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Perturbação do Espetro do Autismo (PEA)

Contextualização histórica
1943 (Leo Kanner) foi a 1º tentativa de descrição da perturbação. Tríade que
descrevia autismo infantil precoce (11-12 meses):
o Perturbações da comunicação social
o Perturbações da interação social
o Comportamentos, interesses, atividades e imaginação restritos e repetitivos
1944 (Hans Asperger) psicopatia autística
1981 (Lorna Wing) Síndrome de Asperger
1986 (Hobson) “Teoria afetiva” – “mãe frigorífico”, défices na vinculação
causam autismo, um défice afetivo.
o Hoje em dia sabe-se que não é uma questão de vinculação e sim uma questão
genética.
1988 (Baron-Cohen) “Teoria da meta-representação” – teoria cognitiva – afetos
presentes, mas devem ser inferidos; “Teoria da Masculinização do Cérebro”
1989 (Frith) “Teoria da mente” – os indivíduos com autismo têm uma incapacidade
de intuição e “mind reading”, de perceber as convenções sociais, de brincar ao faz-
de-conta, perceber ironia, fazer coisas com intenção, incapacidade empática/de se
colocarem na pele do outro.
1994 (Happé) “Teoria da coerência central” – processamento analítico e nãoglobal.
“Teoria da função executiva” – área pré-frontal – planeamento, organização, inibição
de respostas, repetição.
Em suma: houve várias teorias desenvolvidas para tentar explicar/compreender a PEA, no
entanto, cada teoria explica apenas alguns dos sintomas, não havendo nenhuma que
explique a totalidade do síndrome autístico.
Prevalência
0.1 – 0.2% doença autística (Kanner)
0.2 – 0.5% PEA
Etiologia
Patologia neurodesenvolvimental com uma base biológica e
elevada hereditabilidade.
Tem uma genética complexa: múltiplos genes envolvidos com penetrância
variável originando grande variabilidade fenotípica (variabilidade de sintomas).
Risco empírico de recorrência: 3-7%
Genética
É modulada pelo ambiente, causando alterações morfológicas, volumétricas e
funcionais do SNC (córtex frontal, límbico, gânglios da base, cerebelo).
Estas alterações moduladas pelo ambiente vão originar manifestações
comportamentais típicas de síndrome autística.
Nota: o diagnóstico é clínico. Não há marcador genético ou imagiológico pelo que não se
recomenda estudos de rotina.
❖ Gene DRD-4 e DAT afetados em crianças com PHDA
❖ Gene DRD-5 afetado em adultos
❖ Genes relacionados com a noradrenalina
❖ SNAP25 afetado em crianças com PHDA
❖ Genes da melatonina afetados na PHDA e PEA
❖ Genes da dopamina afetados na PHDA e PEA
Classificação PEA
DSM-IV (1994)
Perturbações do Espetro do Autismo:
Perturbação autística
Síndrome de Asperger
Perturbação Pervasiva do Desenvolvimento sem outra especificação (PDD-NOS):não
preenche todos os critérios mas aponta com grande probabilidade para ser aquela
doença.
Síndrome de Rett
Perturbação Desintegrativa da Infância (S Heller)

DSM-V (2013): Autism Spectrum Disorder (cap. “Neurodevelopmental Disorders”)


Eliminaram subtipos (síndrome de Asperger desapareceu)
Passaram a haver especificadores: gravidade, funcionalidade, necessidades de
apoios, outras características, etiologia.
Pode haver comorbilidade.
Perturbações não classificadas: Asperger.

DSM-V (nova classificação)


Percebeu-se que o autismo tinha que compreender 2 coisas:
1. Comunicação social
2. Interesses restritos e comportamentos repetitivos
Associada à PEA podiam surgir outras comorbilidades (não é necessário existirem):
• Cognição
• Linguagem
• Comportamento adaptativo
• Motricidade

Segundo a classificação + recente, há 4 critérios a preencher para diagnosticar uma PEA:


