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PSICOMOTRICIDADE NO CONTEXTO ESCOLAR

Claudinara Botton Dal Paz / Vera Lucia Rodrigues de Moraes


I C O M OT R I C I DA
P S o n t ex t o e s D E
no c co l a r

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional Claudinara Botton Dal Paz


ISBN 978-85-387-6528-8
Vera Lucia Rodrigues de Moraes
58869 9 788538 765288
Psicomotricidade no
contexto escolar

Claudinara Botton Dal Paz


Vera Lucia Rodrigues de Moraes

IESDE
2019
© 2019 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem
autorização por escrito das autoras e do detentor dos direitos autorais.

Capa: IESDE BRASIL S/A.


Imagem da capa: NadyaEugene/YamabikaY/ Robert Kneschke/Shutterstock

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
D138p
Dal Paz, Claudinara Botton
Psicomotricidade no contexto escolar / Claudinara Botton Dal Paz,
Vera Lucia Rodrigues de Moraes. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil,
2019.
112 p.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6528-8
1. Educação de crianças 2. Psicomotricidade 3. Capacidade motora.
I. Moraes, Vera Lucia Rodrigues de. II. Título.
CDD: 152.334
19-58940
CDU: 159.943

Todos os direitos reservados.


IESDE BRASIL S/A.
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Claudinara Botton Dal Paz
Mestre em Educação Física pela Universidade Federal do
Paraná (UFPR). Especialista em Deficiência Intelectual pela
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões
(URI). Graduada em Educação Física pela Universidade Regional
do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí). Possui
experiência como professora na rede pública, coordenadora
de curso de graduação em Educação Física e como docente no
ensino superior em cursos de Educação Física e Pedagogia.

Vera Lucia Rodrigues de Moraes


Mestre em Educação pela Universidade do Vale do Rio
dos Sinos (Unisinos). Especialista em Pedagogia Social pela
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões
(URI). Especialista em Ginástica Escolar e graduada em Educação
Física pela instituição Faculdades Reunidas de Administração
Ciências Contábeis e Econômicas de Palmas/PR (Facepal).
Possui experiência como docente no ensino superior em cursos
de Educação Física (licenciatura e bacharelado).
Sumário

Apresentação 7

1. História, significado e áreas de atuação da


psicomotricidade 9
1.1 História e significado da psicomotricidade 9
1.2 A psicomotricidade e suas áreas de atuação 15

2. Conceitos funcionais 23
2.1 Conceitos psicomotores funcionais estruturais 23
2.2 Conceitos psicomotores funcionais globais 28
2.3 Conceitos psicomotores funcionais perceptivos 34

3. Conceitos relacionais 43
3.1 Expressão e comunicação 43
3.2 A afetividade e sua relação com a corporeidade 49
3.3 Os limites e a agressividade no campo psicomotor 54

4. Desenvolvimento psicomotor 61
4.1 Desenvolvimento psicomotor do nascimento até os 3 anos
de idade 61

4.2 Desenvolvimento psicomotor de 2 a 6 anos e de 6 a 11


anos 71
4.3 Desenvolvimento psicomotor na adolescência 76

5. Orientações para práticas psicomotoras na escola 81


5.1 Práticas psicomotoras para a educação infantil 81
5.2 Práticas psicomotoras para os anos iniciais do ensino
fundamental 89
5.3 Principais consequências da falta de estímulos
psicomotores 95

Gabarito 107
Apresentação

A obra Psicomotricidade no contexto escolar aborda


conhecimentos necessários para a docência na Educação
Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Resgata
a origem, significado e áreas de atuação da psicomotricidade
e adentra nos conceitos psicomotores fundamentais para se
entender o processo do desenvolvimento cronológico das
crianças. Compreendendo a evolução da criança nos aspectos
motor, cognitivo e afetivo, o livro traz algumas propostas de
atividades práticas a serem desenvolvidas no ambiente escolar,
bem como as possíveis consequências da falta de estímulo
psicomotor para o aprendizado dos alunos.

Inicialmente, traz um breve levantamento histórico


sobre a psicomotricidade no mundo e no Brasil, destacando
os principais estudiosos e seus achados nessa área. Define
o conceito de psicomotricidade da Associação Brasileira de
Psicomotricidade (ABP) e apresenta também as áreas de
atuação nesse âmbito.

Depois de situar psicomotricidade, destaca seus conceitos


funcionais, os quais estão divididos em: conceitos psicomotores
funcionais estruturais, conceitos motores funcionais globais e
conceitos motores funcionais perceptivos.

Além dos conceitos funcionais, destaca-se a importância


dos conceitos relacionais da psicomotricidade, que estão
vinculados ao comportamento e aos sentimentos e que
influenciam diretamente o desenvolvimento dos alunos. Estes
são: a expressão, a comunicação, a corporeidade, a afetividade,
os limites e a agressividade.

Compreendendo-se os conceitos que envolvem a


psicomotricidade, é apresentado o desenvolvimento
psicomotor da criança de forma cronológica, ou seja, desde
o seu nascimento até a adolescência. Para isso, recorre-se
a autores que descrevem esse desenvolvimento com base
em estudos científicos que observaram e pontuaram os
aspectos físicos, psicológicos, motores, sociais e afetivos que
caracterizam cada fase de vida do indivíduo.

Após esta compreensão, é possível pensar em formas


de estimular o desenvolvimento dos alunos e, para isso, o
último capítulo do livro aborda atividades práticas possíveis
de serem desenvolvidas na Educação Infantil e nos anos
iniciais do Ensino Fundamental. Descreve de forma objetiva
as atividades psicomotoras que desenvolvem os alunos nos
aspectos funcionais e relacionais psicomotores. Além disso,
aborda as principais consequências que podem surgir na
criança pela falta de estímulos psicomotores.

Estas práticas, porém, não se esgotam neste livro, ele


apresenta de forma clara e objetiva subsídios necessários
para os profissionais que atuam na educação, que estão
comprometidos com o processo de aprendizagem dos
alunos. Contribuir com este processo recai sobre estudos
e planejamento de atividades que sejam significativos no
ambiente escolar, que desenvolvam os alunos nos aspectos
motores, cognitivos e afetivos, bases da educação psicomotora.

Tenham todos uma boa leitura!


1
História, significado e áreas de
atuação da psicomotricidade

Iniciamos esta obra fazendo um breve levantamento histórico


sobre a psicomotricidade no mundo e no Brasil, destacando
os principais cientistas e seus achados nessa área. Definiremos
o conceito de psicomotricidade da Associação Brasileira de
Psicomotricidade (ABP) e apresentaremos as áreas de atuação da
psicomotricidade.
Entendendo a sua importância para o desenvolvimento integral
do ser humano, é fundamental que os profissionais que atuam na
área da educação tenham em sua formação o conhecimento sobre a
psicomotricidade e suas contribuições. Por que a psicomotricidade
é tão importante na educação? Como ela surgiu? Vamos descobrir
juntos!

1.1 História e significado da


psicomotricidade
Vídeo Par a c ompre e n d e r a h i stór i a da
psicomotricidade, é importante inicialmente
conceituar o termo psicomotricidade. De origem
grega, psico representa a alma, o espírito, o intelecto
(NICOLA, 2004), e motricidade é o “domínio do
corpo, agilidade, destreza, locomoção, a faculdade
de mover-se voluntariamente” (BUENO, 2014).
Historicamente, a palavra psicomotricidade surgiu de um discurso
do médico e neurologista Ernesto Dupré, no início do século XIX,
mais precisamente em 1907 (BUENO, 2014). Para Nicola (2004), o
10 Psicomotricidade no contexto escolar

emprego do termo é associado diretamente ao desenvolvimento da


motricidade, inteligência e afetividade.
Segundo a Associação Brasileira de Psicomotricidade (ABP,
2017c), psicomotricidade é a:
Ciência que tem como objeto de estudo o homem através
do seu corpo em movimento e a relação ao mundo interno
e externo. Está relacionada ao processo de maturação, onde
o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e
orgânicas. É sustentada por três conhecimentos básicos:
o movimento, o intelecto e o afeto. Psicomotricidade é,
portanto, um termo empregado para uma concepção
de movimento organizado e integrado, em função das
experiências vividas pelo sujeito, cuja ação é resultante de
sua individualidade, sua linguagem e sua socialização.

Observamos que existem muitos autores que se preocuparam


em estudar a relação entre o corpo e a mente, e entre distúrbios
motores e distúrbios mentais. Nesta obra, apontamos os principais
autores para que possamos também observar a origem histórica
da psicomotricidade, que remete aos tempos mais antigos da
humanidade.
Tendo em vista que o corpo é o elemento principal de estudo da
psicomotricidade, a evolução histórica dessa área tem relação com
vários estudos sobre o corpo ao longo do tempo. Observa-se isso
em filósofos e estudiosos no início da Grécia Antiga, como Platão e
Aristóteles. Descartes e Juvenal também contribuíram para avanços
nessa área. Esse último com a frase célebre: “mente sã e corpo são”.
Temos também Freud, que ressalta a importância do corpo na
formação do inconsciente (NICOLA, 2004; BUENO, 2014).
Muitos autores participaram efetivamente na consolidação da
psicomotricidade com estudos científicos e teorias nas áreas da
saúde e educação, entre os quais podemos destacar: Shilder, Tissié,
Heuyer, Guilmain, Gesell, Piaget, Wallon, Ajuriaguerra e Le Boulch
(NICOLA, 2004; BUENO, 2014).
História, significado e áreas de atuação da psicomotricidade 11

Shilder, um médico psiquiatra e filósofo, desenvolveu estudos


sobre a imagem corporal e sua influência no eixo psicológico em
1923. Na mesma época, Tissié apontava relações entre pensamento
e movimento. Heuyer, em 1925, utilizou o termo psicomotricidade
para a associação entre inteligência, motricidade e afetividade.
Considerado o pai da reeducação psicomotora, Guilmain, em 1935,
assumiu publicamente a necessidade de exames motores em crianças
com distúrbios de caráter (BUENO, 2014).
Segundo Bueno (2014), na década de 1930, surgiram vários
testes motores, e, nessa época, a psicomotricidade:
encerrava seu olhar através da habilidade motora, em que o
ser comunica-se com o mundo através do motor. O limite
corporal vinha de intervenções externas ao indivíduo, ou
seja, de fora para dentro. Os objetivos da prática eram,
prioritariamente, reeducar a atividade tônica com exercícios
de atitude e de equilíbrio, desenvolver o controle motor com
exercícios de inibição e desinibição e desenvolver atividades
de relaxação com exercícios de dissociação e coordenação
motora associados.

Em seguida, mais precisamente ao final da Segunda Guerra


Mundial, associando estudos de psicólogos, como Lewin e Piaget,
médicos, como Gesell e Wallon, e neurobiólogos, como Ajuriaguerra,
veio à tona a questão do afeto presente no corpo, que, ao receber as
informações e movimentos, executa-os conforme seu entendimento
(BUENO, 2014).
Gesell, um médico pediatra e pesquisador, criou escalas
de maturação e iniciou a divulgação dessas escalas para o
desenvolvimento motor (NICOLA, 2004). Segundo Bueno (2014),
Henry Wallon, utilizando como base os estudos de Shilder, introduziu
o senso de identidade corporal, sendo a linguagem corporal
precedida da linguagem verbal, e evoluiu seus estudos de associação
do movimento com as relações do sujeito com o meio. Para a ABP
(2017b), Wallon “ocupa-se do movimento humano dando-lhe uma
categoria fundante como instrumento na construção do psiquismo.
12 Psicomotricidade no contexto escolar

Esta diferença permite a Wallon relacionar o movimento ao afeto, à


emoção, ao meio ambiente e aos hábitos do indivíduo”.
Jean Piaget, psicólogo e biólogo, estabeleceu estágios cognitivos, os
quais relacionavam a interação do sujeito com o ambiente, apresentando
as características de cada estágio de desenvolvimento. O psiquiatra
Ajuriaguerra, a partir de seus estudos, afirmou que o movimento é uma
forma de adaptação ao mundo exterior (BUENO, 2014).
Segundo a ABP (2017b):
em 1947, Julian de Ajuriaguerra, psiquiatra, redefine o
conceito de debilidade motora, considerando-a como uma
síndrome com suas próprias particularidades. É ele quem
delimita com clareza os transtornos psicomotores que
oscilam entre o neurológico e o psiquiátrico. Com estas
novas contribuições, a psicomotricidade diferencia-se de
outras disciplinas, adquirindo sua própria especificidade e
autonomia.

Le Boulch, educador físico, médico e psicólogo, em 1952, com


o seu método da psicocinética, defendeu a educação psicomotora
em todas as idades e, em sua tese de medicina, afirmou que por
meio do trabalho corporal é possível trabalhar dois sistemas
funcionais: os fatores de execução, que dependem da musculatura e
nutrição, e o sistema nervoso central, como coordenador dos outros
sistemas, servindo de suporte às funções mentais (BUENO, 2014; LE
BOULCH, 2007).
Entre o final da Segunda Guerra Mundial até meados da década
de 1970, “a psicomotricidade passa a tomar um novo rumo onde as
práticas aproximam-se da visão global do indivíduo e se organizam,
com a utilização do exame psicomotor e da reeducação psicomotora”
(BUENO, 2014).
A psicomotricidade se oficializou como especialidade em 1963,
quando o Hospital Henry de Roussele passou a emitir certificados
de reeducação psicomotora aos profissionais, dando início ao
História, significado e áreas de atuação da psicomotricidade 13

surgimento de instituições especializadas e sindicatos nessa área


(BUENO, 2014).
No Brasil, os primeiros documentos apontam que a
psicomotricidade surgiu em meados de 1950, quando os
profissionais ligados à área da deficiência começaram a considerar
o corpo e o movimento como aspectos interligados, mesmo sem
usarem o termo psicomotricidade. No final dessa década, Grunspun,
em seu livro Distúrbios neuróticos da criança, dedicou um capítulo
inteiro para a psicomotricidade da criança, indicando atividades
psicomotoras para distúrbios de aprendizagem (BUENO, 2014).
Foi na década de 1970 que a psicomotricidade, no Brasil, teve
uma grande visibilidade, sendo dividida em duas correntes: a dos
profissionais que seguiam estudos de cientistas estrangeiros e a
dos profissionais que generalizavam todas as práticas corporais
como psicomotricidade. Contudo, aos poucos, os profissionais
foram mesclando suas ações com as duas correntes (BUENO, 2014).
Com a chegada de Françoise Desobeau no Brasil, a psicomotricidade
começou a ser vista como terapia, revelando a espontaneidade e o
simbolismo do indivíduo. Beatriz Saboya, que fazia curso de formação
com Françoise, juntamente com Susana Veloso Cabral e Regina
Morizot, começou a busca pela estruturação da psicomotricidade no
Brasil (BUENO, 2014). Assim, “em 19 de abril de 1980, [...] deu-se
a fundação da Sociedade Brasileira de Terapia Psicomotora (SBTP),
ligada à Sociedade Internacional de Terapia Psicomotora” (ABP, 2017a).
A Sociedade Brasileira de Terapia Psicomotora, que teve seu nome
alterado em 2005 para Associação Brasileira de Psicomotricidade,
“é uma entidade de caráter científico-cultural, sem fins lucrativos e
foi fundada com o objetivo de agregar os profissionais que vinham
se formando e trabalhando na área” (ABP, 2017a).
Em maio de 1982 é realizado o I Congresso Brasileiro de
Psicomotricidade, promovido pela SBP no Rio de Janeiro,
com o tema “o Corpo em Movimento” onde entre os
14 Psicomotricidade no contexto escolar

convidados internacionais destaca-se André Lapierre,


trazendo a sua linha de trabalho – a psicomotricidade
relacional – ao nosso conhecimento em prol de vivências
mais espontâneas, do valor da relação simbólica corporal e
a favor do sujeito desejante, bem como aproximando-se da
educação. (BUENO, 2014)

Neste mesmo ano de 1982, teve início o primeiro curso de


formação em psicomotricidade relacional no Rio de Janeiro, o que
demonstrou um esforço maior dos profissionais da área em prol
de um mesmo objetivo: concretizar a psicomotricidade como uma
ciência (BUENO, 2014).
Para Bueno (2014), a partir de então, estudiosos no Brasil
destinam seus esforços na área da psicomotricidade e promovem
eventos como o Congresso Brasileiro de Psicomotricidade. Entre
esses estudiosos podemos citar Susana Veloso Cabral, Regina
Morizot, Beatriz Saboya, Jocian Machado Bueno, Carlos Alberto
Mattos Ferreira, Maria Beatriz Loureiro, Margarida Pinto e Silvia
Carné. Ainda, como aponta Bueno (2014), outros profissionais
estrangeiros visitaram o país para participar dos congressos,
como Esteban Levin, Vitor Garcia, Vitor da Fonseca, Bernard
Aucounturier, Alfredo Jerusalinski, entre outros.
Apesar de a psicomotricidade ser uma área recente de estudos e
atuação, observamos uma grande expansão no território brasileiro,
pois é de extrema importância para a aprendizagem escolar, por
encarar “de forma integrada as funções cognitivas, socioemocionais,
simbólicas, psicolinguísticas e motoras, promovendo a capacidade
de ser e agir em um contexto psicossocial” (ABP, 2017c).
Conforme a ABP (2017c), “a psicomotricidade possui as
linhas de atuação educativa, reeducativa, terapêutica, relacional,
aquática e ramain”. Nesta obra, dividimos as áreas de atuação em
História, significado e áreas de atuação da psicomotricidade 15

três campos: educação psicomotora, reeducação psicomotora e


terapia psicomotora.

1.2 A psicomotricidade e suas áreas de


atuação
Vídeo Apresentaremos agora as principais
áreas de atuação da psicomotricidade e suas
particularidades, dividindo-se em linhas de estudo,
pesquisa e atuação. É importante ressaltar que essas
áreas de atuação vêm se modificando ao longo dos
anos, sendo que, inicialmente, a psicomotricidade
era focada na linha terapêutica, mas com a evolução entendeu-se
que é importante também a atuação na área preventiva. Vamos
conhecer as possibilidades de atuação da psicomotricidade?

1.2.1 Educação psicomotora


Seguindo as bases da psicomotricidade, essa área considera o ser
humano sob os aspectos motor, afetivo e social, compreendendo-o do
ponto de vista da integralidade, em que o desenvolvimento envolve
todas as instâncias, ou seja, com todos os aspectos interligados.
Uma das linhas de atuação é a educativa, que objetiva educar a
pessoa na correta utilização do próprio corpo. Nessa área, aprende-se
a conhecer o corpo, explorá-lo e organizá-lo como um instrumento
para a aquisição da aprendizagem (NICOLA, 2004).
Desde o nascimento, a primeira interação do ser humano consigo
mesmo e com o mundo é por meio do movimento. Desse modo,
é importante oferecer estímulos diversos ao bebê para despertar
o corpo e fortalecer vínculos de afetividade. A estimulação está
diretamente relacionada à educação motora, visto que proporcionará
o conhecimento do corpo e a sua harmonia nos diferentes aspectos.
Para Bueno (2014),
16 Psicomotricidade no contexto escolar

a educação psicomotora abrange todas as aprendizagens da


criança e do sujeito, processando-se por etapas progressivas
e específicas conforme o desenvolvimento geral de cada
indivíduo. Realiza-se em todos os momentos da vida
através de percepções vivenciadas, com uma intervenção
direta em nível cognitivo, motor e emocional, estruturando
o indivíduo como um todo.

