INDEPENDENTES EM


CONTÍNUA INTERAÇÃO

Determinadas lesões do cérebro causam a perda seletiva da avaliação


emocional sem o comprometimento das funções cognitivas. Adicionalmente, o
significado emocional de um estímulo pode preceder sua percepção consciente, a
memória emocional parece ser processada por sistemas distintos da memória cognitiva.
Contudo, ao contrário da flexibilidade dos sistemas cognitivos, os sistemas emocionais
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 104

estão fortemente ligados à execução das respostas somáticas e viscerais. Assim, enquanto
a cognição é flexível, permitindo escolher uma dentre várias respostas, os mecanismos de
avaliação emocional reduzem as opções a poucas respostas selecionadas pela evolução. A
ligação estreita dos mecanismos de avaliação emocional com os sistemas de execução das
respostas faz com que haja a execução simultânea das emoções e do conjunto apropriado
de respostas quando há a detecção de um evento significante. Como resultado as respostas
corporais invariavelmente acompanham as emoções emocionais e fazem parte de sua
experiência consciente.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 105

BASES NEURAIS DO COMPORTAMENTO

I. PRINCIPAIS DIVISÕES DO HIPOTÁLAMO

O hipotálamo está localizado no diencéfalo, entre o tálamo e a hipófise, e


costuma ser dividido em 3 zonas longitudinais: hipotálamo periventricular (estruturas
adjacentes ao terceiro ventrículo); hipotálamo medial (estruturas no plano da coluna do
fórnice) e hipotálamo lateral (estruturas laterais à coluna do fórnice) (Fig. 1). O
hipotálamo também costuma ser dividido em 4 regiões rostrocaudais: área pré-óptica
(anterior ao quiasma óptico), hipotálamo anterior (ao nível do quiasma óptico),
hipotálamo tuberal (ao nível da haste hipofisária) e hipotálamo posterior (ao nível dos
corpos mamilares).
O hipotálamo periventricular exerce um papel fundamental no controle
endócrino, tanto pela secreção dos hormônios da neuro-hipófise, que são liberados
diretamente na circulação, quanto pela produção de neuro-hormônios reguladores, que são
liberados na eminência mediana e transportados à hipófise anterior por meio do sistema
porta hipotálamo-hipofisário, controlando a síntese e liberação dos hormônios endócrinos.
Os núcleos paraventricular e supraóptico do hipotálamo e o sistema dopaminérgico
túberoinfundibular têm papel de destaque no controle neuroendócrino. A zona
periventricular também exerce uma influência direta sobre os neurônios pré-ganglionares
simpáticos e parassimpáticos. As funções mais conhecidas do hipotálamo periventricular
consistem no controle das células efetoras das vísceras e glândulas endócrinas (exceto a
medula adrenal, as paratireóides e as células  e  das ilhotas de Langerhans do
pâncreas).
O hipotálamo medial recebe um grande contingente de aferências do
telencéfalo e está envolvido nos comportamentos defensivos e reprodutores. Compõe-se
de agrupamentos celulares bem distintos, os núcleos pré-óptico medial, anterior,
ventromedial, dorsomedial e núcleos mamilares. O hipotálamo medial está basicamente
envolvido com o controle dos comportamentos motivados, como beber, comer,
comportamento reprodutivo, termorregulação, etc.
Por fim, o hipotálamo lateral não possui agrupamentos celulares bem
definidos, sendo composto de neurônios dispersos entre as fibras do calibroso fascículo
prosencefálico medial (medial forebrain bundle). Além de interconectar vários núcleos ao
longo do seu trajeto, o fascículo é formado pelas projeções dopaminérgicas mesocorticais
e mesolímbicas da área ventral tegumentar que parecem estar envolvidas em processos
cognitivos (atenção) e motivacionais (prazer), respectivamente. Também transitam pelo
facículo prosencefálico medial as projeções dopaminérgicas mesoestriatais, que são
provenientes da substância negra compacta e controlam a motricidade involuntária, e as
vias serotonérgicas ascendentes para amplas áreas do prosencéfalo. Os núcleos
intersticiais do fascículo prosencefálico medial podem estar envolvidos no controle da
vigilância associada a comportamentos motivados, como beber, comer e comportamento
reprodutivo.

II. FUNÇÕES DO HIPOTÁLAMO NOS COMPORTAMENTOS HOMEOSTÁTICOS

O hipotálamo orquestra diversos comportamentos específicos, como os


comportamentos ingestivos e termorregulatórios, associados aos ajustes homeostáticos, e
comportamentos reprodutivos e agressivos essenciais para a sobrevivência do indivíduo.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 106

Termorregulação: A regulação da temperatura corpórea requer a integração de respostas


autonômicas, neuroendócrinas e comportamentais. O hipotálamo é a estrutura chave no
desempenho desta função. O hipotálamo é informado acerca da temperatura corpórea por
meio de termorreceptores localizados na pele, vísceras e medula espinhal, e mediante
neurônios sensíveis à temperatura sanguínea localizados na região hipotalâmica anterior.
De fato, enquanto a estimulação do hipotálamo anterior causa vasodilatação e sudorese,
resultando em perda de calor, a estimulação do hipotálamo posterior produz
vasoconstrição e tiritar, resultando na retenção e produção de calor, respectivamente.
Contudo, embora as lesões do hipotálamo anterior produzam hipertermia, as lesões do
hipotálamo posterior somente causam hipotermia se os animais forem expostos ao frio
(22oC ou menos). O hipotálamo também controla as respostas neuroendócrinas associadas
à mudança de temperatura, promovendo a liberação dos hormônio da tireóide,
triiodotironina (T3) e tireoxina (T4), que têm efeitos calorigênicos.
Estas respostas estão associadas a comportamentos que auxiliam no
controle da temperatura. Assim, ratos treinados a se refrescar pela pressão de uma barra
que aciona um jato de ar, aumentam a freqüência deste comportamento se o hipotálamo
anterior for aquecido por uma sonda intracraniana. Respostas não aprendidas, tais como a
respiração ofegante de cães que promove a perda de calor pela rete mirabilis, uma miríade
de vasos que une os leitos das carótidas interna e externa nesta e em outras espécies, bem
como o comportamento de enrodilhar que reduz a superfície corpórea, reduzindo a perda
de calor, também são controlados pelo hipotálamo.

Figura 1. Corte coronal do cérebro do rato mostrando os limites aproximados das zonas periventricular
(laranja), medial (roxo) e lateral (verde) do hipotálamo. A amígdala e parte do córtex temporal também
estão representados. AMm – amígdala medial, ARQ – núcleo arqueado, f – fórnice, HDM – hipotálamo
dorsomedial, HVM – hipotálamo ventromedial, Pf – núcleo hipotalâmico perifornicial.

Comportamento de Beber: Existem pelo menos 4 tipos de estímulos que fazem que o
indivíduo procure água: a) aumento da osmolaridade sanguínea, b) hipovolemia, c)
estímulos orofaríngeos, d) fatores cognitivos. Embora as vias que integram as respostas de
beber aos estímulos orofaríngeos e cognitivos sejam pouco conhecidas, sabe-se muito
mais acerca da ingestão desencadeada por hemorragia e hipovolemia. Em graus leves ou
moderados de hemorragia, a hipovolemia causa o aumento da secreção de renina pelos
rins. Esta converte o angiotensinogênio em angiotensina I, a qual é convertida em
angiotensina II pela enzima conversora de angiotensina dos pulmões. A angiotensina II
produz vasoconstrição e induz a liberação de aldosterona pelo córtex adrenal, que retém
sódio e água, restaurando o volume sangüíneo. Contudo, quando a hemorragia é intensa, a
resposta mais importante é o aumento da secreção de vasopressina pela neuro-hipófise.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 107

Além do potente efeito vasoconstritor, a vasopressina tem uma ação direta nos túbulos
distais do néfron, impedindo a perda de água (por isso ela também é chamada de
hormônio antidiurético). A angiotensina também tem efeitos centrais fundamentais,
penetrando no sistema nervoso central através do órgão subfornicial, uma região carente
de barreira hematoencefálica que contém alta densidade de receptores para este hormônio.
A ativação destes receptores deflagra uma série de respostas, incluindo a liberação de
vasopressina, ajustes pressóricos e sede. De fato, os grupos celulares do hipotálamo
periventricular envolvidos na secreção de vasopressina e no controle dos neurônios pré-
ganglionares do sistema nervoso autônomo (núcleos supra-óptico e divisão magnocelular
do núcleo paraventricular), recebem aferências do órgão subfornicial, sugerindo sua
participação na organização das respostas à hipovolemia. A área pré-óptica medial
também recebe aferências do órgão subfornicial e exerce um papel importante no controle
do comportamento de beber. Não se sabe, no entanto, como este comportamento é
deflagrado pela área pré-óptica medial.

Figura 2. Modelo da participação da zona medial do hipotálamo em dois sistemas neurais distintos, porém
interconectados, relacionados aos comportamentos defensivos e reprodutivos. Os dois componentes da zona
medial recebem informações do telencéfalo e projetam-se às regiões associadas com respostas viscerais,
vigília, atenção e memória e aspectos específicos dos comportamentos sexual e de defesa. Abreviaturas:
AHL – área hipotalâmica lateral, AMv – núcleo ânteromedial do tálamo, APOlt – área pré-óptica lateral,
APOm – área pré-óptica medial, AVT – área ventral tegumentar, CS – colículo superior, CUN- núcleo
cuneiforme, FR – formação reticular do mesencéfalo, HA – núcleo hipotalâmico anterior, HDM – núcleo
hipotalâmico dorsomedial, HVMdm – núcleo hipotalâmico ventromedial (pars dorsomedialis), HVMvl –
núcleo hipotalâmico ventromedial (pars ventrolateralis), MCPA – matéria cinzenta periaquedutal, PMd –
núcleo pré-mamilar dorsal do hipotálamo, PMv – núcleo pré-mamilar ventral do hipotálamo, RE – núcleo
reuniens do tálamo, TU – região tuberal do hipotálamo (modificado de Canteras et al., 2001).

Além disto, o órgão subfornicial projeta-se para a área hipotalâmica lateral,


a qual pode estar envolvida na ativação cortical associada ao ato de beber. Por fim, ele
também se projeta para estruturas telencefálicas, como o septo e a amígdala, que estão
envolvidas em respostas afetivas e cognitivas. Afinal, sede, principalmente em excesso,
causa intensa ansiedade.

Comportamento Alimentar: O hipotálamo tem um papel fundamental no controle do


comportamento alimentar. Sabe-se que lesões bilaterais do núcleo paraventricular do
hipotálamo causam hiperfagia, enquanto lesões da área hipotalâmica lateral causam
hipofagia, ou mesmo afagia. Os estudos do núcleo paraventricular e da área hipotalâmica
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 108

lateral sugerem a participação de mecanismos específicos no controle do comportamento


alimentar de cada tipo de nutriente.
Por exemplo, demonstrou-se que a aplicação de norepinefrina ou do
neuropeptídeo Y no núcleo paraventricular faz com que o animal inicie o comportamento
alimentar preferencialmente por carboidratos. Em contraste, a aplicação de galanina e
opióides aumenta a ingestão por gorduras e proteínas, respectivamente. Estas observações
têm importância fundamental na compreensão do desenvolvimento de distúrbios
alimentares. Por outro lado, o comportamento alimentar é inibido pela estimulação de
receptores serotonérgicos do hipotálamo. Assim, enquanto as drogas que facilitam a ação
da 5HT têm propriedades anoréticas (fenfluramina ou inibidores seletivos de recaptação,
como a fluoxetina), a ciproeptadina, um antagonista de receptores da 5HT, é um agente
orexígeno.
A infusão periférica de insulina, bem como a hipoglicemia, também
deflagram o comportamento alimentar. A aplicação de norepinefrina no núcleo
paraventricular do hipotálamo também causa hiperinsulinemia e hiperfagia. Como os
últimos efeitos são abolidos por vagotomia subdiafragmática, eles devem ser mediados
pelas projeções do núcleo paraventricular do hipotálamo ao núcleo motor dorsal do vago
(situado no bulbo). Os efeitos da aplicação de norepinefrina no núcleo paraventricular são
abolidos por hipofisectomia e restaurados pela administração sistêmica de
glicocorticóides (cortisol e corticosterona). Portanto, os glicocorticóides podem exercer
uma „ação permissiva‟ no comportamento alimentar. Este fato é de grande importância
uma vez que os glicocorticóides também são controlados pelo núcleo paraventricular do
hipotálamo. Como os corticóides são liberados durante o estresse e estão usualmente
elevados na depressão maior, estes mecanismos podem estar relacionados aos quadros de
hiperfagia e obesidade de base emocional.
Os mecanismos que controlam os efeitos da insulina e/ou glicose no
comportamento alimentar ainda não foram elucidados. Sabe-se, no entanto, que o
hipotálamo lateral e regiões adjacentes têm glicorreceptores e que lesões eletrolíticas
desta área, ou lesões químicas que poupam os axônios de passagem, causam hipofagia. A
hiperfagia também pode ser induzida pela „pseudo-hipoglicemia‟ induzida pela
administração de 2-desoxi-D-glicose. Como esta droga é um análogo não metabolizável
da glicose, ela produz „glicocitopenia‟, causando uma hiperfagia que é abolida por lesão
do hipotálamo lateral. Por outro lado, parece que os mecanismos da zona lateral do
hipotálamo somente entram em jogo nos casos severos de hipoglicemia. Note-se, por fim,
que tanto o comportamento de beber, quanto o comportamento alimentar, são
profundamente alterados pela temperatura ambiente e ciclo circadiano. A interação destes
fatores é viabilizada pelas profusas conexões recíprocas dos núcleos hipotalâmicos
(Figura 2).

III. FUNÇÕES DO HIPOTÁLAMO NO COMPORTAMENTO REPRODUTOR

Até agora consideramos a integração neural de uma série de


comportamentos e ajustes homeostáticos essenciais para a sobrevivência do indivíduo.
Faremos agora uma revisão dos circuitos neurais responsáveis pela integração do
comportamento reprodutor, os quais asseguram a sobrevivência da espécie. Para tanto
dividiremos os comportamentos reprodutores em sexual masculino, sexual feminino e
parental. Como a maioria dos estudos sobre a organização neural da reprodução foram
conduzidos em roedores, as informações que se seguem referem-se, basicamente, ao que
se sabe nestas espécies.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 109

Os circuitos do comportamento reprodutor apresentam um marcante


„dimorfismo sexual‟, isto é, diferenças anatômicas e neuroquímicas para machos e
fêmeas. Contudo, o padrão básico é o feminino. O padrão masculino desenvolve-se num
período crítico perinatal e depende da produção de níveis adequados de testosterona.
Desta forma, enquanto a ovariectomia perinatal terá pouca influência no comportamento
sexual e maternal da fêmea adulta tratada com hormônios gonadais femininos, a castração
perinatal dos machos alterará de forma permanente o seu desempenho na fase adulta,
mesmo quando tratados com hormônios gonadais masculinos. Desta forma, a exposição
do SNC aos hormônios gonadais durante um período crítico do desenvolvimento
determina mudanças irreversíveis na organização morfológica dos circuitos neurais
envolvidos na organização de comportamentos reprodutores. Em contraste, no adulto
estes hormônios modulam estes circuitos de forma apenas transitória.
Evidências experimentais sugerem que os núcleos da zona medial do
hipotálamo sejam fundamentais para a iniciação do comportamento sexual de machos e
fêmeas. Assim, demonstrou-se que enquanto o implante de andrógenos na área pré-óptica
medial era capaz de restaurar o comportamento sexual em machos castrados na idade
adulta, lesões desta área aboliam permanentemente o comportamento de cópula em
machos. Na área pré-óptica medial são encontradas estruturas neurais que concentram
hormônios gonadais e apresentam dimorfismo sexual. À semelhança dos machos, o
comportamento de cópula das fêmeas também depende dos níveis circulantes de
hormônios gonadais. Assim, sabe-se que a cópula pode ser induzida em ratas durante o
proestro, quando ocorre o surto de hormônios ovarianos. Em contraste, as ratas tendem a
evitar os machos no diestro, que é o período de quiescência sexual. A integridade
funcional do núcleo ventromedial do hipotálamo é fundamental para a expressão do
comportamento de cópula das fêmeas. À semelhança do que descrevemos para a área pré-
óptica medial, este núcleo também apresenta dimorfismo sexual e concentra hormônios
gonadais.
O comportamento parental é usualmente observado em fêmeas, sendo mais
conhecido como comportamento maternal. No momento, parece claro que a área pré-
óptica medial tem um papel crucial na organização do comportamento parental, uma vez
que este pode ser estimulado por implantes de hormônios gonadais nesta região, ou
abolido por sua lesão.
À semelhança dos circuitos neurais relacionados com a organização do
comportamento de defesa, que discutiremos adiante, estruturas localizadas no
mesencéfalo são essenciais para a expressão dos comportamentos sexual e parental.
Assim, a parte ventral da MCPA parece ser fundamental no comportamento sexual
feminino, sendo responsável pela postura de lordose em roedores, que é um sinal de
receptividade, enquanto a área ventral tegumentar e sítios da formação reticular parecem
ser críticos para a execução de comportamentos sexual masculino e parental. É importante
destacar que a expressão de tais comportamentos sofre a modulação de diversas estruturas
límbicas telencefálicas, em particular, da amígdala e da área septal.

IV. FUNÇÕES EMOCIONAIS DO HIPOTÁLAMO: O CONCEITO DE SISTEMA


LÍMBICO

O hipotálamo tem, no entanto, outras funções além do controle da


homeostasia e da reprodução. Considere, por exemplo, uma puberdade precoce
inicialmente atribuída a um adenoma (um tumor da hipófise anterior), mas, de fato, devida
a um tumor do hipotálamo. Se o tumor não é operável, ele prosseguirá em sua lenta
destruição e, na maioria das vezes, o paciente morrerá antes da idade adulta (em geral de
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 110

pneumonia). Antes, porém, poderá apresentar acessos espontâneos de extrema


agressividade.
De fato, Friendrich Goltz já havia observado, em 1892, que animais
descorticados podiam ter acessos espontâneos de raiva, ou reagir agressivamente a
estímulos inócuos. Esta foi a primeira evidência de que os comportamentos agressivos
poderiam ser controlados por estruturas subcorticais. A demonstração cabal do
envolvimento do hipotálamo nestes comportamentos foi realizada por Walter B. Cannon e
Philip Bard, em experimentos conduzidos no início do século passado. Estes autores
mostraram que gatos que haviam sofrido a excisão cirúrgica completa dos hemisférios
cerebrais e da maior parte do diencéfalo podiam apresentar reações agressivas tanto a
estímulos dolorosos quanto inócuos. A reação era idêntica à raiva, consistindo de silvos e
rosnados, midríase, piloereção, taquicardia e exposição das presas e garras. Como os
animais haviam sido descorticados, Cannon denominou esta reação de „falsa ira‟ (sham
rage) em vista da suposta ausência de consciência do estado emocional nos animais sem
córtex cerebral. De resto, Cannon salientou que estas reações eram idênticas à raiva
natural. Estas pesquisas também demonstraram que a deflagração da falsa ira exigia a
preservação de uma pequena parte do hipotálamo caudal, sem a qual a mesma era abolida
(Fig. 3). A despeito da instrumentação tosca daquela época, Cannon descreveu e explicou
o significado fisiológico das respostas autonômicas que acompanham a falsa ira, que ele
denominou „reação de emergência‟.

Figura 3. A reação de falsa-ira em gatos descorticados requer a integridade do hipotálamo posterior. Bard e
Cannon mostraram que a reação de falsa-ira era preservada se o tronco cerebral fosse seccionado na linha
amarela, mas desaparecia se a secção fosse feita na linha vermelha. Estes resultados foram a primeira
evidência da importância crucial do hipotálamo na expressão desta resposta. Abreviaturas: II – ventrículo
lateral, III – 3o ventrículo , fM – foramen de Monro, ca – comissura anterior, CM – corpos mamilares, cp –
comissura posterior, fr – fascículo retroflexo, fx – fórnice pós-comissural, HA – hipófise anterior, HP –
hipófise posterior, HIP - hipotálamo, MCPA – matéria cinzenta periaquedutal, mt – fascículo
mamilotalâmico, NCd – núcleo caudado, NR – núcleo rubro, P – ponte, TbO – tubérculo olfatório, t.opt –
trato óptico.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 111

A participação do hipotálamo na expressão de comportamentos integrados


(tanto emocionais como não-emocionais), foi confirmada alguns anos mais tarde pelo
neurofisiologista suíço Walter R. Hess. Utilizando técnicas pioneiras de estimulação
elétrica de gatos intactos, livres e não anestesiados, Hess realizou um mapeamento
exaustivo, embora apenas qualitativo, das respostas eliciadas por estimulação elétrica do
tronco cerebral (Figura 4). Particularmente, observou que enquanto a estimulação do
hipotálamo com estímulos de baixa intensidade produzia um estado de excitação, com
movimentos agitados em várias direções, estímulos mais intensos eliciavam a resposta de
fuga ou uma postura agressiva, com arqueamento do dorso, silvos e rosnados, exposição
das presas e garras e ataques àqueles que se aproximassem do gato, ainda que para
acariciá-lo. Hess denominou estas respostas de „reação afetiva de defesa‟.
Mais que a pura execução de respostas motoras, o hipotálamo também está
envolvido com emoções aversivas e prazeirosas. A natureza motivacional da estimulação
elétrica do cérebro foi descoberta por José Delgado e Neil Miller, em meados do século
passado. Delgado mostrou que a aplicação de estímulos elétricos de baixa intensidade
(cerca de alguns milionésimos da corrente da rede) na matéria cinzenta periaquedutal
(MCPA) tinha propriedades aversivas, pois os ratos aprendiam a pressionar uma barra
para evitá-los. Serviam, portanto, de „punição‟. Alguns anos mais tarde, James e Marianne
Olds descobriram o fenômeno inverso, chamado de „autoestimulação‟ (self-stimulation).
Estes autores mostraram que os ratos podiam aprender novos comportamentos para
receber estímulos elétricos no hipotálamo lateral (por onde passa o feixe medial
prosencefálico). A estimulação parecia ser acompanhada de intenso prazer, pois os
animais mantinham a estimulação por horas seguidas, ignorando água ou comida, mesmo
quando privados, pressionando a barra até a exaustão. Eventualmente, os ratos ejaculavam
durante a sessão de autoestimulação. Embora a autoestimulação fosse mais intensa no
hipotálamo lateral, ela também podia ser obtida de outras áreas do tronco cerebral e
telencéfalo (por ex., área septal). Como os ratos aprendiam tarefas complexas para receber
o estímulo intracraniano e modificavam estes comportamentos para continuar a obter o
mesmo estímulo, na mesma área, os comportamentos não eram simples automatismos
motores decorrentes da estimulação. Ao contrário, o estímulo intracraniano agia como um
„reforço‟ (reward), ou seja, uma „gratificação‟, apresentando propriedades motivacionais
similares à água ou comida. De fato, em alguns sítios do hipotálamo a autoestimulação
podia ser modulada por privação alimentar, dentre outras técnicas de análise
motivacional.
Os experimentos com estimulação intracraniana ganharam notoriedade
quando o neurocientista espanhol José Delgado entrou numa arena e usou estimulação por
telemetria (à distância) para amansar touros da raça miúra que haviam sido implantados
com eletrodos na área septal. A produção de emoções tanto agradáveis quanto
desagradáveis por estimulação intracraniana também foi demonstrada no ser humano.
Desde então, o envolvimento do hipotálamo e seus aliados com comportamentos
motivados e emoções, bem como com os distúrbios patológicos destas funções, ficou
firmemente estabelecido. Os comportamentos de autoestimulação estão profundamente
implicados com a dependência ás drogas.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 112

Figura 4. O neurofisiologista suíço Walter Hess realizou um mapeamento extenso dos comportamentos
obtidos por estimulação elétrica do tronco do mesencéfalo de gatos livres e não anestesiados. A figura
mostra o mapa das respostas de fuga, defesa, comer e dormir num corte sagital do tronco cerebral. Hess
realizou vários mapas similares para uma diversidade de respostas somáticas e autonômicas. Note que a área
da falsa-ira de Bard e Cannon coincide com as áreas da reação afetiva de defesa descritas por Hess.
Abreviaturas como na Fig. 3 (modificado de Hess, 1947).

V. OS ALIADOS DO HIPOTÁLAMO: O SISTEMA LÍMBICO

Que estruturas compõem o continuum de matéria cinzenta do qual o hipotálamo é


a estrutura central? De um lado, estruturas caudais do tronco cerebral, como a MCPA,
uma densa massa de neurônios que encobre o aqueduto do mesencéfalo e que está
envolvida na execução das respostas motoras e viscerais de defesa, analgesia e
comportamento reprodutivo, ou estruturas tão caudais quanto o núcleo do trato solitário
(NTS), que situa-se na parte dorsal do bulbo e é o recipiente das aferências viscerais dos
nervos vago e glossofaríngeo, particularmente, aferências quimiorreceptoras e
barorreceptoras, cardíacas, e pulmonares. Contudo, enquanto as conexões da MCPA com
o hipotálamo (fascículo longitudinal dorsal) já eram conhecidas há mais de um século, as
projeções do NTS ao hipotálamo (e à amígdala) somente foram descritas em 1978, pelo
neuroanatomista brasileiro Juarez A. Ricardo. Estas projeções constituem um verdadeiro
„lemnisco medial‟ das vísceras, informando o hipotálamo continuamente acerca das
condições do „meio interno‟ (o milieu interieur, na acepção de Claude Bernard).
Presumivelmente, o hipotálamo utiliza estas informações para alterar o meio interno
através de respostas endócrinas ou viscerais, adaptando o organismo às demandas do
ambiente. As projeções solitário-hipotalâmicas fornecem um importante substrato
neuroanatômico do conceito de „homeostase‟ criado por Cannon para referir-se ao
conjunto de reflexos que impõem limites às flutuações do meio interno.
As outras estruturas situam-se rostralmente ao hipotálamo. Elas estão nos
hemisférios cerebrais. Há mais de um século, o neuroanatomista francês Pierre P. Broca
(o mesmo que descreveu a área da fala) observou que além dos lobos frontal, parietal,
temporal e ocipital, o bordo livre do córtex cerebral forma um anel quase completo na
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 113

face medial dos hemisférios cerebrais. Ele denominou este anel de o grande lobo da orla
(le grand lobe de l’ourlet) (Fig. 5). Era uma visão forçada do que viu. Nos anos
posteriores ele foi persuadido a chamar o anel de o grande lobo límbico (le grand lobe
limbique). Posteriormente, no entanto, o anel passou a ser chamado de rinencéfalo, dada a
convicção de que ele somente serviria ao sentido da olfação. De fato, a única estrutura
sensorial diretamente conectada ao lobo límbico é o trato olfatório, que se liga ao uncus
(literalmente, gancho), uma região na base do cérebro em que o grande lobo límbico
dobra sobre si mesmo em direção caudal.