A. Défice consistente na comunicação social e interação em todos os contextos, não
explicado por PDI e OBRIGATORIAMENTE com os 3 pontos abaixo:
1. Défice na reciprocidade socioemocional – desde abordagem social anómala e
insucesso na conversação ou na partilha de afetos à inexistência de iniciação da
interação social.
2. Défice no uso da comunicação não verbal na interação social – desde má
integração, alteração do contacto visual e linguagem corporal, quer no uso quer
na compreensão até à inexistência de expressão facial ou gestos.
3. Défice no desenvolvimento e manutenção das relações – dificuldades em ajustar
ao contexto social, na partilha do jogo simbólico, falta de amigos, até desinteresse
pelas pessoas.
B. Padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades, com
PELO MENOS 2 dos pontos abaixo:
1. Discurso, movimentos ou uso de objetos repetitivo ou estereotipado
(estereotipias motoras, ecolália, uso repetido de objetos, frases ideosincráticas).
2. Aderência excessiva a rotinas, comportamentos ritualizados verbais e não verbais
ou resistência excessiva à mudança (rituais motores, restrições alimentares,
persistência e stress com pequenas mudanças).
3. Interesses fixos e restritos, anómalos na intensidade ou foco.
4. Hiper ou hipoatividade sensorial ou interesse sensorial invulgar (indiferenças à
dor, texturas, sons, cheirar, luzes, movimentos).
C. Início precoce mas pode manifestar-se + tarde.
D. Limitam e incapacitam o funcionamento quotidiano.

Depois há que especificar se tem:


Comorbilidade
o Cognitiva (PDI)
o Linguagem
Associação com condição genética/médica conhecida
Associação a outra perturbação neurodesenvolvimental, mental ou de
comportamento
Catatonia
Em termos clínicos, há determinadas características muito marcadas:
Interação: isolado, passivo, estranho/bizarro, excessivamente formal, pedante,
social mas c/problemas c/grupos.
Comunicação: ausente (apenas comunica necessidades próprias), ecolálico,
unilateral, literal, pedântico, verborreico.
Imaginação: não imagina os efeitos dos atos nele e em outrem.
Comportamentos restritos/repetitivos: ausência de atividade espontânea,
movimentos corporais, fascínio por estímulos sensoriais, rotinas c/objetos, rotinas
no espaço e no tempo, rotinas verbais, rotinas c/“special skills”, interesses
intelectuais excessivos.

BAP (Broader Austim Phenotype)


(Fenótipo + alargado)
Dificuldades ao nível de: (Geraldine Dwson, Sara Webb et al., 2006)
Processamento facial, incluindo perceber movimentos, expressão e mímica facial
Afiliação social ou sensibilidade à recompensa social
Capacidade de imitação motora, sobretudo de ações do corpo
Memória, sobretudo mediada pelos circuitos do lobo temporal e pré-frontal
Funções executivas, sobretudo planeamento e flexibilidade
Competências linguísticas, sobretudo processamento fonológico

Adultos familiares em 1º grau genes de suscetibilidade


Excesso de profissões sistemáticas: engenharia, matemática, informática

Níveis de gravidade (DSM-V)


Atribui-se 1 de 3 níveis a cada uma das 2 áreas principais (comunicação social +
interesses restritos e comportamentos repetitivos):
o Nível 1 – apoio ligeiro (requiring support)
o Nível 2 – apoio moderado (substantial support)
o Nível 3 – apoio intensivo (very substantial support)
Miúdos c/ autismo normalmente são muito monocórdicos, têm um discurso curto e têm
pouca mímica facial/poucas expressões faciais. É difícil de entender o seu estado espírito –
se estão chateados, felizes, tristes, etc.

Programa das Perturbações do Espetro do Autismo (PEAs)


Objetivos gerais
Diagnóstico (precoce) das PEAs
Intervenção atempada nas competências alteradas (comunicação social, interação,
comportamentos restritos,...) de acordo c/o nível de gravidade e perfil individual
encontrados e nas comorbilidades associadas.
Objetivos específicos
Diagnóstico de PEA
Investigação etiológica (articulação c/genética)
Diagnóstico das comorbilidades (cognição, linguagem, motricidade, atenção,
comportamento adaptativo)
Definição do perfil funcional e nível de gravidade (para elaboração de guião de
intervenção individual)
Intervenção de forma a promover competências e segundo o perfil individual
incluindo suporte parental e promoção da participação da família e da escola na
intervenção
Intervenção médica e farmacológica quando indicado
Vigilância da evolução e plano de seguimento

Diagnóstico precoce: no limiar do autismo


1. Ouvir as queixas dos pais e valorizar (maioria preocupado desde 15-18 meses –
“diferente”; atraso na fala; regressão...)
2. Monitorizar todas as áreas do desenvolvimento (linguagem e socialização)
3. Usar testes de rastreio (CHAT/M-CHAT) – recomendado uso regular como rastreio
nas consultas de rotina aos 18 e 24M.
Défice precoce de competências sociais
Contacto ocular alterado
Não responde ao nome (8-10M)
Não segue o apontar dos pais (10-12M)
Não usa gesto para apontar (protoimperativo 12-14M) ou mostrar
(protodeclarativo 14-16M)
Falta de jogo interativo; pouca imitação e pouco jogo simbólico
Pouco interesse pelos pares; isolamento
Atraso na fala + social e/ou regressão
Comportamentos bizarros (estereotipias)