Segundo o autor supracitado, na educação psicomotora, o


estímulo se dá em condições naturais, respeitando as etapas do
desenvolvimento. Ela envolve a escola e a família, podendo ocorrer
por meio da natação, de atividades aquáticas, judô, balé, ginástica,
dança etc. Ressalta-se que a educação psicomotora é precursora
para todas as aprendizagens. Ainda, na “primeira infância, toda a
educação é educação psicomotora” (BUENO, 2014).
Lapierre (1989 apud BUENO, 2014) afirma que a educação
psicomotora “é uma ação psicopedagógica que utiliza os meios
da Educação Física, com a finalidade de normalizar ou melhorar
o comportamento do indivíduo”. Assim, a Educação Física
contribui para que se construa a fundamentação necessária para o
desenvolvimento da criança por meio de práticas corporais.
Desse modo, é necessário oportunizar um ambiente próprio para
a aquisição de habilidades motoras, cognitivas e afetivas. É preciso
considerar as necessidades da criança desde o seu nascimento,
estimulando a expressividade por meio de movimentos espontâneos
e também promovendo o desenvolvimento psicomotor com
atividades motoras próprias para a idade e fase da aprendizagem.
Considerando os campos de atuação, Nicola (2004) diz que
podem atuar na educação psicomotora professores do período pré-
-escolar e/ou professores de Educação Física. Destacamos também que
os professores da educação infantil aos anos iniciais também atuam
com educação psicomotora.
História, significado e áreas de atuação da psicomotricidade 17

Entendemos aqui que a abordagem educativa da psicomotricidade


é precursora para a aprendizagem. Vamos agora conhecer a
psicomotricidade do ponto de vista das ações reeducativas.

1.2.2 Reeducação psicomotora


Vimos que a educação psicomotora atende à estimulação
no processo natural do desenvolvimento da criança. Para que
ela se desenvolva, é preciso que lhe seja permitida a resolução de
problemas de ordem motora por meio da exploração do ambiente,
ou seja, a criança precisa do movimento para se desenvolver.
Segundo Gallahue e Ozmun, (2005, p. 15), “as experiências de uma
criança podem afetar o índice de aparecimento de certos padrões
de comportamento”. Desse modo, quando ocorre a restrição de
movimentos na fase adequada, são necessárias outras intervenções
para suprir as dificuldades existentes.
A reeducação psicomotora é a ação desenvolvida em indivíduos
que sofrem com perturbações ou distúrbios psicomotores. Ela
tem como objetivo retomar as vivências anteriores com falhas ou
as fases da educação ultrapassadas inadequadamente (BUENO,
2014). Para Nicola (2004), o objetivo da reeducação psicomotora é a
reintegração da pessoa com relação ao seu corpo. Nessa área, podem
atuar profissionais de Educação Física, fisioterapeutas, terapeutas
ocupacionais e psicólogos.
Sendo assim, a abordagem reeducativa da psicomotricidade
objetiva restabelecer os gestos, as posturas e os movimentos, por
meio de práticas corporais, nos variados métodos e técnicas,
evitando uma estruturação patológica da personalidade dos sujeitos
(BUENO, 2014).
Após entender as abordagens educativa e reeducativa da
psicomotricidade, vamos agora conhecer as características da
terapia psicomotora.
18 Psicomotricidade no contexto escolar

1.2.3 Terapia psicomotora


A abordagem educativa da psicomotricidade envolve estimular
todas as crianças para que elas se desenvolvam adequadamente,
enquanto a reeducativa se refere a estímulos para suprir as falhas do
desenvolvimento. O que seria, então, a terapia psicomotora?
A abordagem terapêutica está vinculada, em grande parte,
a aspectos psicológicos e, segundo Bueno (2014), é destinada
a “indivíduos com conflitos mais profundos na sua estruturação
psíquica, associados aos conceitos funcionais ou com desorganização
total de sua harmonia corporal e pessoal”. Nesse sentido, dificuldades
e falhas devem ser analisadas considerando a história da criança,
suas experiências anteriores e a falta delas, que podem incidir em
problemas de comportamento e de aprendizagem.
Nicola (2004) enfatiza que a terapia psicomotora trabalha com
a corporalidade associada aos aspectos psicológicos. Nessa área de
atuação, a autora aponta que deve ser trabalhada por profissionais
formados ou especializados em psicomotricidade, com base
psicanalítica ou psicológica.
Considerando o que foi apresentado nesta seção, entendemos
as principais áreas de atuação da psicomotricidade, que envolvem
educação, reeducação e terapias psicomotoras.

Considerações finais
O termo psicomotricidade tem origem grega e associa corpo e
mente. Historicamente, construiu-se um modelo dualista, em que
o ser humano era fragmentado em corpo separado da mente. No
entanto, buscando entender os processos de ensino-aprendizagem
e também algumas patologias, estudiosos passaram a associar
aspectos motores a psicológicos e afetivos, surgindo, assim, a
psicomotricidade.
História, significado e áreas de atuação da psicomotricidade 19

Com essa descoberta, muitos pesquisadores citados neste


capítulo contribuíram para o entendimento e evolução nessa área de
conhecimento, que apontava relações entre pensamento e movimento,
e associações entre inteligência, motricidade e afetividade.
Inicialmente, a psicomotricidade era voltada a ações terapêuticas,
mas evoluiu no sentido de prevenção. Desse modo, com base
em estudos, descobriu-se o potencial de oferecer experiências
motoras a partir do nascimento da criança. Foi possível prevenir
problemas comportamentais e de aprendizagem, por meio de
estimulações motoras, que se inserem na abordagem educativa da
psicomotricidade.
Quanto à abordagem reeducativa, entende-se que deve ser
usada para suprir falhas ocorridas em fases anteriores; a terapêutica
está mais voltada para resolver problemas de ordem psicológica,
relacionados à psicomotricidade.
Sendo assim, é importante que os profissionais que atuam
na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental se
apropriem do conhecimento da psicomotricidade para terem auxílio
no aprendizado de seus alunos.

Ampliando seus conhecimentos


• COSTA, A. C. de. Psicopedagogia e psicomotricidade: pontos
de intersecção nas dificuldades de aprendizagem. 9. ed. Rio
de Janeiro: Vozes, 2012.
A obra resgata a história do corpo em suas diferentes
concepções no espaço temporal e sua importância no
processo de aprender e não aprender. Valoriza o movimento
como forma de comunicar tanto a objetividade quanto a
subjetividade nas relações com o outro.
20 Psicomotricidade no contexto escolar

• FALCÃO, H. T.; BARRETO, M. A. M. Breve histórico da


psicomotricidade. Ensino, saúde e ambiente, Niterói, RJ, v. 2,
n. 2, p. 84-96, 2009. Disponível em: http://periodicos.uff.br/
ensinosaudeambiente_backup/article/download/14544/9149.
Acesso em: 30 jul. 2019.
O artigo traz uma narrativa do desenvolvimento da
psicomotricidade e alguns de seus principais autores.
Constata que não há um conceito sobre a psicomotricidade,
mas sim vários olhares que se fundamentam em pressupostos
teóricos oriundos da filosofia, psicologia, psicanálise,
psiquiatria, biologia, neurologia e pedagogia. São 13 páginas
com os principais momentos históricos da psicomotricidade
no mundo, desde a Idade Média até os das atuais. Portanto,
faz menção à preocupação do homem em compreender o seu
corpo na busca por seu desenvolvimento de forma satisfatória.

Atividades
1. Na década de 1930, surgem vários testes motores. Qual era o
objetivo da psicomotricidade nessa época?

2. Quando e como surgiu a psicomotricidade no Brasil?

3. Quais as áreas de atuação da psicomotricidade? Explique


suas características.

Referências
ABP – Associação Brasileira de Psicomotricidade. A Associação Brasileira
de Psicomotricidade. Rio de Janeiro, 2017a. Disponível em: https://
psicomotricidade.com.br/sobre/. Acesso em: 30 jul. 2019.
História, significado e áreas de atuação da psicomotricidade 21

ABP – Associação Brasileira de Psicomotricidade. Histórico da


psicomotricidade. Rio de Janeiro, 2017b. Disponível em: https://
psicomotricidade.com.br/historico-da-psicomotricidade/. Acesso em: 17
jul. 2019.

ABP – Associação Brasileira de Psicomotricidade. O que é psicomotricidade.


Rio de Janeiro, 2017c. Disponível em: https://psicomotricidade.com.br/
sobre/o-que-e-psicomotricidade/. Acesso em: 17 jul. 2019.

BUENO, J. M. Psicomotricidade teoria e prática: da escola à aquática. São


Paulo: Cortez, 2014. E-pub.

GALLAHUE, D. L.; OZMUN, J. Compreendendo o desenvolvimento motor:


bebês, crianças, adolescentes e adultos. Trad. de Denise R. de Sales. 3. ed.
São Paulo: Phorte, 2005.

LE BOULCH, J. Educação psicomotora: psicocinética na idade escolar. Trad.


de Jeni Wolf. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2007.

NICOLA, M. Psicomotricidade: manual básico. 2. ed. Rio de Janeiro:


Revinter, 2004.
2
Conceitos funcionais

Estudamos no capítulo anterior a origem do termo


psicomotricidade e seu significado – fundamentado no ser humano
do ponto de vista motor, do intelecto e do afeto. Também vimos sobre
as áreas de atuação, sendo as principais: a educativa, a reeducativa e
a terapêutica, e os profissionais envolvidos nas respectivas áreas.
Agora convidamos você a conhecer os conceitos relacionados
aos elementos psicomotores. O que seriam esses conceitos? Como
influenciam no desenvolvimento integral do ser humano?
Antes de iniciarmos, vamos apresentar as classificações dos
conceitos funcionais da psicomotricidade, que estão divididos em:
conceitos psicomotores funcionais estruturais, conceitos motores
funcionais globais e conceitos motores funcionais perceptivos.

2.1 Conceitos psicomotores funcionais


estruturais
Vídeo O ser humano se expressa e se comunica por
diferentes linguagens, entre as quais a motora.
Contudo, nenhum dos aspectos é estudado e/
ou desenvolvido individualmente, ou seja, todos
estão integrados e são dependentes entre si. Esses
aspectos dizem respeito às diferentes dimensões que
envolvem o ser humano e que estão presentes no desenvolvimento
do ponto de vista da psicomotricidade: a motricidade, a cognição e
a afetividade.
Segundo Bueno (2014), “conceitos ou condutas psicomotoras
funcionais referem-se àquelas cuja ação, qualidade e mensuração
24 Psicomotricidade no contexto escolar

são possíveis de serem percebidas e que conjuntamente formam a


integralização motora do ser humano num espaço e num tempo
enquadrado”.
Assim, os conceitos funcionais estruturais estão diretamente
relacionados ao desenvolvimento do ser humano. Ou seja, são
a base para o movimento harmonioso e envolvem as questões de
comportamento, estando integrados aos conceitos relacionais.
São aqueles sobre os quais se desenvolve o sujeito, e pelo
qual se constrói a base, tanto objetiva quanto subjetiva,
sendo também os conceitos que mais se envolvem com os
campos afetivos, relacionais e psíquicos da constituição
humana, não podendo destas isolarem-se. (BUENO, 2014)

Ainda segundo o autor supracitado, na classificação de conceitos


funcionais estruturais, destacam-se: o esquema corporal, o tônus e
a respiração.
O esquema corporal relaciona-se com aspectos psicológicos da
criança, mas está vinculado à parte estrutural do corpo em relação
à sua localização no espaço. Pode ser mensurado e comparado de
acordo com a idade, peso, altura e perímetro, ou seja, medidas
padronizadas a que a criança corresponde (LEVIN, 2001). Desse
modo, entende-se que o esquema corporal é a percepção do corpo
no espaço. Para Wallon (1966 apud MATTOS; NEIRA, 2008),
esquema corporal é o elemento imprescindível para a formação da
personalidade da criança. É a representação global e diferenciada
que a criança tem do próprio corpo, sendo que as experiências
vividas constroem a forma de ser da pessoa.
Portanto, “o esquema corporal é um elemento básico indispensável
para a formação da personalidade da criança, sendo seu núcleo
central, pois reflete o equilíbrio entre as funções psicomotoras e sua
maturidade” (BUENO, 2014).
Para Levin (2001), o esquema corporal é a representação que
temos acerca do próprio corpo, no sentido evolutivo e temporal, e é
Conceitos funcionais 25

no desenvolvimento psicomotor da criança que o esquema corporal


se constrói. Quando perguntamos a uma criança de qual parte do
corpo ela gosta mais, ela responde porque tem noção de seu corpo.
Portanto, evidencia-se que “esse conceito que a criança tem do seu
corpo é o esquema corporal” (LEVIN, 2001, p. 71).
Os autores Gallahue e Ozmun (2005) também contribuem para esse
conceito. Em seus estudos, o esquema corporal se refere à capacidade
da criança de discriminar com exatidão suas partes corporais. Isso
ocorre em três etapas: a primeira é o reconhecimento das partes do
corpo; a segunda é saber o que cada uma delas pode fazer; e a terceira
é conhecer como fazer as partes do corpo se movimentarem com
eficiência. Assim, “referem-se à habilidade de reorganizar as partes
do corpo para um ato motor particular e desempenhar uma tarefa
motora” (GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 315).
Defontaine (1980 apud BUENO, 2014) defende que “uma
boa estruturação e utilização do esquema corporal se relaciona
diretamente com a adaptação do sujeito no espaço e no tempo,
contribuindo para uma disposição corporal mais adequada para
a realização das diferentes atividades”. Com relação à consciência
corporal, afirma-se que ela “é alcançada através da percepção do
mundo exterior, da mesma forma que a consciência do mundo
exterior acontece através do corpo” (BUENO, 2014).
Como visto, o esquema corporal se refere ao conhecimento
das partes do corpo, o qual se confunde com a imagem corporal.
Para Levin (2001), muitas vezes os termos esquema corporal e
imagem corporal são tomados como sinônimos ou são justapostos,
dificultando a sua diferenciação. Gallahue e Ozmun (2005, p. 329)
colocam que a imagem corporal está relacionada à imagem interna
que a criança tem de seu corpo, relacionando-se fortemente com a
autoestima, definida como “o valor que o indivíduo atribui as suas
características peculiares, atributos e limitações”.
26 Psicomotricidade no contexto escolar

A imagem corporal passa por fases de maturação até a criança


construir-se como um ser que age e interage (FONSECA, 2008).
Ambos, esquema e imagem, têm base psicoafetiva, porém a imagem
corporal se relaciona a processos inconscientes, na dimensão do
sensível e do imaginário (BUENO, 2014). Nesse sentido, existe a
interpretação de si como corpo, partindo tanto da inconsciência
quanto da consciência, baseando-se em suas relações mútuas. A
imagem corporal configura-se, portanto, em uma reconstrução
constante do que o indivíduo percebe de si e das determinações
inconscientes que traz de seu diálogo com o mundo. Tais conceitos
podem ser desenvolvidos por vivências de práticas corporais,
considerando a criança, seus limites e potencialidades.
Assim como os demais conceitos, a imagem corporal depende da
interação da criança com o mundo. Isso ocorre por meio de práticas
corporais e está relacionado diretamente às interações com outras
crianças.
Outro conceito funcional estrutural é o tônus: estado de
tensão permanente de um músculo, com origem reflexa. Ele pode
ser hipertônico, quando a resistência à distensão é elevada, ou
hipotônico, quando o oposto ocorre, ou seja, com diminuição do
tônus e da força, relacionando-se ao ajuste das posturas (BUENO,
2014). O tônus integra-se ao aspecto motor promovendo o
equilíbrio necessário para a manutenção da postura e também para
o movimento.
As reações posturais que uma criança adota diante de
sentimentos, como ansiedade, angústia, agressividade e outras
emoções, podem se manter ou evoluir. Assim, o conhecimento
do corpo é fundamental e se apresenta como um instrumento de
aprendizagem. Quanto mais a criança domina os movimentos do
corpo, mais ela se encanta e se dispõe a novas experiências (NISTA-
-PICCOLO; MOREIRA, 2012).
Conceitos funcionais 27

Segundo Mattos e Neira (2008), a vivência de diversos


posicionamentos – sentado, deitado, inclinado em situação de
equilíbrio com base reduzida, correndo, rolando, entre outros –
acentua a compreensão global do corpo, estabelecendo a consciência
corporal e fortalecendo o aparelho locomotor.
O desenvolvimento do tônus é uma condição básica para a
aquisição de movimentos globais e manuais coordenados,
ou seja, para uma boa coordenação motora ampla e viso-
-manual. Com um tônus anormal, necessariamente a
imagem sensorial de seus movimentos, bem como suas
ações, serão anormais. (BUENO, 2014)

Com relação à respiração, fenômeno que permite a troca


gasosa, na qual é eliminado o gás tóxico e inalado oxigênio para
fornecer energia ao organismo, ressalta-se a sua importância
como componente relacionado ao esquema corporal, já que está
intimamente ligado à atenção (MATTOS; NEIRA, 2008). Nesse
sentido, por meio de práticas corporais, é possível ter conhecimento
das fases da respiração e dos tipos, sendo eles nasal e bucal.
Quando o processo da respiração não é adequado, a criança tem
menos energia e seus movimentos ficam desorganizados. Portanto,
é comprovado que existe relação entre o ato de respirar e a ansiedade
e a atenção das crianças (BUENO, 2014).
Nesta seção, foram apresentados o esquema e a imagem corporal,
o tônus e a respiração, conceitos funcionais estruturais, essenciais
para o desenvolvimento psicomotor. Ressaltamos que o movimento
é capaz de desenvolver tais conceitos – e que estes estão interligados.
Isso remete ao termo corporeidade, que, como diz Nista-Piccolo e
Moreira (2012, p. 33), significa o entendimento do corpo em sua
totalidade, “dotado de motricidade, intelecção e transcendência. O
ser criança é corporalmente tudo isso ao mesmo tempo”.
28 Psicomotricidade no contexto escolar

Na próxima seção, apresentaremos os conceitos psicomotores


funcionais globais. Vamos conhecê-los e identificar suas características?