CORPO CÓRTEX DE
CALOSO ASSOCIAÇÃO

GIRO
CINGULADO
CÓRTEX
PRÉ-FRONTAL
MEDIAL

COMISSURA fórnice
ANTERIOR

HIPOTÁLAMO

BULBO LOBO TEMPORAL


OLFATÓRIO

HIPOCAMPO

PITUITÁRIA

Figura 5. Representação esquemática do „grande lobo da orla‟ ou „grande lobo límbico‟, de Pierre Broca.
Acima, localização esquemática das principais estruturas do prosencéfalo. Abaixo, representação
esquemática do grande lobo límbico num corte coronal dos hemisférios cerebrais.

A observação de que o olfato não era a principal fonte de informação do


„rinencéfalo‟ coube ao neuroanatomista norteamericano James W. Papez (a principal
fonte, que somente seria estabelecida 3 décadas após, é o córtex de associação). Papez
descreveu as vias que passaram a ser chamadas de circuito de Papez (Fig. 6). Seu estudo
teve um impacto enorme na medida que fornecia uma base neuroanatômica para a
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 114

influência do hipotálamo sobre o córtex cerebral ou, supostamente, como as emoções


alteram a nossa consciência.

CTX

fls

TA GCp
CPFm fx-pré

fmt fx
CA

fx-pós
CM
BO HA
HVM HP

P
LT

HPC

VIAS PRIMÁRIAS (Circuito de Papez)

Figura 6. O circuito de Papez. A descrição destas vias teve enorme importância na medida em que forneceu
um substrato neuroanatômico de possíveis influências hipotalâmicas sobre o córtex cerebral. Estas vias
poderiam explicar como as emoções alteram nossa consciência. Esquema superior: 1. fascículo
mamilotalâmico, 2. fascículo longitudinal superior, 3. fórnice. Esquema inferior: BO – Bulbo olfatório, CA
– comissura anterior, CTX – Córtex de associação, P – Pituitária, LT – lobo temporal, CPFm – córtex pré-
frontal medial, CM – corpos mamilares, fmt – fascículo mamilotalâmico, TA – tálamo anterior, fls –
fascículo longitudinal superior, GCp – giro cingulado posterior, HPC – hipocampo, fx – fórnice, fx-pré –
fórnice pré-comissural, fx-pós – fórnice pós comissural, HA – hipotálamo anterior, HVM – hipotálamo
ventromedial, HP – hipotálamo posterior.

O conceito de sistema límbico foi introduzido por Paul McLean, em


meados do século passado, no contexto de uma explicação evolucionária da consciência e
das emoções. Ele baseou-se no fato de que o neocórtex é uma especialização dos
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 115

mamíferos. Como o raciocínio e a memória são especialmente desenvolvidos em


mamíferos, particularmente, em macacos e humanos, os processos cognitivos deveriam
ser processados no neocórtex. Em contraste, as emoções seriam processadas nas estruturas
cerebrais mais antigas, como aquelas da face medial dos hemisférios conectadas pelo
circuito de Papez, ou pela amígdala, que no homem e macacos situa-se no lobo temporal.
Estas estruturas comporiam o sistema límbico na acepção de Paul McLean (Fig. 7). A
amígdala conecta-se ao hipotálamo por vias distintas do circuito de Papez, vale dizer, as
vias amidalofugais ventrais e a estria terminal. Enquanto as primeiras transitam pela base
do cérebro (no homem cursam a ansa peduncularis), a estria terminal faz um contorno
longo e caprichoso, dirigindo-se dorsalmente sobre o núcleo caudado antes de projetar-se
ventralmente ao núcleo intersticial da estria terminal e, em seguida, ao hipotálamo (Fig.
7). Portanto, o sistema límbico de Paul McLean era formado pelo circuito de Papez e
conexões da amígdala e hipotálamo.
Por mais imprecisos que sejam os limites do sistema límbico, podemos
defini-lo atualmente pelo conjunto de estruturas que têm conexões íntimas com o
hipotálamo. Esta definição baseia-se no papel central do hipotálamo na integração das
respostas somáticas, viscerais e endócrinas inerentes aos comportamentos motivados e
emocionais. Segundo o neuroanatomista Walle J. H. Nauta, esta definição força-nos à
inclusão do córtex pré-frontal medial como o pólo rostral do sistema límbico. Portanto,
o sistema límbico seria composto pelo anel central (giro cingulado e região hipocampal),
2 extensões no plano medial do cérebro (rostralmente, o córtex pré-frontal medial, e,
caudalmente, as estruturas do mesencéfalo), e 2 expansões laterais nos lobos temporais
(núcleos da amígdala). Segundo Nauta, as estruturas do sistema límbico seriam
interconectadas por 3 grandes circuitos: as vias primárias seriam compostas pelo circuito
de Papez, as secundárias pelas vias amigdalino-hipotalâmicas e as terciárias, pelas vias
septo-habênulo-tegumentares, que incluem a estria medular e o fascículo retroflexo
(Figs.8). O sistema terciário é particularmente interessante, pois conecta as estruturas do
sistema septo-hipocampal, gânglios da base (globo pálido medial) e hipotálamo às
estruturas mais caudais do mesencéfalo (núcleos dorsal e mediano da rafe, MCPA e o
núcleo interpeduncular, cujas funções permanecem desconhecidas). Este sistema
possibilitaria a influência de estruturas prosencefálicas envolvidas no processamento
cognitivo (atenção, memória e expectativa) sobre estruturas do mesencéfalo implicadas na
execução dos comportamentos inatos.
Adicionalmente, a MCPA recebe aferências do telencéfalo e hipotálamo
através do fascículo longitudinal dorsal que cursa o plano medial do tronco cerebral. Por
fim, pode-se ainda pensar num sistema quaternário de conexões límbicas, composto pelas
vias monoaminérgicos ascendentes provenientes do locus cerúleo (noradrenalina), área
ventral tegumentar (dopamina) e núcleos da rafe (serotonina). Estas vias exercem uma
forte modulação das estruturas do sistema límbico e são extremamente importantes na
ação de drogas psiquiátricas (Fig.9). O sistema límbico na concepção de Nauta está
ilustrado na Figura 10.
Além do trato solitário-hipotalâmico, o sistema límbico tem acesso direto
às informações do meio externo por meio do trato olfatório acessório, do órgão vômero-
nasal à amígdala medial, que conduz informações de odores sexuais (ferormonios) e de
predadores (alormonios). Adicionalmente, as informações somestésicas e dolorosas
chegam ao teto do mesencéfalo por meio do trato espinotectal. Por sua vez, o hipotálamo
recebe informações visuais mediante o trato retino-hipotalâmico que têm importância
crucial no controle dos ritmos circadianos. Contudo, o sistema límbico também obtém
informações indiretas por meio de inúmeras vias multissinápticas (Fig.11).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 116

CTX

fls

TA GCp
CPFm fx-pré

fmt fx
CA
NIET
NPV et

fx-pós
CM
BO HA
HVM HP

P
vav
LT

AM AC HPC
ABL

VIAS PRIMÁRIAS (Circuito de Papez)


VIAS SECUNDÁRIAS (vias amigdalo-hipotalâmicas)

Figura 7. O sistema límbico. Paul McLean incluiu a amígdala ao Circuito de Papez e criou o conceito de
Sistema Límbico para indicar o conjunto de estruturas que apresenta conexões íntimas com o hipotálamo. A
amígdala conecta-se ao hipotálamo através das vias amigdalofugais ventrais e, através de um caprichoso
trajeto dorsal aos corpo estriado, pela estria terminal. A última pode mediar as respostas neuroendócrinas do
estresse. Esquema superior: 3a e 3b - componentes pré- e pós-comissurais do fórnice. 4. estria terminal, 5.
fibras amigdalofugais ventrais. Esquema inferior: AC – amígdala central, AM – amígdala medial, vav – vias
amigdalofugais ventrais, et – estria terminal, NIE – núcleo intersticial da estria terminal (bed nucleus of
stria terminalis), HPV – núcleo hipotalâmico paraventricular. Demais abreviaturas como na Figura 2.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 117

CTX

fls

TA GCp
CPFm fx-pré

S fmt fx
HB
CA
NIET fr
NPV et
em NCMR

fx-pós
CM
BO HA
HVM HP

NI
P
vav
LT

AM AC HPC
ABL

VIAS PRIMÁRIAS (Circuito de Papez)


VIAS SECUNDÁRIAS (vias amigdalo-hipotalâmicas)
VIAS TERCIÁRIAS (vias septo-habênulo-mesencefálicas)

Figura 8. Vias terciárias do Sistema Límbico. O fórnice também projeta-se densamente para a área septal
lateral, que é uma área de projeção específica do hipocampo. Através da estria medular, a área septal
projeta-se para a habênula (estrutura do epitálamo) e esta para os núcleos central mediano da rafe e
interpeduncular, via fascículo retroflexo (trato de Vicq d‟Azyr). Desta forma, a área septal pode modular os
núcleos mesencefálicos monoaminérgicos, em particular, o NCMR, que se projetam para estruturas
telencefálicas (Fig. 6). Abreviaturas: S – septo, em – estria medular (do tálamo), HB – habênula, fr –
fascículo retroflexo, NCMR – núcleo central mediano da rafe, NIP – núcleo interpeduncular.

VI. FUNÇÕES ESPECÍFICAS DO SISTEMA LÍMBICO

A Resposta de Estresse: O conceito de „estresse‟ (stress) foi introduzido pelo fisiologista


austríaco Hans Selye e tem um significado similar, ou complementar, ao conceito da
reação de emergência de Cannon. Contudo, a despeito de sua ampla utilização tanto por
leigos quanto cientistas, não há consenso sobre o significado exato do termo. Numerosas
definições têm sido propostas, variando-se a ênfase no estímulo, na duração, na resposta
ou no procedimento adotado na produção do estresse. Estas conceituações também variam
quanto aos aspectos considerados centrais, ora inclinando-se para a fisiologia, ora para o
comportamento. A despeito do emprego pouco rigoroso do termo na atualidade, Selye foi
o responsável pelo seu sentido „nosológico‟, definindo „estresse‟ como uma demanda
intensa ao organismo, tanto física quanto psicológica cuja permanência resultaria no
desenvolvimento de inúmeras de doenças.
Mais importante, Selye conceituou o „estresse‟ como uma reação
inespecífica do organismo a uma variedade de agentes agressores. A noção de
„inespecificidade‟ da resposta de estresse foi desenvolvida a partir da observação do
aumento da atividade do córtex adrenal por uma extensa variedade de estímulos,
incluindo trauma, hemorragias, queimaduras, calor, frio, raio-X, exercício muscular,
anóxia, infecção, estímulos psicológicos e vários tipos de drogas. A exposição do
organismo a estes estímulos desenvolveria a „síndrome geral de adaptação‟, uma
síndrome tripartite caracterizada por hipertrofia das adrenais, ulceração gastrointestinal e
involução timo-linfática.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 118

CTX

fls

TA GCp
CPFm fx-pré

S fmt fx
HB
CA
NIET fr
NPV et
em NCMR
fpm
fx-pós
CM
BO HA
HVM HP fnd LC

NI AVT
P
vav
LT

AM AC HPC
ABL

VIAS PRIMÁRIAS (Circuito de Papez)


VIAS SECUNDÁRIAS (vias amigdalo-hipotalâmicas)
VIAS TERCIÁRIAS (vias septo-habênulo-mesencefálicas)
VIAS QUATERNÁRIAS (vias monoaminérgicas cerúleo-rafe-septo-hipocampais)

Figura 9. Vias quaternárias do Sistema Límbico. O desenvolvimento dos métodos neuroquímicos modernos
de mostrou que as projeções noradrenérgicas do locus cerúleo (LC), dopaminérgicas da área ventral
tegumentar de Tsai (AVT) e serotonérgicas do núcleo central mediano da rafe (NCMR) projetam-se para
áreas extensas do sistema límbico. Abreviatura: fnd – fascículo noradrenérgico dorsal, fpm – fascículo
prosencefálico medial. Demais abreviaturas como nas figuras anteriores.

Segundo Selye, a síndrome desenvolver-se-ia em 3 estágios das respostas


do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) (Fig. 12). No primeiro estágio, a „reação de
alarme’, consistiria numa descarga maciça de hormônios adrenais, com alterações
dramáticas dos mecanismos homeostáticos, incluindo distúrbios da pressão sanguínea, dos
níveis circulantes de glicose, balanço eletrolítico, alterações da permeabilidade da
membrana, etc. Posteriormente, observou-se que o sistema reprodutivo também sofre os
efeitos do estresse agudo. Assim, a despeito do aumento acentuado da secreção de
prolactina, a lactação é reduzida pela inibição da secreção de ocitocina.
Havendo a persistência do estímulo estressor, a síndrome evoluiria para o
estágio seguinte à reação de alarme, o „estágio de resistência‟. Neste, a secreção de
corticosteróides permaneceria alta, porém estável, e o organismo se adaptaria ao estresse,
com a conseqüente melhora ou desaparecimento dos sintomas. Por outro lado, ocorreriam
disfunções acentuadas dos sistemas sexual e reprodutor. Nos machos, haveria a redução
da espermatogênese e da secreção de testosterona, com o retardo da puberdade e, nas
fêmeas, ocorreria dismenorréia ou amenorréia em primatas ou distúrbios do ciclo estral
em não-primatas, redução do peso uterino, inibição ou supressão da ovulação, abortos e
redução da lactação.
Finalmente, se o estímulo estressor permanece por um período
suficientemente longo, a síndrome evolui para o terceiro estágio, o „estágio de exaustão‟,
no qual a hipófise e adrenais esgotam seus hormônios e o organismo perde a capacidade
de adaptação. Este estágio, característico do estresse severo e/ou duradouro, arruinaria as
defesas do organismo levando ao reaparecimento dos sintomas e ao colapso de funções e
órgãos vulneráveis, como a função imunológica e o trato gastrointestinal, podendo ser
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 119

fatal. Num certo sentido, a terceira fase poderia ser chamada de „síndrome geral de
desadaptação‟.

CTX

fls

TA GCp
CPFm fx-pré

S fmt fx
HB
CA
NIET fr
NPV et
em NCMR
fpm
fx-pós fs
CM
BO MCPA
HA LC
HVM HP PMD fnd

NI AVT
P
vav
LT

AM AC HPC
ABL

VIAS PRIMÁRIAS (Circuito de Papez)


VIAS SECUNDÁRIAS (vias amigdalo-hipotalâmicas)
VIAS TERCIÁRIAS (vias septo-habênulo-mesencefálicas)
VIAS QUATERNÁRIAS (vias monoaminérgicas cerúleo-rafe-septo-hipocampais)
FASCÍCULO LONGITUDINAL DORSAL DE SCHÜTZ (vias hipotalamico-mesencefálicas)

Figura 10. As conexões do telencéfalo e do mesencéfalo ao hipotálamo complementam o sistema límbico na


concepção de Walle Nauta. O fascículo longitudinal dorsal (fs, fascículo de Schütz) é uma importante via
das eferências diencefálicas à matéria cinzenta periaquedutal (MCPA). Esquema superior: PMD – núcleo
pré-mamilar dorsal do hipotálamo, Esquema inferior: 6. fascículo córtico-hipotalâmico, 7. fibras córtico-
corticais, 8. estria medular, 9. fascículo retroflexo, 10. fascículo mamilotegmental, 11. fascículo longitudinal
dorsal (Schütz), 12. fascículo uncinado.

Portanto, em franca oposição aos postulados de Pasteur, Koch e outros


cientistas que afirmavam que as doenças tinham causas específicas, Selye ressaltou a
importância de causas inespecíficas, denominados genericamente de estressores.
Adicionalmente, enquanto Cannon analisou os efeitos agudos ao estresse, demonstrando a
necessidade biológica e o sentido adaptativo das respostas que acompanham as reações de
fuga e luta (a reação de emergência); Selye ressaltou os aspectos nocivos da persistência
do estresse. Conseqüentemente, Cannon cunhou o conceito de homeostase em alusão ao
conjunto de reflexos que visa a manutenção da estabilidade do meio interno, e Selye
introduziu o conceito de estresse para referir-se aos desequilíbrios do meio interno
produzido por demandas intensas ao organismo. Estes desequilíbrios estão subentendidos
nos conceitos mais recentes de „alostase‟, ou „carga alostática‟, opostos à homeostase. Os
estudos pioneiros de Cannon e Selye abriram o caminho para um campo amplo e
interdisciplinar de pesquisa sobre o estresse, com vertentes complementares, abordando,
por um lado, os mecanismos de ativação simpática e adrenomedular, e por outro, as
respostas endócrinas e imunológicas ao estresse. (Figs. 12-13).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 120

GCa
CTX

fls

GCp V1
CPFm TA
fx-pré

S fmt fx
HB
CA
NIET fr
NPV et
em NCMR
fpm CS
fx-pós fs
CM
BO MCPA
tolf HA LC
HVM HP PMD fnd
trh NTS

top NI AVT
GM
tolf-ac P
vav
LT

AM AC HPC
ABL
tet
VIAS PRIMÁRIAS (Circuito de Papez)
VIAS SECUNDÁRIAS (vias amigdalo-hipotalâmicas) NC

VIAS TERCIÁRIAS (vias septo-habênulo-mesencefálicas)


VIAS QUATERNÁRIAS (vias monoaminérgicas cerúleo-rafe-septo-hipocampais)
FASCÍCULO DE SCHÜTZ (vias hipotalamico-mesencefálicas)
PORTAS DO SISTEMA LÍMBICO

Figura 11. Portas do sistema límbico. Os estímulos externos podem influenciar a atividade do sistema
límbico diretamente, via trato olfatório acessório (tolf-ac), que monitora ferormônios, ou trato retino-
hipotalâmico (trh), que controla os ritmos circadianos, ou ainda, via trato espinotectal (tet), que conduz
informações nociceptivas. Também pode receber informações indiretas visuais do colículo superior (CS),
córtex visual primário (V1) e córtex auditivo primário (A1). Por fim, recebe informações viscerais do
núcleo do trato solitário (NTS).

Medo e Comportamento de Defesa: Conforme mencionamos no início deste capítulo, os


experimentos pioneiros de Walter Cannon e Philip Bard e, posteriormente, por Walter
Hess, demonstraram o papel cardinal do hipotálamo no controle dos comportamentos de
defesa (luta e fuga). Posteriormente, diversos estudos demonstraram que a estimulação ao
longo de uma cadeia de estruturas formada pela amígdala central, zona medial
perifornicial do hipotálamo e MCPA dorsal (MCPD), eliciava a reação de defesa. Robert
Hunsperger, um discípulo de Hess, mostrou que o „sistema de defesa‟ está organizado
hierarquicamente. Assim, enquanto as lesões da amígdala e hipotálamo não tinham efeito
sobre a reação de defesa induzida pela estimulação da MCPD, a lesão desta estrutura
abolia as respostas produzidas pela estimulação das primeiras (Fig. 14). A MCPD dorsal
parecia ser a „via final‟ da reação de defesa, uma vez que esta não podia ser obtida por
estimulação de estruturas mais caudais, da ponte e bulbo. Estes comportamentos de defesa
eram acompanhados de ajustes cardiovasculares e respiratórios idênticos aos observados
durante a luta e/ou fuga. Tipicamente, ocorre um aumento da pressão arterial e da
freqüência cardíaca, acompanhados por vasoconstrição dos leitos visceral e da pele e
vasodilatação do leito muscular. O fluxo cerebral mantém-se constante, ou é aumentado.
Também ocorre um aumento acentuado do volume minuto respiratório. Estes ajustes
resultam no desvio de uma fração maior do débito cardíaco para a musculatura
esquelética, coração e cérebro, garantindo um aporte adequado de oxigênio e nutrientes
aos órgãos vitais para a luta e/ou fuga.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 121

Estas estruturas parecem ser ativadas no medo instintivo e condicionado.


De fato, LeDoux demonstrou que a amígdala é uma estrutura central na integração das
respostas somáticas (reação de congelamento), viscerais (hipertensão) e endócrinas
(secreção de cortisol) a um som (CS, estímulo condicionado) que havia sido previamente
pareado a um choque elétrico (US, estímulo incondicionado). Assim, enquanto as lesões
da amígdala aboliram todas as respostas, as lesões do hipotálamo aboliram as respostas
cardiovasculares, e as lesões da MCPD aboliram a reação de congelamento. É interessante
notar que o condicionamento a sons aversivos ocorreu em ratos com lesão completa do
córtex auditivo, mostrando que a amígdala pode processar estas informações
independentemente das vias tálamo-corticais, possivelmente, de forma inconsciente (Fig.
15).
A amígdala tem, no entanto, inúmeras funções. por exemplo, macacos com
lesões bilaterais extensas do lobo temporal desenvolvem a Síndrome de Klüver-Bucy, ou
cegueira psíquica (psychic blindness). Estes animais são incapazes de reconhecer a
natureza dos objetos, levando à boca um fósforo aceso, uma serpente viva, ou mesmo suas
fezes. Adicionalmente, apresentam hipersexualidade e tentam montar fêmeas não
receptivas, macacos machos, cachorros, gatos, e até mesmo galinhas. Reintroduzidos em
seu habitat natural, eles não sobrevivem. A razão parece ser simples: eles se isolam do
grupo, perdem a „sociabilidade‟.

A SÍNDROME GERAL DE ADAPTAÇÃO SE DESENVOLVERIA EM 3 ESTÁGIOS

ESTRESSE ORIGINAL
RESISTÊNCIA AO ESTRESSE

GLICOCORTICÓIDES

NORMAL
Anti-Choque
Choque

ESTRESSE NOVO

ALARME RESISTÊNCIA EXAUSTÃO

Figura 12. A síndrome geral de adaptação. Após a resposta inicial („reação de alarme‟), segue-se o
„estágio de resistência‟ durante o qual a resistência ao estresse original continua a se desenvolver, com o
aumento dos níveis de glicocorticóides (representados por linhas vermelhas), mas declina para novas
formas de estresse. Se o estresse continua por tempo suficiente, o estágio de resistência é substituído
pelo „estágio de exaustão‟, com o declínio catastrófico da resistência a todas formas de estresse.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 122
RESPOSTA NEURO-HUMORAL NO ESTRESSE

ESTRESSE
PVN HPC CÉREBRO SNS

HIPOT
ADRENAL

AVP CRF
NA GLICOCORTICÓIDES
EPI HIPÓF
ANG-II
VIP

EPI

TIMO
ALDO
18-OH-11
ACTH DOCA ANGIO
RENINA
RIM

Figura 13. Resposta neuro-humoral do estresse. Os círculos e traços brancos representam neurônios
do sistema nervoso simpático (SNS). As setas vermelhas representam estimulação ou liberação, e as
setas azuis representam controles de retroalimentação negativa. CRH – hormônio liberador da
corticotrofina, ANG-II – angiotensina II, NE – norepinefrina, EPI – epinefrina, HAD – hormônio
antidiurético, VIP – peptídeo intestinal vasoativo, ACTH – corticotrofina, 18-OH-11-DOCA – 18-
hidróxi-desóxicorticosterona.

VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O SISTEMA LÍMBICO

Os aspectos discutidos ilustraram o papel de diversas estruturas do sistema


límbico onde, na concepção de Nauta, as estruturas telencefálicas exerceriam um papel
modulador nos núcleos hipotalâmicos e mesencefálicos que seriam responsáveis pela
deflagração de respostas homeostáticas e comportamentais.
No entanto, o conceito de sistema límbico tem sido criticado pela
imprecisão dos limites e generalidade de suas funções. Particularmente, o neurocientista
Joseph LeDoux propõe que ele seja abandonado, argumentando a impossibilidade de se
realizar qualquer previsão acerca do comportamento com base neste conceito. No seu
lugar propõe a investigação dos circuitos específicos das diversas emoções (medo, raiva,
prazer, etc). Para isto LeDoux sugere que o foco seja dirigido para o estudo dos substratos
neurais de modelos comportamentais estabelecidos, como o condicionamento aversivo, o
susto potenciado pelo medo, os circuitos ativados por predadores ou seus odores, etc.
Não obstante, o conceito de sistema límbico tem resistido ao tempo,
possivelmente, por ser um modelo tão complexo quanto as emoções e comportamentos
que busca explicar. Neste sentido, a dicotomia das esferas emocional e cognitiva vem
sendo abandonada em favor de modelos que integrem ambos os processos. As estruturas
do sistema límbico fornecem um substrato desta integração. De fato, a estimulação destas
estruturas em humanos produz estados emocionais praticamente idênticos às emoções
naturais. Assim, a estimulação do hipotálamo posterior, da amígdala e, principalmente, da
MCPD, produz sensações de ansiedade, medo, pânico ou terror similares às vivenciadas
naturalmente. Ao contrário, a estimulação do hipotálamo lateral causa um prazer tão
intenso que os indivíduos ficam „dependentes‟ da estimulação.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 123

Figura 14. Modelo da organização hierárquica do sistema de defesa do gato. Lesões da amígdala (AMI) e
hipotálamo (HIP) não aboliram a reação de defesa eliciada por estimulação da matéria cinzenta
periaquedutal (MCPA). Ao contrário, as lesões desta estrutura aboliram a reação de defesa induzida por
estimulação das primeiras estruturas. Abreviaturas: CS – colículo superior, CTX – córtex, et – estria
terminal, fld – fascículo longitudinal dorsal (Schütz), fmt-fascículo mamilotalâmico, fx – fórnice, HIP –
hipotálamo, MCPA – matéria cinzenta periaquedutal, P – ponte, TA – tálamo anterior (modificado de De
Molina e Hunsperger, 1962).