✓ O diagnóstico é feito por critérios clínicos (história detalhada familiar e pessoal),


exame objetivo, avaliação desenvolvimental e psicométrica.
✓ Apoio de alguns instrumentos e entrevistas estruturadas (CARS, ADI-R, ADOS,...)
✓ Definição e categorização do diagnóstico segundo DSM-V
✓ Avaliação das competências cognitivas e do perfil funcional da criança (equipa
multidisciplinar)
✓ Desenhar um plano de intervenção individual e de acordo c/as competências e
dificuldades encontradas

Intervenção médica
Dar um diagnóstico precoce e claro; dar apoio familiar; informar e educar (e escrever
relatórios!) se não dermos logo o nome às coisas podemos estar a atrasar a
intervenção; não ter medo de errar o diagnóstico (diagnósticos não são estáticos no
tempo portanto é aceitável errar).
Investigação orientada de doenças de base ou associadas tratáveis
Orientação para aconselhamento genético (dar oportunidade e informar os pais que
podem fazer-se estudos genéticos para perceber a origem da perturbação)
Programa de educação/intervenção adequado à criança
Intervenção farmacológica (se necessário e não isoladamente!) – ajuda apenas a
reduzir alguns sintomas.
o Neurolépticos/antipsicóticos (haloperidol, tioridazina, cloropromazina,
risperidona, olanzepina, ziprazidone, aripiprazol): aprovado (FDA) na
irritabilidade (agressividade, automutilação e birras); melhora a agitação,
ansiedade e estereotipias; reduz a resistência à mudança: riscos de efeitos
acessórios (aumento de peso devido ao aumento do apetite [não no
ziprazidone], síndrome metabólico, prolactina)
o Inibidores da recaptação da serotonina (sertalina [6A], fluoxetina [7A],
fluvoxamina [8A], clomipramina [10A]): na ansiedade, depressão e POC.
Melhora agitação, estereotipias, hiperatividade e insónia; melhoria cognitiva
(linguagem) e interação social.
o Psicoestimulantes (metilfenidato [rubifen, ritalina, concerta], lis-
dexanfetamina [elvanse]): melhora a concentração; efeitos adversos
comportamentais (insónia, regressão de interação social, irritabilidade,
excitabilidade, tiques); muitas vezes em associação com risperidona.
o Regulador do sono (melatonina): melhora a insónia e facilita a estabilidade
do sono.
o Antiepilépticos (se epilepsia associada, deve ser tratada)
Investigação
Se atraso na fala: fazer avaliação da audição (timpanograma/audiometria/ERA)
Se dismorfias: ADN-X frágil; cariótipo alta resolução; apoio de geneticista
(microarray; polimorfismos)
Se suspeita de convulsões e/ou regressão: EEG e neurologia.
Se clínica sugestiva: neuroimagem, estudo metabólico,...
Aconselhamento genético (risco de recorrência)

Sinais de alerta
Atraso na fala/fala bizarra SÍNDROME
Ausência de desejo de trocas sociais AUTÍSTICA?
o Distinguir timidez de autismo: um miúdo tímido reage à presença do outro,
está atento às movimentações, etc. vs. um miúdo com autismo dá tanta
importância ao outro como a uma cadeira, está noutro mundo qualquer, não
reage ao comportamento do outro.
Incapacidade social
Estereotípias; tiques – não alimentar as obsessões, os interesses restritos introduzir
o fator mudança, utilizar os interesses restritos apenas para chamar a atenção da
criança mas não reforçar apenas os interesses dela, não ir atrás só daquilo que ela
gosta de forma a tentar torná-la + flexível.
Comportamentos repetitivos
Desajeitamento motor
“Sobredotados” (academicamente, restantes dimensões não tão boas)
[Criança] Distraída; “surda”

Prognóstico
Pior prognóstico quando:
• Ausência de “joint attention” aos 4 anos
• Ausência de “finger pointing” aos 4/5 anos
• Sem linguagem funcional aos 5-6 anos
• Existência de comorbilidade (cognição ou linguagem)
• Patologia coexistente (epilepsia, esclerose tuberosa,...)
• Maior intensidade dos sintomas core
• Fraca resposta à intervenção
• Ausência ou atraso no diagnóstico
• Início tardio da intervenção

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