2.2 Conceitos psicomotores funcionais


globais
Vídeo Conceitos psicomotores funcionais globais são
os que envolvem o corpo como um todo, e dos
quais dependem seus gestos e harmonia, quando
o indivíduo interage com o meio. Citamos cinco
conceitos psicomotores importantes: coordenação
motora ampla, coordenação motora fina, equilíbrio,
postura e relaxamento.
A coordenação motora ampla, também conhecida como
coordenação dinâmica global ou geral, é considerada a possibilidade
de controle dos movimentos amplos de nosso corpo, permitindo
contrair grupos musculares diferentes de uma forma independente
(BUENO, 2014).
Para que ocorra essa coordenação, torna-se necessária uma
harmonia de grupos musculares colocados em movimento ou
em repouso. A função é permitir, de maneira eficaz e econômica,
movimentos que interessam a vários segmentos corporais,
implicados em uma atitude ou em um gesto (BUENO, 2014).
Segundo Nicola (2004, p. 80), “para a criança, não se trata
de conhecer o nome das diferentes partes do seu corpo, mas de
movimentar-se livremente, de sentir-se bem à vontade”. Desse modo,
a coordenação motora ampla bem desenvolvida permite à criança
participar de diferentes atividades, que envolvem movimentos
coordenados de todas as partes de seu corpo.
É importante salientar que devemos propiciar um clima de
segurança e confiança no decorrer do trabalho de coordenação
Conceitos funcionais 29

motora ampla, pois a criança deve viver essa experiência de forma


positiva na área afetiva, e também ter em conta as possibilidades da
criança e avaliar as aquisições anteriores (LE BOULCH, 2007).
Ainda, enfatiza-se a importância dos exercícios de coordenação
global:
Estes exercícios consistem em colocar a criança em situação
de pesquisa diante de uma tarefa global, em presença da
qual ela vai encontrar um modo resposta por ajustamentos
progressivos, permitindo assim a descoberta de uma nova
praxia. Uma praxia pode ser definida como um sistema de
movimentos coordenados em função de um objetivo a ser
atingido. (LE BOULCH, 2007, p. 147)

Com isso, as atividades de expressão e jogos livres, na


experiência vivida do corpo em confronto com o objeto, permitem
uma primeira amostra do esquema corporal, assegurando
uma comunicação do corpo relacionado com seu meio de
comportamento (LE BOULCH, 2007).
Portanto, essa habilidade é a atividade dos grandes músculos
e depende da capacidade de equilíbrio postural do indivíduo.
Verificamos o uso desses músculos nas habilidades motoras básicas,
como correr, saltar, rolar, rastejar, equilibrar-se etc., presentes em
todas as práticas corporais que as crianças realizam em seu cotidiano.
A coordenação motora fina é considerada a capacidade de
controlar os pequenos músculos para exercícios refinados, por
exemplo, recorte, perfuração, colagem, encaixes, entre outros
(BUENO, 2014). Para Nicola (2004, p. 80), a coordenação motora
fina está relacionada a “movimentos que exigem dissociação digital
fina, onde há preensão delicada como principal objetivo. Pode-se
ilustrar como sendo a coordenação dos detalhes”.
A coordenação motora fina também se relaciona à coordenação
visomotora, que coordena movimentos com a visão, ou seja, a
partir do olhar, executa uma ação que envolve pequenos músculos,
principalmente os movimentos que realizamos com as mãos. Como
30 Psicomotricidade no contexto escolar

exemplo bem refinado da coordenação viso-manual, temos a


escrita, na qual:
A habilidade manual será desenvolvida, quer pela
utilização da modelagem, do recorte, da colagem, quer
por exercícios de dissociação ao nível da mão e dos dedos
que identificamos como exercícios de percepção do corpo
próprio fazendo atuar a função de interiorização O ritmo
do traço e sua orientação da esquerda para a direita serão
melhorados pelos exercícios gráficos baseados nas formas
da pré-escrita, como as diferentes hélices e guirlandas. (LE
BOULCH, 2007, p. 32)

Conforme o autor supracitado, essa habilidade inicia as


atividades para o desenvolvimento da coordenação dos pequenos
músculos, em formações de espirais, circulares, organizando a
criança para a escrita. No entanto, o trabalho da coordenação viso-
-manual não deve contar apenas com exercícios em folhas com a
escrita ou desenhos, pois, assim, a criança estará treinando apenas
a coordenação viso-manual gráfica (LE BOULCH, 2007).
Segundo Bueno (2014), no desenvolvimento da coordenação
motora fina e grafismo, vê-se que aos:
3 anos a criança é capaz de fazer um traço vertical
(Bernardes, 1979). Em exercícios de dissociação abre e
fecha as mãos simultaneamente. 4 anos desenha uma cruz
e apresenta dismetria somente de olhos fechados. 5 anos
a criança desenha um círculo e um quadrado. Também
consegue resolver exercícios de pianotagem. Já consegue
abrir e fechar as mãos alternadamente. Ainda não faz
laços, mas tenta. É a fase em que a coordenação motora
fina está em seu maior desenvolvimento. 6 anos a criança
é capaz de executar e copiar desenhos como zigue-zagues e
movimentos sinuosos. A dissociação visual e manual já está
firmada. 7 anos espera-se que a criança faça um losango e
ovais. Até essa idade a sincinesia (contrações musculares
involuntárias) é considerada normal. Já possui dissociação
entre a mão direita, as duas mãos e mão esquerda. 8 anos já
possui dissociação com o pé direito, palma, pé esquerdo etc.
Acima de 8 anos consegue realizar o movimento do andar
sem sair do lugar. Na escrita passa a figurar a memória
Conceitos funcionais 31

motriz, ou seja, planeja a ação motora antes de executá-la.


Entre 9 e 10 anos a dissociação manual está bem definida e
o indivíduo já apresenta boa precisão. Entre 10 e 14 anos já
possui boa força manual e uma excelente labilidade tônica,
circulando com facilidade entre a hiper e a hipotonia
(diminuição do tônus muscular), refletidas em precisão,
destreza e velocidade manual adequadas.

Assim, o trabalho da habilidade da coordenação viso-motora


tem um lugar muito importante no grafismo e desenho, pois a
preparação para a escrita precisa ser feita antes de aprender a ler, de
tal forma que a aquisição da leitura e a da escrita sejam simultâneas.
Torna-se relevante que o simbolismo verbal se associe ao simbolismo
gráfico da criança, e também que se expresse por meio deles (LE
BOULCH, 2007).
Outro conceito psicomotor é o equilíbrio, caracterizado pela
“noção de distribuição do peso em relação a um espaço e a um
tempo e em relação ao eixo de gravidade” (BUENO, 2014).
O equilíbrio está relacionado ao centro de gravidade; assim, o
fato de um corpo estar equilibrado depende da base de apoio, que
é a parte do corpo que está em contato com a superfície. Quanto
mais ampla ela for, maior é a estabilidade do corpo (GALLAHUE;
OZMUN, 2005). Em concordância com isso, Bueno (2014) afirma
que “o equilíbrio pode ser estático ou dinâmico. O primeiro
apresenta mais dificuldade, sendo mais abstrato e exigindo muita
concentração. Contudo, seu controle é importantíssimo para uma
futura e adequada aprendizagem”.
Assim, o equilíbrio estático interfere não apenas nas atividades
que exigem concentração, mas está presente em todas as ações,
inclusive na manutenção da postura corporal. Para Nicola (2004), o
equilíbrio dinâmico está relacionado ao movimento, ao controle das
forças do corpo para a realização das atividades.
O equilíbrio relaciona-se ao esquema corporal, e, quando a
criança não possui equilíbrio adequado, demonstra angústia ao
32 Psicomotricidade no contexto escolar

executar movimentos coordenados (BUENO, 2014). Da mesma


forma, Le Boulch (2007, p. 135) afirma que “todo o medo ocasiona
reações de enrijecimento que comprometem as reações reflexas de
equilibração”.
Na coordenação global, equilíbrio e postura, vê que aos:
2 anos a criança adquire a consciência da alternância e
oscilação dos pés; tem um passo mais leve, mas já é capaz
de andar por momentos na ponta dos pés, porém, ao correr,
toca toda a sola do pé no chão e aí o correr é desestabilizado
ainda. 3 anos é capaz de andar numa linha reta de frente
e de costas. Fica parada com os dois pés no chão e olhos
abertos sem se desequilibrar. Alterna os pés na prancha de
equilíbrio e corre suavemente já utilizando a ponta dos pés.
Sobe escadas sozinha, mas um degrau de cada vez. 4 anos
anda na ponta dos pés sem dificuldade. Fica parada com
os dois pés no chão e olhos fechados sem se desequilibrar.
Desce escadas sozinha alternando os pés. 5 anos anda
com um pé na frente do de olhos abertos. No equilíbrio
dinâmico a criança é capaz de saltar com os pés juntos no
mesmo lugar. Realiza o controle de meia-volta com parada.
Usa o correr de modo eficaz em jogos espontâneos. 6 anos
anda com um pé na frente do outro de olhos fechados.
No equilíbrio dinâmico salta num pé só e com os dois pés
uma boa distância. 7 anos pula num pé só e equilibra-se
parada num pé também. 8 anos fica parada num pé só
de olhos fechados por instantes. 9, 10 anos a criança está
mais relaxada na postura, tornando-se mais ágil em seus
movimentos. (BUENO, 2014)

Tisi (2007, p. 89) afirma que é importante desenvolver o equilíbrio


em diferentes posições, como sentado, em pé ou agachado, pois
ele “é condição indispensável para qualquer atividade”. Dominar
o equilíbrio envolve: dominar o corpo com relação à gravidade,
equilibrar objetos com partes do corpo, equilibrar o corpo em
movimento e parado, e equilibrar o corpo em situações de queda
(depois de um salto).
Outro conceito psicomotor funcional global é a postura, que,
segundo Bueno (2014), relaciona-se com o tônus. É uma atitude do
Conceitos funcionais 33

corpo que está intimamente ligada ao movimento – e é graças a ela


que consumimos o mínimo de energia para a execução de nossas
atividades. Esse controle depende do nível de maturação, da força
muscular e das características psicomotoras do indivíduo. A postura
deve ser observada desde o nascimento, pois:
A obtenção da locomoção ereta ou caminhada depende
da estabilidade do bebê. Este deve, primeiro, ser capaz de
controlar o corpo em pé, antes de dominar as mudanças
posturais dinâmicas necessárias para a locomoção ereta.
(GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 171)

Desse modo, a criança que mantiver uma postura adequada


aprenderá novas habilidades em determinada posição – sentada,
em pé e deitada (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Na vida adulta, a
capacidade do indivíduo de mudar rapidamente de uma posição
para a outra durante a realização de um movimento é automática e
não depende mais de concentração, pois foi aprendida anteriormente
(BUENO, 2014).
O relaxamento, último conceito psicomotor funcional global, é
vinculado à redução das tensões e descontração muscular. Por meio
do relaxamento, é possível obter melhor conhecimento do corpo por
meio da contração e descontração muscular. Sendo assim, está ligado
a outros conceitos, como esquema corporal, estruturação espaço-
-temporal e equilíbrio. Mediante às atividades de relaxamento (duro,
mole, tenso ou solto), a criança conhece o seu corpo (BUENO, 2014).
A educação pelo movimento concebe relaxamento como
a capacidade de descontração da musculatura voluntária.
Algumas crianças que contraem exaustivamente os músculos
dos seus segmentos, quando a atividade, na verdade,
solicita apenas uma leve contração (correr, escrever, pegar,
empurrar) mostram pouco controle sobre suas ações, e o
oposto também ocorre, quando executam movimentos que
implicariam grandes contrações (atividade que requerem
força ou paralisação), fazem uso de contrações insuficientes.
(MATTOS; NEIRA, 2008, p. 26)
34 Psicomotricidade no contexto escolar

Nesses casos, as crianças não têm muita experiência e


apresentam pouco conhecimento sobre o assunto. Segundo Bueno
(2014), o relaxamento regula o ritmo da respiração e circulação.
A conscientização dos diferentes estados tensionais do corpo
promove uma integração entre corpo e mente, importante para a
corporeidade.
Para o mesmo autor, o relaxamento proporciona o conhecimento
corporal e ajuda na descontração, procurando regularizar os ritmos
do corpo e favorecendo a aprendizagem, pois possibilita a percepção
e controle corporal. Um bom relaxamento não é somente dormir,
mas, sim, a conscientização de cada parte do corpo em ação e
harmonia.

2.3 Conceitos psicomotores funcionais


perceptivos
Vídeo Os conceitos psicomotores funcionais
perceptivos são influenciados pelo sistema
sensorial, sobretudo pelos canais cinestésicos,
auditivos e visuais – que são seus receptores
sensoriais. Além de envolverem a integração desses
canais, esses conceitos estão relacionados também
à memória, isto é, às experiências vividas pelo corpo – que são
individuais para cada pessoa (BUENO, 2014).
Nesta seção, vamos apresentar seis conceitos psicomotores
importantes: as percepções (auditiva, visual, tátil, olfativa e
gustativa), a estruturação espacial (espaço), a estruturação temporal
(tempo), a estruturação espaço-temporal, a lateralidade e o ritmo.
De acordo com Bueno (2014, grifo nosso), “a percepção é a
capacidade de reconhecer e compreender estímulos”. Gallahue
e Ozmun (2005, p. 182) complementam ao afirmarem que “o
termo percepção se refere a qualquer processo pelo qual obtemos
Conceitos funcionais 35

consciência imediata do que está acontecendo ao redor”. Ainda,


acrescenta-se a essas informações a observação de que “A percepção
depende de estímulos sensoriais captados pelos sentidos: audição,
tato, paladar, olfato, visão, e por sensações cinestésicas interceptivas,
sensações estas que se originam no ambiente interno, tais como
sede, fome etc.” (BUENO, 2014).
Concordando com os autores citados, as percepções e suas
associações fazem a criança entender o que está acontecendo com
o mundo à sua volta – e também são influenciadas pela memória.
Observamos isso quando sentimos um cheiro ou um sabor que nos
remete a um momento de nossa vida que já passou.
Como citado anteriormente, as percepções, segundo Bueno
(2014), podem ser captadas por estímulos auditivos, visuais, táteis,
olfativos e gustativos.
A percepção auditiva é a capacidade de entender estímulos
sonoros e se faz essencial para o aprendizado da linguagem falada,
para o entendimento dos diferentes sons do ambiente em que a
criança vive, que vai desde o reconhecimento de um animal até o
reconhecimento de um meio de transporte (BUENO, 2014).
As condições ambientais influenciam a extensão do
desenvolvimento da audição. O ouvido está estruturalmente
completo ao nascimento, e o bebê é capaz de ouvir assim que
o fluido amniótico é drenado (usualmente, um ou dois dias
após o nascimento). (GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 192)

Segundo Bueno (2014), a criança, adaptada ao ambiente após


o nascimento, adquire prazer ao ouvir sons como a voz materna,
sons da língua, lábios e cordas vocais. Isso é observado com os
gritinhos e balbucios que os bebês fazem em diferentes intensidades
e entonações, que serão a base de sua comunicação verbal. “É a
percepção auditiva dos sons que a própria criança emite e ouve e
os emitidos pelas outras pessoas e que também pode ouvir, que
desenvolvem a linguagem de forma geral” (BUENO, 2014).
36 Psicomotricidade no contexto escolar

A percepção visual, processada e analisada pelo estímulo da luz,


é a principal experiência sensorial da criança (BUENO, 2014). De
acordo com Gallahue e Ozmun (2005, p. 184),
Desde o nascimento, os olhos do bebê possuem todas as
estruturas necessárias à visão, e estão quase completamente
formadas. A fóvea não está totalmente desenvolvida e os
músculos oculares são imaturos. Esses dois fatores resultam
em fixação, foco e coordenação dos movimentos visuais
deficientes.

Nesse sentido, os olhos estão completos estruturalmente, mas


imaturos funcionalmente. Por isso, desenvolvem-se nos primeiros
meses após o nascimento as habilidades perceptivo-visuais
(GALLAHUE; OZMUN, 2005).
Com relação à percepção visual, Bueno (2014) comenta que:
Anatomicamente, todo olho saudável deve aprender a mexer
para ver. Alinhar os dois olhos e concentrá-los num ponto
ou num plano é fundamental, pois uma inadequação da
mobilidade ocular pode prejudicar a percepção das formas
e detalhes, refletindo-se em distúrbios de aprendizagem.
Já o processamento da visão assim ocorre: a visão começa
quando os raios luminosos batem no olho.

Segundo o mesmo autor, a visão está presente em todas as nossas


experiências motoras, e é por meio dela que diferenciamos objetos
e os manipulamos. Utilizamos a visão para nossas necessidades da
vida diária e para a aprendizagem escolar, cabendo ao professor,
portanto, dar atenção especial à percepção visual e utilizá-la de
diferentes formas, de acordo com as necessidades dos alunos.
Já a percepção tátil refere-se à utilização de partes do corpo (mãos,
boca, língua e lábios) para explorar o ambiente e os objetos quanto à
sua forma, temperatura e textura (GALLAHUE; OZMUN, 2005).
A percepção olfativa é a capacidade de identificar odores, sendo
possível associá-los à sua origem, e está relacionada ao paladar.
“Contudo, é um sentido menos evoluído no homem em relação aos
animais inferiores” (BUENO, 2014).
Conceitos funcionais 37

De acordo com Gallahue e Ozmun (2005, p. 193), há uma


escassez de pesquisas a respeito das percepções olfativa e gustativa,
sendo “difícil separar a sequência de desenvolvimento do olfato e do
paladar, simplesmente porque o nariz e a boca estão intimamente
conectados e os estímulos aplicados a um deles provavelmente vão
afetar o outro”.
Como visto, o olfato e o gosto são pouco desenvolvidos em
humanos. No entanto, promover atividades de distinção dos
odores na educação infantil e anos iniciais contribui muito para o
desenvolvimento dessas percepções, auxiliando em aprendizagens
importantes para o longo da vida, como diferenciar odores e sabores
que caracterizam alimentos impróprios para o consumo.
Temos a organização espacial (espaço) como outro conceito
psicomotor funcional de extrema importância, pois é no
campo físico que o corpo se tornará presente e ativo
e poderá se organizar, estruturar e orientar. Por essa
razão, muitos autores confundem essas três conotações
e defendem parcialmente apenas uma delas; porém,
somente a compreensão das três nomenclaturas permitirá
sua completa apreensão. Essa confusão se dá porque a
noção não é algo simples: ela é elaborada e se diversifica
progressivamente no decurso do desenvolvimento
psicomotor da criança. (BUENO, 2014)

Ajuriagerra (1980 apud BUENO, 2014) afirma que a percepção


espacial se estrutura, inicialmente, com referência ao próprio
corpo. Sua percepção é individual, única e pessoal, fruto de uma
experiência compreendida apenas por seu corpo no meio e mediante
às referências visuais percebidas.
Lapierre e Aucouturier (1986) comentam que a estruturação
espacial não se ensina nem se aprende, descobre-se. No
entanto, o processo educativo deve levar em conta a
evolução da estrutura progressiva da noção de espaço a fim
de poder proporcionar os meios e motivações mais eficazes
para ajudar essa descoberta, pois a primeira fase de sua
estruturação é efetuada de forma inconsciente, penetrando
38 Psicomotricidade no contexto escolar

através das vivências e memorizadas como cenas prazerosas


ou desprazerosas. (BUENO, 2014)

Então, podemos dizer que a organização espacial é a tomada de


consciência da situação de seu próprio corpo em relação ao mundo
exterior. A partir do movimento do corpo a criança conhece o seu
tamanho no meio ambiente e a relação entre as pessoas e objetos.
O exercício psicomotor em relação com o espaço terá por
meta permitir ao sujeito tomar consciência dessas noções
da maneira mais completa possível. Referindo-se agora à
organização espacial, e partindo da compreensão do eu
corporal, para que a criança se organize, ela, quando explora
o ambiente, percebe o meio e os objetos através dos canais
exteroceptivos, promovidos pelos sentidos, bem como dos
proprioceptivos, como a referência da amplitude e força
impressa nos gestos para agarrar um objeto. (BUENO, 2014)

Concordando com o autor supracitado, o espaço para as


atividades deve ser organizado e depois é preciso relacioná-lo com o
outro e com os objetos. Em seguida, deve-se proporcionar exercícios
de velocidade, noção de direção, em cima, embaixo, à frente, atrás,
ao lado, perto, longe, em casa, na rua, na escola, pracinha e em várias
outras situações do cotidiano.
Já a organização temporal (tempo) é
a capacidade de situar-se em função: a) da sucessão dos
acontecimentos (antes, durante, após); b) da duração dos
intervalos (hora, minuto, aceleração, freada, andar, corrida);
c) da renovação cíclica de certos períodos (dias da semana,
meses, estações); d) do caráter irreversível do tempo (noção
de envelhecimento, plantas e pessoas). (BUENO, 2014)