Em animais, a exploração territorial em busca de água, comida, ou parceiro


sexual, é outro exemplo da mobilização conjunta dos mecanismos motivacionais do
hipotálamo e processos cognitivos corticais. Nestas situações ocorre tanto o aguçamento
da atenção, principalmente, durante a caça, quanto a recuperação de memórias de fontes
de alimentos, processos que envolvem o córtex pré-frontal e o hipocampo,
respectivamente. Como estes processos envolvem a mobilização simultânea da atenção e
memória, eles são provavelmente associados à „memória operacional‟, ou seja, ao
armazenamento temporário de fatos (novos ou antigos) que nos auxiliam a operar o
ambiente.
O hipocampo também está envolvido na consolidação da memória, ou seja, na
conversão de memórias temporárias em permanentes que seriam armazenadas nos córtices
de associação. A primeira evidência do envolvimento desta estrutura na consolidação da
memória surgiu nos anos 50 após o resultado dramático da excisão bilateral do hipocampo
de um paciente com epilepsia do lobo temporal. O paciente H.M. perdeu a capacidade de
memorizar fatos recentes, mas preservou a memória dos fatos antigos. Portanto, perdeu a
capacidade de consolidação da memória. As emoções humanas também são fortemente
influenciadas por memórias antigas e, em grau muito menor, pela cognição. De fato, a
despeito do conhecido envolvimento do córtex pré-frontal e hipocampo em processos
cognitivos, eles são parte constitutiva do sistema límbico.
Apesar das críticas, as vias que compõem o sistema límbico e que foram
descritas ao longo de décadas fornecem um plano geral da organização dos circuitos
subcorticais que tem sido a inspiração de modelos extremamente influentes das bases
neurais do medo e ansiedade. Dentre estes, o sistema de inibição comportamental de
Jeffrey A. Gray (1934-2004) constitui-se no desenvolvimento mais conseqüente das
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 124

Figura 15. Vias envolvidas na resposta de medo condicionado (reação de congelamento) produzida por um
som que foi previamente pareado a um choque. O estímulo condicionado (CS) é processado por duas vias:
1) a via do corpo geniculado medial pars ventralis (GMv), que projeta-se ao córtex auditivo, e 2) a via do
corpo geniculado medial pars medialis (GMm), que projeta-se ao córtex auditivo e amígdala lateral (LA).
Presumivelmente, o processamento do pareamento som-choque ocorreria na amígdala que recebe as duas
aferências. As respostas comportamentais, autonômicas e neuroendócrinas do medo condicionado seriam
mediadas pelas projeções da amígdala central (CE) ao hipotálamo e MCPA. Outras abreviaturas: AB -
núcleo anterobasal da amígdala B – núcleo basal da amígdala, CPU – caudato/putamen, HPA – eixo
hipotálamo-pituitária-adrenal, PIR – córtex piriforme, PRh – córtex peri-rinal (modificado de LeDoux,
2001).

implicações fisiológicas do circuito de Papez. De forma similar, o modelo de Bill Deakin


e do neurocientista brasileiro Frederico G. Graeff, publicado em 1991, também incorpora
a maioria das vias do sistema límbico. Por fim, o próprio LeDoux utiliza parte destas vias
como substrato anatômico de seu modelo de medo condicionado
Concluindo, enquanto LeDoux propõe a construção do edifício das
emoções, tijolo a tijolo, vários autores ainda buscam inspiração nas vias do sistema
límbico como se fossem a planta geral do edifício e outros, como Larry Swanson, têm
proposto plantas igualmente genéricas que possam nos auxiliar na compreensão deste
incrível computador.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 125

ANSIOLÍTICOS, PANICOLÍTICOS E
AGENTES ANTI-OBSESSIVOS

1) AS FORMAS DA ANSIEDADE: O medo está associado a vários estados


emocionais, fisiológicos ou patológicos. Contudo, a literatura nem sempre é clara
acerca dos significados - semântico, biológico e clínico - de nervosismo, ansiedade,
angústia, pânico, fobias, estresse, e outros estados emocionais relacionados ao medo.
O termo ansiedade provém de anxietas, que em latim significa aperto ou
constrição. Embora o idioma alemão não tenha termo homólogo à ansiedade, ele tem
angústia (Angst), que foi o termo utilizado por Sigmund Freud para descrever os
estados ansiosos. Angústia provém do latim angustus (estreito, apertado), ou angere
(apertar, afogar), cujos significados são praticamente idênticos a anxietas. Portanto, o
significado etimológico de ambos os termos sugere a sensação de „falta de ar‟, „asfixia‟
ou „sufocamento‟, que é um dos sintomas cardinais da ansiedade.
De fato, Freud sugeriu que a universalidade dos sintomas de asfixia nos
estados ansiosos é a repetição da experiência primal e traumatizante do nascimento. A
concatenação de sensações dolorosas, de excitação e sensações corporais, bem como a
interrupção e retorno do suprimento sangüíneo, que acompanham o parto, seriam o
protótipo de todas ocasiões em que a vida é ameaçada. Notavelmente, Freud sugeriu
que a primeira experiência de ansiedade ocorre no momento mesmo em que a criança é
separada da mãe.
Grande parte da psicopatologia freudiana ocupa-se dos transtornos de
ansiedade, que ele classificava em histerias (de ansiedade ou conversão), neuroses (de
angústia ou traumática), neurastenias (hipocondria associada à neurose de angústia),
fobias e obsessões, a maioria dos quais têm transtornos correspondentes na psiquiátrica
contemporânea (ver abaixo). Conseqüentemente, Freud concedeu uma importância
central a este tema. Contudo, ressaltou que embora todos saibam, ou julguem saber, o
que sejam ansiedade e terror, a definição destas emoções é bastante complexa.
Advertiu, por exemplo, que o uso intercambiável dos termos nervoso e ansioso, tão
comum no nosso dia-a-dia, não tem justificativa clínica, pois existem pessoas ansiosas
que não são „nervosas‟ (irritáveis, agressivas) em nenhum sentido que se possa
imaginar e, por outro lado, indivíduos „neuróticos‟ que não têm a menor
suscetibilidade às crises de angústia.
Freud também ressaltou a existência de estados ansiosos essencialmente
distintos da ansiedade patológica, tal como a ansiedade gerada por perigos externos
que é associada aos comportamentos de defesa (fuga ou ataque) e à preservação do
indivíduo. Salienta, no entanto, que enquanto a ansiedade patológica é irracional, a
ansiedade objetiva é racional e conveniente. O caráter racional da ansiedade objetiva
se expressa na influência de fatores culturais, tanto na avaliação da ameaça quanto na
intensidade da ansiedade. Por exemplo, um marinheiro percebe com ansiedade
mudanças de tempo que nada dizem aos leigos em navegação. De forma similar, a
pegada de um animal na floresta, imperceptível ao cidadão urbano, pode causar terror
no selvagem.
Contudo, Freud foi além e questionou a suposta „racionalidade‟ e
„conveniência‟ da ansiedade objetiva. Notou, por exemplo, que embora o único
comportamento conveniente face ao perigo seja a análise fria da magnitude da ameaça
e das possibilidades de defesa, o terror gera comportamentos totalmente inadequados,
como a paralisia total do indivíduo (inibição comportamental), podendo mesmo
suprimir a resposta de fuga. Portanto, para Freud, a reação ao perigo teria dois
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 126

elementos, (1) uma emoção similar ao medo e (2) o comportamento de defesa (fuga
ou ataque e respostas autonômicas) que seria o único elemento conveniente (um
biólogo diria adaptativo). Conseqüentemente, questionou se haveria alguma situação
em que a ansiedade fosse, de fato, útil à proteção do indivíduo. Para responder esta
questão, Freud dividiu a reação emocional ao perigo em dois componentes, (1) a
ansiedade preparatória (anxious readiness), que se expressaria pelo aguçamento dos
sentidos e aumento do tono muscular, e (2) o desenvolvimento da ansiedade
(development of anxiety), propriamente dita. Freud concluiu que a ansiedade
preparatória é o único elemento conveniente da reação ao perigo, uma vez que que
facilita a resposta de fuga.
Embora o aguçamento dos sentidos e o aumento do tono muscular também
sejam produzidos pelo mero aumento da atenção, a natureza aversiva da ansiedade
adiciona propriedades motivacionais inexistentes na primeira. Assim, quando a
perspectiva de uma prova gera níveis adequados de ansiedade (ansiedade preparatória),
o aluno é motivado ao estudo, protegendo-se de uma eventual punição. A ansiedade
declinará à medida que ele obtém as informações necessárias para ser aprovado. Nesta
situação, níveis reduzidos de ansiedade geraram respostas apropriadas, exercendo um
papel motivacional adequado. Contrariamente, níveis intensos de ansiedade (terror)
seriam prejudiciais ao aprendizado que é a defesa do aluno contra uma eventual
reprovação. Em 1906, Yerkes e Dodson, pioneiros da psicologia animal comparativa,
chegaram a conclusões semelhantes ao demonstrar que existe um nível ótimo de
„ativação emocional‟ (arousal, stress) para o desempenho de uma tarefa de uma dada
complexidade, havendo a deterioração do desempenho nos níveis mais intensos de
ativação. A relação em „U‟ invertido entre aprendizado e ativação emocional ficou
conhecida como a lei de Yerkes-Dodson.
Dois aspectos de extrema importância estão ausentes na análise de Freud
sobre a ansiedade objetiva. Primeiro, a imobilidade comportamental (congelamento)
também ocorre em níveis reduzidos de ansiedade e é um recurso altamente conveniente
das presas para passarem despercebidas aos predadores. Em realidade, acredita-se que
a resposta de fuga seja menos característica da ansiedade do que a imobilidade. O
segundo aspecto foi ressaltado por Nicolaas Tinbergen (um dos fundadores da
etologia) e desenvolvido em profundidade por John Bowlby. Trata-se da a função do
medo na promoção da coesão social, reforçando os laços de grupo durante a defesa dos
indivíduos adultos ou da prole.
Analisando a diferença dos termos medo e ansiedade, Freud sugere que a
ansiedade está associada à condição emocional, propriamente dita, enquanto o medo
refere-se ao mesmo estado emocional, porém, com a atenção voltada a um objeto
externo. A ansiedade patológica seria, desta forma, o medo sem causa conhecida.
Freud chamou o transtorno de ansiedade generalizada de „expectativa
ansiosa‟ (anxious expectation) e considerou ser o sintoma central das neuroses, é
exemplar desta condição. Nas palavras de Freud, o transtorno consiste num „quantum
de ansiedade flutuante (a quantum of freely floating anxiety) que controla nossas idéias
por atecipação‟. Por exemplo, a esposa que sofre de ansiedade generalizada teme
contrair pneumonia toda vez que seu marido tosse, situações em que lhe ocorre a idéia
de uma procissão fúnebre. Se ao chegar à sua casa, encontra dois homens conversando,
imagina que um dos filhos caiu da janela; se ela escuta um sino tocar, imagina que
virão trazer-lhe más notícias, etc.
A definição de ansiedade como medo sem causa conhecida, é
particularmente ilustrativa das neuroses freudianas que seriam devidas a traumas
(experiências emocionalmente carregadas) associados a predisposições da libido
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 127

herdadas ou adquiridas em experiências infantis ou da vida adulta. Não obstante,


enquanto os traumas infantis (principalmente, abusos sexuais por parte dos pais)
tiveram maior importância nos primórdios da psicanálise, as predisposições da libido e
fantasias sexuais (complexo de Édipo, etc) constituirão o cerne da teoria psicanalítica
plenamente desenvolvida. Em todo caso, Freud ressaltou que a ignorância dos
pacientes acerca das causas de sua angústia devia-se à natureza inconsciente destes
processos. Dentre os casos mais simples, Freud descreveu uma senhora com neurose
obsessiva cuja compulsão, praticada várias vezes ao dia, consistia em correr do seu
aposento à sala anexa, adotar uma postura específica sobre uma mesa, chamar a
empregada com uma campainha, dar uma ordem trivial, ou simplesmente liberá-la sem
motivo algum, e então correr de volta aos seus aposentos. A análise da paciente
mostrou que a compulsão estava ligada à noite de núpcias, na qual o marido, já idoso,
entrou e saiu repetidamente do quarto pois não conseguiu consumar o ato conjugal. Na
manhã seguinte, queixou-se raivosamente que o lençól imaculado era „suficiente para
desgraçar um homem aos olhos da servente que faz as camas‟, e derramou tinta
vermelha para enganar a empregada. No ato compulsivo a espôsa toma o lugar do
marido e adota uma postura sobre a mesa que força a empregada a ver uma mancha na
toalha.
Segundo Freud, a ansiedade e seus sintomas comportamentais seriam o
resultado de uma libido insatisfeita (desejos sexuais não realizados) que, frustrada
pela realidade, teve de buscar outras vias de satisfação. Se a realidade é inexorável e
interdita todas as possibilidades de satisfação, mesmo quando a libido já está preparada
para substituir o objeto que lhe foi negado (pais) por outro (cônjuge), a libido será
sofre regressão, buscando satisfação em objetos prazeirosos que já haviam sido
abandonados desde a mais tenra infância (fixações). Caberia à psicanálise trazer o
trauma à luz, em toda sua plenitude, possibilitando o autoconhecimento do paciente e o
convívio deste com o trauma que, a partir do inconsciente, dominou a maior parte de
sua existência.
Mais recentemente, o influente psiquiatra Aubrey Lewis elaborou uma
definição fenomenológica da ansiedade, descrevendo-a como um „estado emocional
vivenciado com a qualidade subjetiva do medo ou emoção a ele relacionada [...]
desagradável [...] dirigido ao futuro [...] desproporcional (a uma ameaça
identificável) [...] [com] desconforto somático e subjetivo [...] e alterações somáticas
manifestas‟. Portanto, embora ambos os autores – Freud e Lewis - relacionem a
ansiedade ao medo, o segundo salienta que a ansiedade é um estado emocional
„dirigido ao futuro‟, mesmo quando originado de experiências passadas. De fato,
„expectativa‟ e „desejo veemente‟, ainda que carentes de qualquer conotação aversiva,
são os sentidos figurados do termo ansiedade em português e outros idiomas (diz-se,
por exemplo, „estou ansioso para abrir os presentes‟). Esta noção de que a ansiedade
dirige-se a um futuro incerto, sombrio e ameaçador define a ansiedade como o medo a
uma ameaça potencial.
De forma similar, a ansiedade cotidiana é vivenciada como a expectativa
de alguma ameaça que se revela indeterminada e imprecisa, e diante da qual sentimo-
nos indefesos e impotentes. Situações que envolvem expectativas aversivas, tais como
a possibilidade de demissões, dores sugestivas de doença grave ou instabilidade
política e econômica, são tipicamente ansiogênicas. Se a ansiedade é, nas palavras de
Lewis, desproporcional à ameaça, ela poderá originar comportamentos inadequados,
como a esquiva fóbica ou a paralisia, fazendo com que o indivíduo perca toda e
qualquer iniciativa para lidar com a situação. Nestes casos, ocorre o desenvolvimento
dos transtornos de ansiedade.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 128

O conflito também parece ser um traço comum de inúmeras situações que


geram ansiedade, ocupando um lugar central na conceituação de ansiedade na
psicanálise, no behaviorismo e outras ciências do comportamento. Comentando o
célebre caso do pequeno Hans, Freud diz „temos, portanto, um conflito devido à
ambivalência: um amor firmemente enraizado e um ódio não menos enraizado
dirigido contra uma e única pessoa [o pai]. A fobia [de cavalos] do pequeno Hans
deve ser uma tentativa de solução deste conflito‟ (Inibições, sintomas e ansiedade,
1926).
Embora o conflito também apareça em contextos mais abstratos da teoria
psicanalítica, por exemplo, nos mecanismos de repressão entre ego e id, ou ego e
superego, o exemplo do pequeno Hans tem similaridades notáveis com os conceitos de
conflito do behaviorismo (análise experimental do comportamento) e da etologia.
No behaviorismo, considera-se o conflito como um estado emocional
provocado pela apresentação de estímulos que produzem reações mutuamente
excludentes, tais como aproximação ou afastamento de um determinado objeto. O
modelo consiste no treino de um animal a pressionar uma barra que fornece alimento e,
adicionalmente, produz um choque de baixa intensidade, em tempo e freqüência
variáveis. Controlando-se a freqüência e intensidade do choque, pode-se produzir graus
variados de inibição do comportamento alimentar. O caráter ambivalente da barra é
evidente. Como a inibição comportamental é seletivamente revertida pelos ansiolíticos,
supõe-se que o „estado emocional‟ subjacente ao conflito experimental seja equivalente
à ansiedade.
Por sua vez, a etologia define o conflito quando há a ativação simultânea
de dois instintos, como fugir ou atacar, fugir e acasalar, etc. A solução do conflito pode
resultar na dominância de um comportamento sobre o outro, na produção de
comportamentos mistos, na produção de comportamentos alternados associados a um
ou outro instinto, ou no aparecimento de um comportamento novo, totalmente distinto
dos comportamentos originários. Um dos paradigmas de conflito mais estudados é o
comportamento de avaliação de risco (risk assessment behavior). Neste modelo, os
ratos são mantidos em tocas que se comunicam com um páteo externo no qual os ratos
se alimentam. Após alguns dias, o experimentador introduz um gato no páteo externo.
No dia em que o gato é apresentado, os ratos fogem ou permanecem imóveis no
interior da toca, com a atenção voltada para a área externa (esquiva passiva). A
avaliação de risco é observada nos dias seguintes, na ausência do gato. Os ratos
esticam o pescoço para fora da toca e cheiram e espreitam cautelosamente, avaliando
as condições de segurança do ambiente. Este comportamento é sugestivo do medo a
uma ameaça potencial e também é sensível aos ansiolíticos.
Os etologistas também demonstraram que as situações de conflito podem
gerar comportamentos que não podem ser imputados a nenhum dos instintos ativados.
São as „atividades deslocadas‟ (displacement activities). O conceito baseia-se na
hipótese de que a atividade deslocada não é ativada a partir do instinto original, mas
dos instintos que foram suprimidos na situação de conflito. Dentre inúmeros exemplos,
galos de briga cujo ataque foi inibido pela ativação simultânea do comportamento de
fuga, começam a bicar o chão, veados em conflito similar engajam-se numa
alimentação fictícia e alguns pássaros marinhos exibem incubação fictícia nos
intervalos de lutas. Aparentemente, a excitação represada transborda para outros canais
produzindo comportamentos inesperados. A analogia das atividades deslocadas com a
teoria psicanalítica da formação dos sintomas é simplesmente irresistível!
Os behavioristas descreveram um fenômeno semelhante chamado
comportamento adjuntivo. Nos experimentos de conflito experimental em que há a
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 129

inibição da pressão à barra, os animais, ao invés de permanecerem quietos, engajam-se


em atividades anormais, como beber quantidades enormes de água num recipiente
instalado ao lado da barra.
O conflito também é um dos alicerces da neuropsicologia da ansiedade de
Jeffrey A. Gray, possivelmente, o maior neuropsicólogo britânico. Gray propôs a
existência de um sistema de inibição comportamental (cujo substrato neural seria o
sistema rafe-septo-hipocampal) que realizaria previsões mediante a comparação da
situação atual com experiências anteriores. Se a situação presente estivesse de acordo
com as previsões baseadas em experiências passadas, o sistema operaria no modo de
verificação (check mode), sem interferir com as atividades em curso (exploração do
ambiente, interação social, comer, beber, etc). Contudo, se houvesse um conflito entre
a situação presente e a esperada, por exemplo, pela detecção de estímulos
desconhecidos (novidade), pela remoção de estímulos gratificantes (omissão de
reforço/frustração) ou pela sinalização de ameaças (punição), o sistema passaria a
operar no modo de controle (control mode), interrompendo as atividades em curso e
gerando as respostas somáticas e autonômicas características da ansiedade
(imobilidade, avaliação de risco ou esquiva acompanhadas de hipertensão, taquicardia,
hiperventilação, sudorese, peristaltismo, etc). O modelo de Gray é importante pois (1)
baseia-se no conflito e inibição comportamental, (2) envolve a memória, (3) inclui o
elemento de expectativa, (4) propõe um substrato neural e (5) é apoiado por inúmeras
evidências experimentais. No entanto, aplica-se, principalmente, à ansiedade natural e
ao transtorno de ansiedade generalizada.
O medo também se manifesta em ataques vertiginosos, na forma de fobias
específicas e ataques espontâneos de pânico. Freud abordou as fobias e os
transtornos de ansiedade (Angstneurose) em textos tão preliminares quanto os Estudos
Selecionados sobre a Histeria (1893-1908). Nestes, relacionou a natureza de
determinadas fobias à repetição de experiências universais que seriam mais
relacionadas à história da espécie que do indivíduo. Classificou estas experiências em
dois grupos, (1) as „ameaças gerais fisiológicas‟, tais como o medo de cobras,
tempestades, escuridão, vermes, insetos, e outras, nas quais o medo simplesmente
reforça as aversões instintivas de todo ser humano, e (2) a „agorafobia‟ (medo de
locais públicos) e todas formas acessórias que caracterizadas como distúrbios da
locomoção e episódios anteriores de vertigem. O primeiro grupo seria a base das
fobias compulsivas, que se desenvolvem quando uma reminiscência é associada a uma
experiência fóbica vivenciada num período mais tardio. Por exemplo, a fobia de ratos
de uma paciente originou-se na infância, quando sua mãe encontrou um rato assado ao
retirar o bolo do forno. Freud considerou que a transformação da experiência fóbica em
fobia compulsiva requer a presença da ansiedade generalizada (anxious expectation).
Os ataques espontâneos de pânico acompanham vários distúrbios
psiquiátricos e são os elementos centrais da „síndrome do pânico‟. Pânico provém de
Pã, o deus grego da natureza. Pã era temido pelos viajantes que tinham de atravessar
bosques durante a noite, pois a solidão e a escuridão de tais lugares geravam pavores
súbitos, desprovidos de qualquer causa aparente. Estes pavores eram atribuídos a ele e
chamados de terror pânico ou, simplesmente, pânico. Embora mitologicamente
associado ao terror sem causa aparente, o emprego cotidiano do termo refere-se às
situações em que a ameaça é presente e claramente identificável. Por exemplo, uma
falha numa turbina do avião, ou o desabamento do World Trade Center, são situações
normalmente associadas ao pânico. Portanto, diferentemente das respostas da
ansiedade (inibição comportamental e esquiva do objeto ou situação fóbicos), o pânico
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 130

é usualmente associado às respostas ativas de defesa, como a fuga de uma ameaça


atual, explícita e grave.