Segundo o mesmo autor, a noção de tempo é muito abstrata e


difícil de ser aprendida pelas crianças. Os intervalos imediatos de
antes e depois ou ontem e amanhã são mais concretos e melhor
relacionados ao diálogo verbal. São pontos de referência para a
organização da criança em relação à sua segurança individual.
Conceitos funcionais 39

A noção de tempo está intimamente ligada à noção de


espaço. O tempo é, no entanto, uma noção material a qual,
não podendo ser objetivada, pode apenas ser expressa pelo
som. Assim, situamos o presente, o passado e o futuro em
relação ao antes e ao depois e avaliamos o movimento
no tempo, distinguindo o rápido do lento, o sucessivo do
simultâneo. (BUENO, 2014)

Podemos destacar ainda um conceito funcional psicomotor


que se refere aos dois conceitos vistos anteriormente e que estão
interligados: a estruturação espaço-temporal.
Dentro da organização espaço temporal estão incluídos o
tempo, o espaço e o ritmo, do qual o termo foi desenvolvido
nos tempos iniciais da ciência psicomotora, a partir do
momento em que os estudiosos não conseguiram falar
isoladamente do tempo ou do espaço, com isso, passaram
a usar o termo espaço temporal, as duas estritamente
relacionadas com diferentes modalidades sensoriais, a visual
e a auditiva, respectivamente. Então, trata-se da integração
desses dois conceitos psicomotores, em atividades que os
envolvem de forma integrada. (BUENO, 2014)

Com relação à lateralidade, outro conceito psicomotor funcional,


Mattos e Neira (2008) afirmam que se refere à dominância de um dos
lados do corpo quanto à força e à precisão. Segundo Bueno (2014), a
lateralidade está intimamente ligada a outros conceitos psicomotores,
como percepção visual e esquema corporal: “A lateralidade liga-
-se ao desenvolvimento do esquema corporal. A predominância de
um dos lados do corpo se faz em função do hemisfério cerebral. Os
movimentos preferenciais de um dos lados de seu corpo determinam
se o indivíduo é destro (D) ou sinistro (E)”.
Para Mattos e Neira (2008) e Gallahue e Ozmun (2005), na
infância as crianças desenvolvem muitas vivências com relação
aos dois lados do corpo e, ao longo do tempo, definem seu lado
dominante, sendo comum utilizarem os dois lados para tarefas
diferentes. A lateralidade é extremamente importante para a escrita,
pois podemos perceber dificuldades nas posições do caderno e da
40 Psicomotricidade no contexto escolar

mão, assim como na orientação das linhas e folhas, caso ela não
esteja bem definida.
Os problemas reais ou aparentes decorrentes da lateralização
são, com frequência, fonte de ansiedade nos pais e em
muitos professores da escola maternal. Se for verdade que
um certo número de dificuldades escolares está relacionado
a problemas na lateralidade, a atitude mais correta a este
respeito, a fim de ajudar a criança a conquistar e consolidar
sua lateralidade, é uma ação educativa facilitadora,
permitindo-lhe sua motricidade global. (TISI, 2007, p. 67)

O professor precisa conhecer o lado dominante do aluno não


somente em provas escritas, afinal, as atividades motoras permitem
a espontaneidade da criança. Para descobrir a dominância genética,
então, são preferíveis provas de habilidade da velocidade, pois a
força dos membros superiores será confirmada pela procura da
dominância dos membros inferiores (TISI, 2007).
O último conceito psicomotor funcional que temos é o ritmo. Ele
está presente em todas as atividades humanas (físicas e intelectuais)
e se manifesta em todos os fenômenos da natureza. Pode ser
caracterizado a partir de uma série de movimentos diferentes, como
a forma que caminhamos e conversamos. Essa gesticulação do dia a
dia também é conhecida como ritmo vital (BUENO, 2014).
Assim, concordamos com Gallahue e Ozmun (2005, p. 317)
quando afirmam que o ritmo “é definido como uma repetição
sincronizada de eventos”. Esses gestos repetidos, por sua vez, são
realizados em um tempo, sendo cruciais no desempenho coordenado
de qualquer ação.

Considerações finais
Após estudar os conceitos, é possível entender que tudo o
que fazemos envolve diferentes conceitos funcionais de origens
Conceitos funcionais 41

estruturais, funcionais ou perceptivas. No entanto, quando algum


conceito não é desenvolvido, uma desarmonia é gerada nos
movimentos, o que influencia também no comportamento. Nessa
perspectiva, é importante oferecer diferentes tipos de movimentos
e atividades, pois é a partir deles que a criança se desenvolve de
forma integral.

Ampliando seus conhecimentos


• ROSSI, F. S. Considerações sobre a psicomotricidade na
educação infantil. Vozes dos vales, Teófilo Otoni, MG,
n. 1, ano 1, p. 1-18, maio 2012. Disponível em: http://
site.ufvjm.edu.br/revistamultidisciplinar/files/2011/09/
Considera%C3%A7%C3%B5es-sobre-a-Psicomotricidade-
na-Educa%C3%A7%C3%A3o-Infantil.pdf. Acesso em: 30 jul.
2019.
Esse artigo traz considerações sobre a importância da
psicomotricidade na educação infantil, que busca o equilíbrio
e o desenvolvimento motor e intelectual da criança. A autora
enfatiza que a estrutura da educação psicomotora é a base
fundamental para o processo de aprendizagem da criança.
• SANCHÉZ, P. A.; MARTINEZ, M. R.; PEÑALVER, I. V. A
psicomotricidade na educação infantil: uma prática preventiva
e educativa. Porto Alegre: Artmed, 2003.
A obra aborda a psicomotricidade como uma prática
pedagógica que ajuda na maturação. Trata também da prática
psicomotora educativo-preventiva e dos princípios da ação
da prática psicomotora, discutindo o papel dos educadores
nas ações pedagógicas e nas intervenções propostas para o
trabalho eficiente da psicomotricidade e do amadurecimento
psicoafetivo.
42 Psicomotricidade no contexto escolar

Atividades
1. O que são conceitos psicomotores funcionais estruturais e
com o que eles estão relacionados?

2. Qual é a diferença entre coordenação motora ampla e


coordenação motora fina?

3. Explique as percepções auditiva, visual, tátil, olfativa e


gustativa.

Referências
BUENO, J. M. Psicomotricidade teoria e prática: da escola à aquática. São
Paulo: Cortez, 2014. E-pub.

FONSECA, V. da. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem. Porto


Alegre: Artes Médicas, 2008.

GALLAHUE, D. L.; OZMUN, J. Compreendendo o desenvolvimento motor:


bebês, crianças, adolescentes e adultos. Trad. de Denise R. de Sales. 3. ed.
São Paulo: Phorte, 2005.

LE BOULCH, J. Educação psicomotora: psicocinética na idade escolar. Trad.


de Jeni Wolf. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2007.

LEVIN, E. A clínica psicomotora: o corpo na linguagem. Trad. de Julieta


Jerusalinsky. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

MATTOS, M. R. G.; NEIRA, M. G. Educação física infantil: construindo o


movimento. 7. ed. São Paulo: Phorte, 2008.

NISTA-PICCOLO, V. L.; MOREIRA, W. W. Corpo em movimento na


educação infantil. São Paulo: Cortez, 2012.

TISI, L. Educação física e alfabetização. 2. ed. Rio de Janeiro: Sprint, 2007.


3
Conceitos relacionais

Após entender os conceitos funcionais, vamos conhecer os


conceitos relacionais da psicomotricidade. Ambas as abordagens
estão relacionadas e integradas, buscando o desenvolvimento das
crianças por meio de diferentes experiências motoras.
Associa-se o movimento ao desenvolvimento integral, ou seja,
quando a criança interage com o meio e expressa suas emoções,
potencializa a sua aprendizagem.
Como visto anteriormente, a psicomotricidade envolve os
aspectos motores, intelectuais e afetivos – e esses elementos que
compõem o ser humano estão interligados. É preciso oportunizar
uma gama variada de movimentos para que, a partir deles, a criança
se expresse e se comunique. Assim, os conceitos relacionais estão
mais vinculados ao comportamento e aos sentimentos, e são
expressos por meio do movimento. Vamos conhecê-los?

3.1 Expressão e comunicação


Vídeo O ser humano se expressa por meio de
diferentes linguagens, entre as quais, a corporal.
Pela linguagem do corpo podemos expressar
sentimentos e emoções, estabelecendo formas
de comunicação. Entende-se como conceitos
relacionais a forma como o corpo estabelece os
parâmetros para interagir com o meio e com as pessoas. Assim, a
psicomotricidade
aborda o sujeito como um corpo em movimento nas
relações com seu mundo externo e interno, todas as suas
inibições, motivações e ansiedades são apresentadas
44 Psicomotricidade no contexto escolar

por meio dos movimentos nesse corpo, e compreender


essa decodificação permitirá mais uma porta de acesso,
facilitadora para a intervenção psicomotora, sobretudo nas
áreas da estimulação, educação e reeducação psicomotoras.
(BUENO, 2014)

Para desenvolver sua sociabilidade e afetividade, a criança precisa


interagir com o meio. Essa interação ocorre pela comunicação
que ela estabelece por meio do pensamento e que expressa pela
linguagem e pela motricidade. Todos esses elementos interligados
permitem à criança agir frente a demandas que lhe são atribuídas.
Nessas tarefas, nas quais ela interage com os colegas, pode mudar a
sua forma de pensar e agir, observando gestos e atitudes dos demais
(NISTA-PICCOLO; MOREIRA, 2012).
A identidade dos sujeitos e de suas expectativas está diretamente
ligada aos seus conteúdos relacionais, pois o sujeito precisa estar
pleno consigo mesmo, em seu corpo e com suas verdades, para
realizar as conquistas almejadas. É a partir de sua unidade que ele se
afirma, permitindo a convivência em grupo (BUENO, 2014).
Nesta seção, abordamos os conceitos relacionais, apresentando
a expressão e a comunicação – pontos interligados que resultam da
interação da criança consigo mesma e com o ambiente. São aspectos
oriundos das oportunidades da prática que são proporcionadas
à criança desde o seu nascimento. Para Bueno (2014), “expressão
e comunicação estão intimamente relacionadas, pois quando
o indivíduo aprende a expressar-se corporalmente, assume sua
identidade e se relaciona com o outro e com o mundo”.
Concordando com o autor supracitado, Fonseca (2008) aponta
que a motricidade é uma característica tão fundamental para a
criança que inclusive a aquisição da linguagem depende dela. É por
meio da motricidade que são dadas respostas às suas necessidades
básicas e aos seus estados emocionais e relacionais. Percebe-se que,
acerca da expressão:
Conceitos relacionais 45

é interessante e fundamental que em todos os conceitos


desenvolvidos anteriormente a expressão, facial ou corporal,
esteja incluída por meio das atividades com liberdade,
mímicas, dramatizações e danças, as quais funcionam
como facilitadoras dessa livre expressão. Por meio dela a
criança exprime verdadeiramente os seus sentimentos
e, consequentemente, as suas dificuldades, sejam elas de
ordem psicológica, física ou biológica. Uma expressão
plena, de corpo inteiro, só é atingida com a coordenação
física e psíquica integradas. (BUENO, 2014)

Considerando que o estado emocional é mostrado por meio dos


gestos, a criança transmite inibição quando apresenta movimentos
acanhados e, da mesma forma, mostra-se eufórica, satisfeita ou
possuidora de uma conquista quando os gestos são mais expansivos.
Portanto, o corpo como via de acesso ao emocional possui limites,
capacidades e dificuldades que podem ser demonstradas por suas
expressões (NISTA-PICCOLO; MOREIRA, 2012).
Wallon (1989 apud FERNANDES, 2012, p. 6) diz que “o
movimento é a única expressão e o primeiro instrumento do
psiquismo e que não está dissociado dos afetos”. Para ele, a
motricidade e o desenvolvimento geral da personalidade não estão
isolados das emoções. Assim, muitos significados simbólicos não
são expressos por meio de palavras, tendo no corpo seu principal
veículo de expressão (BUENO, 2014).
Dar atenção ao corpo é ir ao sentido do desenvolvimento
da consciência individual e social que se inicia na criança,
sustentada por um viver humano que acontece em redes de
comunicação, tratando-se inicialmente de uma linguagem
sem fala, por meio da expressão realizada pelo corpo e com
o corpo, primeira forma de comunicação, que é tônica e
emocional. Com o domínio da fala, o homem esquece o
poder do corpo. Mas os humanos existem na linguagem, no
conversar, resultado do entrelaçamento do emocional com
a expressividade da linguagem. É por essa possibilidade de
comunicação e trocas, dessa expressividade corporal que
a ação psicomotora conecta o sujeito com a sua natureza.
(LOVISARO, 2012, p. 61)
46 Psicomotricidade no contexto escolar

Para Fonseca (2008), a maneira como a criança usa o seu corpo


e a sua motricidade no espaço retrata sua identidade pessoal e
autoconhecimento. Com relação a isso, Gallahue e Ozmun (2005,
p. 330) trazem o termo autoconceito como “a livre descrição de
valores que o indivíduo atribui a si mesmo”. Eles afirmam que o
autoconceito é proveniente da competência percebida, competência,
autoconfiança e autoestima.
Assim, o nível das atividades desenvolvidas pela criança
precisa ser adequado à sua fase de desenvolvimento psicomotor,
possibilitando o êxito com a tarefa e contribuindo para a aquisição
dos aspectos mencionados anteriormente.
Por meio do movimento, é possível oportunizar atividades
diversificadas, de acordo com a fase de aprendizagem da criança.
Para Le Boulch (2007), a função imaginativa exercida durante o jogo
implica em manifestações de interiorização – etapa indispensável
para a formação do eu individual e social. Na fase dos 7-8 anos,
surge como necessidade estabelecer uma correspondência entre si
mesmo e o mundo exterior. Desse modo, “os jogos e as atividades de
expressão são um meio privilegiado de ajudar a criança a equilibrar-
-se em seu ambiente humano, a comunicar-se, a cooperar” (LE
BOULCH, 2007, p. 46).
Se a expressão corporal é uma forma de se comunicar, trata-se,
então, de um elemento imprescindível para o ser humano, pois ele
é um ser social. Existem diferentes formas de estimular a expressão,
tanto com brincadeiras, nas quais são estimuladas a criatividade
e a liberdade, quanto com músicas e formas de simbolismos e
fantasia, uma vez que no universo das crianças tudo é possível em
sua imaginação.
Atividades que estimulem a criatividade são imprescindíveis ao
processo educativo. Elas favorecem a incorporação da disciplina
interna, contextualizam a ação, canalizam as tensões, conflitos e
ansiedades e equilibram a relação consigo e com os demais. Além
Conceitos relacionais 47

disso, fortalecem seu autoconceito, contribuindo para a aquisição


de uma boa imagem corporal. “E para que haja uma boa expressão,
a ação deve ser também espontânea e considerada como uma
manifestação natural, uma expressão de livre vontade. Por meio da
espontaneidade o indivíduo facilita sua adaptação a novas situações”
(BUENO, 2014).
Existem níveis na organização da expressividade do movimento
no desenvolvimento psicomotor. De Franch (1998 apud BUENO,
2014) delimita esses níveis ao afirmar que “entendemos que
essa organização se dá a partir de quatro níveis, na sua essência:
organização tônica, organização sensório-motora, organização
cognitiva e organização simbólica”.
Assim, a partir das experiências oportunizadas e da maturação
biológica, a criança vai evoluindo em sua capacidade de organização
e aprendizagem. O que se pretende é que ela tenha subsídios
para atuar com autonomia no ambiente em que vive a partir das
experiências motoras.
Com relação à comunicação, outro conceito relacional a ser
apresentado nesta seção, Nicola (2004, p. 11) define como “o ato
de expressar um pensamento, sentimento, emoção, através de uma
linguagem verbal ou não verbal. Para a Psicomotricidade, os aspectos
comunicativos do ser humano – corpo, gestualidade e verbo – são
essenciais em sua abordagem quer na educação, reeducação ou
terapêutica”.
Se a nossa linguagem é um sistema fundamental na intervenção
entre sujeito e objeto de conhecimento, a linguagem corporal é o
conjunto de atitudes e comportamentos com significância para
outra pessoa (LA TAILLE; OLIVEIRA; DANTAS, 1992). Todos
os nossos gestos, atitudes e comportamentos corporais podem ser
interpretados a despeito de nossa intenção. A mãe, por exemplo,
interpreta uma reação da criança como um apelo dirigido a ela,
48 Psicomotricidade no contexto escolar

projetando-a no mundo da comunicação a partir de suas respostas


(NICOLA, 2004).
Assim, é preciso observar os gestos e a linguagem corporal das
crianças, pois quando uma criança realiza um movimento, ela reflete
seus desejos e emoções – e para que se estabeleça uma comunicação
deve haver um retorno à criança.
O movimento para as crianças significa muito mais do
que mexer partes do corpo ou deslocar-se no espaço. A
criança se expressa e se comunica por meio dos gestos e das
mímicas faciais e interage utilizando fortemente o corpo.
A dimensão corporal integra-se fortemente ao conjunto
da atividade da criança. O ato motor faz-se presente em
suas funções expressiva, instrumental ou de sustentação às
posturas e aos gestos. (MATTOS; NEIRA, 2007, p. 27)

Sendo assim, o corpo fala mesmo que não intencionalmente. Um


professor, por meio da observação, pode perceber os sentimentos
de seus alunos e ter, com essa leitura corporal, a oportunidade de
adequar atividades e rever processos a fim de melhorar a sua aula.
Mattos e Neira (2007) apontam que sinais de que os alunos estão
cansados de ficar muito tempo sentados ou que estão distraídos e
entediados podem ser traduzidos como respostas a uma aula muito
fácil ou além da compreensão.
Todas as emoções, todos os sentimentos e também todos os
desejos e reações, conscientes ou inconscientes, tudo o que
somos, se expressam nas atitudes e nos gestos, os quais não
devem necessariamente vir relacionados com a linguagem
verbal, pois esta pode mascarar ou transformar o vivido.
O interessante é que o verbal venha após o vivido, na sua
reflexão e não associado a ele. (BUENO, 2014)

Assim, Nicola (2004) nos informa que os comportamentos


comunicativos podem ser classificados da seguinte forma:
• Inatos: reações primitivas a estímulos externos, que
independem da cultura e são comuns para todos os humanos
(bocejar, espirrar, espreguiçar etc.). São condicionados a
Conceitos relacionais 49

modalidades familiares e socioculturais, assim como por


processos patológicos (no caso dos tiques).
• Adquiridos: adquirimos no decorrer da aprendizagem
social (higienizar-se, caminhar, alimentar-se etc.). Esses
comportamentos traçam para os outros um perfil de nossa
personalidade (postura à mesa, diferenças culturais etc.).
• Socioculturais: gestos socializados, não sendo apenas a
polidez e a etiqueta, mas a expressão do sujeito de interiorizar
e reproduzir esses gestos.
Santin (1992 apud BUENO, 2014) salienta que o homem, por
meio de seus movimentos, “expressa os mais puros sentimentos
como alegria, medo, amor, entre outros, descobrindo como o corpo
é sensível e como possui uma linguagem própria revelada nos gestos,
que possibilitam um elo de comunicação com o mundo”.
Na perspectiva da expressão e da comunicação, entendemos que
essas se refletem na linguagem do corpo e podem ser interpretadas
quando interagimos com outras pessoas, demonstrando sentimentos
e emoções. Na próxima seção, apresentaremos a afetividade e a sua
relação com a corporeidade.