2) NOSOLOGIA DOS TRANSTORNOS DE ANSIEDADE: Conforme verificamos, os


fundamentos da nosologia contemporânea dos transtornos de ansiedade podem ser
encontrados na classificação original de Sigmund Freud das „neuroses de ansiedade‟
(Angstneurose). Freud distinguiu os transtornos de ansiedade da depressão maior e de
uma ampla gama de condições psiquiátricas denominadas à época de „neurastenias‟.
Em seus „Estudos Selecionados sobre a Histeria’ (1895), Freud descreveu duas
síndromes fundamentais, quais sejam, a „expectativa ansiosa‟ (Ängstliche), que ele
considerava a forma predominante do transtorno de ansiedade, e uma síndrome menos
freqüente, porém igualmente importante, que ele denominou „ataque de ansiedade‟
(Ängstanfall). De acordo com sua descrição, a expectativa ansiosa era „um quantum de
ansiedade livre e flutuante que controlava a escolha das idéias por antecipação’. Em
contraste, no ataque de ansiedade „a ansiedade irrompia repentinamente na
consciência sem ter sido eliciada por qualquer idéia„. Freud ressaltou que estes
ataques podiam manifestar-se tanto como „um sentimento puro de ansiedade’ quanto
pela combinação da ansiedade com „a interpretação mais próxima do término da vida,
tal como a idéia de morte súbita ou da perda da razão‟ ou combinados à „alguma
parestesia......[ou] um distúrbio de uma ou mais funções somáticas, tais como a
respiração, atividade cardíaca, inervação vasomotora e atividade glandular’.
Eventualmente, Freud separou os ataques de pânico das fobias, do
transtorno obsessivo-compulsivo („neurose obsessiva‟) e do transtorno do estresse pós-
traumático („neurose comum‟), dentre outras condições. As descrições clínicas de
Freud da „expectativa ansiosa‟ e do „ataque de ansiedade‟ correspondem aos
diagnósticos atuais do transtorno de ansiedade generalizada (TAG) e transtorno do
pânico (TP), respectivamente.
Presumivelmente, a herança clínica de Freud foi, em boa medida,
abandonada após o divórcio profundo entre psicanálise e medicina. Como
conseqüência, os transtornos de ansiedade continuaram sendo diagnosticados como
neurastenias até meados do século passado. Em particular, o TP recebeu uma variedade
estonteante de nomes, incluindo neurose de ansiedade, reação de ansiedade,
neurastenia, astenia neurocirculatória, neurose vasomotora, taquicardia nervosa,
síndrome de esforço, síndrome de Da Costa, coração de soldado e coração irritável,
dentre outros. Este cenário começou a ser alterado após a publicação do influente
estudo do psiquiatra norteamericano Donald F. Klein mostrando que o TAG e o TP
respondiam a classes diferentes de medicamentos. Klein mostrou que enquanto a
„expectativa ansiosa‟ (sic) podia ser tratada por ansiolíticos (barbitúricos,
meprobamato e clordiazepóxido) e doses baixas de sedativos (fenotiazinas), os ataques
de pânico eram atenuados pela administração crônica do antidepressivo tricíclico
imipramina. Ao redor da mesma época, Pitts e McClure montraram que os ataques de
pânico tinham „marcadores fisiológicos‟, uma vez que podiam ser precipitados pela
infusão endovenosa de lactato de sódio em pacientes predispostos aos ataques
espontâneos de pânico, mas não em voluntários normais. Estudos posteriores
forneceram provas numerosas das propriedades panicogênicas do lactato de sódio e
CO2, bem como de outros agentes. A sensibilidade específica às drogas e os
marcadores fisiológicos do TP sugeriram a existência de um circuito cerebral
disparando de forma não-adaptativa. Não obstante, o TP somente seria incluído na
classificação dos transtornos de ansiedade da Associação Psiquiátrica Norte-americana
quase um século após as observações pioneiras de Freud (APA, 1980).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 131

Atualmente, o TP é considerado como uma síndrome distinta tanto do TAG


quanto dos demais transtornos de ansiedade. Contudo, os pacientes de TP queixam-se
de „ansiedade antecipatória‟, isto é, o medo antecipado de desamparo na eventualidade
de um AP. Esta condição pode agravar-se em „agorafobia‟ incapacitante.
Conseqüentemente, a presença da ansiedade antecipatória tem sido um complicador
adicional dos estudos clínicos sobre os mecanismos neurais dos ataques de pânico.
De acordo com o Manual de Estatística e Diagnóstico da Associação
Psiquiátrica Americana, os principais transtornos ansiosos são definidos como estados
emocionais repetitivos ou persistentes nos quais a ansiedade patológica desempenha o
papel fundamental. Os quadros mais importantes são os seguintes:

1. Transtorno de ansiedade generalizada


2. Transtorno do pânico ou ansiedade episódica paroxística
3. Transtornos fóbicos-ansiosos (fobias específicas, agorafobia, fobia social)
4. Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)
5. Transtorno misto-ansioso e depressivo
6. Transtorno de estresse pós-traumático

CLASSIFICAÇÃO DOS TRANSTORNOS ANSIOSOS NO CID-X E NO DSM-IIIR


CID-X DSM-IIIR
P40 Transtornos fóbico-ansiosos
P40.0 Agorafobia
Agorafobia sem transtorno do pânico Agorafobia sem de transtorno do pânico
Agorafobia com transtorno do pânico Transtorno do pânico com agorafobia
P40.1 Fobias sociais Fobia social
P40.2 Fobias específicas Fobia simples
P41 Outros distúrbios ansiosos
P41.0 Transtorno do pânico Transtorno do pânico sem agorafobia
P41.1 Ansiedade generalizada Transtorno de ansiedade generalizada
P41.2 Transtorno misto ansioso e
depressivo
P42 Transtorno obsessivo-compulsivo Transtorno obsessivo-compulsivo
P43 Reações de estresse grave e
transtornos de adaptação
P43.0 Reação aguda ao estresse
P43.1 Estado de estresse pós-traumático Transtorno de estresse pós-traumático
P43.2 Transtorno de adaptação Transtorno de ajustamento com humor ansioso

Estes quadros ainda são classificados como neuroses na décima revisão da


Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde (CID-X),
aparecendo agrupados com transtornos não orgânicos e não psicóticos, muitos deles de
terminologia freudiana, incluindo „reações a grave estresse‟, „transtorno de
ajustamento‟, „transtornos dissociativos‟ (ou conversivos), „transtornos somatoformes‟
(somatização, hipocondria, etc) e „outros transtornos neuróticos‟ (neurastenia,
despersonalização, desrealização, etc). Esta classificação é consequência da antiga
separação entre transtornos orgânicos, psicóticos, neuróticos, psicopatas e
oligofrênicos, assim como do nosso desconhecimento sobre os mecanismos etiológicos
dos mesmos. O termo „histérico‟ foi, no entanto, definitivamente abandonado.
Do ponto de vista da farmacoterapia, deve-se diferenciar os ataques de
pânico e o trastorno obsessivo-compulsivo dos demais transtornos de ansiedade.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 132

SINTOMAS E SINAIS RELACIONADOS À ANSIEDADE


Sistemas Sinais Sintomas
Autonômico Taquicardia, hipertensão, xerostomia, Sensação de falta de ar
diarréia, micção, gastrite, sudorese Dificuldade para relaxar
Respiratório Taquipnéia, hiperpnéia Ondas de frio ou calor
Muscular Tensão muscular Sensação de irrealidade
Cognição Ideação pessimista Despersonalização
Sistema límbico Irritação, inquietação, esquiva, perda de Parestesias
iniciativa, insônia Náusea, tonturas, vertigem

3) DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL: Os transtornos primários de ansiedade devem ser


diferenciados de uma quantidade enorme de doenças neurológicas ou sistêmicas que
podem produzir ansiedade, ou seus sintomas, secundariamente.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DOS TRANSTORNOS DE ANSIEDADE


Tumores cerebrais, epilepsia, encefalopatias, esclerose
Doenças Neurológicas múltipla, neurolues, polineurite, cefaléia, vertigem,
síndrome pós-concussiva, vasculopatias cerebrais.
Feocromocitoma, hipertireoidismo, hiperparatireoidismo,
Doenças Endócrinas
Addison, Cushing,
Anemia, insuficiência cardíaca, arritmias, infarto,
Doenças Cardiovasculares
hipovolemia, prolapso de válvula mitral, síncope
Doenças Respiratórias Hipóxia, anóxia, asma, dispnéia, doenças obstrutivas
Doenças Metabólicas Acidose, porfiria aguda intermitente, anemia perniciosa
Doenças Imunológicas Lupus, arterite temporal
Doenças Gastrointestinais Úlcera péptica
Intoxicação por Drogas Medicamentos, Tóxicos.
Infecções
Tensão Pré-Menstrual

4) COMORBIDADE DA ANSIEDADE E DEPRESSÃO: No primeiro contato com um


paciente com TAG, os sintomas podem ser facilmente confundidos com aqueles da
depressão, pois o paciente relatará um „mal estar permanente e uma tendência a ter
pensamentos pessimistas‟. Estes sintomas também ocorrem em alguns períodos da vida
dos indivíduos normais. O paciente também poderá relatar nervosismo ou irritação.
Com o prosseguimento da análise, os quadros de ansiedade e depressão definem-se
gradualmente (Fig.1). Por exemplo, os pacientes depressivos costumam fazer um
balanço negativo global de suas vidas, apresentando ideação ou tentativas reais de
suicídio. Estes sintomas não são típicos dos transtornos de ansiedade, que se
caracterizam por inibição comportamental (timidez), irritabilidade (agressão defensiva)
e sintomas autonômicos. Aparentemente, o componente cognitivo (idéias delirantes) é
muito mais desenvolvido na depressão, enquanto os componentes comportamentais são
mais desenvolvidos na ansiedade. Existem, no entanto, vários casos que sofrem de
ambos os transtornos, são os pacientes com transtorno misto ansioso-depressivo.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 133

Figura 1. Comorbidade dos sintomas de ansiedade e de depressão

5) MODELOS EXPERIMENTAIS DE ANSIEDADE

A) TESTES BASEADOS EM PUNIÇÃO

1. CONFLITO EXPERIMENTAL (POMBOS, RATOS, MACACOS): No conflito


experimental, os animais aprendem, primeiramente, a realizar uma tarefa
(pressionar uma barra, bicar um disco) para obtenção de um reforço ou
gratificação (por ex., comida ou água). Em seguida, aplica-se um choque elétrico
de baixa intensidade, porém sufuientemente aversivo (punição) em intervalos
variáveis ou após um número variável de respostas do animal. Após a introdução
do choque o comportamento é inibido, podendo ser totalmente suprimido
dependendo da intensidade do choque.

Clordiazepóxido Diazepam
700
pombo 1
pombo 2
Porcentagem da Freqüência Controle (%)

600 pombo 3
pombo 4
pombo 5
500

400

300

200

100

0
-2 0 2 4 -2 0 2 4
Log3-Dose (mg/kg)
(Wuttke & Kelleher, 1970)

Figura 2. Efeitos dos benzodiazepínicos (clordiazepóxido e diazepam) no conflito experimental em pombos.


L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 134

É um teste de conflito aprendido. Doses não-sedativas de ansiolíticos que agem no


sistema gabaérgico liberam o comportamento suprimido por punição. Doses
maiores deprimem o comportamento (Fig.2).

2. RESPOSTA EMOCIONAL CONDICIONADA (RATOS, MACACOS).

3. POTENCIAÇÃO DO SUSTO PELO MEDO CONDICIONADO (RATOS).


Primeiramente, mede-se a intensidade do susto provocado por um ruído intenso.
Para isso, mede-se a força que o rato aplica contra o assoalho por meio de um
„acelerômetro‟. Em seguida, coloca-se o rato em outro ambiente no qual realiza-se
vários pareamentos de um estímulo condicionado (por ex., uma luz) com um
choque elétrico. Em seguida, repete-se o procedimento do susto ao ruído na
presença do estímulo condicionado. Demonstrou-se que o susto é potenciado pelo
estímulo condicionado. Embora apresentado como um modelo de ansiedade
antecipatória, os ansiolíticos exercem efeitos variáveis no susto potenciado.

4. CONFLITO COR-PALAVRA DE STROOP (HUMANOS). Neste teste o


experimentador apresenta quadros (ou slides) com nomes de cores conflitantes
com a cor do próprio nome, por ex., VERMELHO, AMARELO, VERDE,
ROSA, etc. Na forma mais simples, o indivíduo tem de dizer a cor da palavra. Em
essência, o teste de Stroop é um teste de atenção. Contudo, o teste gera ansiedade
nos indivíduos que têm temperamento ansioso, o que pode ser verificado pelo
aumento do número de erros e por respostas neurovegetativas (aumento da pressão
arterial, freqüência cardíaca e sudorese, indicada pela redução da resistência
elétrica da pele). Nestes indivíduos, os erros funcionam como punição.

B) TESTES BASEADOS EM REMOÇÃO DO REFORÇO

 EXTINÇÃO.

C) TESTES BASEADOS EM COMPORTAMENTOS INATOS

1. LABIRINTO-EM-CRUZ ELEVADO (CAMUNDONGOS, RATOS): No


labirinto-em-cruz elevado (LCE) o animal é colocado no centro do labirinto
voltado para um dos braços fechados e registra-se o tempo dispendido e o número
de entradas nos braços abertos e fechados por cerca de 5 min. O rato tem aversão
aos braços abertos onde, supostamente, está mais exposto aos predadores e não
pode manter o contato das vibrissas com as paredes (tigmotaxia). A aversão aos
braços abertos é oposta ao instinto de exploração destes braços. Portanto, é um
teste de conflito baseado nos comportamentos inatos dos roedores. Os ansiolíticos
gabaérgicos aumentam a exploração dos braços abertos (Fig.3).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 135

Figura 2. O labirinto-em-cruz elevado. O rato prefere explorar os braços fechados do labirinto. Os


ansiolíticos gabaérgicos aumentam a exploração dos braços abertos.

2. TRANSIÇÃO CLARO-ESCURO (CAMUNDONGOS). Baseia-se na aversão


natural dos roedores a ambientes claros. Os camundongos são colocados numa
caixa com dois compartimentos, claro e escuro, e registra-se o número de
passagens entre os mesmos. A freqüência de passagens é aumentada por doses
não-sedativas de ansiolíticos.

3. INTERAÇÃO SOCIAL (RATOS). Baseia-se na redução da interação social entre


roedores em situações que geram ansiedade. O teste é realizado numa arena com
cerca de 90 cm de diâmetro. Os ratos são colocados em locais opostos da arena e
observa-se os comportamentos de aproximação, contato ativo (cheirar focinho e
genitália), seguimento, agarrar, hetero-limpeza. Os ansiolíticos aumentam o
contato social.

4. AGRESSIVIDADE INTRAESPECÍFICA (CAMUNDONGOS). Neste teste,


registra-se a interação social de pares de camundongos, um dos quais foi
submetido ao isolamento social por várias semanas.Ansiolíticos tendem a
aumentar a investigação social e reduzir o comportamento agressivo do
camundongo residente.

5. VOCALIZAÇÃO INDUZIDA POR PRIVAÇÃO MATERNA (RATOS,


CAMUNDONGOS, COBAIAS).

6) MODELOS EXPERIMENTAIS DE PÂNICO


L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 136

1. REAÇÃO DE DEFESA DE RATOS POR ESTIMULAÇÃO DA MATÉRIA


CINZENTA PERIAQUEDUTAL. Em ratos, a estimulação da matéria cinzenta
periaquedutal dorsal (MCPAd) com estímulos elétricos ou químicos de baixa
magnitude, produz a „reação de congelamento‟. Contrariamente, estímulos mais
intensos produzem um comportamento vigoroso de fuga. Estes comportamentos
são acompanhados por respostas cardiovasculares, respiratórias, micção e
defecação. Contudo, os „hormônios do estresse‟ não são alterados durante estas
respostas, tal como ocorre nos ataques de pânico. Demonstrou-se que a resposta de
galope induzida pela estimulação da MCPAd é atenuada por panicolíticos
administrados em doses e regimes similares aos empregados na clínica. Em
contraste, ela é facilitada por agentes indutores de pânico e não responde aos
ansiolíticos.

2. LABIRINTO-EM-T ELEVADO (RATOS): O labirinto-em-T elevado (LTE) foi


desenvolvido para separar os comportamentos relacionados à ansiedade (esquiva)
daqueles similares ao pânico (fuga). O equipamento consiste num LCE no qual o
acesso a um dos braços fechados foi bloqueado. O rato é colocado no interior do
braço fechado, voltado para a saída do mesmo, e registra-se o tempo que ele
permanece no braço fechado (tempo de esquiva) até o máximo de 5 min. Após a
primeira saída do braço fechado, repete-se o procedimento quantas vezes forem
necessárias para que o rato permaneça no braço fechado por 5 min (esquiva
aprendida). Em seguida, o rato é colocado na extremidade de um braço aberto e
registra-se o tempo para ele entrar no braço fechado (latência de fuga). Os
comportamentos de esquiva e fuga são sensíveis aos ansiolíticos e panicolíticos,
respectivamente.

3. SIMULAÇÃO DO FALAR EM PÚBLICO (HUMANOS)

4. PRECIPITAÇÃO DE ATAQUES DE PÂNICO POR INFUSÃO ENDOVENOSA


DE LACTATO DE SÓDIO (HUMANOS)

7) IMPORTÂNCIA DAS DROGAS ANSIOLÍTICAS: Estes medicamentos são


indicados no tratamento dos transtornos psiquiátricos associados ao medo ou à
ansiedade. Os benzodiazepínicos (BZD) são os representantes clássicos deste grupo.
Contudo, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina, conhecidos pela sigla
inglêsa SSRI (serotonin selective reuptake inhibitors), têm sido amplamente prescritos
no tratamento da ansiedade, rivalizando com os benzodiazepínicos. No conjunto, os
ansiolíticos são as drogas mais „prescritas‟ da atualidade, sendo responsáveis por mais
de 120 milhões de prescrições anuais nos EUA.
Embora o Brasil não possua um controle tão rigoroso das prescrições, a
produção de BZD para o mercado interno permite a comparação das „doses diárias
definidas‟ (DDD) destes países. As estimativas sugerem os valores muito próximos, de
18,5 e 22,9 mg/1000 hab/dia, para o Brasil e EUA, respectivamente. Este consumo
corresponde a cerca de 1 bilhão de doses, ou 100 milhões de prescrições por ano.
O consumo de BZD atingiu níveis alarmantes no período de comercialização dos
„antidistônicos‟, declinando após sua proibição em 1989. O termo „antidistônico‟ foi
inventado pela indústria farmacêutica para denominar produtos que continham um
BZD associado a um anticolinérgico antimuscarínico, presumivelmente, para
controlar a gastrite associada ao transtorno emocional. Os antidistônicos eram
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 137

medicações triplamente incorretas, primeiro, por serem um artifício para a venda de


BZDs sem prescrição, segundo, porque utilizavam medicação obsoleta para o
tratamento da gastrite (os medicamentos de primeira escolha são os anti-
histamínicos tipo-H2 e os bloqueadores de prótons), terceiro, porque os
antimuscarínicos também devem ser prescritos com cautela, principalmente, para
pacientes portadores de cardiopatias. Conseqüentemente, o Brasil, que em 1989 era
o 7o mercado mundial da indústria farmacêutica, tinha 220 indústrias que ofereciam
257 produtos com BZD, 125 destes à base de diazepam. Com a proibição dos
„antidistônicos‟, o número de produtos à base de BZD foi reduzido para 56, havendo
uma queda do consumo interno de 54,2%. Não obstante, o Brasil foi um dos poucos
países da ONU que, à época, opôs-se à venda controlada destes medicamentos. Não
obstante, os benzodiazepínicos continuam a ser campeões de venda. Atualmente, o
Rivotril (clonazepam) é o segundo medicamento mais vendido do mercado
brasileiro, perdendo apenas para um anticoncepcional.

8) ESTRUTURA QUÍMICA DOS ANSIOLÍTICOS: São compostos de estrutura


bastante diferente, sugerindo vários mecanismos de ação:

9) PERFIL FARMACOLÓGICO DOS ANSIOLÍTICOS. Com poucas exceções, os


ansiolíticos são depressores do SNC, ou seja, são drogas que reduzem a
excitabilidade dos neurônios do cérebro e medula espinhal. Portanto, os ansiolíticos
podem apresentar vários efeitos dependendo das áreas do SNC que foram
deprimidas. Os efeitos também dependerão da dose e, consequentemente, da
intensidade e extensão da inibição do SNC. Os ansiolíticos (ou tranquilizantes
menores) podem ser classificados em sedativos, não-sedativos, agentes anti-pânico,
agentes anti-obsessivos e agentes coadjuvantes. Embora os termos ansiolítico e
sedativo sejam freqüentemente utilizados com o mesmo significado, a ansiólise pode
ocorrer com doses reduzidas de ansiolíticos que não causam sedação, podendo
mesmo produzir desinibição do comportamento e euforia, tal como ocorre nas doses
pequenas de bebidas alcoólicas. Os efeitos sedativos aparecem nas doses maiores de
ansiolíticos e consistem na redução da atenção (vigília focalizada) e dos
comportamentos motivados (comportamentos exploratório, alimentar, sexual e
agressivo). Diferentemente da ansiedade, cujos circuitos serão discutidos mais
adiante, os efeitos sedativos parecem ser devidos à depressão de circuitos córtico-
hipotalâmicos envolvidos na atenção (córtex pré-frontal) e exploração do ambiente
(circuitos hipotalâmicos). Embora os termos sedativo e hipnótico também sejam
utilizados como sinônimos, a sedação nem sempre é acompanhada de sono. De fato,
os antipsicóticos são sedativos muito mais potentes que os ansiolíticos e podem
causar sedação em doses que carecem de efeito hipnótico. Este efeito foi chamado
inicialmente de ataraxia (indiferença ao meio ambiente). Os efeitos sedativos dos
antipsicóticos parecem ser devidos ao bloqueio das projeções dopaminérgicas
mesolímbicas e mesocorticais que modulam os circuitos cortiço-hipotalâmicos.
Conseqüentemente, como os indivíduos ansiosos são freqüentemente irritáveis (um
comportamento que corresponde à agressão defensiva em animais), a ansiedade foi
inicialmente tratada com doses baixas de antipsicóticos. As principais drogas estão
em negrito na tabela abaixo.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 138

CLASSIFICAÇÃO DROGAS EFEITOS


Benzodiazepínicos ANSIOLÍTICOS
Imidazopiridinas SEDATIVOS
Ciclopirrolonas MIORRELAXANTES
ANSIOLÍTICOS
Barbitúricos ATÁXICOS
SEDATIVOS
Meprobamato HIPNÓTICOS
(Etanol) ANTICONVULSIVANTES
DEPRESSORES DO SNC
Buspirona ANSIOLÍTICOS
ANSIOLÍTICOS
Gepirona
NÃO SEDATIVOS
Ipsapirona
Imipramina ANTIDEPRESSIVOS
Clomipramina TRICÍCLICOS

Fluoxetina ANTIDEPRESSIVOS
Fluvoxamina SELETIVOS PARA 5-HT
AGENTES Paroxetina
ANTIPÂNICO Sertralina
Citalopram
Escitalopram
Alprazolam BENZODIAZEPÍNICOS
Clonazepam
Propranolol BLOQUEADOR
AGENTES COADJUVANTES  ADRENÉRGICO

10) MODO DE AÇÃO:

Ansiolíticos sedativos. Embora os benzodiazepínicos, barbitúricos, imidazopiridinas,


ciclopirrolonas e etanol facilitem a ação do GABA, eles fazem-no por mecanismos
distintos. Os benzodiazepínicos e barbitúricos têm sítios próprios de ligação (Fig.3) que
causam o aumento da freqüência ou duração da abertura do ionóforo, respectivamente.
Contudo, enquanto os benzodiazepínicos requerem a presença do GABA, os barbitúricos
abrem o ionóforo na presença ou ausência do neurotransmissor. As imidazopiridinas e as
ciclopirrolonas foram os primeiros compostos não-benzodiazepínicos que têm afinidade
ao sítio de ligação dos benzodiazepínicos (sítio ômega) e aumentam a condutância ao
cloro. Embora tenham ação ansiolítica, são principalmente comercializados como
hipnóticos. Por outro lado, embora os efeitos eletrofisiológicos do GABA
(hiperpolarização) sejam potenciados pelo etanol, ainda não sabemos como isto ocorre.
Contudo, alguns estudos sugerem que o etanol promova a redução da neurotransmissão
gabaérgica em receptores NMDA. Por fim, embora o meprobamato seja um ansiolítico
totalmente ultrapassado, seu mecanismo de ação não envolve a neurotransmissão
gabaérgica.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 139

Figura 3. O receptor GABA-A e os sítios de ligação dos benzodiazepínicos (). Acima – receptor
gabaérgico Abaixo esq. – efeitos de um benzodiazepínico (BZD), de um antagonista de benzodiazepínico
(flumazenil) e de um antagonista do GABA (bicuculina) sobre a condutância ao cloreto do receptor
gabaérgico. Abaixo dir. – potenciação pelo benzodiazepínico (diazepam) do potencial pós-sináptico
inibitório produzido pela estimulação de uma fibra gabaérgica. O etanol exerce um efeito eletrofisiológico
similar mediante mecanismo de ação desconhecido.

Figura 4. Família de proteínas das subunidades do receptor GABAA humano. O dendograma (à esquerda)
representa as homologias entre as seqüências de aminoácidos de cada subunidade. A diferença entre as
subunidades é proporcional às distâncias horizontais. PKA – fosfocinase protéica A, PKC – fosfocinase
protéica C (McKernan & Whiting, 1996).

Ansiolíticos não-sedativos. As ipsapironas são agonistas parciais de receptores de


receptores metabotrópicos 5HT-1A (Fig.5). O modo de ação extremamente seletivo destes
compostos explica a seletividade de seus efeitos. Contudo, como a buspirona não têm
efeito na maioria dos modelos experimentais de ansiedade, alguns propõem que ela seja,
de fato, um antidepressivo de baixa potência.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 140

Figura 5. Dendrograma ilustrando as similaridades entre os receptores de 5-HT acoplados a proteínas G. O


comprimento das linhas horizontais é proporcional à divergência na composição de aminoácidos (Boess &
Martin, 1994).

A tabela abaixo ilustra o mecanismo de ação dos principais compostos ansiolíticos.

CLASSIFICAÇÃO DROGAS MECANISMO CELULAR


BENZODIAZEPÍNICOS SÍTIO DE LIGAÇÃO
CICLOPIRROLONAS ESPECÍFICO DOS
IMIDAZOPIRIDINAS BENZODIAZEPÍNICOS
BARBITÚRICOS SÍTIO DE LIGAÇÃO
SINERGISTAS ESPECÍFICO DOS
DO GABA BARBITÚRICOS
ETANOL SINERGISTA DO GABA
(BLOQUEIO DE NMDA?)

IMIPRAMINA INIBIDORES DA
CLOMIPRAMINA RECAPTAÇÃO DE
NORADRENALINA E
SEROTONINA
FLUOXETINA INIBIDORES SELETIVOS DA
FLUVOXAMINA RECAPTAÇÃO DE
PAROXETINA SEROTONINA
SERTRALINA
CITALOPRAM
NÃO SINERGISTAS ESCITALOPRAM
DO GABA BUSPIRONA AGONISTAS PARCIAIS DE
GEPIRONA RECEPTORES 5-HT1A
IPSAPIRONA
MEPROBAMATO ???

PROPRANOLOL BLOQUEADOR
-ADRENÉRGICO
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 141

3) DISTRIBUIÇÃO DO GABA NO SNC

4) SINERGISMO DOS COMPOSTOS PRÓ-GABA

5) TOXICIDADE DOS SINERGISTAS DO GABA

1) EFEITOS CENTRAIS
2) EFEITOS PERIFÉRICOS
3) TOLERÂNCIA, DEPENDÊNCIA E DESINTOXICAÇÃO

Toxicidade (p.o.) de compostos psicoativos em homens (Reggiani et al. 1968)

DL: DE:
Quantidade
Droga e Conteúdo Máximo por Dose Dose
Letal
Comprimido ou Cápsula Letal Terapêutica
DL/DE de
(mg) Média Média
Comprimidos
(mg) (mg)
MORFINA (20) 130 15 8,6 6,5
CLORPROMAZINA (100) 2000 75 26,6 20
FENOBARBITAL (100) 6000 150 40 60
MEPROBAMATO (400) 30000 800 37,5 75
CLORDIAZEPÓXIDO (25) 17000 25 680 680
DIAZEPAM (10) 19000 10 1900 1900
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 142

6) FARMACOCINÉTICA (foi estudada na aula de hipnóticos)

7) SÍTIOS DE AÇÃO

a) EFEITOS ANSIOLÍTICOS E SEDATIVOS.

Efeitos ansiolíticos parecem ocorrer por depressão do sistema de inibição


comportamental (benzodiazepínicos, barbitúricos, etanol) ou de estruturas do sistema de
defesa, principalmente, amígdala e MCPA (panicolíticos).
Por outro lado, os efeitos sedativos devem resultar da depressão dos
sistemas motivacionais do hipotálamo, incluindo os sistemas de agressão, e dos
mecanismos da atenção dos córtices pré-frontal e parietal.

Figura 6. Reação de congelamento (freezing behavior) produzida por estimulação elétrica da matéria
cinzenta periaquedutal. O rato aparenta um estado de hipervigilância, completamente imóvel, com olhos
totalmente abertos e endireitamento das orelhas, como que em situação de perigo. Nas intensidades maiores
o rato apresenta, seqüencialmente, trotes, galope, saltos, defecação e micção.

b) EFEITOS COADJUVANTES DA ANSIÓLISE


Efeitos miorrelaxantes: interneurônios gabaérgicos da medula, bulbo e medula espinhal
Efeitos hipnóticos (estudaremos em aula específica)

c) OUTROS EFEITOS CLÍNICOS


Efeitos anticonvulsivantes (estudaremos na aula de anticonvulsivantes)
Efeitos anestésicos (barbitúricos e etanol): sistema reticular ativador ascendente

d) EFEITOS ADVERSOS
Efeitos atáxicos: cerebelo
Efeitos sobre a memória (amnésia anterógrada): hipocampo
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 143

8) INDICAÇÕES CLÍNICAS

Ansiedade Benzodiazepínicos,
Generalizada buspirona, inibidores
seletivos da recaptação de
5HT
Antidepressivos, inibidores
Síndrome do Pânico seletivos da recaptação de
Ansiedade
5HT, alprazolam, clonazepam
Clomipramina, inibidores
Transtorno Obsessivo-
seletivos da recaptação de
Compulsivo
5HT, benzodiazepínicos
Benzodiazepínicos, IMAOs,
Fobia social
propranolol
Miorrelaxantes de Ação
Diazepam
Central
Insônia ver Hipnóticos
Pré-Anestésicos ver Anestésicos gerais
Anticonvulsivantes ver Anticonvulsivantes
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 144

TERAPIA DO TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO


Por muitos anos considerou-se que o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) era
um quadro raro de ansiedade. Adicionalmente, não haviam tratamentos eficazes deste
distúrbio psiquiátrico. Estudos epidemiológicos recentes, no entanto, demonstraram que o
TOC pode apresentar uma prevalência de até 2,5% da população. Por outro lado,
tratamentos eficazes do TOC somente foram introduzidos na psiquiatria após os estudos
pioneiros de Lopez-Ibor em 1967.

1. CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS

Segundo o DSM-III-R, as características cardinais do TOC são a presença de


obsessões, compulsões ou, como ocorre usualmente, de ambos os sintomas.
Adicionalmente, as obsessões ou compulsões devem causar acentuado desconforto,
devem consumir tempo considerável (mais de 1 hr diária), ou devem interferir
significantemente com a vida normal do indivíduo.

OBSESSÕES são pensamentos persistentes, indesejáveis e intrusivos que causam


ansiedade. Tipicamente, estão relacionados com higiene e contaminação, sexo, suspeitas
patológicas, superstições, medo de causar danos a outrém e obsessões por simetria.

COMPULSÕES são atos repetitivos e ritualizados aparentemente realizados para reduzir


a ansiedade gerada pelas obsessões.

2. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

 Personalidade obsessiva-compulsiva (as obsessões e compulsões são similares às do


TOC, mas não geram ansiedade).
 Fobias (o medo pode dominar o indivíduo a tal ponto que pode parecer um
pensamento obsessivo).
 Desordens do apetite, hiperfagia ou anorexia (a preocupação com a alimentação pode
parecer uma obsessão).
 Depressão maior (a ruminação de idéias pessimistas também pode ser confundida com
uma obsessão).
 Esquizofrenia (certos rituais esquizóides assemelham-se às compulsões).
 Síndrome de Gilles de la Tourette (esta tem alta comorbidade com o TOC!).
 Tics nervosos.

3. COMORBIDADE (Porcentagem dos Pacientes com TOC)

DEPRESSÃO MAIOR (31%)


FOBIAS (18%)
SÍNDROME DE GILLES DE LA TOURETTE
DESORDENS DO APETITE, ALCOOLISMO, SÍNDROME DO PÂNICO

4. EPIDEMIOLOGIA

Estudos dos anos 80: 2,5% da população norte-americana.


L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 145

Início: Pode ocorrer na infância ou adolescência, mas é mais frequente, ao redor


dos 20 anos de idade. O início é mais precoce em meninos, mas apresenta igual
distribuição entre adultos de ambos os sexos.

5. BIOLOGIA DO TOC

5.1. TOC E SEROTONINA

 A atividade anti-obsessiva da clomipramina foi a primeira evidência da participação


da 5-HT no TOC.
 Os níveis mais elevados de 5-HIAA (ácido 5-hidróxi-indolacético), o principal
metabólito da 5-HT, no fluido cérebroespinhal de pacientes com TOC e sua alteração
após o tratamento com clomipramina sugerem a correlação entre a terapia com
clomipramina e a alteração da atividade serotonérgica central.
 Finalmente, existem evidências de que a m-clorofenilpiperazina (mCPP), um agonista
5-HT1, exarceba as obsessões do TOC, efeito atenuado pelo tratamento crônico com
clomipramina.

5.2. PREDISPOSIÇÃO GENÉTICA DO TOC

Existem evidências de predisposição genética:

Concordância para Concordância para


TOC traços obsessivos
Gêmeos Monozigóticos 50-65% 87%
Pais de crianças com TOC 17% ---
Parentes de 10 grau de pais com 15-20% ---
TOC
Parentes de 10 grau de pacientes com 23% ---
Síndrome de Gilles de la Tourette
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 146

6. FARMACOTERAPIA DO TOC

6.1. INIBIDORES NÃO SELETIVOS DA RECAPTAÇÃO DE 5-HT

 CLOMIPRAMINA (Anafranil) - É superior ao placebo, amitriptilina, imipramina,


nortriptilina, mianserina, clorgilina e desmetilimipramina. Estes estudos excluíram
pacientes com diagnósticos compatíveis com depressão maior ou outros distúrbios
com traços obsessivos isolados (fobias, desordens de apetite, etc). Em um estudo com
184 pacientes, incluindo adultos, crianças e adolescentes, verificou-se que enquanto a
atenuação dos sintomas do TOC foi de 3-8% nos pacientes tratados com placebo, a
clomipramina causou uma atenuação de 37-44%. Outro estudo demonstrou que a
interrupção do tratamento causou o relapso de 16 em 18 pacientes. A remissão
completa dos sintomas dificilmente é obtida.

6.2. INIBIDORES SELETIVOS DA RECAPTAÇÃO DE 5-HT

 FLUVOXAMINA, SERTRALINA (Zoloft) e a FLUOXETINA (Prozac)-


Também têm atividade anti-obsessiva, porém, menor que a clomipramina. Os dados
disponíveis sugerem uma eficácia terapêutica de, no máximo, cerca de 65%, na
seguinte ordem de potência:

clomipramina > fluoxetina > fluvoxamina > sertralina > placebo
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 147

ANTIDEPRESSIVOS, ANTIMANÍACOS e LÍTIO

1) ESTADOS DEPRESSIVOS E MANÍACOS

 Transtornos afetivos são alterações patológicas, extremamente complexas, do ânimo ou do


humor do indivíduo. Os sintomas depressivos podem estar presentes em 13-20% da
população, sendo graves em 2-3% dos casos. A depressão maior tem prevalência de 10-25%
em mulheres e 5-12% em homens. Os transtornos maníacos são mais raros, com prevalência
de 0,8%, tanto para homens, quanto mulheres. Por sua vez, a distimia tem uma prevalência
de cerca de 6%.
 Tipicamente, produzem alterações da cognição, gerando uma interpretação distorcida da
realidade, e alterações da motivação, gerando comportamentos anormais.
 Diferentemente dos distúrbios emocionais, não são acompanhados por respostas
neurovegetativas proeminentes, como hipertensão, palpitações, sudorese, gastrite, etc. Não
obstante, 40 a 60% dos pacientes de depressão apresentam um aumento acentuado da
secreção de corticotrofina (ACTH) e cortisol, sem alteração da acrofase e nadir circadianos.

EFEITOS CRISE DEPRESSIVA CRISE DE MANIA


ATENÇÃO,
retardo psicomotor agitação psicomotora
PSICOMOTRICIDADE
ÂNIMO
apatia voluntarismo
(intenção,vontade)
HUMOR tristeza, euforia,
(estado de espírito) mal estar bem estar
pessimismo, desamparo, otimismo, autoconfiança,
autocomiseração, autoestima,
COGNIÇÃO,
desleixo, vaidade,
CONSCIÊNCIA
lentidão do pensamento, idéias fugidias,
idéias suicidas idéias paranóides
irritação, fadiga, anedonia, irritação, agressividade
MOTIVAÇÕES
redução da libido aumento da libido
introversão extroversão
SOCIABILIDADE
taciturnidade loquacidade
SONO insônia matutina insônia severa
dificuldade de concentração, distúrbios de personalidade,
OUTROS
ansiedade, anorexia ou hiperfagia

 Os transtornos afetivos nem sempre são de fácil caracterização, podendo haver a superposição
dos sintomas com os quadros de ansiedade ou psicoses. De fato, a ansiedade crônica (estresse)
freqüentemente causa depressão e a depressão severa, ansiedade.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 148

Ritmo circadiano dos níveis plasmáticos de cortisol em indivíduos sadios e em depressivos.

2) CLASSIFICAÇÃO TRADICIONAL DAS DESORDENS AFETIVAS (DSM-RIII)

CAUSA CONHECIDA DISTIMIA (Depressão Reativa ou Neurótica)

DEPRESSÃO MAIOR
Unipolares (ou Melancolia),
DEPRESSÃO ATÍPICA
CAUSA
CRISES MANÍACAS, DEPRESSIVAS ou
DESCONHECIDA
MISTAS (ambas num único episódio),
(Psicoses Endógenas)
Bipolares DESORDEM BIPOLAR ATÍPICA
CICLOTIMIA

 Estes transtornos apresentam recuperação espontânea e têm curso recurrente.


 O DSM-IIIR classificava a Psicose Maníaco-Depressiva (PMD) como a desordem bipolar
associada às crises de depressão maior. Na PMD alternam-se períodos de mania (3-6 meses),
depressão (6-9 meses), com intervalos de eutimia.
 As Crises de Depressão Maior têm recorrência em 90% dos pacientes. Sua prevalência é de 0,4-
0,6% ao longo da vida. Elas são mais acentuadas no período da manhã e a internação nas crises é
praticamente obrigatória, pois 10-15% dos pacientes tentam suicídio.
 As Crises Maníacas duram pelo menos 1 semana e são definidas por, no mínimo, 3 sintomas
característicos. As Crises Hipomaníacas são similares, porém menos severas.
 Nas Crises Mistas, episódios de depressão e mania com freqüência quase diária devem ocorrer
por, pelo menos, 1 semana.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 149
3) CLASSIFICAÇÃO ATUAL DOS TRANSTORNOS AFETIVOS (DSM-IV)

TRANSTORNO TIPOS SÍNDROME


Crises depressivas isoladas ou recorrentes
com, no mínimo, 2 semanas de duração e 4
sintomas característicos (pessimismo,
desamparo, autocomiseração, fadiga,
DEPRESSÃO MAIOR
redução da libido, retardo psicomotor,
dificuldade de concentração ou raciocínio
e pensamentos fúnebres, com ou sem
tentativas de suicídio).
Rebaixamento do humor por, pelo menos,
DISTIMIA 2 anos, com sintomas depressivos de
DEPRESSIVO
(antiga Neurose Depressiva) menor magnitude que os da depressão
maior.
Quadros distintos da depressão maior,
distimia, distúrbios mistos ansiosos-
depressivos ou distúrbios de adaptação.
DEPRESSÃO ATÍPICA ou Podem ser acompanhados de hipersonia,
INESPECÍFICA hiperfagia, e os pacientes são
hipersensíveis à rejeição, mas apresentam
resposta positiva aos eventos gratificantes.

Presença obrigatória de surtos maníacos,


ou mistos, geralmente acompanhados de
DISTÚRBIO BIPOLAR I
crises de depressão maior.

Um ou mais episódios de depressão maior


DISTÚRBIO BIPOLAR II acompanhados por crises hipomaníacas
BIPOLAR
Presença durante pelo menos 2 anos de
períodos depressivos ou hipomaníacos que
CICLOTIMIA não satisfazem os critérios de depressão
maior ou crises maníacas.

 Ainda merecem destaque o DISTÚRBIO AFETIVO PUERPERAL, que ocorre nas


primeiras 4 semanas após o parto, e a DEPRESSÃO SAZONAL, relacionada à chegada do
inverno, principalmente, no hemisfério norte.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 150
4) PRINCIPAIS MODELOS COMPORTAMENTAIS DE DEPRESSÃO

1.SÍNDROME DE SEPARAÇÃO EM PRIMATAS: Macacos jovens separados de suas mães ou de


seus companheiros, ou confinados em câmaras verticais, apresentam uma síndrome que é o
modelo experimental mais convincente de depressão. Tipicamente, a síndrome caracteriza-se
por uma fase inicial, de “protesto”, com agitação e vocalização, e uma fase subsequente, de
“desespêro”, com a redução da atividade exploratória e jogos sociais e aumento dos
comportamentos autodirigidos e de enrodilhamento (huddling: to coil oneself up). O modelo
foi validado para a imipramina, desipramina e ECT. Tal como ocorre na depressão humana, a
síndrome não é atenuada por clorpromazina.

2.COMPORTAMENTO DE SUBMISSÃO EM PRIMATAS: Tem sido sugerido que o


comportamento de submissão de macacos, caracterizado pelo ostracismo e enrodilhamento
num canto do viveiro, seja representativo de uma psicopatologia relacionada à depressão. Esta,
síndrome, no entanto, não é atenuada pelo tratamento crônico com imipramina, contradizendo
a hipótese acima. Um comportamento muito mais dramático é observado em tupaias (Tupaia
belangeeri), um primata primitivo extremamente agressivo e antisocial. Tupaias forçadas a
viver em caixas contíguas às dos machos dominantes, além de apresentarem um
comportamento similar ao dos macacos subordinados, morrem ao cabo de alguns dias. A
causa mortis é insuficiência renal aguda devida à intensa vasoconstrição. Esta intensa
somatização é mais sugestiva de um distúrbio de ansiedade do que de depressão.

3.APRENDIZADO DA IMPOTÊNCIA (LEARNED HELPLESSNESS): De acordo com este


modelo, animais expostos a situações aversivas, que não controlam, apresentam déficits
motivacionais e cognitivos que interferem com o aprendizado, e distúrbios emocionais
caracterizados inicialmente pelo aumento da ansiedade e, posteriormente, por depressão. De
acordo com Seligman, que desenvolveu o modelo, a depressão decorre do aprendizado de que
a situação é incontrolável. Isto é demonstrado pelos experimentos conjugados (yoked), onde
dois animais, em caixas separadas, recebem choques nas patas. Um deles, no entanto, pode
terminá-los. O outro animal receberá a mesma quantidade de choques, no entanto, de forma
passiva e incontrolável. Somente este último desenvolve a síndrome comportamental. O
modelo foi validado para a administração pós-teste dos antidepressivos tricíclicos, dos
inibidores da monoaminaoxidase (IMAO), dos inibidores seletivos da recaptação de 5-HT
(citalopram, fluvoxamina, zimelidina) e de antidepressivos atípicos, como o iprindole e
mianserina. O modelo também foi validado para os agonistas de receptores 5-HT1A
(buspirona, gepirona, ipsapirona e 8-OH-DPAT), compostos ansiolíticos que também
apresentam atividade antidepressiva. Benzodiazepínicos, neurolépticos e psicoestimulantes
foram ineficazes na reversão da síndrome. Entretanto, a administração pré-teste de
benzodiazepínicos e buspirona previne o desenvolvimento da síndrome do aprendizado da
impotência.

4.DESESPÊRO EXPERIMENTAL (NATAÇÃO OU SUSPENSÃO FORÇADA): Ratos ou


camundongos forçados a nadar em um recipiente sem saída, ou suspensos pela cauda, ficam
totalmente imóveis após tentativas frustradas de fuga. Sugeriu-se que esta imobilidade
representa um tipo de “aprendizado de impotência”. Ela é atenuada por cerca de 90% dos
antidepressivos e é insensível aos neurolépticos, ansiolíticos e agonistas 5HT1A. Entretanto, os
inibidores da recaptação de 5-HT (clomipramina, fluoxetina, fluvoxamina) dão resultados
falsos-negativos e os psicoestimulantes, clonidina, anticolinérgicos e anti-histamínicos dão
resultados falsos-positivos. A administração crônica dos antidepressivos é mais eficaz.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 151
5) MODELOS COMPORTAMENTAIS DE MANIA

1. SOBREDOSE DE PSICOESTIMULANTES: Os efeitos da anfetamina ou cocaína, tanto no


homem como em animais, são similares às crises de mania e são bloqueados por drogas
antimaníacas clinicamente eficazes como os antipsicóticos. Este modelo farmacológico parece
ser o único “modelo” da mania. As drogas antimaníacas, no entanto, podem ser selecionadas
por outras propriedades, como os efeitos antiagressivos em modelos etológicos de
agressão/defesa.

6) EVIDÊNCIAS DE PREDISPOSIÇÃO GENÉTICA

DEPRESSÃO MAIOR DESORDEM BIPOLAR


(%) (%)
População geral 5 0,7
Indivíduos com parentes de 1o grau com
8-10 7-10
desordem bipolar
Indivíduos com parentes de 1O grau com
14-18 0,7
depressão maior
Gêmeos dizigóticos 14 --

Gêmeos monozigóticos 65 --

 Estudos da desordem bipolar na comunidade Amish revelaram a provável existência de um gene


dominante no braço curto do cromossomo 11, com penetrância máxima de 63%, ligado à tirosina
hidroxilase. A literatura, no entanto, é muito conflitiva a respeito dos genes envolvidos.

7) MEDICAMENTOS ANTIDEPRESSIVOS:

OS TRICÍCLICOS E IMAO TÊM EFICÁCIA DE 33%, APENAS, SENDO QUE 1/3 DOS
PACIENTES “RESPONDEM” AO PLACEBO E 1/3 SÃO RESISTENTES ÀS DROGAS,
INDICANDO-SE, NESTE CASO, A ELETROCONVULSOTERAPIA (ECT).

A) PSICOESTIMULANTES

 São drogas obsoletas utilizadas nos anos 30. Além de desenvolverem dependência e tolerância,
seu efeito antidepressivo, melhor dizendo, euforizante, é fugaz.
 Drogas: anfetaminas, a metanfetamina e o metilfenidato (Ritalina).
 São agonistas adrenérgicos indiretos e, diferentemente da efedrina, de ações predominantemente
centrais. A cocaína tem efeitos similares.
 Seu mecanismo é sugestivo dos processos envolvidos com a depressão. As anfetaminas
aumentam a liberação de NA, DA e 5HT, inibem a recaptação de NA e DA, inibem a
monoaminoxidase (MAO) e são agonistas parciais de receptores -adrenérgicos. A cocaína inibe
a recaptação de NA e DA.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 152
B) INIBIDORES DA MONOAMINOXIDASE (IMAO)
 A MONOAMINOXIDASE (MAO) é a principal enzima inativadora das catecolaminas. Sabe-se
que existem 2 isoenzimas: a MAO-A, que degrada a NA e a 5HT e tem localização intra- e
extracelular e a MAO-B, que degrada NA e DA (-feniletilaminas) e tem localização
extracelular.
 Os IMAO foram introduzidos nos anos 50 a partir da observação dos efeitos psíquicos da
isoniazida.
IMAO-A e B: Iproniazida, Pargilina, Fenelzina, Tranilcipromina
IMAO-A: Clorgilina, Moclobemina (inibição reversível da MAO-A)
IMAO-B: Deprenil (eficaz associado ao 5-HTP) e Selegilina (não interagem c/a
tiramina)
 Os inibidores da MAO-A são mais potentes que os inibidores da MAO-B.
 Com exceção da tranilcipromina (que tem fórmula similar à anfetamina) não apresentam efeitos
imediatos, somente após dias ou semanas de tratamento.
 A interação dos IMAO com a reserpina ilustra seu modo de ação:
Reserpina apenas: efeito simpatolítico e depressão
IMAO+Reserpina: efeito simpatomimético e agitação psicomotora
Reserpina+IMAO: reversão gradual da depressão, sem ocorrência de efeitos periféricos
 A depressão reserpínica também é revertida por outros antidepressivos, não IMAO.
 São produtos tóxicos, principalmente dada a sua interação com simpatomiméticos ou tiramina
(presente em quantidade em certos queijos, vinhos e alimentos com leveduras), quando podem
causar crises hipertensivas.
 Efeitos colaterais dos IMAO:
a) Sobredosagem: agitação, alucinações, hiperreflexia, hiperpirexia, convulsões
b) Hepatotoxicidade rara mas grave.
c) Efeitos centrais de doses elevadas: tremores, insônia, agitação, hipomania.
d) Sistema cardiovascular: Hipotensão ortostática, interação com simpatomiméticos (tiramina,
levodopa, anfetaminas.
e) Outros: impotência, vertigem, fraqueza, abolição do sono paradoxal (MOR)
 Os IMAO não são obsoletos mas somente devem ser utilizados quando outros medicamentos
falham.

C) ANTIDEPRESSIVOS TRICÍCLICOS
 Foram introduzidos nos anos 50 e são as drogas-padrão do tratamento da depressão maior.
 São compostos estruturalmente similares aos antipsicóticos fenotiazínicos (clorpromazina)
 No entanto, apesar de similares aos fenotiazínicos, não interferem com a dopamina.
 São inibidores da recaptação de 5-HT e NA mas, tal como os fenotiazínicos, também são
anticolinérgicos, antiadrenérgicos 1 e anti-histamínicos, propriedade relacionada aos efeitos
hipnosedativos.
 A amitriptilina apresenta efeitos anticolinérgicos mais potentes, e a nortriptilina menos potentes.
 A protriptilina apresenta efeitos psicoestimulantes (amina secundária), sendo usada na
narcolepsia.
 Apresentam efeitos graduais (2 a 3 semanas) e meia-vida entre 20 e 80 hs.
 Sua substituição pelos IMAO , e vice-versa, é altamente tóxica e somente deve ser realizada 15
dias após a suspensão dos tratamentos iniciais
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 153

AMINA TERCIÁRIA- AMINA SECUNDÁRIA-


ESTRUTURA QUÍMICA PRECUSSORA DESMETILADA
R1: -(CH2)3-N-(CH3)2 R1: -(CH2)3-NH-CH3

IMIPRAMINA DESIPRAMINA

CLOMIPRAMINA (R2 = Cl) DESMETILCLOMIPRAMINA

AMITRIPTILINA NORTRIPTILINA

INIBIÇÃO PREFERENCIAL
DE RECAPTAÇÃO 5-HT NA

EFEITOS COLATERAIS E TÓXICOS:


a) Anticolinérgicos: visão embaciada (cicloplegia), constipação intestinal e retenção urinária,
xerostomia, arritmias (comuns na faixa etária da depressão!).
b) Antiadrenérgicos: hipotensão postural, interações com depressores do miocárdio,
anorgasmia.c) Efeitos centrais: precipitação de crises de mania, hipomania, fadiga, fraqueza,
confusão, delírio, tremores (atenuados por doses baixas de propranolol), convulsões tônico-
clônicas (maprotilina).
c) Letalidade: imipramina - efeitos tóxicos > 1000 mg, efeitos letais > 2000 mg, (risco de uso
suicida pelos pacientes!). Interações tóxicas com simpatomiméticos e anticolinérgicos.