3.2 A afetividade e sua relação com


a corporeidade
Vídeo Sendo o corpo o elemento central para a
psicomotricidade, a corporeidade vem a ser um
termo carregado das relações que esse corpo tem
consigo, com os outros e com o meio. Como afirma
Bueno (2014), “a corporeidade é entendida por
nós como sendo a vivência do corpo na relação
com o outro e o mundo, condição básica para qualidade de vida
do indivíduo. É um dos canais mais importantes para facilitar essa
relação”.
50 Psicomotricidade no contexto escolar

É por meio dos movimentos que se constrói a noção de


corporeidade, e não existe ação que não seja resposta às necessidades
e aos desejos que o meio ambiente impõe. Essa construção gradual
se dá por meio da estruturação da imagem corporal, a qual, aos
poucos, vai se constituindo nas crianças (BUENO, 2014).
Acrescentamos à corporeidade a importância da imagem corporal
– ela já foi apresentada no capítulo anterior e aqui será retomada
para compreender a relação entre afetividade e corporeidade.
A imagem corporal é “o centro do sentimento de maior ou
menor disponibilidade que temos do nosso corpo e no centro dessa
relação vivida universo-objeto, passa por uma sucessão de estados
de equilíbrio” (LE BOULCH, 2007, p. 15). Portanto, é correto
afirmar que
o objeto central da educação psicomotora é, precisamente,
ajudar a criança a chegar a uma imagem do corpo
operatório, que concerne não só ao conteúdo, mas também
à estrutura da relação entre as partes e a totalidade do corpo
e uma unidade organizada, instrumento da relação com a
realidade. (LE BOULCH, 2007, p. 17)

Assim, a corporeidade se firma na busca da criança por sua


identidade, na qual ela percebe a noção de sua totalidade. Essa
totalidade é oriunda das experiências sensório-motoras que a criança
possui. “A noção de corporeidade está intimamente ligada à noção
de identidade, porque, para que esta possa aparecer, o corpo deve ser
reunido em uma imagem global” (BUENO, 2014). Portanto, é por
meio das experiências motoras e dos movimentos espontâneos que
a criança descobre o seu próprio corpo.
Sobre o equilíbrio da quantidade e da qualidade das relações,
Bueno (2014) ressalta:
A estruturação da imagem corporal também está
relacionada ao objeto de amor ali investido, ou seja, a ação
da criança e a ação do outro são uma e só e mesma ação,
em que podemos afirmar que a imagem do corpo depende,
Conceitos relacionais 51

compreende e se completa na imagem do corpo do outro e


dos que nos rodeiam e envolvem.

Segundo Tisi (2007, p. 61), imagem corporal significa a percepção


subjetiva do corpo e seus sentimentos com relação a ele:
deriva-se das sensações proprioceptivas (provenientes dos
músculos e das articulações), interoceptivas (provenientes
das vísceras) e inclui também a impressão que uma pessoa
tem de si mesma como: feia ou bonita, gorda ou magra,
necessária ou indesejável etc. Tal impressão depende, em
parte, de seu tônus emocional, de sua experiência com
outras pessoas, de suas metas e de seu pertencimento a
grupos sociais ou exclusão deles.

Podemos, com base na citação anterior, começar a compreender


a relação existente entre corporeidade e afetividade, uma vez que a
imagem do corpo se constrói a partir das relações que ele estabelece
com o meio e com os outros ao seu redor. Uma boa imagem do seu
próprio corpo contribui para a socialização, pois na educação física
“a maneira mais eficaz de levar um indivíduo insocial a integrar-se
num grupo é desenvolver primeiramente suas aptidões pessoais e
consolidar sua imagem do corpo” (LE BOULCH, 2007, p. 37).
As relações entre as crianças e demais pessoas do meio, para
serem significativas, devem ser afetuosas, os seja, o afeto é fator
primordial para a construção da imagem corporal e da corporeidade,
que depende dessas relações e da história de cada corpo. A troca
existente entre duas ou mais pessoas precisa estar carregada de
prazer para ser afetiva.
A afetividade tem papel importantíssimo no
desenvolvimento da criança. Não existe afetividade se não
houver pareamento relacional com objetos de amor, ternura
e satisfação iniciados na primeira relação: mãe e filho.
(BUENO, 2014)

As relações afetuosas de amor entre mãe e filho, pautadas no


toque da pele, nos momentos do banho, na amamentação, na troca
de fraldas, no balanço do colo, no sentir os batimentos e respiração
da mãe, produzem sentimentos de prazer e segurança na criança,
52 Psicomotricidade no contexto escolar

sendo registradas nela as primeiras sensações após o nascimento


(BUENO, 2014).
Essa primeira relação de afeto, iniciada com a mãe, vai se
estendendo aos demais membros família ou do convívio familiar:
pai, irmãos, avós, tios, babás, entre outros. Essas relações auxiliam a
criança na construção de sua corporeidade, de sua imagem corporal
e de seu pertencimento nesse meio enquanto um corpo que age nele.
Nessa perspectiva, La Taille, Oliveira e Dantas (1992, p. 65) afirmam
que:
A afetividade é comumente interpretada como uma
“energia”, portanto como algo que impulsiona as ações.
Vale dizer que existe algum interesse, algum móvel que
motiva a ação. O desenvolvimento da inteligência permite,
sem dúvida, que a motivação possa ser despertada por um
número cada vez maior de objetos ou situações. Todavia, ao
longo desse desenvolvimento, o princípio básico permanece
o mesmo: a afetividade é a mola propulsora das ações, e a
Razão está a seu serviço.

Com o passar do tempo, as relações entre a criança e seu corpo


com o mundo e pessoas ao redor se intensificam com outras
pessoas, pois a criança passa a conviver em outros ambientes, como
a vizinhança, as creches, as escolas de educação infantil etc.
Dá à afetividade um valor funcional. Para ele, a afetividade
“é o resultado de sensações agradáveis e desagradáveis de
sentimento de amor e ódio, que determinam a conduta
postural e dão ao corpo sua expressão”. A criança imitará ou
rechaçará cada conduta nova pelo desejo de identificação
com a pessoa que ama. O corpo é, então, o lugar das
impressões e das expressões da afetividade. O prazer e o
ódio não são mais que o resultado de sensações que afetam
a conduta e modificam a atitude do corpo. (WALLON,
1995, p. 37 apud BUENO, 2014)

Quando a criança passa a frequentar um ambiente formal de


aprendizado, como a educação infantil, ela se confronta com uma
situação nova, à qual ela deverá se adaptar rapidamente. Na maioria
dos casos, essa adaptação do aluno na escola não leva em conta
Conceitos relacionais 53

sua particularidade ou sua potencialidade real. A exigência de um


desempenho decorrente da comparação com outras crianças traz
novas significações afetivas de sucesso e fracasso. Isso também pode
ser evidenciado nas atitudes dos pais que se sentem traídos caso o
filho não consiga atingir um objetivo escolar (LE BOULCH, 2007).
Permitindo às crianças brincarem e se expressarem, isto é,
estabelecerem entre elas uma verdadeira relação por meio
da atividade corporal, realizamos ao mesmo tempo uma
educação psicomotora informal e forjamos as bases de uma
verdadeira socialização que constitui o prolongamento
das experiências socioafetivas da infância. (LE BOULCH,
2007, p. 44)

A corporeidade proporcionada na educação infantil, por meio


das atividades lúdicas e simbólicas, nas experiências das crianças,
traz prazer de conhecer, de conviver e de estar entre os outros
(NISTA-PICCOLO; MOREIRA, 2012). Ainda, durante as aulas,
atitudes de respeito, carinho, cuidado e cooperação entre os alunos,
bem como entre eles e o professor, são elementos afetivos que
interferem positivamente no aprendizado dos alunos.
Desse modo, ao oportunizar jogos e brincadeiras à criança,
está se possibilitando a interação com os demais – o que favorece
o fortalecimento de vínculos, necessários para que ela desenvolva a
sua sociabilidade e afetividade.
Utilizando uma metodologia que promova a superação de novos
desafios, conduz-se os alunos a resolvê-los de forma grupal ou
individual. “Tal superação proporcionará acomodações cognitivas,
motoras ou socioafetivas cada vez mais exigentes” (MATTOS;
NEIRA, 2008, p. 19).
Desse modo, as atividades precisam ter uma ordem progressiva
de dificuldade, o que as torna significativas e prazerosas aos alunos,
favorecendo a autorrealização e contribuindo para seus aspectos
afetivos.
54 Psicomotricidade no contexto escolar

O trabalho na educação infantil e anos iniciais, considerando


a cultura de movimento dos alunos, apresenta nas ações motoras
lúdicas significativas manifestações de alegria e contentamento.
“As brincadeiras congregam as necessidades, os interesses e as
motivações, cabendo ao professor melhor conduzi-las para que
possa reverter em atividades que proporcionem atitudes positivas,
bem-estar e crescimento” (MATTOS; NEIRA, 2008, p. 18).
Conforme exposto sobre a relação entre a corporeidade e a
afetividade, cabe aos profissionais que atuam na educação infantil
promover espaços para diversas vivências dos alunos, os quais, com
seus pares, constroem suas corporeidades a partir dos movimentos
que realizam.

3.3 Os limites e a agressividade no campo


psicomotor
Vídeo A agressividade é um fator que influencia na
convivência social e interfere na aprendizagem das
crianças, por esse motivo, é um assunto bastante
debatido no meio educacional. “Dificuldades de
compreendê-la sempre levam a questionamentos
sobre em quem se instala a responsabilidade
em administrá-la e controlá-la” (BUENO, 2014). Para o autor, na
escola, a indisciplina é fenômeno sempre instigador, pois na prática
pedagógica representa dispersão e falta de limites, sendo vista como
ponto de grande conflito na harmonia escolar.
Entretanto, atrás da agressividade sempre há um pedido. Ela
nem sempre é destruição, pois é também comunicação. Quando a
criança tem dificuldades de se comunicar e de investir nas relações
com o outro, uma das estratégias que utiliza é a provocação e
agressividade. Para Lapierre e Aucouturrier (1986, p. 61 apud
BUENO, 2014), agressividade é o “resultado de um conflito entre o
Conceitos relacionais 55

desejo de afirmação pela ação e os obstáculos e interdições que essa


afirmação encontra”.
Uma vez que a origem da agressividade está no desenvolvimento
do sujeito, é preciso transpô-la para o plano simbólico, em que ela
poderá ser aceita e desculpabilizada por meio de materiais lúdicos,
atividades que não ofereçam perigo, como lutas de desequilíbrio, de
tração, de pressão, de defesa de seu espaço (BUENO, 2014). Desse
modo, permitir a expressão da agressividade por meio de atividades
pode levar à socialização do aluno. A partir de então, deve-se passar
para a agressividade simbólica até o limite de suas possibilidades,
sem desrespeitar as regras disciplinares sociais impostas a ela. O
aluno, “reafirmando-se em seu desejo de poder, encontra o prazer e
abre o canal para a afetividade” (BUENO, 2014).
A agressividade também se relaciona à falta de limites e
consciência de regras. Conceber os limites da criança para a
participação das atividades recai sobre o desenvolvimento de seu
juízo de moral. Para Piaget (1977 apud LA TAILLE; OLIVEIRA;
DANTAS, 1992), a evolução da consciência e prática de regras é
dividida em três partes.
A primeira parte é a anomia, na qual crianças de até 5 ou 6
anos não conseguem seguir regras coletivas. Interessam-se por
brincadeiras ou brinquedos nos quais exploram suas fantasias
individuais, ao invés de participarem de uma brincadeira com os
outros.
A segunda etapa, que se chama heteronomia, aparece aos 9 ou
10 anos em média e é dividida em duas partes: a primeira trata de
o aluno interpretar e executar à risca a regra, sem modificá-la; e a
segunda parte é quando o aluno introduz variantes nas regras, o que
o possibilita ter melhor desempenho no jogo, além disso, esse aluno
joga ao lado do adversário mais do que contra ele.
56 Psicomotricidade no contexto escolar

A terceira etapa é a da autonomia, que corresponde à concepção


adulta do jogo. Nessa etapa, o aluno joga seguindo as regras com
esmero, o que resulta também de acordos mútuos entre os jogadores.
A lógica não é coextensiva à inteligência, mas consiste num
conjunto de regras de controle empregadas pela inteligência
para dirigir-se a si mesmo. A moral desempenha papel
análogo em relação a vida afetiva”. Enquanto a coação
impõe regras que a criança segue porque acredita que sejam
boas, porque as interpreta como sagradas, ou sente pelas
autoridades que as ditaram medo/ou amor, a cooperação
permite que a “autoridade soberana” seja criticada em nome
da Razão, permite que o sujeito acabe por considerar como
substantivamente necessárias (portanto, como obrigatórias)
algumas regras e não outras. Vale dizer que os sentimentos
do sagrado, de medo e de amor, não precisam ser evocados
para explicar a moral autônoma. (PIAGET, 1977 apud LA
TAILLE; OLIVEIRA; DANTAS, 1992, p. 67)

Para o desenvolvimento harmonioso da criança, há a necessidade


de limites, não reprimir, mas, sim, controlar. O que não é reprimido
se conhece e pode ser controlado para chegar a um corpo em
harmonia consigo mesmo e com os demais (BUENO, 2014).
O limite está relacionado à liberdade, ou seja, toda a liberdade
tem um limite e isso acontece quando a criança assume a
responsabilidade sobre as suas ações. Desse modo, tem autonomia
para agir, mas com responsabilidade. Além disso, “quando não há
limite, a educação se torna ineficaz e prejudicial e as crianças se
tornam insatisfeitas, inadaptadas e com angústias sérias, podendo
quando adultas sentir-se abandonadas e inseguras” (BUENO, 2014).
Na interação da criança com o mundo, por meio do jogo com
os objetos, ela vai descobrindo que seu corpo é capaz de agir. “Esse
espaço de jogo não necessita ser muito grande, mas adequado ao seu
tamanho, para que seu senso de organização não se perca” (BUENO,
2014).
Conceitos relacionais 57

Lapierre e Aucouturrier (1986, p. 71 apud BUENO, 2014), com


relação à repressão das características agitadas das crianças, afirmam
que
querer reprimir essa agitação em nome de uma “educação”
pretensamente racional, no silêncio, na imobilidade, e no
empobrecimento das experiências motoras espontâneas
ligadas aos objetos, ao espaço e aos outros, é uma heresia.
É privar a criança de seu meio de desenvolvimento mais
autêntico. É […] desvalorizar toda a atividade criadora e
toda a busca pessoal espontânea. Colocar, ao contrário,
sua atenção no jogo espontâneo da criança, valorizá-lo,
dele participando, ajudando a sua evolução, é caminhar
no sentido de uma educação aberta para a vida, para a
criatividade, para a autonomia, para o desenvolvimento de
todo o potencial da pessoa.

Considerando o exposto, deve haver um bom senso entre o que


se permite e o que se restringe, sendo que a criança precisa entender
os limites por meio do contato físico com a mãe e também por meio
de atividades que estabeleçam esses limites. Quando a criança tem
subsídios para se expressar e descobrir, ela torna-se autônoma para
entender regras e socializar-se com os demais.

Considerações finais
Vimos, neste capítulo, que os conceitos relacionais da
psicomotricidade se referem à comunicação e expressão, à
afetividade, à corporeidade, aos limites e à agressividade.
A criança expressa seus sentimentos e anseios por meio da
linguagem corporal, que são interpretados independentemente
de sua vontade. Dificuldades de comunicação podem gerar
agressividade, no entanto, é necessário transpor essa agressividade
para a socialização: expressar-se por meio de atividades pode resultar
em uma mudança de comportamento, levando à afetividade.
É importante considerar que a criança passa por etapas com
relação ao entendimento das regras e que os limites são entendidos
58 Psicomotricidade no contexto escolar

a partir das relações e das atividades que incentivam a expressão e a


criatividade.

Ampliando seus conhecimentos


• AFETIVIDADE: a importância do afeto na primeira
infância. 2018. 1 vídeo (10 min). Publicado pelo canal
Criar e Crescer. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=IyqIam3gTMQ. Acesso em: 30 jul. 2019.
Nas palavras de Ana Carolina Duarte Lopes, psicóloga e
psicanalista, observa-se a importância da afetividade na
primeira infância. O vídeo aborda as ações que promovem
a autonomia das crianças e que podem ser fracionadas
quando as tarefas são muito complexas, a fim de oferecer
oportunidade de a criança escolher ações dentro das regras
estabelecidas pelos pais – algo importante para a afetividade.
• VIEIRA, J. L. Psicomotricidade relacional: a teoria de uma
prática. Perspectivas Online, v. 3, n. 11, p. 64-68, 2009.
Disponível em: http://www.seer.perspectivasonline.com.br/
index.php/revista_antiga/article/view/388/299. Acesso em:
30 jul. 2019.
O artigo aborda temas sobre a psicomotricidade relacional
e seu objeto de estudo, que é o ser humano nas dimensões
psicossociais e afetivas. Adentra nos aspectos necessários para
a formação do psicomotricista relacional, que necessita de
embasamento teórico, profissional e pessoal. Por fim, faz uma
reflexão sobre a aplicação da psicomotricidade relacional e
suas áreas de atuação. Enfatiza a sua aplicabilidade para o
desenvolvimento dos aspectos positivos do ser humano, em
suas capacidades afetiva, emocional e relacional.
Conceitos relacionais 59

Atividades
1. Para Bueno (2014), o que se entende por conceitos relacionais?

2. Qual é o primeiro contato de afeto que ocorre com a criança


e como ele acontece?

3. Para Piaget (1977 apud LA TAILLE; OLIVEIRA; DANTAS,


1992), a evolução da prática e da consciência da regra pode
ser dividida em três etapas. Quais são elas? Explique.

Referências
BUENO, J. M. Psicomotricidade teoria e prática: da escola à aquática. São
Paulo: Cortez, 2014. E-pub.

FONSECA, V. da. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem. Porto


Alegre: Artes Médicas, 2008.

GALLAHUE, D. L.; OZMUN, J. Compreendendo o desenvolvimento motor:


bebês, crianças, adolescentes e adultos. Trad. de Denise R. de Sales. 3. ed.
São Paulo: Phorte, 2005.

LA TAILLE, Y. de; OLIVEIRA, M. K. de; DANTAS, H. Piaget, Vigotsky,


Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.

LE BOULCH, J. Educação psicomotora: psicocinética na idade escolar. 2. ed.


Porto Alegre: Artes Médicas, 2007.

LOVISARO, M. Psicomotricidade e estresse. In: FERNANDES, J. M. G.


de A.; GUTIERRES FILHO, P. J. B. (org.). Psicomotricidade: abordagens
emergentes. São Paulo: Manole, 2012.

MATTOS, M. R. G.; NEIRA, M. G. Educação física infantil: construindo o


movimento. 7. ed. São Paulo: Phorte, 2007.

NICOLA, M. Psicomotricidade: manual básico. 2. ed. Rio de Janeiro:


Revinter, 2004.

NISTA-PICCOLO, V. L.; MOREIRA, W. W. Corpo em movimento na


educação infantil. São Paulo: Cortez, 2012.

TISI, L. Educação física e alfabetização. 2. ed. Rio de Janeiro: Sprint, 2007.


4
Desenvolvimento psicomotor

Após conhecermos os conceitos funcionais e relacionais,


seguimos para a compreensão de como ocorre o desenvolvimento
psicomotor de forma cronológica, ou seja, do nascimento até a
adolescência.
Para isso, recorremos aos autores que descrevem esse
desenvolvimento com base em estudos científicos que observaram
e pontuaram os aspectos físicos, psicológicos, motores, sociais e
afetivos característicos de cada fase de vida do indivíduo. Utilizamos
as obras de Bueno (2014), Gallahue e Ozmun (2005), Fonseca
(2008), Nicola (2004) e La Taille, Oliveira e Dantas (1992) para
construir este capítulo, que descreve, de forma objetiva e pontual, o
desenvolvimento psicomotor do nascimento à adolescência.
É importante considerarmos que as crianças não se
desenvolvem no mesmo ritmo, mas, sim, na mesma sequência –
que é geneticamente programada. Salientamos a importância de
estimularmos e darmos oportunidades à criança para que ela se
desenvolva satisfatoriamente, considerando a sua individualidade.
Preparado(a) para conhecer esse universo?

4.1 Desenvolvimento psicomotor do


nascimento até os 3 anos de idade
Vídeo O desenvolvimento cronológico psicomotor
que aqui apresentamos refere-se a alguns padrões
de desenvolvimento previsíveis que marcam cada
fase da vida (BUENO, 2014). Neste capítulo,
procuramos enfatizar o desenvolvimento desde
62 Psicomotricidade no contexto escolar

o nascimento, passando pela infância até a adolescência – etapas


com grande variação de desenvolvimento e nas quais se encontra a
maioria dos alunos que frequentam a educação básica.
Antes mesmo de nascer, o feto já se movimenta por reflexos,
que são movimentos involuntários. Com esses reflexos, após o
nascimento, o bebê obtém informações sobre o meio com relação
ao toque, à luz e aos sons. Esses movimentos, nos primeiros meses
de vida, sofisticam-se e auxiliam na descoberta do bebê sobre o seu
corpo e sobre o mundo externo. Essa atividade motora involuntária
é observada até aproximadamente o 4º mês de vida (GALLAHUE;
OZMUN, 2005).
Segundo Nicola (2004), entre os movimentos reflexos do recém-
-nascido estão os de flexão de braços e pernas e de rotação da cabeça
e olhos em direção à luz. Já com relação aos primeiros movimentos
voluntários do bebê, Gallahue e Ozmun (2005, p. 58) afirmam que:
As primeiras formas de movimento voluntário são os
movimentos rudimentares, observados no bebê desde o
nascimento até, aproximadamente os 2 anos. Os movimentos
rudimentares são determinados pela maturação por uma
sequência de aparecimento altamente previsível. Esta
sequência é resistente a alterações em condições normais. O
ritmo em que essas habilidades aparecem, porém, varia de
criança a criança e depende de fatores biológicos, ambientais
e da tarefa.

Esses movimentos rudimentares envolvem estabilização do


pescoço e controle da cabeça, manipulação de objetos e movimentos
locomotores de rastejar, engatinhar e caminhar (GALLAHUE;
OZMUN, 2005).
Bueno (2014) e Nicola (2004) trazem separadamente o
desenvolvimento de cada mês de vida da criança. Fonseca (2008) e
Gallahue e Ozmun (2005) também apresentam grandes contribuições
sobre o desenvolvimento da criança desde os primeiros indícios de
vida uterina. Segundo os autores, pode-se observar as seguintes
características no primeiro ano de vida:
Desenvolvimento psicomotor 63

• 1º mês: o bebê possui reação de atenção inata, olhando ou


parando de chorar quando alguém se aproxima. É por meio
do choro que ele se comunica com o ambiente (quando sente
fome, frio ou outro desconforto). Essa reação de atenção
inata está relacionada à memória do feto que é revivida com
o toque e afetividade da mãe (BUENO, 2014). Para Fonseca
(2008, p. 16), o bebê “pode comunicar as suas necessidades
aos adultos que o rodeiam por impulsos de desconforto, de
irritabilidade, de impotência, etc.”.
• 2º mês: o bebê segue os estímulos com os olhos, emite
sons, brinca com as mãos, os dedos se abrem, levanta a
cabeça quando está em decúbito ventral (BUENO, 2014; decúbito
ventral:
NICOLA, 2004). Nicola (2004) acrescenta que o bebê segue posição
a movimentação das pessoas, olha para a mãe enquanto é deitada com
abdômen para
alimentado e está atento à voz humana, podendo mudar de baixo.
atividade em resposta a essa voz.
• 3º mês: o bebê tende a rolar, faz movimentos dirigidos
com os braços e olhos, contempla as mãos e pisca com a
aproximação de objetos (NICOLA, 2004). Para Bueno (2014),
o bebê responde com sorrisos, agarra objetos com as mãos
ou sacode involuntariamente o chocalho. Gallahue e Ozmun
(2005) afirmam que nessa idade o bebê tenta virar de bruços,
apresenta um bom controle em decúbito ventral e senta
com apoio. Fonseca (2008) complementa as exposições dos
autores afirmando que o bebê demonstra agitação irregular
dos membros, momentos de atenção sustentada, de interação
e de imitação.
• 4º mês: o bebê ri alto, aproxima-se dos objetos apalpando-
-os, observa mais atentamente ao seu redor e consegue rolar
(BUENO, 2014). Nicola (2004) nos informa que o bebê
responde ao som com balbucios, realiza ações bilaterais e
começa a desenvolver a audição. Em complemento, Gallahue
64 Psicomotricidade no contexto escolar

e Ozmun (2005, p. 173) afirmam que “por volta do 4º mês


ele começa a fazer os ajustes manuais e visuais refinados
necessários para o contato com o objeto”.
• 5º mês: o bebê senta com membros apoiados no chão, leva
objetos à boca e consegue distinguir entre uma fala calma
e uma fala zangada (NICOLA, 2004). Agarra a mamadeira
voluntariamente e se vira; mantém também a posição de avião
em decúbito ventral (BUENO, 2014). Para Fonseca (2008,
p. 356), entre quatro e seis meses, “o bebê aprende que sua
mão, auxiliada pela visão, produz efeitos extraordinários,
entre os quais uma grande satisfação emocional, sobre a qual
em seguida se sobrepõem outras emoções mais evoluídas”.
• 6º mês: Nicola (2004) afirma que nesse mês o bebê já consegue
deslocar-se deitado, troca os objetos de mão usando todos os
dedos, desvia a atenção de um objeto para o outro, reconhece
a voz humana, em especial a da mãe, e localiza o som em
direções diferentes. Para Bueno (2014), a criança já se sustenta
em pé e agacha-se sobre as pernas, e sua integração sensorial
é cada vez mais organizada. Além disso, os primeiros indícios
de ludicidade começam a aparecer.
Neste momento do desenvolvimento, o bebê mostra prazer,
alegria, júbilo e quase que duplica o seu sorriso quando
é embalado, suspenso, levantado, balançado, oscilado,
dançado, ou virado no ar, etc., com ternura e com segurança
gravitacional, ilustrando que o seu sistema vestibular se
encontra em fase de maturação avançada. (FONSECA,
2008, p. 357)

• 7º mês: começa a preparação para engatinhar e em decúbito


decúbito dorsal:
posição deitada
dorsal faz força com a cabeça para se levantar, fixa o objeto
com abdômen com o polegar e o indicador, repara nas pessoas e reconhece
para cima.
o rosto daquelas com quem convive (NICOLA, 2004). Ainda,
Gallahue e Ozmun (2005) afirmam que nesse mês é comum
o bebê sentar-se sozinho e sem apoio, já tendo controle da
metade superior do corpo. Entre o 7º e 8º mês, Bueno (2014)
Desenvolvimento psicomotor 65

afirma que a criança consegue simbolizar a presença e a


ausência, a aceitação e a rejeição, que acompanham o choro ou
o riso, e sente falta da mãe. Consegue, também, reconhecer-se
no espelho e encanta-se com isso, repete atitudes e sons que
lhe interessam, imita gestos associados aos sons, gosta de se
ouvir, começa a engatinhar, consegue sentar-se sozinha na
posição dorsal.
• 8º mês: a criança já consegue se sustentar na posição de
engatinhar, desloca-se de bruços, aponta com o indicador,
fecha os olhos quando alguma coisa se aproxima deles,
responde ao seu nome e às negativas, imita sons e ri deles
– tudo desperta a sua atenção (NICOLA, 2004). Segundo
Fonseca (2008), a mão tem mais importância funcional do
que as outras partes do corpo e percebe o significado dos sons
antes de emiti-los pela boca.
• 9º e 10º mês: Nicola (2004) nos informa que a criança consegue
permanecer em pé com apoio e parte da posição sentada para
quatro apoios ou em pé com apoio. Além disso, inicia o saltar
voluntário, consegue fixar o olhar em detalhes do objeto,
imita sílabas repetidas, identifica o seu nome e localiza o som
com os dois ouvidos. “Por volta do nono ou décimo mês, o
bebê é capaz de ficar em pé, ao lado de móveis, e de se apoiar
nestes por considerável período de tempo”, e pode ser visto
tentando equilíbrio sem esse apoio (GALLAHUE; OZMUN,
2008, p. 166).
• 11º e 12º meses (1 ano): o bebê engatinha com facilidade,
permanece em pé sem apoio e caminha quando ajudado pelas
mãos. Prefere alcançar objetos com uma das mãos, rola bola,
observa o que acontece do lado de fora de uma janela, é atento
à televisão, obedece a ordens simples, escuta com atenção
e consegue identificar as palavras (NICOLA, 2004). Para
Fonseca (2008, p. 359), durante esse período, a criança está se
66 Psicomotricidade no contexto escolar

preparando para sua maior experiência, o caminhar. “Com a


conquista da postura bípede, que culmina por volta de 1 ano,
o bebê abre as portas a novas aventuras do seu psiquismo,
orientando-se para o simbolismo”. Essa conquista estimula o
cérebro com novas sensações com relação à sustentação do
peso pelos músculos e ossos no plano vertical. Além disso,
“a aprendizagem com instrumentos (colher, copo, lápis, etc.)
torna-a mais imitativa, interativa e socializada” (FONSECA,
2008, p. 360).
Até aqui, observamos o desenvolvimento da criança desde
o nascimento até um ano de idade. Os autores apontam atitudes
que podem ter variações quanto ao tempo, mas as ações do bebê
apresentadas ao longo desse um ano de vida se assemelham.
Portanto, os autores concordam entre si em seus apontamentos.
• 1º ao 2º ano: a criança aprende a andar, a falar e a executar
ações cada vez mais complexas. As habilidades de locomoção
se intensificam após o início do caminhar, em que a criança
abandona o engatinhar, anda e para, anda rápido, sobe
escadas se segurando, sobe em cadeiras e desce escadas com
ajuda. Além disso, a criança consegue virar páginas de livros
(várias ao mesmo tempo), lança uma bola, segura um lápis e
executa um traço vertical. Identifica algumas partes do corpo
e entende as expressões acompanhadas dos gestos (NICOLA,
2004). De acordo com Bueno (2014), entre o 15º e 18º mês,
a criança apresenta uma organização rítmica para a sua
linguagem de ação, modificando seu tônus e movimentos de
acordo com a entonação da voz ou a melodia. Ainda, segundo
o mesmo autor:
A criança assume sua independência e progride
rapidamente, mas seus passos ainda são incontroláveis,
não conseguindo parar ou mudar de direção bruscamente.
Adquire a maturação neurológica para o controle
esfincteriano (início da percepção a partir da sensação de
Desenvolvimento psicomotor 67

urinar e de evacuar, podendo desconcentrar-se do que está


fazendo, parecendo alheia ao ambiente neste momento
por alguns instantes). (BUENO, 2014)

De acordo com sua evolução, a criança segue uma sequência de


desenvolvimento, que pode ser chamada de estágios. A forma ou o
ritmo como ocorre o desenvolvimento é diferente, pois cada criança
traz consigo uma “bagagem” de vivências, as quais se iniciam já na
vida intrauterina. Essas vivências abrangem desde o envolvimento
afetivo entre mãe e filho e se estendem posteriormente para os
demais membros da família e convívio social.
A organização da evolução do ser humano em estágios permite
que as pessoas que trabalham com crianças tenham subsídios para
o planejamento de suas ações. Desse modo, devido à importância
dos estágios de desenvolvimento para ações que compreendem
a aprendizagem das crianças, muitos pensadores da área da
psicomotricidade formularam suas teorias.
Nesta seção, apresentamos os estágios de Wallon, confome
os escritos de Fonseca (2008), Bueno (2014) e Nicola (2004).
Wallon estabelece relação entre o orgânico e o social, indivíduo e
sociedade, corpo e cérebro, psíquico e motor, emocional e racional
(FONSECA, 2008). Desse modo, Wallon contribui para que não
existam dualismos nos aspectos que permeiam as dimensões do ser
humano, tais como corpo e mente biológicos e sociais. O movimento
é a primeira relação do ser humano com o meio externo, com os
objetos ao seu redor e com as pessoas, sendo a primeira forma como
ele expressa sua emoção e seu comportamento (BUENO, 2014).
Para a criança, Wallon destaca a importância da motricidade
quando afirma que “até a aquisição da linguagem, a motricidade é,
pois, a característica existencial e essencial da criança, é a resposta
preferencial e prioritária às suas necessidades básicas e aos seus
estados emocionais e relacionais” (FONSECA, 2008, p. 15). Contudo,
além da motricidade e seguindo o princípio de que as dimensões
68 Psicomotricidade no contexto escolar

humanas estão interligadas, Wallon defende que a “dimensão afetiva


ocupa um lugar central tanto do ponto de vista da construção
da pessoa quanto do conhecimento” (LA TAILLE; OLIVEIRA;
DANTAS, 1992, p. 85). Segundo esses autores, a construção se
inicia no período impulsivo-emocional que se estende ao longo do
primeiro ano de vida.
Fonseca (2008) afirma que, para Wallon, a evolução da criança
depende de fatores metabólicos, morfológicos, psicotônicos,
psicoemocionais, psicomotores e psicossociais. Nos aspectos
psicomotores mais específicos, realça os seguintes estágios: impulsivo,
tônico-emocional, sensório-motor, projetivo, personalístico, da
puberdade e da adolescência.
Assim, o recém-nascido encontra-se no estágio impulsivo.
Nessa fase, em seus movimentos, o bebê associa as sensações
de mal-estar e de sofrimento, as quais tornam-se, para o meio,
sinais de chamamento e de solicitação de ajuda, representando,
paulatinamente, meios de expressão desse bebê. Assim, segundo
Wallon (2000, p. 10 apud Bueno, 2014), “se estabelecem as primeiras
estruturas da vida mental”. Para Nicola (2004), esse estágio é
caracterizado pela dependência do meio, e Fonseca (2008, p. 22)
explicita que:
Neste estágio, a atividade do bebê está totalmente
monopolizada pelas suas necessidades vegetativas primárias,
isto é, necessidades de sobrevivência, de respiração, de
alimentação, de eliminação, de sono, de afeto, de segurança,
etc. Nesta fase, o bebê apresenta uma motricidade visceral
precisa e automática, como na sucção e na preensão do seio
da mãe, mas, em contraste, apresenta uma imperícia tônico-
-postural quase total.

No estágio impulsivo, o bebê, nos primeiros meses, se expressa


por meio de gestos descordenados, braçadas e pedaladas. O seu
bem-estar é consequência das excitações provenientes dos órgãos
internos, que fazem chegar ao seu cérebro as sensações de fome ou
de sede.
Desenvolvimento psicomotor 69

Uma vez satisfeitas por outra pessoa, são provocadas no bebê


reações gratificantes, que se transformam em sensações afetivas e
se diferenciam progressivamente. O corpo assume, nesse estágio, a
comunicação não verbal – que posteriormente se transformará em
uma linguagem não verbal, e sim corporal, a qual dará origem às
primeiras palavras (FONSECA, 2008).
Dos 6 aos 12 meses, a criança encontra-se no estágio tônico-
-emocional. Na fase anterior, estágio impulsivo, a criança
apresentava movimentos descoordenados, imperícia e inquietação
motriz. Posteriormente, no estágio tônico emocional, a consciência
começa a aparecer e, embora ainda confusa, antecede a chegada
do movimento significativo, isto é, que possui uma finalidade.
Desse modo, o movimento é a comunicação do bebê e é com
ele que consegue se relacionar e interagir com o mundo exterior
(FONSECA, 2008).
Bueno (2014) concorda com a afirmação anterior quando expõe
que nessa fase formam-se as primeiras trocas do bebê com o meio –
e são predominantemente afetivas. Nicola (2004) e Fonseca (2008)
acrescentam que esse estágio é marcado pela interação afetiva da
criança com os demais e, ainda, a emoção é o que vai gerar a ação. A
interação entre adultos e crianças, com gestos, carícias, atitudes etc.,
proporciona a aquisição de relações afetivas demonstradas por meio da
alegria e contentamento ou também tristeza e dor (FONSECA, 2008).
Desse modo, uma linguagem emocional inicia com características
não verbais e não simbólicas, mas de grande relevância social, uma vez
que uma nova faceta da sociabilidade se projeta. Além disso, surgem
os primeiros sinais de cognição, “os primeiros atos voluntários e os
primeiros traços de uma motricidade planificada começam a aflorar e
a despontar” (FONSECA, 2008, p. 26).
Wallon associa fortemente o tônus com a emoção. Em
concordância, nota-se que:
carícias e traumatismos, voz calma e doce, gritos ou berros,
alegrias e sofrimentos, etc. são experimentados no corpo da
70 Psicomotricidade no contexto escolar

criança e filtrados pelo tônus. Por esse fato, a tonicidade dá


suporte à vida afetiva e é um veículo por excelência da sua
dinâmica; a sua inter-relação complementar é profunda e
projeta as manifestações emocionais como suporte básico
das aquisições sensório-motoras e projetivas futuras.
[...] na criança, a emoção é um fator de organização, de
comunicação e de expressão. (FONSECA, 2008, p. 27)

Ainda segundo o autor, dos 12 aos 24 meses, a criança encontra-


se no estágio que Wallon afirma ser o sensório-motor. Nele,
multiplicam-se as relações da criança com o seu ambiente e, com
isso, aumenta a maturidade na organização de suas sensações, ações
e emoções. Se no estágio anterior a criança era dependente do outro,
no sensório-motor “passa a novos encadeamentos de causa e efeito,
provocando no outro novas disposições para satisfazer as suas
necessidades” (FONSECA, 2008, p. 27).
Assim, ocorre uma maior diversificação da atividade sensório-
-motriz (NICOLA, 2004). Experiências motoras e sensórias têm
maior correlação, e a criança passa, agora, a descobrir, a explorar e a
manusear – não somente de forma motora, mas também sob aspectos
psíquicos, pois a motricidade desencadeia a noção e representação
das coisas, constituindo-se como precursora da atividade simbólica
(FONSECA, 2008).
As possibilidades de exploração da criança são enriquecidas com
a marcha bípede e com a linguagem, podendo, assim, concretizar
seus desejos e necessidades; “ela acaba por se distanciar das ações
e situações imediatas, pode agora prolongá-las no espaço e no
tempo, pode recordá-las, rechamá-las, antecipá-las e imaginá-las”
(FONSECA, 2008, p. 29).
Além disso, para o autor supracitado, a criança revela a
compreensão de sua imagem corporal ao reconhecer sua imagem
refletida no espelho. Essa imagem pertence à sua representação
mental, que vai se integrando, ao mesmo tempo, às sensações,
percepções e imagens de si.
Desenvolvimento psicomotor 71