D) INIBIDORES SELETIVOS DA RECAPTAÇÃO DE SEROTONINA (SSRI):


 São os principais agentes da atualidade, tanto devido à eficácia quanto à ausência de efeitos
colaterais autonômicos.
 FLUOXETINA (Prozac), FLUVOXAMINA, PAROXETINA, SERTRALINA CITALOPRAM,
S-CITALOPRAM.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 154
Potência dos antidepressivos segundo sua afinidade para transportadores de monoaminas de humanos.
Afinidade ao Transportador (Ki em nmol)
Seletividade
NE SER DA
Agentes NE-seletivos Coeficiente SER/NE
Desipramina 0,83 17,5 3.200 21,1
Protriptilina 1,40 19,6 2.130 14
Norclomipramina 2,50 41 - 16,4
Atomoxetina 3,52 43 1.270 12,2
Nortriptilina 4,35 18,5 1.140 4,25
Oxaprotilina 5 4.000 4.350 800
Reboxetina 7,14 58,8 11.500 8,24
Maprotilina 11,1 5.900 1.000 532
Nomifensina 15,6 1.000 55,6 64,1
Amoxapina 16,1 58,5 4.350 3,63
Doxepina 29,4 66,7 12.200 2,27
Mianserina 71,4 4.000 9.100 56
Viloxazina 156 17.000 100.000 109
Mirtazapina 4.760 100.000 100.000 21,0
Agentes SER-seletivos NE SER DA Coeficiente NE/SER
Paroxetina 40 0,125 500 320
Clomipramina 37 0,280 2.200 132
Sertralina 417 0,293 25 1.423
Fluoxetina 244 0,810 3.600 301
S-Citalopram 7.840 1,10 >10.000 7.127
R,S-Citalopram 5.100 1,38 28.000 3.696
Imipramina 37 1,41 8300 26,2
Fluvoxamina 1.300 2,22 9.100 586
Amitriptilina 34,5 4,33 3.200 7,97
Nor1-citalopram 780 7,40 - 105
Dotiepina 45,5 8,33 5.300 5,46
Venlafaxina 1.060 9,10 9.100 116
Milnacipran 83,3 9,10 71400 9,15
Nor2-citalopram 1.500 24 - 62,5
Norfluoxetina 410 25 1.100 16,4
Norsertralina 420 76 440 55
Zimelidina 9.100 152 12.000 59,9
Trazodona 8.300 160 7.140 51,9
Trimipramina 2.400 1.500 10.000 264
Bupropiona 52.600 9.100 526 5,78
Nota: A potência é expressa pela constante de inibição (Ki, em nanomoles) de ensaios de competição com ligantes
radioativos em membranas de células transfectadas com genes humanos para proteínas transportadoras de
norepinefrina (NE), serotonina (SER) e dopamina (DA). Os agentes estão em ordem decrescente de potência (Ki
crescentes). A seletividade é expressa pelo coeficiente dos valores de Ki. O agente NE-específico mais potente é a
desipramina, o menos potente é a mirtazapina e o mais seletivo a maprotilina e oxaprotilina. Os agentes SER-
específicos mais potentes são a paroxetina e clomipramina, o menos potente, bupropiona e o mais seletivo o S-
citalopram (de Baldessarini, 2007).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 155
E) OUTROS ANTIDEPRESSIVOS, TRICÍCLICOS E ATÍPICOS
Foram desenvolvidos em busca de maior eficácia e menores efeitos colaterais, nem sempre obtendo-
se sucesso, principalmente quanto à eficácia que não superou aquela da imipramina.
 MAPROTILINA - Inibidor seletivo da recaptação de NA (tetracíclico).
 TRAZODONA - Seu metabólito, o mCPP, é um agonista de receptores 5-HT.
 MIANSERINA - Antagonista de receptores 5HT e 2-adrenérgicos.
 AMOXAPINA - Antidepressivo e antiesquizofrênico.
 IPRINDOL - Pouca inibição da recaptação de 5HT e NA.
 DOXEPIN - Efeitos antidepressivos similares à amitriptilina e potente ansiolítico.
 NOMIFENSINA - Bloqueador da recaptação de NA e DA (muitos efeitos colaterais,
psicoestimulante)

Neurônios e vias que utilizam a noradrenalina como neurotransmissor.


L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 156

Figura . Neurônios e vias que utilizam a serotonina (5-HT) como neurotransmissor.


L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 157
8) TRATAMENTO DAS DESORDENS BIPOLARES: CARBONATO DE LÍTIO

 O CARBONATO DE LÍTIO foi introduzido nos anos 60 em substituição aos tratamentos


tradicionais da mania, quais sejam, antipsicóticos como a clorpromazina e o haloperidol, cujo
principal efeito adverso era a indução da depressão além de outros efeitos colaterais. Os
antipsicóticos ainda são utilizados dada a sua maior eficácia durante as crises agudas de mania.
Mais recentemente, o tratamento crônico com carbamazepina, um agente antiepiléptico, também
tem se mostrado eficaz na estabilização do ânimo dos pacientes, isoladamente ou associada ao
carbonato de lítio.

 O CARBONATO DE LÍTIO É UM ESTABILIZADOR DO ÂNIMO, sendo eficaz para as fases


maníacas e depressivas da desordem bipolar, mas não para a depressão maior.

 O LÍTIO ATENUA E PREVINE A RECORRÊNCIA DOS SURTOS DE MANIA E


DEPRESSÃO DO TRANSTORNO BIPOLAR.

 O MECANISMO DE AÇÃO DO LÍTIO ainda não está estabelecido, nem mesmo ao nível
celular, quanto mais para os seus efeitos de estabilização do ânimo. Saliente-se, no entanto, que a
liberação de noradrenalina, in vitro, induzida por estimulação de fatias de cérebro, é bloqueada
pelo pré-tratamento com lítio. Também foi sugerido que o lítio facilita a recaptação de
catecolaminas. Estes mecanismos são opostos aos dos antidepressivos e seriam os mecanismos
esperados se a mania resultasse do aumento da atividade catecolaminérgica.

 Não explicam, no entanto, porque o lítio também é eficaz para a fase depressiva da desordem
bipolar. Propôs-se, recentemente, que o lítio age pela inibição da inositol-1-fosfatase, a enzima
responsável pela desfosforilação do inositol-monofosfato (IP1) em inositol. O lítio, desta forma,
inviabilizaria a produção de 1,4,5-inositol-trifosfato (IP3), que é um segundo mensageiro
fundamental para o metabolismo do Ca2+ intracelular, deprimindo os neurônios cujos receptores
estão associados à esta via.

Provável mecanismo de ação do lítio, bloqueando a fosfatase do inositol e a conversão do IP1 em


inositol.

 EFEITOS COLATERAIS:

a) Doses terapêuticas: distúrbios gastrointestinais (sialorréia, náusea, vômito, diarréia).


b) Doses subtóxicas: tremores
c) Doses tóxicas: é nefrotóxico e aconselha-se a monitoração periódica dos níveis plasmáticos.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 158

9) TEORIAS NEUROQUÍMICAS DA DEPRESSÃO

9.1. Teoria Noradrenérgica: Atividade Noradrenérgica Reduzida.


a) 10-20% dos pacientes hipertensos tratados com reserpina desenvolvem depressão.
b) Os IMAO e tricíclicos inibem a degradação ou a recaptação de NA, respectivamente.
c) A administração de L-DOPA, que é um precussor da NA e DA, mas não da 5-HT, reverte a
“depressão” reserpínica em animais de laboratório.
d) Como os agentes tricíclicos não afetam a DA, resta, por exclusão, a NA como o principal
neurotransmissor envolvido na depressão.
e) A eficácia dos NSRI (maprotilina, viloxazina) foi amplamente confirmada na prática
médica.

9.2. Teoria Serotonérgica: Atividade Serotonérgica Reduzida


a) Reserpina, IMAO e tricíclicos afetam a 5-HT da mesma forma que a NA.
b) O 5-HTP (5-hidróxitriptofano), que é o precussor da 5-HT, reverte vários sintomas do
quadro de depressão. Este efeito não foi observado com a L-DOPA, que é o precussor da
DA e NA. Este argumento tem sido criticado pois é pouco provável que haja uma
conversão significativa da L-DOPA em NA, tal como ocorre para a DA no tratamento do
parkinsonismo. Por outro lado, o 5-HTP também libera catecolaminas depois de ser
descarboxilado em terminais noradrenérgicos e serotonérgicos.
c) Por fim, a eficácia dos SSRI também foi amplamente confirmada na prática médica.

9.3. Teoria Monoaminérgica da Depressão: Uma Tentativa de Reconciliação.


a) O 3-metoxi-4-hidroxifenilglicol (MHPG), principal metabólito da NA, apresenta uma
distribuição bimodal na urina de pacientes deprimidos: um grupo tem taxas reduzidas,
enquanto outro apresenta taxas normais. Haveriam, portanto, duas populações de pacientes
deprimidos.
b) O ácido 5-hidroxindolacético (5-HIAA), principal metabólito da 5-HT, também apresenta
distribuição bimodal no líquor de pacientes deprimidos, um com níveis reduzidos e o outro
com níveis normais.
c) Embora não se tenha determinado se os pacientes com níveis reduzidos de MHPG têm
níveis normais de 5-HIAA, e vice-versa, os deficientes de MHPG parecem responder
melhor à nortriptilina, um inibidor preferencial da recaptação de NA, enquanto os
deficientes de 5-HIAA respondiam melhor à amitriptilina, um inibidor preferencial da
recaptação de 5-HT. O advento de inibidores mais seletivos de NA e 5-HT, no entanto, não
confirmou a existência destas duas populações e acredita-se hoje em dia que ambos
mecanismos estejam envolvidos na depressão e sintomas associados, por exemplo,
ansiedade.
d) Adicionalmente, enquanto o l-triptofano e o 5-hidroxitriptofano, precussores da
noradrenalina e serotonina, têm ação antidepressiva moderada, 80% dos pacientes de
depressão privados de l-triptofano apresentaram reincidivas, contra 20% do grupo privado
com l-triptofano mas tratado com antidepressivos. No mesmo sentido, o aumento da
secreção de prolactina induzido pela administração de 5-HT está atenuado nos pacientes
deprimidos, sugerindo a hipofunção do sistema serotonérgico.
e) Por fim, os cérebros de suicidas têm concentrações subnormais de 5-HT e seus metabólitos.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 159
9.4. Teorias Baseadas no Retardo dos Efeitos Clínicos dos Antidepressivos

a) Enquanto a inibição da MAO ou da recaptação de monoaminas ocorre em minutos ou


horas, os efeitos dos antidepressivos tardam dias ou semanas para se instalar. Por quê?
b) O estudo da alteração do número de receptores de NA e 5-HT, por meio de ensaios de
ligação in vitro, ou da alteração de sensibilidade destes receptores após sua estimulação
com agonistas in vitro (AMPc) ou através de medidas comportamentais in vivo,
demonstraram outros efeitos do tratamento crônico com IMAO ou tricíclicos, ou
antidepressivos atípicos, ou mesmo eletrochoque.
c) O tratamento crônico causa a redução do número e sensibilidade dos receptores -
adrenérgicos, bem como dos auto-receptores 2 -adrenérgicos, que inibem a liberação de
noradrenalina, e o aumento da sensibilidade dos receptores pós-sinápticos 1. No que se
refere à 5-HT, a despeito da sub-regulação de alguns subtipos, ocorre o aumento das
respostas funcionais à 5-HT, sendo que a fluoxetina produz o decréscimo da sensibilidade
de auto-receptores pré-sinápticos inibitórios.

9.5. Teoria da Hiperfunção do Eixo Hipotálamo-Hipófise -Adrenal

9.6. Teoria Deakin-Graeff do Papel do Estresse e da 5-HT.

a) Conforme discutido anteriormente, Selye denominou as respostas fisiológicas que


acompanham o estresse de „síndrome geral de adaptação‟, um quadro caracterizado por
hipertrofia das adrenais, ulceração gastrointestinal e involução timolinfática. A síndrome
desenvolvia-se em 3 estágios das respostas endócrinas do eixo hipotálamo-pituitária-
adrenal. O primeiro, reação de alarme, seria caracterizado pela descarga maciça de
hormônios adrenais. No segundo, resistência, a secreção de corticosteróides permaneceria
alta, porém estável, e o organismo se adaptaria ao estresse, com a conseqüente melhora ou
desaparecimento dos sintomas. Finalmente, no terceiro estágio, exaustão, a hipófise e
adrenais esgotariam seus hormônios e o organismo perderia sua capacidade de adaptação.
Este estágio, característico do estresse severo e/ou duradouro, arruinaria as defesas do
organismo levando ao reaparecimento dos sintomas e, no caso da permanência do estresse,
ao colapso dos órgãos vulneráveis.
b) Há vários anos que o estresse, entendido como as situações aversivas crônicas e
incontroláveis, tem sido relacionado à depressão. Em animais de laboratório, a exposição
ao estresse produz alterações comportamentais e fisiológicas freqüentemente encontradas
na clínica, como déficits na atividade motora, ganho de peso e hipersonia, redução do
comportamento competitivo, anedonia e déficits de aprendizado discriminado. Em
humanos, também verificou-se uma correlação entre o início da depressão e eventos
estressantes, principalmente em indivíduos que não se habituam à situação estressante, ou
desenvolvem sensibilização aos estímulos aversivos. Também existem evidências desta
sensibilização em animais de laboratório. Em vista destes fatos, John Deakin sugeriu que
em indivíduos vulneráveis, a secreção anormal do cortisol prejudicaria a transmissão
serotonérgica mediada por receptores 5-HT1A do hipocampo. Estes receptores seriam
encarregados da „desconexão‟ da situação aversiva e das respostas emocionais, permitindo
a habituação do organismo à situação aversiva. Como eles são subregulados pelos
glicocorticóides, o aumento dos níveis circulantes destes hormônios no estresse levaria à
redução dos receptores 5-HT1A do hipocampo, impedindo a „desconexão‟ dos eventos
aversivos das tarefas normais do cotidiano, mergulhando o indivíduo na depressão.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 160
10) TEORIA NEUROQUÍMICA DA MANIA

Excesso de atividade noradrenérgica ou dopaminérgica


a) Os antipsicóticos são antimaníacos eficazes
b) Sobredoses de anfetamina e cocaína induzem estados idênticos a surtos de mania
c) Os antidepressivos precipitam surtos de mania.
d) A depleção de 5-HT causa uma síndrome similar à mania.

11) CONCLUSÕES ACERCA DA NEUROGÊNESE DOS DISTÚRBIOS AFETIVOS

 Certamente as teorias monoaminérgicas dos distúrbios afetivos não são mais aceitas na
sua forma inicial. Não deve existir uma relação simples entre monoaminas e
depressão/mania.
 Pode haver a disfunção de um ou vários sistemas de neurotransmissores.
 Existem evidências da interação de vários sistemas de neurotransmissores na etiologia dos
distúrbios afetivos.
 A depressão pode envolver distúrbios neuroendócrinos, principalmente, hiperfunção do
eixo hipotálamo-pituitária-adrenal.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 161

ANTIPSICÓTICOS
(ANTI-ESQUIZOFRÊNICOS, NEUROLÉPTICOS OU
TRANQUILIZANTES MAIORES)

1. INTRODUÇÃO DOS ANTIPSICÓTICOS NOS ANOS 50: REVOLUÇÃO NA


PSIQUIATRIA.

Descoberta casual de HENRY LABORIT: a clorpromazina, potencial pré-anestésico, causava


uma espécie de “lobotomia farmacológica”, daí o antigo termo “ataráticos”. Com base nestas
observações, JEAN DELAY e PIERRE DENIKER, resolveram testá-la em esquizofrênicos que,
naquela época, respondiam por 50% dos internamentos em hospícios.

Tabela 1. Internamentos em hospícios nos E.U.A. antes e após a introdução dos antipsicóticos
na clínica.

INTERNAMENTOS EM HOSPÍCIOS NOS E.U.A.

INTRODUÇÃO DOS 1946 462.000


ANTIPSICÓTICOS  1955 558.000
NA PSIQUIATRIA 1967 426.000

2. USOS CLÍNICOS DOS ANTIPSICÓTICOS

A. PSIQUIATRIA SEDATIVOS POTENTES


ANTIPSICÓTICOS
ANTIMANÍACOS

B. OUTROS USOS COADJUVANTES EM ANESTESIA


AGENTES ANTI-EMÉTICOS
AGENTES ANTI-VERTIGEM

 Substituiram a reserpina que, além de causar hipotensão, precipitava estados depressivos.

 Também substituíram o choque insulínico e a lobotomia pré-frontal.

 A eletroconvulsoterapia ficou reservada para situações especiais, como o primeiro episódio


com agitação e delírio acentuados, e quadros de catatonia.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 162

Figura 1. Pinturas de Fernando Diniz, paciente de esquizofrenia (Museu das Imagens do


Inconsciente de Nise da Silveira).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 163
3. MECANISMO DE AÇÃO

 Todos antipsicóticos são antidopamínicos, seja por bloqueio de receptor, seja por
depleção dopaminérgica. As principais evidências deste mecanismo, são:
1) A estrutura espacial da clorpromazina superpõe-se à da DA, em particular, os 3
átomos de carbono da cadeia lateral ligados ao nitrogênio, presentes em quase todos
antipsicóticos, ajustam-se ao receptor da DA.
2) A potência antipsicótica correlaciona-se com a capacidade de deslocar ligantes do
receptor D2 (clozapina, que também tem alta afinidade ao D4, é exceção).
3) Drogas que facilitam a transmissão dopaminérgica, tais como a L-DOPA,
apomorfina, anfetamina e cocaína, podem produzir estados psicóticos.
4) Apenas o isômero  do flupentixol, um bloqueador dos receptores de DA muito mais
potente que o isômero , tem efeitos clínicos.
 Alguns antipsicóticos também apresentam efeitos antimuscarínicos, antiadrenérgicos
(receptores ), anti-serotonérgicos e anti-histamínicos (ex. clorpromazina).
 Outros, como o pimozide, são bloqueadores bastante específicos da dopamina, porém
pouco seletivos com relação ao tipo D1 (D1 e D5) e tipo D2 (D2 , D3 e D4) de receptores
dopaminérgicos.
 A sulpirida é um antagonista bastante seletivo de receptores do tipo D2 e a clozapina para
receptores D4.

4. RELAÇÃO ESTRUTURA-ATIVIDADE

 Enquanto os receptores Tipo-D1 estimulam a adenilciclase, aumentando os níveis citosólicos


de AMPc, os receptores Tipo-D2 têm o efeito oposto, inibindo a enzima.

Tabela 2. Ação de drogas dopaminérgicas sobre os subtipos de receptores: + fraco,


++ moderado, +++ potente

TIPO D1 TIPO D2
D1 D5 D2a D2b D3 D4
Agonistas
Dopamina + ++ ++ ++ +++ +++
Apomorfina + ++ +++ +++ +++ +++

Antagonistas
Fenotiazinas + + +++ +++ +++ ++
Tioxantenos +++ +++ +++ +++ 0 0
Butirofenonas + + +++ +++ + +
Clozapina + + + + + +++

Tabela 3. Distribuição dos subtipos de receptores da dopamina

TIPO D1 TIPO D2
D1 D5 D2a,b D3 D4
Caudato/ Caudato/
Córtex Pré-
Putamen, Hipocampo, Putamen, N.Accumbens, Frontal,
N.Accumbens, Hipotálamo, N.Accumbens, T.Olfatório Amígdala,
Tub.Olfatório Tálamo Tub.Olfatório, Mesencéfalo
Hipófise
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 164
AÇÕES SINÁPTICAS DAS DROGAS DOPAMINÉRGICAS

1) Aumento da síntese (L-Dopa)


2) Interferência com armazenamento em vesículas (reserpina, tetrabenazina)
3) Estimulação da liberação de dopamina (anfetaminas)
4) Inibição da recaptação (anfetamina, cocaína)
5) Bloqueio de receptores dopaminérgicos pré- e pós-sinápticos (antipsicóticos)
6) Inibição da degradação (pargilina)

Figura 2. Sinapse dopaminérgica (acima) e neurônios e vias que utilizam a dopamina como
neurotransmissor (abaixo).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 165
5. AÇÕES NÃO-DOPAMINÉRGICAS

 EFEITOS ANTIADRENÉRGICOS: vasodilatação/hipotensão (postural ou ortostática), e


taquicardia reflexa.
 EFEITOS ANTIMUSCARÍNICOS: xerostomia, constipação intestinal, visão embaçada
(cicloplegia), taquicardia sinusal e efeitos antimuscarínicos centrais.
 EFEITOS ANTI-SEROTONÍNICOS: orexígenos (aumento do apetite).
 EFEITOS ANTI-HISTAMÍNICOS: hipnose (sonolência)

6. SÍTIOS DE AÇÃO

 EFEITOS ANTIPSICÓTICOS: Sistemas dopaminérgicos mesolímbico e mesocortical.


 EFEITOS EXTRAPIRAMIDAIS: Sistema dopaminérgico mesoestriatal.
 EFEITOS HORMONAIS: Sistema dopaminérgico túbero-infundibular

Tabela 4. Os efeitos extrapiramidais dependem do balanço


dopaminérgico/colinérgico no corpo estriado.

ANTAGONISMO EFEITOS
Ach DA EXTRAPIRAMIDAIS
TIORIDAZINA ++ ++ +
CLORPROMAZINA + ++ ++
HALOPERIDOL 0 ++++ ++++

7. INDICAÇÕES EM PSIQUIATRIA

7.1. COMO SEDATIVOS (EFEITOS ANTI-ESTRESSE, ANTI-AGRESSIVOS)

 SÃO OS SEDATIVOS MAIS POTENTES. As doses são maiores que as do tratamento de


manutenção. São indicados, agudamente, em qualquer tipo de agitação psicomotora: na
esquizofrenia, estados maníacos e hipomaníacos, paranóias, psicoses agudas (intoxicação,
traumas) ou crônicas, distúrbios acompanhados de agressividade.

7.2. COMO ANTIESQUIZOFRÊNICOS: PRINCIPAL INDICAÇÃO

DIAGNÓSTICO: Como todo diagnóstico clínico, baseia-se no conhecimento de uma


síndrome (sinais e sintomas), na história natural da doença (início, curso e término),
na sua sensibilidade farmacológica e, principalmente, na sua etiologia. Esta última,
no entanto, nem sempre é conhecida. Doenças mentais somente podem ser avaliadas
com base em alterações da cognição, humor, afeto e comportamento, inclusive,
comportamento social. Existem, não obstante, modelos experimentais para a maioria
das doenças mentais, inclusive, para a esquizofrênia.

 CARACTERÍSTICAS: Segundo EUGENE BLEULER, o sintoma cardinal desta doença (ou


doenças), é a divisão das esferas cognitiva, afetiva e conativa do indivíduo, daí ter proposto o
termo esquizofrenia. A esquizofrenia é caracterizada por episódios psicóticos precedidos por
sinais prodrômicos e seguidos por sintomas residuais. Os episódios psicóticos são estados
mentais discretos, frequentemente reversíveis, nos quais o paciente perde o senso ou juízo da
realidade, tornando-se incapaz de verificar suas crenças e percepções. Esta perda da
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 166
“capacidade de verificação”, onde verificação consiste na determinação dos conteúdos de
verdade (veritas), é acompanhada de alucinações (distúrbios da percepção), ilusões
(pensamentos aberrantes), delírios (incongruência) e distúrbios da memória. As crises
psicóticas não são exclusivas da esquizofrenia e devem ser diferenciadas daquelas que
ocorrem nos distúrbios maníaco-depressivos, nas psicoses reativas, estados paranóicos e na
intoxicação por drogas. As crises compreendem sinais “positivos”, como agitação,
alucinações, delírio, paranóia e agressividade, ou “negativos”, como embotamento do afeto,
isolamento social e autismo. Em geral, os sinais prodrômicos são negativos.

Figura 3. Pinturas de pacientes esquizofrênicos (Museu das Imagens do Inconsciente


de Nise da Silveira).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 167

Figura 4. As teorias mais recentes sobre a etiologia da esquizofrenia propõem um desequilíbrio,


ao invés do aumento da atividade dopaminérgica, que seria devido à redução da atividade
mesocortical e aumento da atividade mesolímbica, produzindo os sintomas negativos e positivos,
respectivamente.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 168

 NEUROPATOLOGIA: Constatou-se dilatação dos ventrículos laterais que pode ser indício de
atrofia do tecido nervoso. Estudos post mortem revelaram reduções específicas do giro para-
hipocampal, amígdala, hipocampo, em particular, no hemisfério esquerdo. Estas alterações
têm sido relacionadas aos problemas de linguagem e lógica.

 INCIDÊNCIA: A esquizofrenia afeta ambos os sexos de forma igual e atinge cerca de 1% da


população. Entretanto, é mais precoce no sexo masculino e mais freqüente em mulheres logo
após a menopausa, sugerindo uma função protetora dos estrogênios. Cerca de 25% dos
pacientes têm um único episódio, recuperando-se integralmente. Outros 25% desenvolvem
distúrbios permanentes, a metade destes necessitando hospitalização. Adicionalmente, cerca
de 2-3% da população têm distúrbio de personalidade esquizóide, uma forma mais branda da
doença. A concordância em gêmeos monozigóticos é de 30-50% e em dizigóticos de 15%,
igual à que ocorre entre irmãos, indicando fatores genéticos predisponentes. Existem
evidências de anormalidades no cromossomo 5, mas a herança deve ser poligênica.

Tabela 5. Evidências da importância dos fatores genéticos na esquizofrenia.