4.2 Desenvolvimento psicomotor de 2 a 6


anos e de 6 a 11 anos
Vídeo Nesta seção, apresentamos as características e
o desenvolvimento psicomotor de crianças de 2 a
6 anos de idade. Gallahue e Ozmun (2005, p. 201)
dividem a infância em dois períodos: primeira
infância (compreende de 2 a 6 anos de idade) e
segunda infância (de 6 a 10 anos de idade), sendo
o desenvolvimento “marcado por alterações estáveis e progressivas
das áreas cognitiva, afetiva e motora”. Juntamente com contribuições
desses e de demais autores, apontamos as características que
acompanham as crianças na primeira infância:
• 2º ao 3º ano: durante esse período, a criança explora o
ambiente se movendo com muitos padrões motores, afinal,
obtém uma consciência sensorial adicional sobre o seu
corpo. Isso influencia como o mundo físico e gravitacional
em que ela está inserida opera. Assim, “sua interação com o
mundo exterior é um alimento essencial da construção do
seu mundo interior, tão essencial como ser bem alimentado
e amado” (FONSECA, 2008, p. 361). Em concordância, para
Nicola (2004), a criança mais corre do que caminha, já que
não tem noção de velocidade; anda na ponta dos pés; tenta
se equilibrar em um pé só; salta com os pés unidos; consegue
se mover para trás; consegue mover página por página de um
livro; distingue cores; visualiza anúncios; compreende duas
ordens ao mesmo tempo; entende nomes, objetos e pronomes.
Wallon caracteriza a faixa etária de 2 a 3 anos de estágio projetivo.
Nesse estágio, a descoberta dos objetos por meio da manipulação
facilita a organização das primeiras representações. A ação agora
passa a ser mais uma fonte de estímulos para a atividade mental
(FONSECA, 2008).
72 Psicomotricidade no contexto escolar

Wallon afirma que, na fase projetiva, existe uma grande


importância quanto às representações e à imitação, considerando-
as elementos essenciais para novas aprendizagens. Ao representar
modelos sociais, a criança constrói imagens mentais, recriando e
modificando esses modelos Essas imitações são permeadas por
sensações afetivas e situações sociais (FONSECA, 2008).
É comum observarmos crianças imitando as funções sociais
que existem ao seu redor, em casa com a família ou com seus pares.
Essas representações promovem aprendizados de convivência e
responsabilidade, proporcionando o seu desenvolvimento social
e afetivo.
• 3º ao 6º ano: segundo Nicola (2004), entre 3 e 4 anos, a
criança anda para trás, equilibra-se em um pé só, distingue
sons e ruídos diferentes, movimenta-se para todos os lados,
salta nos dois pés, segura o lápis com um bom controle e com
a mão preferida, separa objetos por cor e tamanho e responde
a perguntas que precisam de compreensão.
Neste período de desenvolvimento, a criança torna-se
madura em termos sensório-motores e perceptivo-motores.
É autossuficiente nas necessidades de higiene, de alimentação
e de vestuário, compreende e fala perfeitamente, além de
se relacionar com outras crianças da mesma idade e com
muitos outros adultos. As suas funções cognitivas têm as
competências de pedestal para, com facilidade, aprender
funções de input de elaboração e de output para esboçar
certas formas de pensamento e de resolução de problemas.
(FONSECA, 2008, p. 363)

Com relação ao desenvolvimento físico e motor, nesta fase da


primeira infância, as crianças apresentam um bom controle da
bexiga e intestinos (mesmo com a probabilidade de acidentes); são
ativas, preferindo correr do que andar; as estruturas corporais de
meninos e meninas são semelhantes; existe confusão na consciência
corporal, direcional, temporal e espacial; e os olhos ainda não estão
Desenvolvimento psicomotor 73

aptos a momentos extensos de trabalhos minuciosos (GALLAHUE;


OZMUN, 2005).
O desenvolvimento cognitivo da criança nessa fase possui
as seguintes características: habilidade crescente de expressão
de pensamento e ideias de forma verbal; imaginação fértil sem
preocupação com precisão e lógica das ações; entendimento do como
e do porquê das ações por meio da brincadeira; período de transição
do comportamento autossatisfatório para o comportamento social
(GALLAHUE; OZMUN, 2005).
Ainda de acordo com os autores supracitados, o desenvolvimento
afetivo é marcado pelo egocentrismo. Isso ocasiona brigas com
relação à posse de objetos e traz dificuldade em experimentar
novas ações quando não estão na segurança do que lhes é familiar.
Nessa fase, as crianças começam a distinguir o certo do errado,
desenvolvendo, assim, suas consciências. “Experiências voltadas ao
sucesso e encorajamento positivos são especialmente importantes
nesses anos” (GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 207-208).
Oportunizar atividades diferenciadas é preponderante no estágio
que Wallon chama de personalístico (dos 3 aos 4 anos). Esse estágio
está voltado para a própria pessoa. Ao tomar consciência de si, a
criança se diferencia do outro e constitui a sua personalidade. “Um
eu corporal tende a um eu psíquico, um sujeito social autônomo
e individualizado, pronto a afirmar-se e a enfrentar problemas e
também conflitos” (FONSECA, 2008, p. 32).
Nessa fase, a criança desenvolve a marcha e a linguagem
(NICOLA, 2004). A motricidade está a serviço da representação
mental. Ela é atravessada por relações sociais, conquistas e conflitos,
contradições e crises de afirmação, as quais aparecem, reaparecem e
se modificam por várias nuances emocionais.
Nesse contexto, o meio no qual a criança está inserida pode
se modificar em função de seus desejos, vontades, motivações
intrínsecas e interesses. Essas características que podemos observar
74 Psicomotricidade no contexto escolar

no estágio personalístico surgem novamente – e, talvez, de forma


mais exuberante – na puberdade (FONSECA, 2008).
Para o autor, embora a criança reconheça o direito dos outros,
partilhar objetos torna-se por vezes difícil, utilizando-se de
estratégias manhosas e simulando algumas coisas para conseguir
outras. “A mentira, o uso da força, o próprio ciúme entram em cena,
as fantasias e as cumplicidades misturam-se para dar lugar a uma
outra faceta da sua personalidade em construção” (FONSECA, 2008,
p. 33). Contradições das crianças entre si e com os demais resultam
em conflito e frustração, pois raramente a admiração e aprovação
mútuas ocorrem na mesma intensidade (BUENO, 2014).
Após a oposição surge a sedução. A criança tem a necessidade de
ser admirada e de sentir que agrada aos outros, produz gracinhas e
zombarias divertidas. A sua exuberância motora ilustra a maturação
neurológica. Assim, “a idade do ‘não’, do ‘não faço’, do ‘não quero’,
do ‘não tenho vontade’ começa a dar lugar à sedução, visando ao
apoio e reforço dos outros, procurando fazer valer os seus méritos
com a finalidade de obter satisfações e gratificações narcísicas”
(FONSECA, 2008, p. 31).
Gallahue e Ozmun (2005, p. 209) chamam de segunda infância
a etapa da vida que compreende crianças de 6 a 10 anos de idade. É
marcada pelas seguintes características no crescimento do corpo:
“lento e estável, representando um período de alongamento e de
preenchimento antes da puberdade”.
Cabe lembrar que, na segunda infância, as crianças começam
o ciclo inicial do ensino fundamental, demostrando-se ansiosas
e alegres com essa nova etapa da vida, aptas a adquirem mais
responsabilidades.
Segundo Gallahue e Ozmun (2005), com relação ao
desenvolvimento físico motor, ocorre uma preferência pelo domínio
Desenvolvimento psicomotor 75

do lado direito do corpo e, fisiologicamente, as meninas estão um


ano à frente mais desenvolvidas que os meninos.
Aos 8 anos, a criança dispõe de um sistema tátil-cinestésico
muito evoluído. Ela já pode localizar e identificar no corpo
o ponto ou as partes exatas onde é tocada na sua pele e nos
seus dedos. O sentido da gravidade e o seu controle postural
atingem uma plataforma de controle equilibratório muito
diferenciado, o que lhe permite subir e explorar árvores com
perícia e segurança. Balança-se autonomamente e equilibra-
-se unipedalmente sem quedas, podendo andar em muros
e em superfícies estreitas e elevadas do solo. (FONSECA,
2008, p. 365)

Nesse período, as crianças estão cheias de energia, mas se cansam


facilmente. É a transição das habilidades motoras fundamentais para
as habilidades motoras em situações de jogos e habilidade atléticas
(GALLAHUE; OZMUN, 2005).
As crianças têm as seguintes características com relação ao
desenvolvimento cognitivo: ansiedade para aprender, precisam de
orientação para decisões, são criativas e imaginativas; lidam melhor
com exemplos concretos do que abstratos; são intelectualmente
curiosas e interessadas nas tecnologias (GALLAHUE; OZMUN,
2005).
Afetivamente, as crianças na segunda infância possuem
dificuldade em brincar em grupos muito grandes no início: são
agressivas, hipersensíveis, reagem bem à autoridade e à punição
justa, são aventureiras, aceitam de modo precário a derrota ou a
vitória, e seu autoconceito é bem definido (GALLAHUE; OZMUN,
2005).
Wallon caracteriza essa fase da vida como estágio categorial, que
produz progressos regulares e vai dos 6 aos 11 anos de idade. No tripé
evolutivo motor-afetivo-cognitivo, o conhecimento se torna mais
completo, a “criança torna-se mais atenta e mais autodisciplinada,
mais inibida em termos motores e mais concentrada em termos
atencionais e sensoriais” (FONSECA, 2008, p. 35). A motricidade
76 Psicomotricidade no contexto escolar

torna-se mais regulada e controlada, com maior precisão e de forma


localizada.
A aprendizagem dos vários papéis que tem de desempenhar
na família, na escola ou nos grupos lúdicos, confere-lhe
um lugar determinado na rede de relações sociais, com
solicitações diversificadas; a sua individuação vai crescendo,
permitindo que o seu eu se organize, ora em situações de
cooperação, ora de conflito.

Segundo Bueno (2014), nesse estágio se operam as importantes


alterações no comportamento intelectual. A criança adquire
também a aptidão de se manter mais atenta a uma mesma atividade.
Para Fonseca (2008), possui um equilíbrio postural, afetivo e
cognitivo, e responde mais adequadamente a novas inquietações
e questionamentos. Com isso, vai se preparando para a crise que
marca o início do estágio da puberdade e da adolescência.

4.3 Desenvolvimento psicomotor


na adolescência
Vídeo Wallon descreve o estágio da puberdade e da
adolescência como o que vem depois da infância,
isto é, a passagem da infância para a adolescência.
Contudo, a intensidade desse efeito pode variar
de acordo com a cultura em que o jovem está
inserido. Bueno (2014) divide a adolescência em
três estágios: pré-puberal, puberal e pós-puberal.
O primeiro estágio é chamado de pré-puberal, quando
surgem as primeiras modificações corporais, que nem
sempre são tão evidentes: os hormônios passam a imprimir
diferentes odores ao corpo. O segundo estágio, o puberal,
é o período em que fisicamente ocorrem a modificação da
voz masculina e o aumento do pênis e dos testículos nos
meninos e alargamento dos quadris e aumento dos seios nas
meninas, como consequência da ação da hipófise. Começa
o amadurecimento dos óvulos nas meninas e a produção
de espermatozoides nos meninos. Ambos crescem em
Desenvolvimento psicomotor 77

altura, sua estrutura muscular se avoluma, o tom da voz


se altera, e começam a aparecer pelos nas axilas e ao redor
dos órgãos sexuais. Aparece a acne, e posteriormente a
menarca nas meninas e semenarca nos meninos [...] Serão
essas mudanças no organismo que colocarão em ação a
capacidade reprodutiva. No terceiro estágio, o pós-puberal,
eclodem os caracteres sexuais secundários e se fortalecem e
avolumam nos rapazes a barba e o bigode. (BUENO, 2014)

Forma-se uma nova fisionomia no corpo, e a imagem psíquica


resultante dessa transformação constitui um dos mais fascinantes
processos de desenvolvimento no ser humano. Tais modificações,
visíveis em termos de crescimento ósseo e de estatura, também
ocorrem nas vísceras, no coração, no pulmão e em outros órgãos
(FONSECA, 2008).
A convivência com os pares e o início das relações afetivas de
namoro podem gerar inquietações e questionamentos, sentimentos
de posse, sacrifício, renúncia e aventura, que tendem a uma
vulnerabilidade no conhecimento de si mesmo e dos outros. Desse
modo, o adolescente
necessita reajustar o seu esquema corporal, revelado em
seu olhar, nos gestos desajeitados, voltando-se para o seu
eu corporal. Esse reajuste se revela na ambivalência de suas
atitudes e sentimentos, em que se contradizem a timidez e
o exibicionismo, a sedução e o desprezo. (BUENO, 2014)

O desejo pela independência, pela conquista das coisas e pela


superação do cotidiano gera novos vínculos de inter-relação afetiva
com os outros, que substituem os vínculos afetivos da família. Os
grupos criados na adolescência são laboratórios fundamentais para
a construção original da personalidade e da identidade dos jovens,
“desde que a sua orientação e organização sejam devidamente
mediatizadas pelos valores positivos da sociedade, nos quais a
família, a escola e a comunidade no seu todo têm um papel muito
importante a desempenhar” (FONSECA, 2008, p. 38).
78 Psicomotricidade no contexto escolar

De acordo com Gallahue e Ozmun (2005), o comportamento


do adolescente é exploratório e o ajuda a se encontrar na sociedade.
Contudo, esse comportamento pode ter riscos, pois essa fase é
caracterizada por momentos de agitação e situações de conflitos
internos e externos. É uma época de dúvidas, de julgamentos
das ações dos outros e de si mesmo – e não se pode esperar que
o adolescente siga com fervor todas as regras de autoridade
pertencentes ao meio em que está inserido. Dessa forma, “modelos
positivos de papéis a desempenhar e uma orientação que desenvolva
a coragem são essenciais para um processo psicossocial saudável
e produtivo de desenvolvimento desses anos tumultuados”
(GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 414).
Ainda segundo os autores supracitados, dos 11 aos 13 anos,
mudanças interessantes acontecem nas habilidades do indivíduo.
Portanto, “a sofisticação cognitiva crescente e certa base ampliada de
experiências tornam o indivíduo capaz de tomar numerosas decisões
de aprendizado e de participação baseadas em muitos fatores da
tarefa, individuais e ambientais” (GALLAHUE; OZMUN, 2005,
p. 62). Assim, o adolescente toma decisões de participar ou não
de atividades de acordo com o seu autoexame, isto é, aquilo que ele
sabe sobre si, suas fraquezas ou potencialidades para determinadas
tarefas.
Portanto, ao verificarmos as características do desenvolvimento
psicomotor de forma cronológica, concluímos que elas demostram a
sequência na qual a criança se desenvolve até a adolescência, em uma
perspectiva bastante atualizada. O motor, o cognitivo e o afetivo se
inter-relacionam, convergindo para os estágios de desenvolvimento
psicomotor de maneira organizada e estruturada.

Considerações finais
Ao término deste capítulo, no qual abordamos o desenvolvimento
psicomotor e as características de cada fase, é importante
Desenvolvimento psicomotor 79

salientarmos a interação dos elementos psicomotores funcionais e


relacionais. Cada criança é única e terá o seu desenvolvimento em
sequência de acordo com o componente genético, mas influenciado
pela maneira como ela vive e o meio em que vive.
Interferem no desenvolvimento a oportunidade de interagir com
o ambiente ou, de outro modo, as restrições de movimentos. Também
influenciarão no ritmo de desenvolvimento psicomotor as interações
sociais e afetivas, desde a fase intrauterina, resultando na capacidade de
agir e interagir do ponto de vista motor, afetivo e cognitivo.

Ampliando seus conhecimentos


• ROSA NETO, F. Desenvolvimento neuropsicomotor do lactente
ao ensino fundamental. Palhoça: Unisul, 2011.
A obra aborda a motricidade humana, dividindo-se em
cinco capítulos que discorrerão sobre o desenvolvimento
humano e os períodos evolutivos, sistema nervoso central
– estruturas e funções –, a motricidade humana e sugestões
de atividades. Ela é muito interessante, pois aponta padrões
de desenvolvimento da criança na educação infantil e ensino
fundamental com exemplos de avaliação e intervenção
motora.
• CARVALHO, E. M. R. de. Tendências da educação
psicomotora sob o enfoque walloniano. Psicologia ciência e
profissão, Brasília, DF, v. 23 n. 3, p. 84-89, 2003. Disponível
em: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v23n3/v23n3a12.pdf.
Acesso em: 31 jul. 2019.
Indicamos o artigo por ser uma reflexão que visa orientar
a educação psicomotora sob o enfoque psicogenético de
Henri Wallon. Entre as contribuições, destacamos suas
ideais de alternância funcional e de complexidade do
desenvolvimento humano.
80 Psicomotricidade no contexto escolar

Atividades
1. Quais são as primeiras formas de movimento voluntário
observadas no bebê, desde o nascimento até aproximadamente
os 2 anos de idade?

2. A motricidade está a serviço da representação mental e


é permeada por relações sociais, conquistas e conflitos,
contradições e crises de afirmação, que aparecem, reaparecem
e se modificam por várias nuances emocionais. Ainda, o
meio começa a poder modificar-se em função dos desejos,
motivações intrínsecas e interesses (FONSECA, 2008).
Qual é o estágio de desenvolvimento psicomotor a que essa
passagem se refere? Essas características surgem novamente
– e talvez de forma mais exuberante – em qual estágio?

3. Como Bueno (2014) classifica os três estágios da adolescência?


Explique as principais mudanças físicas que ocorrem nesses
estágios.

Referências
BUENO, J. M. Psicomotricidade teoria e prática: da escola à aquática. São
Paulo: Cortez, 2014. E-pub.

FONSECA, V. da. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem. Porto


Alegre: Artes Médicas, 2008.

GALLAHUE, D. L.; OZMUN, J. Compreendendo o desenvolvimento motor:


bebês, crianças, adolescentes e adultos. Trad. de Denise R. de Sales. 3. ed.
São Paulo: Phorte, 2005.

LA TAILLE, Y. de; OLIVEIRA, M. K. de; DANTAS, H. Piaget, Vigotsky,


Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.