Pais Biológicos Pais Adotivos


Esquizofrênicos Sadios Esquizofrênicos Sadios
Esquizofrenia crônica 2,9% 0% 1,4% 1,1%
Esquizofrenia latente 3,5 1,7 0 1,1
Esquizofrenia incerta 7,5* 1,7 1,4 3,3
TOTAL 14,0* 3,4 2,7 5,5
*, estatisticamente significante (adaptado de KETY et al., Genetic Research in Psychiatry, 1975)

8. PRINCIPAIS TEORIAS DA ESQUIZOFRENIA

 Estudos com tomografia computadorizada correlacionam a ocupância de receptores D2, e a


conseqüente sobre-regulação (up-regulation) compensatória destes receptores, à eficácia
terapêutica destas drogas. Estes efeitos, no entanto, não foram verificados para a clozapina.
Tampouco verificou-se o aumento de ácido homovanílico (HVA), principal metabólito da
DA, nos pacientes esquizofrênicos. Verificou-se, no entanto, o aumento dos receptores D2
nos gânglios da base, n. accumbens e substância negra.
 Teorias mais recentes propõem um desequilíbrio, ao invés do aumento da atividade
dopaminérgica. Este seria devido à redução da atividade mesocortical e aumento da atividade
mesolímbica, produzindo os sintomas negativos e positivos, respectivamente.
 Adicionalmente, estudos revelaram a redução de receptores D1 no córtex frontal de pacientes
não-tratados. Nesta região os receptores D1 são 10 vezes mais numerosos que os D2 e
parecem modular a atividade glutamatérgica envolvida com memória operacional. Já os
receptores D3 e D4 estão concentrados em regiões límbicas. O primeiro parece ter ações
relacionadas aos sinais negativos, opostas às do receptor D2, pois reduz a atividade
locomotora. Por sua vez, não há correlação estrita entre o receptor D4 e a atividade
antipsicótica. Adicionalmente, a esquizofrenia não foi observada em indivíduos carentes do
receptor, ou administrados com o antagonista.
 Também foi proposto a participação da 5-HT e glutamato, dentre outros transmissores.

9. MODELOS EXPERIMENTAIS DA ESQUIZOFRÊNIA

 FARMACOLÓGICOS: produção de catalepsia e antagonismo de locomoção e estereotipias.


 PSICOLÓGICOS: bloqueio da esquiva condicionada, inibição latente, inibição pré-pulso.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 169
10. EFICÁCIA DOS ANTIPSICÓTICOS NA ESQUIZOFRENIA

 EFICÁCIA COMPARATIVA DOS DIVERSOS TRATAMENTOS

Psicoterapia < Terapia Eletroconvulsiva < Farmacoterapia < Farmacoterapia+Psicoterapia

 Atenuam os sintomas das crises agudas, suprimem as reincidências, impedindo a progressão


da doença e facilitando a psicoterapia e reabilitação social.
 Não “curam” a esquizofrenia. As formas precoces, de jovens e adolescentes, são as mais
resistentes. As esquizofrenias paranóides tardias são praticamente abolidas.
 Os sintomas e sinais “negativos” são mais resistentes à terapia.

Tabela 6. Ação diferenciada nos sintomas esquizofrênicos

RESPOSTA ÀS FENOTIAZINAS
SINAIS/SINTOMAS
EM DOSES DE MANUTENÇÃO
Sintomas esquizofrênicos
Incoerência +++
Afeto embotado +++
Isolamento +++
Autismo +++
Alucinações ++
Paranóia +
Grandiosidade +
Agressividade 0
Sintomas não-esquizofrênicos
Ansiedade, tensão, agitação 0
Culpa, depressão 0

Tabela 7. Incidência de readmissão hospitalar após a remissão em pacientes


esquizofrênicos tratados e não tratados, nos Estados Unidos e Reino Unido.

EUA (18 MESES) RU (12 MESES)


(%) (%)
DROGA 20 30
PLACEBO 50 80
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 170
Tabela 8. Remissão dos sintomas após 6 semanas de tratamento com droga ou
placebo (NIMH-EUA)

PORCENTAGEM DE REMISSÃO (463 pacientes)

DROGA 75
PLACEBO 25

11. EFEITOS ADVERSOS

A) EFEITOS EXTRAPIRAMIDAIS:

Tabela 9. Síndromes extrapiramidais. APK - antiparkinsonianos, BZD - benzodiazepínicos, Ach


- acetilcolina

PRINCIPAIS MAIOR
SÍNDROME MECANISMO TERAPIA
SINTOMAS RISCO
espasmos agudos
APK (Ach)
DISTONIA AGUDA da língua, face, 1 a 5 dias ?
BZD
pescoço, costas
bradicinesia,
antagonismo
PARKINSONISMO rigidez muscular, 5 a 30 dias APK (ACh)
dopaminérgico
marcha arrastada
motricidade redução da dose
ACATISIA contínua e 5 a 60 dias ? APK (ACh)
involuntária BZD
movimentos da
TREMOR boca e língua meses ou
? APK (ACh)
PERIORAL (parkinsonismo anos
tardio)
aumento da ação
dopaminérgica
discinesia
por aumento da
DISCINESIA orofacial, “tics” meses ou
sensibilidade prevenção
TARDIA dos membros e anos
dos receptores
tronco
ou da síntese de
DA

B) EFEITOS HORMONAIS:

O antagonismo do PIF (DA) causa hiperprolactinemia e, conseqüentemente, galactorréia nas


mulheres e ginecomastia e impotência nos homens.

12. ANTIPSICÓTICO DE “PRIMEIRA ESCOLHA” E TOXICIDADE

13. PRINCIPAIS PRODUTOS


L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 171
ABUSO E DEPENDÊNCIA DE DROGAS

1. ABUSO

 Todas as culturas usam ou usaram algum tipo de droga para alterar o espírito ou o comporta-
mento de seus indivíduos.
 Conseqüentemente, a maioria das sociedades aceita algumas drogas, rejeitando as demais.
 A insatisfação e frustração inerentes à sociedade humana contribuem para que alguns
indivíduos ou grupos sejam mais propensos ao consumo de drogas que os demais.

ABUSO DE DROGAS é a auto-administração de drogas que se desvia das


normas sociais

 Por sua vez, as normas sociais dependem do poder e dos interêsses econômicos
 O abuso, portanto, dependerá da sociedade, da época, da circunstância, da droga e da dose.
 A abordagem médica, ou seja, aquela que considera as conseqüências sobre a saúde da
interação droga-organismo, é a abordagem fundamental do abuso das drogas.

Psilocybes mexicana
(psilocibina)

Stropharia cubensis
(psilocibina)

Claviceps purpúrea
(LSD)

Lophophora Williamsii
(mescalina)

FIGURA 1. Todas as culturas usam ou usaram algum tipo de droga, naturais, como o álcool, cocaína,
psilocibina e mescalina, semi-sintéticas como o LSD, ou sintéticas como as anfetaminas.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 172
2. DEPENDÊNCIA DE DROGAS: DEFINIÇÕES

DEPENDÊNCIA PSICOLÓGICA é a inferência sobre o estado de um


indivíduo a partir de seu comportamento de busca e armazenamento de uma ou
várias drogas. A dependência tem grande importância no padrão de consumo
da droga.

DEPENDÊNCIA FISIOLÓGICA é uma inferência sobre o estado de um


indivíduo com base numa síndrome clinicamente definida (síndrome de
abstinência) causada pela interrupção do uso de uma droga.

SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA é uma síndrome desencadeada pela


interrupção do consumo de uma droga. A síndrome é específica para cada tipo
de droga e caracteriza-se por um quadro clinicamente definido de sintomas e
sinais, psicológicos e somáticos, ausentes sob a ação da droga e, em geral,
opostos aos seus efeitos. Os sintomas têm início, duração e término previsíveis
e devem ser suprimidos pela restituição da droga. A síndrome tem grande
importância na determinação do potencial de dependência da droga.

TOLERÂNCIA consiste na redução dos efeitos de uma droga com a repetição


da mesma dose ou, reciprocamente, na necessidade do aumento progressivo
das doses para a obtenção dos mesmos efeitos. A tolerância pode desenvolver-
se de forma desigual para os diversos efeitos de uma mesma droga. A
tolerância tem grande importância na escolha da dose individual, influenciando
o padrão de consumo.

3. CLASSIFICAÇÃO FARMACOLÓGICA DA DEPENDÊNCIA/ABUSO (DSM-III-R)

1. Dependência / abuso de opióides


2. Dependência / abuso de sedativos, hipnóticos e ansiolíticos
3. Dependência / abuso de álcool
4. Dependência / abuso de anfetamina ou simpatomiméticos análogos
5. Dependência / abuso de cocaína
6. Dependência / abuso de nicotina
7. Dependência / abuso de maconha
8. Dependência / abuso de alucinógenos
9. Dependência / abuso de inalantes
10. Dependência / abuso de fenilciclidina e arilcicloexilaminas análogas
11. Dependência / abuso de substâncias mistas
12. Dependência / abuso de substância psicoativa não especificada

4. DETERMINANTES FARMACOLÓGICOS DA DEPENDÊNCIA

 A CONDIÇÃO NECESSÁRIA reside na produção de efeitos centrais de natureza


psicológica. Esta condição, no entanto, é insuficiente pois drogas psicotrópicas como os
antipsicóticos e antidepressivos não causam dependência (ver classificação acima).
 A CONDIÇÃO IMPRESCINDÍVEL reside na produção de efeitos centrais agradáveis
como prazer, alívio de tensões, alterações do humor ou das percepções.
 AS BASES DA DEPENDÊNCIA SÃO BIOLÓGICAS pois os animais aprendem a se
administrar com as mesmas drogas e com os padrões similares aos observados no homem.
Contrariamente, não se administram com antipsicóticos ou antidepressivos, aprendendo
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila)
173
mesmo a execução de respostas que evitam sua administração. Também não se
administram, no entanto, com alucinógenos (LSD), levantando a dúvida o fundamento
biológico da dependência destes agentes. Por sua vez, a maconha é autoadministrada em
procedimentos mais complexos, tais como o comportamento adjuntivo durante a suspensão
do reforçamento.
 AS DROGAS AGEM COMO REFORÇADORES. Aquelas que causam dependência são
reforçadores positivos, pois aumentam a freqüência das respostas que as precedem. Alguns
aspectos da dependência psicológica são explicáveis pela natureza de reforço das drogas.
a) Importância da autoadministração (diferenças do uso ilícito e dependência
iatrogênica).
b) Importância do reforço imediato (morfina vs. heroína, cocaína vs. “crack”, etc) ou,
reciprocamente, da punição tardia (ressaca, desajuste social, prisão, etc).

5. PRINCIPAIS EFEITOS DAS DROGAS QUE CAUSAM DEPENDÊNCIA

BARBITÚR
BENZODIAZEPÍ ANFETAMINAS,
OPIÓIDES ÁLCOOL I- -NICOS COCAÍNA
NICOTINA
COS
Enjôo Euforia Sedação Sedação Euforia Enjôo
Vômito Sonolência Sonolência Sonolência Alerta Vômito
Prazer Ataxia Ataxia Ataxia Agitação Alerta
Bem Estar Nistagmo Nistagmo Nistagmo Insônia Prazer
Miose Amnésia Amnésia Amnésia Anorexia
Anorexia Hipotensão Hipotensão Irritação
Anergia Bradipnéia Bradipnéia Delírios
Hipotensão Apnéia Apnéia Paranóia
Bradipnéia Coma Coma Estereotipias
Apnéia Morte Morte Taquicardia
Morte Hipertensão
Convulsões
Morte

Figura 2. Autoestimulação. O rato procura o estímulo quando coloca sua pata


no pedal. Alguns animais se estimularam durante 24 horas sem descanso, numa
freqüência de 5000 vêzes por hora.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 174

Figura 3. Experimento de auto-administração de drogas em ratos. O rato pressiona


uma alavanca para receber uma injeção endovenosa da droga.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 175
400

Respostas Cumulativas 300

200
C

100
B

A
0
0 20 40 60 80 100
Tempo (horas)
Figura 4. Registro cumulativo das respostas de auto-administração de morfina. Depois de treinado, o
rato começou a receber uma dose de 10 mg/kg de morfina (A). A redução da dose para 3,2 mg/kg (B)
causou o aumento da taxa de resposta, e a supressão completa causou um aumento ainda maior (C)
seguido de um decréscimo gradual.

10:1
100
respostas

32:1

180:1

400:1

4 8 12 16 20 24
TEMPO (horas)

Figura 5. Auto-administração para diferentes taxas de resposta:injeção. A dose de morfina foi


mantida constante (10 mg/kg), mas as taxas variaram de 10 a 400 respostas por injeção.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 176
6. CARACTERÍSTICAS DAS PRINCIPAIS SÍNDROMES DE ABSTINÊNCIA

SÍNDROME OPIÓIDES ÁLCOOL BARBITÚRICOS


(delirium tremens)
INÍCIO APÓS A ÚLTIMA
DOSE
10 hs 24 hs 24 hs
DURAÇÃO MÉDIA DA
SÍNDROME
72 hs 72 hs 72 hs
Rinorréia Agitação Fadiga
Lacrimejamento Ansiedade Ansiedade
Náusea Náuseas Náuseas
Vômitos Vômitos Vômitos
Sudorese Tremores Cólicas
Bocejos Insônia Irritabilidade
Midríase Delírios Agitação
Irritabilidade Alucinações Hipertermia
CARACTERÍSTICAS
DA SÍNDROME
Agitação Zoopsias Sudorese
Insônia Convulsões Calafrios
Diarréia Morte Tremores
Piloereção Insônia
Hipertensão Delírios
Taquicardia Convulsões
Taquipnéia Morte
Acidose
Morte

7. CARACTERÍSTICAS DAS PRINCIPAIS DROGAS QUE CAUSAM DEPENDÊNCIA

Dependência Dependência
Classe Drogas Tolerância
Psicológica Fisiológica
Opióides +++ +++ +++
Inalantes +++ +/0 +/0
Sedativos Álcool +++ +++ ++
Barbitúricos +++ +++ ++
Benzodiazepínicos + + +
Anfetaminas +++ + +
Cocaína +++ + +/-
Psicoestimulantes
Nicotina ++ ++ +
Cafeína + +/0 +/0
Alucinógenos ++ 0 +++
Psicotomiméticos
Maconha ++ 0 0/-
+ PRESENTE, 0 AUSENTE, - EFEITO INVERSO (SENSIBILIZAÇÃO)
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 177
7. BASES NEURAIS DA DEPENDÊNCIA

 Autoestimulação - Feixe Prosencefálico Medial


 Esquiva da EIC - Matéria cinzenta periaventricular e Matéria Cinzenta Periaquedutal
Dorsal
 Estimulação intracraniana em humanos

 SISTEMAS CEREBRAIS DE RECOMPENSA E DE AVERSÃO


 Importância da dopamina, do núcleo acumbens e do pálido ventral na dependência de
psicoestimulantes
 Papel do sistema cerebral aversivo na dependência de psicosedativos (álcool e barbitúricos)
 Sistemas neurais diferenciados da dependência e síndrome de abstinência de opióides
 Papel do locus coeruleus na síndrome de abstinência dos opióides (ação da clonidina)

9. MECANISMOS DA TOLERÂNCIA

 Tolerância farmacocinética ou metabólica


 Tolerância farmacodinâmica ou tissular

10. TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA

 Abordagens psicológicas: Psicoterapia de grupo e terapia comportamental


(extinção, reforço positivo ou punição com apomorfina
e dissulfiram)
 Abordagens sócio-culturais: Grupos anônimos
 Abordagens médico-biológicas: Fase de desintoxicação (ex.: metadona, benzodiazepínicos
de ação prolongada)
Fase de abstinência (ex.: naltrexona, benzodiazepínicos)
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 178

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DA OBESIDADE E


ANOREXIA NERVOSA

1. TRANSTORNOS ALIMENTARES

 A OBESIDADE é um problema de saúde que está alcançando proporções alarmantes,


tanto em países ricos, como os EUA, no qual a obesidade foi classificada pela primeira
vez como „doença‟ em 2013, quanto em países menos desenvolvidos, incluindo o México
e o Brasil. Por exemplo, a prevalência de obesos nos EUA saltou de 23% para 31% entre
1988 e 2000. No mesmo período, o sobrepeso (forma menos grave de obesidade) passou
de 56% para 65%. A prevalência é maior em adultos com mais de 50 anos e mulheres,
principalmente, das classes de baixa renda. Segundo a Organização Mundial de Saúde
(OMS), há mais de 1 bilhão de adultos acima do peso, dos quais 1/3 são obesos. Esta
epidemia, eventualmente chamada de „globesidade‟, está sendo responsável pelo
agravamento de inúmeros problemas de saúde e redução da expectativa de vida. De fato,
além dos efeitos nocivos diretos do excesso de peso, tais como a osteoartrite, incidência
aumentada de fraturas, fadiga, queda do desempenho e perda da autoestima, a obesidade
é o principal fator de risco do diabetes tipo-II (90% dos pacientes são obesos) e contribui
de forma fundamental para a hipertensão, dislipidemias, doença coronária, certos tipos de
câncer, colelitíase, cirrose, gota, insônia, apnéia do sono e doenças da pele, dentre outras.
A obesidade está associada a 2 padrões anormais de alimentação: 1) glutonia (binge
eating), que consiste no consumo rápido de quantidades excessivas de alimento,
acompanhado de sensações de descontrole (durante) e desconforto (após), mas sem
regurgitação compensatória, 2) síndrome da alimentação noturna (night-eating
síndrome), que consiste em anorexia matinal, hiperfagia vespertina e insônia. O
tratamento inclui exercício, modificação da dieta e do comportamento alimentar,
farmacoterapia e cirurgias bariátricas, principalmente, nos casos de obesidade mórbida,
que inclui excesso de gordura abdominal e, pelo menos, 2 dos seguintes sintomas:
resistência insulínica, dislipidemia e hipertensão (Fig.1).

 Por outro lado, a ANOREXIA NERVOSA é uma condição psiquiátrica relativamente


rara, que ocorre quase exclusivamente em adolescentes do sexo feminino, e que se
caracteriza por preocupações excessivas com a imagem e peso (body dysform syndrome)
e comportamentos obstinados para perder peso, incluindo exercícios compulsivos,
manejo peculiar dos alimentos e vômitos voluntários após as refeições (regurgitação ou
„purgação‟). O termo „anorexia‟ é, no entanto, inadequado, pois não há perda de apetite
na fase inicial desta síndrome. Ao contrário, a anorexia é frequentemente acompanhada
de episódios incontroláveis de hiperfagia (bulimia) seguidos de esforços voluntários de
regurgitação. Embora rara, ela pode resultar em desequilíbrios neuroendócrinos,
eletrolíticos e metabólicos extremamente severos, culminando em inanição e morte em
5% a 18% dos pacientes. A anorexia nervosa é frequentemente acompanhada de
amenorréia, redução da libido e, em homens, da potência sexual. Ela também é
acompanhada de insônia, e apresenta alta comorbidade com outros transtornos
psiquiátricos, incluindo depressão (65%), fobia social (34%) e transtorno obsessivo-
compulsivo (26%). O tratamento consiste, primeiramente, na restauração do estado
nutricional do paciente, incluindo hospitalização nos casos mais graves, e tratamento
psiquiátrico com terapia comportamental, psicoterapia individual, terapia e instrução
familiar e, em alguns casos, farmacoterapia com orexígenos e psicotrópicos. Contudo,
nenhum dos medicamentos atuais assegura a melhora definitiva dos sintomas centrais da
anorexia nervosa (Fig.1).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 179

Figura 1. DOIS EXTREMOS: OBESIDADE MÓRBIDA E ANOREXIA NERVOSA.

2. DIAGNÓSTICO DA OBESIDADE

 A obesidade pode ser definida como uma doença em que a saúde do indivíduo é afetada
pelo excesso de gordura, levando à redução da qualidade e expectativa de vida. Mas,
quando podemos dizer que um indivíduo é “obeso”? Segundo os critérios da OMS, o
diagnóstico da obesidade baseia-se no índice de massa corporal (IMC) (Tab.1). O IMC
é calculado dividindo-se o peso do indivíduo (em quilogramos) pelo quadrado de sua
altura (em metros). Em particular, o risco de diabetes-II em mulheres aumenta 5 vezes
com IMCs maiores que 25 kg/m2 e 35 vezes para IMCs maiores que 35 kg/m2. Outros
índices incluem a circunferência abdominal e o quociente abdômen-quadril, que são
importantes no diagnóstico de obesidade mórbida associada ao excesso de gordura
abdominal. Portanto, a obesidade pode ser definida como um distúrbio multifatorial do
balanço calórico em que a ingesta calórica diária do indivíduo excede o gasto de calorias,
resultando num IMC anormalmente elevado.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 180

Tabela 1. Critérios para diagnóstico de alterações anormais do peso coporal.


IMC < 18,5 Abaixo do Peso Esperado
18,5 < IMC < 24,9 Peso Normal
25,0 < IMC < 29,9 Sobrepeso Grau I
30 < IMC < 39,9 Sobrepeso Grau II ou Obeso
IMC > 40 Sobrepeso Grau III ou Obesidade Mórbida

3. HOMEOSTASE DO BALANÇO CALÓRICO

 A sobrevivência dos organismos depende de fornecimento contínuo de energia para a


manutenção dos mecanismos homeostáticos. Consequentemente, o tecido adiposo
evoluiu como um mecanismo para armazenagem do excedente energético dos alimentos
(na forma de triglicerídeos) para ser mobilizado nos períodos de privação alimentar.
 A ingesta alimentar balanceada é o gasto calórico necessário para manter o
metabolismo, a atividade física e a termogênese. Os gastos calóricos incluem o trabalho
muscular e cardiorrespiratório e a atividade enzimática de todo o organismo. A atividade
física intensifica todas estas funções e aumenta o gasto calórico pela musculatura
esquelética. As refeições e a redução da temperatura do ambiente também estimulam a
termogênese. Portanto, a obesidade consiste no desequilíbrio dos mecanismos
homeostáticos que controlam o balanço calórico do organismo.
 A obesidade é determinada pela interação de genes específicos (os “genes econômicos”)
com o ambiente (acesso irrestrito a alimentos de alto valor calórico, cultura, etc), estilo
de vida (sedentarismo, etc) e personalidade do indivíduo (ansiedade, depressão, etc).
 Ao contrário do propalado pelos livros de dieta e indústria de regimes, a obesidade não é
o simples resultado da alimentação inadequada e excessos alimentares (hiperfagia).
De fato, somente parte dos indivíduos desenvolve obesidade, mesmo quando foram
submetidos à mesma dieta e estilo de vida daqueles que mantiveram o peso normal.
Adicionalmente, a taxa de fracasso das dietas de emagrecimento pode alcançar 90% e a
maior parte dos indivíduos bem sucedidos em regimes de emagrecimento retorna ao peso
original em poucos meses. Estes dados sugerem a existência de um mecanismo
homeostático que opera no sentido da manutenção do “peso específico” de cada
indivíduo. As evidências indicam que este mecanismo é altamente preciso, podendo
regular o peso corporal ao redor de 0,17% ao longo de uma década.
 Estudos epidemiológicos em gêmeos monozigóticos e dizigóticos sugerem uma
influência determinante de fatores genéticos na etiologia da obesidade. De fato, nas
últimas décadas foram identificadas mutações em camundongos e, mais recentemente,
em humanos, que podem ser responsáveis pelo início e/ou manutenção da obesidade.
Estes achados deram um grande impulso no conhecimento dos mecanismos
fisiopatológicos desta doença.

4. PAPEL DA LEPTINA NA REGULAÇÃO DO PESO CORPORAL

 No começo do século XX, observou-se que indivíduos com lesões ou tumores


hipotalâmicos podiam ganhar peso rapidamente. Estes achados foram corroborados por
estudos em ratos que mostraram que as lesões do hipotálamo lateral causavam perda
de peso, enquanto as lesões do hipotálamo medial (especificamente, do núcleo
ventromedial) causavam aumento do apetite e obesidade. Portanto, nos anos 40,
acreditava-se que estes núcleos correspondiam aos centros da fome e saciedade,
respectivamente, que exerciam inibição recíproca. Estas observações foram seguidas pela
descoberta totalmente casual dos camundongos mutantes obesos (ob/ob) em 1949
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 181
(Fig.2). Estas e outras evidências levaram Gordon C. Kennedy (1953) a propor a “teoria
lipostática” do controle calórico, segundo a qual o tecido adiposo produziria um
hormônio que agiria no hipotálamo regulando a ingesta calórica e acúmulo de gordura. A
existência de um “hormônio da obesidade” ganhou forte impulso após a demonstração
da prevenção da obesidade em camundongos ob/ob em preparações de circulação-
cruzada (parabiose) com camundongos normais. Estes achados prepararam o cenário
tanto para a descoberta da leptina (do grego leptos, magro) pelos grupos independentes
de Jeffrey M. Friedman e Douglas L. Coleman (Fig.2), quanto do gene que a codifica
pelo primeiro autor, ambos em 1994. Estes avanços constituem um marco na fisiologia da
homeostase calórica em mamíferos.

Figura 2. CAMUNDONGO OBESO DEFICIENTE DE LEPTINA. Acima: Camundongo


geneticamente obeso (ob/ob) ao lado de espécime normal de mesma idade. Abaixo: estrutura da
molécula de leptina mutante E100 (esq.) do camundongo ob/ob, na qual a glutamina é substituída
pelo triptofano na posição 100, e da leptina de humanos (dir.) que é expressa por um gene
localizado no cromossomo 7.

 Atualmente já foram identificados vários genes mutantes que causam obesidade em


camundongos, incluindo o ob (de obeso), tub (de tubby, rechonchudo), fat (de gordo) e
db (de diabetes). Camundongos homozigóticos ob/ob e db/db comem excessivamente e
gastam poucas calorias, desenvolvendo obesidade e diversas anormalidades metabólicas.
Conforme mencionamos, a obesidade dos camundongos ob/ob é prevenida se sua
circulação for ligada à de um camundongo normal que produz leptina (parabiose). A
administração de leptina recombinante produz uma redução notável tanto na ingesta
alimentar quanto no peso dos camundongos ob/ob. Estes efeitos foram observados após a
administração periférica e intracerebroventricular, corroborando a ação central deste
hormônio. A administração de leptina apresentou efeitos similares em humanos (Fig. 3).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 182
 Embora o RNAm da leptina seja expresso em vários tecidos, ele é expresso em
quantidades muito maiores nos adipócitos. A expressão do RNAm da leptina é
estimulada por glicocorticóides, insulina e estrógenos e inibida pelos agonistas -
adrenérgicos (por exemplo, a adrenalina). No homem, a leptina é secretada de forma
pulsátil e sua concentração correlaciona-se com os depósitos de gordura e o IMC e,
inversamente, com os níveis de hidrocortisona. A leptina penetra no SNC por um
mecanismo saturável em quantidades proporcionais aos níveis circulantes. Embora a
insulina também desempenhe uma função importante, acredita-se que a leptina exerça o
papel crucial no controle da ingesta e gasto de calorias.

A B B
Leptina 100
120
Criança obesa
Percentil 98%
Percentil 50% 95

Percentil 2%
100
90

Peso (kg)
85
80

80
Peso (kg)

60
75

40 70
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Meses de Tratamento

20 C
Total Massa Magra Massa Gorda

0
0
0 2 4 6 8 10
Perda de Massa Corporal (kg)

Idade (anos) -2

Figura 3. EFEITO DO TRATAMENTO COM


LEPTINA RECOMBINANTE DE UMA -6
CRIANÇA DE 9 ANOS DE IDADE COM
OBESIDADE SEVERA. A) Apesar de ter nascido
com peso normal, a criança começou a engordar
-10
aceleradamente, atingindo 94,4 kg aos 9 anos,
quando teve início a terapia com leptina. B) Com a
regularização do padrão alimentar, a criança começou
a perder peso em cerca de 2 semanas, emagrecendo -14
15,6 kg um ano após o início do tratamento. C)
Notavelmente, a perda foi devida exclusivamente à
perda de massa gorda (tecido adiposo), sem -18
influência significante na massa magra (músculos e 0 2 4 6 8 10 12
outros tecidos) (adaptado de Farooqi et al., 1999) Meses de tratamento
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 183

 Em conseqüência destes achados, o tecido adiposo tem sido considerado como um órgão
endócrino difuso, tanto pelo papel dos adipócitos como sensores do estado energético do
organismo quanto pela sua importância na secreção de leptina, citocinas e outros
mediadores autócrinos, parácrinos e endócrinos.

5. REGULAÇÃO HIPOTALÂMICA DO BALANÇO CALÓRICO

 Embora os estudos de meados do século passado (e até mesmo textos atuais de


fisiologia!) sugeriram que os centros da fome e saciedade localizavam-se nos núcleos
lateral e ventromedial do hipotálamo, respectivamente, as evidências mais recentes
indicam que a leptina age no núcleo arqueado do hipotálamo. Neste, a leptina exerce
ações opostas em dois grupos de neurônios que regulam a homeostase calórica (Fig. 4).

Figura 4. PAPEL DA LEPTINA, INSULINA E PEPTÍDEOS HIPOTALÂMICOS NA


REGULAÇÃO DO BALANÇO CALÓRICO E DOS DEPÓSITOS DE GORDURA. A leptina e a
insulina inibem os neurônios orexigênicos (em vermelho) e estimulam neurônios anorexigênicos (em
rosa). As vias do apetite incluem os núcleos hipotalâmicos paraventricular (PVN), lateral (HL),
dorsomedial (HDM) e perifornicial (HPF). Nestes, o peptídeo relacionado ao agouti (AgRP) inibe os
efeitos anoréxigênicos do hormônio estimulante dos melanócitos (-MSH ou melanocortina) sobre os
receptores tipo-4 de melanocortina (MC4). Notavelmente, o HPF é o único local do cérebro onde
encontramos o peptídeo orexina. Outras abreviaturas: CART – Peptídeo regulado pela anfetamina e
cocaína (cocaine and amphetamine reguated transcript), NPY – neuropeptídeo Y, POMC – pró-
opiomelanocortina (ver texto para detalhes).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 184

 O primeiro grupo de neurônios co-expressa o neuropeptídeo Y (NPY) e o peptídeo


relacionado ao agouti (AgRP, do inglês agouti-related peptide, é um peptídeo similar
àquele que determina a cor da pelagem do agouti e outros roedores). A expressão de
ambos os peptídeos é aumentada pela queda nos níveis de leptina e causa o aumento da
ingesta alimentar (efeito orexigênico) e do anabolismo (acúmulo de gordura), e redução
do gasto energético.
 O segundo grupo de neurônios expressa a pro-opiomelanocortina (POMC), cujo
processamento gera a -endorfina, a corticotrofina (ACTH) e o hormônio alfa-
melanócito estimulante ou melanocortina (-MSH). O -MSH tem efeitos
anorexigênicos e catabólicos (queima de gordura), aumentando o gasto de energia. Estes
neurônios co-expressam o peptídeo regulado pela anfetamina e cocaína (CART,
cocaine- and amphetamine-regulated transcript), que também tem efeitos
anorexigênicos.

Figura 5. VIAS ENVOLVIDAS NO CONTROLE DO APETITE. A leptina modula neurônios do núcleo


arqueado do hipotálamo (ARQ) que controlam núcleos cujas projeções (vias vermelhas) convergem para o núcleo
paraventricular (PVN). Por sua vez, o PVN controla a secreção da corticotropina (ACTH) e tireotropina (TSH),
exercendo uma influência fundamental no balanço calórico. Os núcleos hipotalâmicos também são modulados por
informações periféricas de receptores orofaríngeos, gástricos e intestinais (vias negras) e aferências serotonérgicas
(vias amarelas). As vias estão representadas no cérebro do rato. Demais abreviaturas: 3 – núcleo óculomotor, APBl
– área parabraquial lateral, HÁ – hipófise anterior, HDM – hipotálamo dorsomedial, HL – hipotálamo lateral, HVM
– hipotálamo ventromedial, MCPA – matéria cinzenta periaquedutal, NDR – núcleo dorsal da rafe, NTS – núcleo do
trato solitário, PVN – núcleo paraventricular do hipotálamo, VPNm – núcleo ventroposterior medial do tálamo.

 Os neurônios orexigênicos e anorexigênicos do núcleo arqueado projetam-se para


neurônios do núcleo paraventricular do hipotálamo (PVN) que secretam os
hormônios liberadores da corticotropina (CRH) e da tireotropina (TRH), regulando
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 185
a secreção dos respectivos hormônios e dos glicocorticóides, todos cruciais no balanço
calórico. De fato, a redução da expressão de TRH dos neurônios do PVN no jejum
correlaciona-se positivamente com a redução da expressão do -MSH/CART e
inversamente com o aumento da expressão do NPY/AgRP no núcleo arqueado (Fig.5).
 Por sua vez, os neurônios anorexigênicos projetam-se para o hipotálamo lateral, outrora
considerado o “centro da fome”, no qual exercem uma ação inibitória (Fig.5).
 Contudo, o balanço energético também é afetado por receptores para insulina em
ambos os grupos de neurônios, bem como por fatores orexigênicos, incluindo a
noradrenalina e os peptídeos orexina, hormônio do crescimento, galanina e grelina, e
fatores anorexigênicos, incluindo a serotonina (5-HT) e os peptídeos neurotensina (NT),
a colecistocinina (CCK), hormônio liberador da corticotrofina (CRH), bombesina,
peptídeos glucagon-similares (GLP, glucagon-like peptides) e algumas citocinas pró-
inflamatórias, tais como a interleucina 1 (IL-1 e fator de necrose tumoral (TNF-).
Por exemplo, os neurônios orexinérgicos do hipotálamo são estimulados pela grelina e
hipoglicemia e inibidos pela leptina.
 Como veremos adiante, enquanto o antagonista de receptor 5-HT2C, ciproeptadina
(Periactin), tem sido empregado como orexígeno há muitos anos, o inibidor da recaptação
de serotonina e noradrenalina, sibutramina, é o único agente anorexigênico da
atualidade.

6. O RECEPTOR DA LEPTINA

 O receptor da leptina (LepR ou ObR) faz parte da superfamília de receptores de


citocinas. As citocinas são um grupo indefinido de peptídeos que estão envolvidos em
inúmeras funções, desde a resposta imune até o desenvolvimento e diferenciação celular.
O LepR tem um sítio de ligação para a leptina na região extracelular e apresenta atividade
fosfocinásica para resíduos de tirosina em sua região intracelular (Fig.6A).
 O receptor é uma tirosina-cinase tipo Jano (JAK, do inglês Janus kinases). Embora o
receptor tenha um único domínio transmembrânico, a ligação da leptina provoca uma
mudança de conformação e a dimerização do receptor (Fig.6B). A dimerização resulta
na fosforilação recíproca (ou autofosforilação) das alças intracelulares em 5 resíduos
de tirosina próximos ao terminal carboxila. Conseqüentemente, o receptor ativado é um
dímero com 2 regiões transmembrânicas, 2 sítios de ligação para a leptina e 10 resíduos
fosforilados de tirosina (daí o termo Jano, em alusão ao deus grego com duas faces). Esta
configuração funciona como um molde para a homo- ou heterodimerização de
transdutores ou ativadores de sinais de transcrição (STAT, Signal Transducer and
Activator of Transcriptions). Os STATs ativados migram para o núcleo onde agem como
fatores de transcrição (Fig.6B).
 A via JAK/STAT é a principal alternativa à sinalização por segundos mensageiros. A
ativação da via JAK/STAT é uma característica comum, porém não exclusiva, da maioria
dos receptores de citocinas. Tal como ocorre na resposta inflamatória e hematopoiese, a
ativação desta via produz respostas celulares mediante homo- ou hetero-oligomerização
de parceiros proteicos intracelulares.
 A famílias dos receptors das interleucinas IL-2, IL-3, IL-6, IL-12 e prolactina são
classificadas como receptors de citocinas tipo I, enquanto as famílias dos receptores do
interferon e interleucinas IL-1, IL-10 e IL-17 são classificadas como receptors de
citocinas tipo II.
 Em particular, o LepR faz parte da família dos receptores da interleucina-6 (IL-6) e
processa o sinal gp130 da IL-6 (também conhecido por receptor M de oncostatina ou
CD130). Tal como o fator de crescimento, a leptina também ativa a via de sinalização da
fosfocinase ativada pelo mitógeno (MAPK, mitogen-activated protein kinase).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 186
 Embora a leptina ligue-se a 6 tipos de receptores (LepRA-F ou ObRA-F) que são
codificados por um único gene, o subtipo LepRB (ou ObRB) é o único receptor que
está presente nos neurônios do hipotálamo e que ativa a via JAK/STAT. Portanto, o
balanço calórico é regulado pelo subtipo-B do receptor de leptina.

A B

Figura 6. A) RECEPTORES DE
TIROSINA-CINASES. Existem 4 classes de
de receptores de tirosina-cinase. Os tipos 1 e 2
possuem regiões extracelulares ricas em
cisteínas e os tipos 3 e 4 têm regiões similares
às dos anticorpos (em azul) e 2 regiões
intracelulares com atividade fosfocinásica. As
regiões com atividade tirosina-cinásica estão
em vermelho e são citosólicas. Os receptores 1,
3 e 4 sofrem dimerização após a ligação com o
transmissor. A insulina liga-se a um receptor do
tipo 2, onde cada cadeia  é ligada à cadeia  e
outra cadeia  por pontes de dissulfeto. B) O
RECEPTOR DA LEPTINA É UMA
TIROSINA-CINASE DO TIPO JANO
(JAK). A ativação do receptor de leptina
(LepR-B ou ObR-B) resulta na produção de
homo- ou heterodímeros chamados
transdutores e ativadores de sinais de
transcrição (STAT, signal transducer and
activator of transcriptions) que migram para o
núcleo onde agem como fatores de transcrição.
Os STAT também podem ativar a via da
fosfocinase ativada por mitógeno (MAPK,
mitogen-activated protein kinase).
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 187

7. REGULAÇÃO DA INGESTA DE ALIMENTOS E GASTO CALÓRICO.

 A regulação do balanço calórico pelos peptídeos endógenos é influenciada por fatores


fisiológicos (estímulos periféricos do trato gastrointestinal), psicológicos (sabor, odor e
cor), financeiros (renda social) e sociais (cultura e estilo de vida). Por exemplo, na
Mauritânia, meninas e adolescentes são alimentadas à força (um processo chamado
gavage) para tornarem-se gordas, que é o padrão de beleza daquele país.
Conseqüentemente, 50% das mulheres daquele país têm sobrepeso e 20% são obesas,
contra somente 20% e 4% dos homens, respectivamente.
 O sabor, textura e temperatura dos alimentos também são determinantes importantes
do consumo alimentar. A preferência alimentar também é influenciada por fatores
genéticos e tem sido associada à obesidade. O sabor é detectado por receptores da
cavidade oral e a informação é conduzida para a parte rostral do núcleo do trato
solitário (NTS) e, em seguida, para a área parabraquial lateral (APBL) e núcleo
ventroposterior do tálamo (NVP). Contudo, acredita-se que a aversão ou preferência
por determinados alimentos seja mediada por projeções diretas da APBL ao
hipotálamo. Neste, a ativação dos receptores de colecistocinina (CCK-B) reduz o
consumo de sacarose de ratos em jejum e a ativação dos receptores opióides de comidas
palatáveis e sacarina, sugerindo a participação destes receptores nos aspectos
gratificantes da alimentação.
 É amplamente conhecido que a presença de nutrientes no trato gastrointestinal (TGI) é
um dos principais fatores da sensação de saciedade. Adicionalmente, existem evidências
de que este efeito seja mediado pela ativação dos aferentes vagais pela colecistocinina
que é liberada pelas células endócrinas do TGI em resposta aos estímulos mecânicos
(distensão do duodeno) e químicos (principalmente, gorduras). Portanto, o efeito
anorexigênico da CCK decorreria da ativação dos receptores periféricos CCK-A. De
fato, a administração de CCK causa a redução dose-dependente do tamanho das
refeições em várias espécies, incluindo humanos. Contudo, a CCK não diminui o peso
quando administrada crônicamente.
 A sensação da saciedade também parece ser mediadapor outros peptídeos
gastrointestinais, incluindo a enterostatina (pancreática), a bombesina (peptídeo gástrico
inibitório) e os peptídeos glucagon-similares. Estes peptídeos diminuem a ingesta e são
liberados por estimulação mecânica e gástrica do TGI. Tal como a CCK, seu efeito requer
a inervação intacta do tronco cerebral.
 O sistema nervoso simpático (SNS) desempenha um papel importante no gasto
energético e na resposta termogênica ao frio. Essencialmente, o SNS prepara o organismo
para situações de gasto energético elevado, tais como no exercício físico e nas respostas
de fuga e luta, aumentando a freqüência cardíaca e desviando uma fração maior do débito
cardíaco para músculos, coração e cérebro por meio da vasoconstrição das vísceras e pele
e vasodilatação da musculatura esquelética e coronárias. Concomitantemente, ele
estimula a secreção de epinefrina pela medula adrenal, que intensifica as respostas
neurogênicas e humorais (secreção de glicocorticóides) ao estresse, e intensifica a
termogênese na “gordura marrom”.
 A produção de calor de várias espécies é realizada pela “gordura marrom”, um tecido
adiposo escuro devido à alta densidade de mitocôndrias. A gordura marrom produz
quantidades maiores de calor à expensa da produção de ATP. Este fenômeno deve-se à
presença de enzimas mitocondriais desacopladoras, ou UCPs (do inglês, uncoupling
proteins), que dissipam o gradiente de prótons da membrana interna das mitocôndrias,
“desacoplando” a oxidação fosforilativa. Conseqüentemente, as mitocôndrias continuam
o mecanismo oxidativo, porém, com a produção reduzida de ATP, convertendo a energia
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 188
não utilizada em calor. Este mecanismo é fisiológicamente importante em recém-
nascidos (incluindo humanos) e, principalmente, na hibernação.
 Por fim, os hormônios da tireóide, tiroxina (T4) e, principalmente, triiodotironina (T3),
agem em receptores nucleares aumentando a expressão das enzimas envolvidas no
metabolismo de carboidratos, gorduras e proteínas. Os hormônios da tireóide produzem
um aumento geral do metabolismo e do consumo de oxigênio, tendo papel crucial na
termogênese.

8. CAUSAS DA OBESIDADE

 A despeito de todos os avanços no conhecimento dos mecanismos de controle do apetite


e do balanço calórico, as causas da obesidade permanecem em grande parte obscuras.
 Não obstante, sabe-se que os obesos apresentam níveis plasmáticos de leptina mais
elevados que aqueless dos indivíduos normobáricos. Acredita-se, portanto, que a
obesidade esteja mais relacionada à resistência à leptina do que à sua deficiência.
 Por sua vez, a resistência à leptina pode ser determinada por deficiências no seu
transporte ao SNC (tolerância farmacocinética), pela subregulação dos receptores
hipotalâmicos de leptina (tolerância farmacodinâmica), por mutações do receptor (tal
como ocorre nos camundongos ob/ob e db/db), pela alteração da via JAK/STAT (por
exemplo, mediante o aumento dos níveis de SOCS-3, um supressor da sinalização de
citocinas), ou até mesmo pela ausência congênita dos receptores de leptina.
 Outras causas incluem a resistência à insulina dos receptores do músculo e gordura,
subregulação de receptores -adrenérgicos e disfunção da proteína desacopladora
UCP-2 da gordura marrom.
 A obesidade também pode ser devida a uma disfunção dos receptores nucleares
ativados pelos STATs que regulam a síntese das enzimas envolvidas no controle do
balanço calórico. Em particular, a obesidade poderia ser devida a uma anomalidade do
receptor ativado pelo proliferador do peroxisoma (PPAR, peroxisome proliferator-
activated receptor gamma). O PPAR é expresso preferencialmente nos adipócitos e
coopera com o fator C/EBP na diferenciação e desenvolvimento do tecido adiposo. A
ativação deste receptor reduz a resistência à insulina em pacientes com diabetes-II. As
tiazolidinedionas (troglitazona, pioglitazona, rosiglitazona) estimulam o receptor nuclear
PPARatenuando a resistência insulínica dos pacientes com diabetes II. Contudo, eles
causam aumento do peso (2,5-5 kg) e foram removidos de vários mercados devido à
incidência de efeitos adversos variados e, principalmente, hepatotoxidade.
 Por fim, estudos epidemiológicos de grande escala, envolvendo mais de 100.000 gêmeos,
mono ou dizigóticos, indicam que 50% a 90% da variação do IMC deve ser atribuída a
fatores genéticos, minimizando as influências ambientais. Contudo, estes genes estão
continuamente interagindo com o ambiente. Assim, enquanto os genes predispõem ao
desenvolvimento da obesidade, a expressão da doença depende, em grande parte, aos
fatores ambientais. De fato, estudos em 170 casos de obesidade detectaram mutações
isoladas em 10 genes diferentes. Destas, as mutações singulares do subtipo 4 do
receptor da melanocortina (MC4), o qual é ativado pelo -MSH e inibido pelo AgRP,
parecem ser prevalentes (3%-5%) nos pacientes obesos. Também foram detectadas
mutações dos genes do receptor  3-adrenérgico e do receptor para glicocorticóides. A
mutação do receptor 3-adrenérgico está associada à obesidade abdominal, resistência
insulínica e diabetes II precoce e pode comprometer a lipólise na gordura branca e
termogênese na gordura marrom. Por sua vez, a mutação do receptor para glicocorticóide
comprometeria a função permissiva destes hormônios sobre vários aspectos do balanço
energético. Contudo, a influência é poligênica, havendo mais de 400 genes relacionados à
obesidade humana e que podem envolver quaisquer dos fatores.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 189

9. FARMACOTERAPIA DA OBESIDADE

 Embora a primeira linha de ataque à obesidade seja por meio de dietas e exercício físico,
estes freqüentemente falham ou têm efeitos apenas transientes. As únicas alternativas são
as técnicas de cirúrgia bariátrica (ou plástica, como lipoaspiração) e a terapia com
medicamentos anorexigênicos ou hipocalóricos, na obesidade, ou orexígenos, ansiolíticos
e antidepressivos, na anorexia nervosa.

SIBUTRAMINA

 Após inúmeras tentativas de controle da ingesta com anfetaminas, liberadores de


serotonina (fenfluramina) e agentes desacopladores (dinitrofenol), a sibutramina
permaneceu como o único agente anorexigênico para o tratamento de obesos.
 A sibubramina foi desenvolvida originalmente como um antidepressivo. Contudo,
observou-se que os pacientes tratados apresentavam reduções acentuadas do apetite e
peso corporal.
 Estes efeitos são devidos à inibição da recaptação de serotonina e noradrenalina nos
núcleos hipotalâmicos que regulam a alimentação.
 A sibutramina produz saciedade e causa a redução da ingesta alimentar, peso, cintura
(gordura visceral), triglicerídeos plasmáticos e lipoproteínas de baixa densidade. Estes
efeitos correlacionam-se com a redução dos fatores de risco associados à obesidade.
Adicionalmente, existem evidências de queda dos níveis de insulina e aumento do gasto
energético por aumento da termogênese.
 Embora a sibutramina cause uma perdas de peso relativamente modesta (em média,
4,6%), cerca de 15% dos pacientes perdem mais de 10% da massa corporal após um
ano de tratamento.
 A sibutramina é administrada por via oral e sofre extenso metabolismo de primeira
passagem. As ações farmacológicas do medicamento são devidas a metabólitos ativos
que atingem concentrações plasmáticas de equilíbrio 4 dias após o início do
tratamento.
 Os efeitos adversos incluem hipertensão, taquicardia, boca seca, constipação e insônia. A
sibutramina é contraindicada em pacientes com menos de 18 anos de idade e acima dos
65 anos, hipertensos, hipertiroidismo, pacientes alcoolistas e em transtornos do humor
(mania ou depressão grave) e, obviamente, bulimia e anorexia nervosa. Ela apresenta
interações adversas com os IMAO.

ORLISTATE

 O orlistate age por um mecanismo periférico. Ele reage com sítios ativos da lípases
gástricas e pancreáticas, inibindo irreversivelmente estas enzimas e, desta forma,
impedindo a degradação da gordura a ácidos graxos e gliceróis. Portanto, causa uma
redução dose-dependente da absorção das gorduras , com o aumento correspondente de
sua excreção fecal, que atinge o equilíbrio em 30% da gordura dietária..
 Associado à dieta hipocalórica, produz uma perda modesta (em média, 2,9%), porém
consistente, do peso dos indivíduos obesos, dos quais 12% perdem mais que 10% do
peso corporal.
 O orlistate também tem efeitos benéficos em pacientes com diabetes-II, reduzindo os
níveis circulantes de leptina, com a melhora dos índices metabólicos, sem interferir com a
ação dos hormônios da tireóide e outros hormônios. Porém, ele não altera os gasto
energético.
L.C. Schenberg, Neurofarmacologia (não está autorizada a divulgação pública desta apostila) 190
 Ele é totalmente eliminado nas fezes e absorvido em quantidades desprezíveis. Portanto,
os efeitos adversos limitam-se a cólicas, flatulência e incontinência fecal. Pode ser
necessário o tratamento suplementar com vitaminas lipossolúveis que deixam de ser
absorvidas no tratamento com orlistate.

UTILIZAÇÃO DE PSICOTRÓPICOS NA OBESIDADE

 Pacientes obesos com depressão respondem bem aos inibidores seletivos da recaptação de
serotonina.

10. TRATAMENTO DA ANOREXIA NERVOSA

 Ao contrário dos obesos, os pacientes com anorexia nervosa raramente procuram


tratamento, podendo falecer por inanição em 5% a 18% dos casos. O plano de tratamento
é abrangente, incluindo hospitalização e terapia individual e familiar.
 O tratamento inicia-se com a restauração do estado nutricional do paciente, o qual
apresentar desidratação, inanição e graves distúrbios eletrolíticos. Em geral, recomenda-
se hospitalização a pacientes de anorexia nervosa com ICM 20% abaixo do esperado.
Pacientes com ICM 30% abaixo do esperado necessitam internação psiquiátrica por 2 a 6
meses.
 Os programas hospitalares combinam terapia comportamental, psicoterapia e, em alguns
casos, medicamentos psicotrópicos, sendo fundamental uma abordagem firme e
apoiadora dos esforços dos pacientes. Contudo, é importante que os pacientes estejam
dispostos a alcançar os objetivos do tratamento. Portanto, a internação forçada só deve
ocorrer nos casos de risco de morte. A ênfase nos benefícios, como redução do risco de
morte e atenuação da insônia e depressão, também é importante.
 Os pacientes devem ser pesados todos os dias pela manhã, após o esvaziamento da
bexiga. A ingestão de líquidos e a excreção urinária devem ser monitoradas. Se a
freqüência de vômitos for elevada, a equipe deve monitorar o nível dos eletrólitos
regularmente e prestar atenção ao desenvolvimento de hipocalcemia. Em vista do
comportamento de regurgitação, a equipe deve trancar o banheiro por 2 horas após as
refeições. Com o tratamento, a constipação é aliviada, mas pode-se usar emolientes (mas
nunca laxantes). A diarréias denunciam o uso secreto de laxantes.
 A ingesta normal deve ser alcançada gradualmente, adicionando-se 500 calorias acima da
quantidade necessária para a manutenção do peso atual, ao longo de 6 refeições por dia.
O aumento súbito da ingesta pode causar complicações gastrointestinais e circulatórias.

11. FARMACOTERAPIA DA ANOREXIA NERVOSA

 Existem evidências de que a ciproeptadina (Periactin), um antagonista de receptores 5-


HT2A/2C, tenha efeitos orexigênicos benéficos nos pacientes com o tipo restritivo de
anorexia nervosa. A ciproeptadina também é indicada em crianças anoréticas com
prejuízo do crescimento.
 Também existem evidências de eficácia clínica da amitriptilina. Resultados variáveis
foram obtidos com a clomipramina e fluoxetina. Neste caso, o efeito anorexigênico
destes compostos deve ser compensado pelos efeitos anti-depressivos.
 A hipotensão e arritmia aconselham cautela com o uso dos tricíclicos nestes pacientes.

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