NICOLA, M. Psicomotricidade: manual básico. 2. ed. Rio de Janeiro:


Revinter, 2004.
5
Orientações para práticas
psicomotoras na escola

Ao compreendermos, no capítulo anterior, como ocorre o


desenvolvimento psicomotor de forma cronológica, ou seja, desde
o nascimento até a adolescência, neste capítulo, vamos conhecer
práticas psicomotoras para a educação infantil e os anos iniciais.
Além disso, abordaremos as principais consequências da falta de
estímulos psicomotores.
Para isso, o presente capítulo divide-se em três seções: práticas
psicomotoras para a educação infantil, práticas psicomotoras para
os anos iniciais do ensino fundamental e, por último, as principais
consequências da falta de estímulos psicomotores.
Inicialmente, ao apresentar as orientações para as práticas
psicomotoras, procuramos descrever de forma objetiva as atividades
psicomotoras que desenvolvem os alunos nos aspectos funcionais e
relacionais psicomotores – já vistos no Capítulo 3 desta obra.
Preparado(a) para aprender a prática psicomotora por meio de
atividades que contribuem ao desenvolvimento dos alunos? Ainda,
quer saber as consequências da falta de estímulos psicomotores?
Vamos conferir aquilo que nos mostra a importância da
psicomotricidade para a aprendizagem dos alunos.
82 Psicomotricidade no contexto escolar

5.1 Práticas psicomotoras para a educação


infantil
Vídeo A educação infantil é uma das etapas da
educação brasileira e compreende alunos de zero
a seis anos de idade. É a primeira etapa formal do
ensino, ou seja, o lugar onde ocorre o primeiro
contato da criança com o ensino de forma
organizada, seguindo princípios que buscam
atender aos objetivos propostos para a educação infantil.
Nessa etapa, o aluno está em constante contato com desafios
motores, por meio dos quais ele descobre o seu corpo e suas atitudes
no ambiente em que se encontra. Cabe ressaltar a importância de se
proporcionar atividades desafiadoras, porém que respeitem o nível
de desenvolvimento dos alunos e que sejam materializadas por meio
do lúdico, da fantasia.
Com crianças muito pequenas, atividades manipulativas e de
deslocamento do corpo no espaço podem ser desenvolvidas pelos
professores. Essas atividades podem ter diferentes objetivos, como
a coordenação motora ampla e fina, o esquema corporal e tônus, ou
o desenvolvimento das percepções visuais e auditivas, entre outros
conceitos funcionais psicomotores.
Considerando as características das crianças apresentadas de
forma cronológica no capítulo anterior, a seguir, apresentamos
uma série de atividades psicomotoras que podem ser trabalhadas
na educação infantil e que foram divididas de acordo com algumas
características semelhantes, entre as idades.
• Entre 0 a 6 meses: o bebê está realizando movimentos
reflexos, ou seja, obtém informações com o toque, a luz e os
sons; e movimentos rudimentares, como de estabilização do
pescoço, controle da cabeça e manipulação de objetos. Podem
ser realizadas atividades de manipulação de brinquedos com
Orientações para práticas psicomotoras na escola 83

formas diversas e deslocamentos no ambiente, pois aos 6


meses a criança já consegue deslocar-se deitada. A partir do
4º mês, a manipulação dos objetos começa a ficar refinada e, a
partir do 6º mês, começam os indícios de ludicidade.
Brincadeiras como esconde-esconde com as mãos no rosto
e atividades que os bebês visualizam o professor fazendo,
como colocar objetos em alvos, batê-los no chão ou nas
mãos produzindo som, são alternativas para o trabalho nessa
faixa etária. Atender às necessidades básicas das crianças é
responsabilidade do adulto que está em sua companhia e
isso também auxilia no desenvolvimento psicomotor, pois
estabelecem-se ligações afetivas com a proteção e o cuidado.
Para Fonseca (2008), a partir do 6º mês, o bebê demostra
alegria quando é movimentado em balanceios e suspensão
– e essas atividades auxiliam no desenvolvimento do sistema
vestibular.
• 6 a 12 meses: com o início da preparação para gatinhar,
culminando com o início da locomoção em pé no final
dessa fase de vida, o deslocamento das crianças é acentuado
em função do aumento de possibilidades motoras que elas
já têm. A manipulação dos objetos começa a tornar-se
mais aprimorada e cresce o interesse em mexer nas coisas e
explorar o ambiente, sendo comum encontramos a criança
em espaços inusitados da casa nessa fase. Assim, o professor
pode promover diferentes tipos de atividades exploratórias
que serão bem aceitas e desenvolvidas pelos alunos.
Podemos citar como exemplos: manusear diferentes
objetos (como bolas e brinquedos), colocando-os em
lugares específicos, e atividades musicais que promovam
o conhecimento das partes do corpo, proporcionando o
desenvolvimento das percepções auditiva e visual. Nessa fase
da vida, a criança apresenta dificuldades em desenvolver
84 Psicomotricidade no contexto escolar

atividades com seus pares. Então, o professor pode desenvolver


atividades psicomotoras por meio de estímulos individuais,
nas quais ela imitará o professor, interagindo com ele e com
o meio.
• 1 a 2 anos: além da evolução no deslocamento da criança
pelo ambiente, ela começa a desenvolver a fala por meio da
pronúncia de sílabas, como “mama”, “papa”, “tata” etc. Nessa
fase, as crianças começam a construir simbolicamente as suas
ações, ou seja, começam a entender os seus atos. Sendo assim,
atividades em pares começam a ter sentido para elas.
Nista-Piccolo e Moreira (2012) trazem como exemplo de
atividade a familiarização da imagem do próprio corpo e do colega,
que pode ser realizada com um espelho ou de frente para outra
criança: o professor conduz a atividade, sugerindo movimentações
das partes do corpo. Outra atividade sugerida é a “como chego lá?”,
na qual as crianças se deslocam em diferentes formas (rolando, em
quadrupedia:
quadrupedia, rastejando, em pé, imitando animais, entre outras).
posição em
quatro apoios:
A fim de orientar a apreciação dos alunos pelas atividades a serem
mãos e pés.
conduzidas pelo professor, Bueno (2014) aponta as preferências das
crianças com um ano, já que elas podem se interessar por
Brincadeira de abrir e fechar, bater e fazer barulho, empilhar
e derrubar, barulho com papel, areia, água, balde, balões de
gás ou bexigas, bolas, jogos de empurrar e puxar. Adoram
brinquedos que emitam barulhos, como brinquedos
sonoros de sopro ou tambores de tampa de panela e colher
de pau.

Na fase que Gallahue e Ozmun (2005) chamam de primeira


infância, entre 2 e 6 anos, o repertório motor das crianças permite ao
professor explorar ao máximo sua criatividade, ao propor atividades
psicomotoras que vão auxiliar no desenvolvimento dos alunos.
Portanto, as atividades motoras podem ser as mais diversificadas,
desde que possuam nível de dificuldade coerente com o estágio de
desenvolvimento motor dos alunos – visto no capítulo anterior.
Orientações para práticas psicomotoras na escola 85

Bueno (2014) aponta os interesses das crianças entre 2 e 3 anos:


A criança aprecia música e canto, tico-tico, caminhões
grandes, carrinhos, locomotivas, balanças e redes, tintas,
colas, lápis de cera grossos, quadro negro, papéis grandes
para desenhar, fantoches, panos, almofadas, pneus, caixas,
bijuterias, dominós, quebra-cabeças simples, casa com
mobiliário, panelinhas, bonecas com roupas, água terra e
areia.

É importante para os alunos da educação infantil a realização


de atividades que estimulem o desenvolvimento das percepções,
como: sentir as diferentes texturas das coisas (água, areia, pedra
etc.); sentir o cheiro e o sabor dos alimentos; saber diferenciar os
sons do ambiente e os sons que podemos produzir com o corpo e
com objetos. Cabe ressaltar a importância da presença da ludicidade
nessas atividades, da fantasia, de contextualizar as tarefas de forma
prazerosa pra os alunos.
Nista-Piccolo e Moreira (2012) trazem em sua obra um repertório
de atividades que podem ser desenvolvidas na educação infantil:
• Solicitar que as crianças se transformem em diferentes objetos
e animais explorando a expressão corporal.
• Identificar as emoções por meio do corpo, questionando os
alunos: o que você faz quando está feliz? E quando está com
raiva? etc.
• Por meio de mímicas, realizar movimentos corporais que
expressam profissões, meios de transporte, animais.
• Atividade chamada “sombra”, que consiste em realizar o
movimento do amigo em sincronia com ele.
• Explorar os sons que o corpo pode fazer, como palmas, bater
mãos e pés no chão, estalar os dedos, bater as mãos em partes
do corpo etc.
• Deslocamentos pelo ambiente com diferentes propostas
(passeio na floresta encantada, em busca do tesouro perdido
no mar), e, a partir disso, dispor pelo ambiente obstáculos
86 Psicomotricidade no contexto escolar

para a movimentação dos alunos, como passar por baixo de


uma cadeira.
• Utilizando um boneco de brinquedo, conhecer as partes do
corpo dele e questionar os alunos sobre os movimentos que
podem ser realizados com essas partes, bem como imitar
esses movimentos.
• Explorar materiais diferentes por meio do tato. Pode-se variar
essa atividade utilizando uma venda nos alunos.
• Posicionar um arco no chão ou desenhar um círculo com
giz – ou até mesmo uma folha de jornal no chão – para cada
aluno. Solicitar para que eles se movimentem de acordo com
a posição do círculo ou jornal (atrás, na frente, do lado, em
cima, embaixo).
• Vivenciar o equilíbrio estático e dinâmico com diferentes
bases, como ficar de pé em cima de latas, passar por cima de
uma corda colocada no chão, brincar de estátua.
• Circuito com obstáculos: organizar circuitos com diferentes
movimentos, como: pisar dentro de pneus, fazer rolamento,
desviar de cones, saltar por cima de barreiras, passar por
baixo de cadeiras etc.
• Pedra, papel e tesoura: em duplas realizar os movimentos
com as mãos (pedra sendo a mão fechada; papel sendo a
mão aberta; tesoura sendo mostrar dois dedos). Papel ganha
da pedra, pedra ganha da tesoura e tesoura ganha do papel.
Esse jogo também é conhecido como “Jokenpô”. Pode-se
acrescentar elementos ao jogo, como: quem perde precisa
tentar capturar o outro, que foge até um determinado lugar,
ou quem ganha sobe um degrau da escada.
• Realizar a manipulação de bolas diferentes (entre elas o
balão): manipular de forma livre, rolar no chão, quicar, lançar,
acertar um alvo, passar para um colega e usar partes do corpo,
Orientações para práticas psicomotoras na escola 87

como conduzir com os pés, dominar com as duas mãos


separadamente, posicionar nas partes do corpo etc.
• Queimada livre: dispor duas bolas (macias ou de meia) para
os alunos, que precisam acertar os colegas com a bola por
meio de diferentes tipos de arremesso. Os colegas precisam
se proteger e tentar tomar posse da bola para acertarem os
outros também.
Segundo Bueno (2014), crianças de 4 a 6 anos de idade possuem
interesse por “jogos de encaixe, sequência lógica, quebra-cabeça,
jogos de praia, modelagem, construções, números e letrinhas,
fantasias, jogos geométricos, loto, bandinha, livrinhos, lápis de
cera, pincéis, recortar e colar”. A partir desses interesses, o professor
pode criar atividades que desenvolvam os conceitos psicomotores,
mencionados no Capítulo 2.
Assim como Nista-Piccolo e Moreira (2012), outros autores
trazem exemplos de atividades a serem realizadas na educação
infantil. Entre eles, temos Mattos e Neira (2007; 2008), que
apresentam atividades de educação física relacionando o movimento,
a leitura e a escrita, descritas a seguir:
• Batata-quente: colocar os alunos em círculo e sentados e
solicitar que passem uma bola de mão em mão. Ao sinal do
apito, quem estiver com a bola deve realizar uma tarefa, como
imitar um animal.
• Chapéu de palha: formar um círculo com todos os alunos e
um deles no centro com um chapéu na cabeça.
Todos cantam: Fui na Bahia buscar meu chapéu, azul e
branco da cor do céu. Não é meu não é de ninguém. Mas é
da morena que eu quero bem. A criança do centro tirará o
chapéu e colocará na cabeça de um dos colegas. Respeitando
a regra de o menino colocar o chapéu em menina e vice-
versa. (MATTOS; NEIRA, 2007, s/p)
88 Psicomotricidade no contexto escolar

• Coelho sai da toca: em trios, dois alunos encostam as mãos


um no outro, acima de suas cabeças, e o terceiro fica no centro,
designado como o coelho. Ao sinal “coelho sai da toca”, o
aluno do centro procura outra toca para ocupar. Invertem-se
as posições para que todos possam vivenciar o personagem
do coelho.
• Atividade com colchão: vivenciar diferentes formas de
rolamento, como para frente, para trás e lateralmente, sempre
com a orientação do professor.
• Atividade musicada de pega-pega: o professor canta a
seguinte música:
Um pintinho em cima do telhado
Foi dar um passo caiu no chão
Bateu o bico, quebrou a asa, foi pro hospital fazer operação
Oh seu pintinho tome cuidado, que lá em cima tem um
gavião
Oh seu pintinho tome cuidado, que lá em cima tem um
gavião
Olha o gavião! (MATTOS; NEIRA, 2007)

Quando a música terminar, o professor persegue os alunos


até todos serem pegos. Inicia-se novamente a atividade, podendo
colocar um aluno como pegador.
• Mamãe mandou: os alunos ficam dispostos livremente pela
quadra. Quando o professor fala “mamãe mandou”, eles
perguntam “o quê?” e o professor responde com diversas
tarefas, como: pular como sapo, rastejar, rolar, correr, pular
em um pé só etc.
• Morto e vivo: alunos ficam dispostos na frente do professor.
Quando ele falar “vivo”, os alunos ficam em pé; ao falar
“morto”, abaixam-se.
• Desenho do corpo: em duplas, as crianças deitam no chão e
desenham o contorno do corpo do colega com um giz. Após
todos terem seus contornos desenhados no chão, o professor
Orientações para práticas psicomotoras na escola 89

orienta o preenchimento do desenho com os detalhes que


faltam no desenho (olhos, boca, dedos, nariz etc.).
• Caça ao tesouro: o professor esconde um objeto em
determinado espaço e os alunos devem procurar. Para
adquirir noção de perto ou longe, o professor pode dizer
“quente” quando estiverem se aproximando do objeto e “frio”
quando estiverem longe do objeto. Quem encontrar o objeto
pode escondê-lo na sequência.
Com base nos interesses dos alunos e nas atividades propostas
para a educação infantil, o professor pode iniciar um trabalho
psicomotor desenvolvendo a aprendizagem dos alunos nessa etapa
do ensino.
Até aqui foram elencados exemplos que permitem ao professor
construir uma base que, com sua criatividade e aprofundamento em
estudos, pode ser alargada a fim de tornar a aula atrativa e significativa
para as crianças. Na sequência, apresentamos as possibilidades para
as práticas nos anos iniciais do ensino fundamental.

5.2 Práticas psicomotoras para os anos


iniciais do ensino fundamental
Vídeo Os anos iniciais do ensino fundamental
apresentam crianças que se encontram na segunda
infância (6 a 10 anos de idade). As crianças nessa
etapa passam por “alterações estáveis e progressivas
das áreas cognitiva, afetiva e motora” (GALLAHUE;
OZMUN, 2005, p. 201).
Segundo Bueno (2014), as crianças a partir dos sete anos
possuem interesses em jogos em grupos, problemas e desafios de
lógica, atividades esportivas, quebra-cabeças com muitas peças e
videogames. Contudo, o autor acrescenta que os jogos virtuais e
as tecnologias apresentam papel de destaque nas preferências das
90 Psicomotricidade no contexto escolar

crianças, uma vez que vivemos em um momento histórico em que


as tecnologias evoluem a cada instante.
Apesar do interesse por algumas tecnologias que “engessam”
o movimentar da criança, Bueno (2014) traz como exemplo de
atividade a utilização de sucatas que originam brinquedos cheios
de significado para os alunos. Esse tipo de material propicia o
desenvolvimento da criatividade das crianças, que podem construir
seus próprios jogos e “com esse material a criança vivencia inúmeras
experiências, faz infinitos movimentos, incorpora a desenvoltura
para criar objetos e desenvolve a noção de percepção espacial”
(BUENO, 2014).
Nessa etapa do ensino, o professor pode explorar diversas
atividades, desde que tenham sentido e significado para o aluno,
ou seja, precisam estar contextualizadas no lúdico, na fantasia,
na superação de desafios e na interação com os colegas, para que
possam ser desenvolvidas de forma prazerosa, contribuindo para o
aprendizado. Mattos e Neira (2007; 2008) destacam como atividades
que podem ser desenvolvidas nessa etapa do ensino:
• O navio: as crianças ficam dispostas em círculo e cada uma
marcará com um giz um círculo no chão para se posicionar
dentro dele. O professor no centro do círculo começa a contar
uma história em que os alunos estão navegando no mar e,
dentro dos círculos, os alunos realizam movimentos para
a direita e para a esquerda, de acordo com o comando do
professor. Quando ele fala “tempestade”, os alunos devem
trocar de lugar (pode-se variar a atividade colocando os
alunos que ficarem sem círculo para contar e criar a história).
• Luta das serpentes: organiza-se as crianças em duas colunas,
com elas segurando nos ombros do colega da frente. A
brincadeira consiste em o aluno da frente da coluna (a cabeça)
tentar encostar no último aluno da outra coluna (o rabo da
Orientações para práticas psicomotoras na escola 91

serpente). Trocam-se as posições para que todos vivenciem as


funções de cabeça e de rabo.
• Cachorro, galinha e pintinhos: os alunos se posicionam
em uma extremidade do ambiente, sendo os pintinhos, e no
centro um aluno é denominado cachorro. O professor, na
outra extremidade, é a galinha e quando ele perguntar para os
pintinhos se “querem comer milho”, os alunos devem correr
até o professor. Se forem capturados pelo cachorro, passam
a ajudá-lo.
Tisi (2007) destaca a importância das atividades psicomotoras
para o aprendizado de crianças nos anos iniciais do ensino
fundamental. A autora traz os seguintes exemplos de atividades que
podem ser realizadas nessa etapa do ensino:
Atividades com bolas: com esse material é possível explorar
diferentes formas de movimento, de interação e de jogo com os
alunos:
• experimentar diferentes bolas de diferentes tamanhos e
texturas, deixar as crianças livres para manusear o material;
• jogar a bola para cima e pular de acordo com os quiques que
a bola dá no chão;
• rolar a bola para frente com as mãos, com os pés;
• lançar ou rolar a bola para um colega;
• passar a bola com os alunos em círculo;
• lançar e segurar a bola sem deixá-la cair no chão;
• em duas colunas, quicar e conduzir a bola com as mãos até
um determinado local, voltar e entregar a bola para o próximo
(fazer com as duas mãos, uma das mãos, deslocando de costas
ou lançando a bola para o alto);
• chutar em gol;
• acertar uma cesta;
92 Psicomotricidade no contexto escolar

• caranguejobol: os alunos, dispostos em duas equipes, se


posicionam em quadrupedia e em decúbito dorsal, com
apenas as mãos e pés apoiados no chão, e jogam o jogo de
futebol nessa condição;
• jogos de queimada e caçador: podem ter diferentes formas
de serem realizados, com regras que podem ser construídas
pelos alunos e mediadas pelo professor.
Atividades com cordas: com esse material, pode-se desenvolver
diversas atividades, como:
• dois alunos seguram a corda e os colegas podem saltar por
cima ou passar por baixo dela;
• com a corda em movimento junto ao chão, saltar por cima
(“cobrinha”);
• com a corda no chão, os alunos caminham por toda a sua
extensão, desenvolvendo o equilíbrio;
• desenvolver atividades cantadas por meio de saltos com o
professor torneando a corda (essa atividade tem diferentes
músicas para a sua realização, que variam de acordo com a
cultura corporal de movimento das crianças, por exemplo:
“quantos filhos você pretende ter? 1, 2, 3, 4, 5 etc.”), desafiando
o aluno a saltar o máximo de vezes que ele consegue.
• cabo de guerra: com duas equipes segurando as extremidades
da corda, vence a equipe que conseguir puxar a outra até um
determinado lugar;
• experimentar o material de forma individual, saltando no
lugar, com um ou dois pés juntos, saltando com deslocamento,
girando a corda no ar, no chão, enrolando pelo corpo etc.
Atividades com arcos: o arco é um material que pode oportunizar
a realização de diferentes atividades, como:
• oportunizar a manipulação do material de forma livre e
individual;
Orientações para práticas psicomotoras na escola 93

• girar o arco nos braços, cabeça, cintura e pés;


• lançar para o alto e segurar;
• rolar no chão até determinado lugar;
• colocar os arcos alinhados no chão e os alunos em colunas
saltam dentro deles com os dois pés juntos, com o pé direito,
com o pé esquerdo e correm com um pé em cada arco (pode-
-se dispor os arcos de forma irregular no chão);
• em duplas, lançar o arco um para o outro rolando no chão ou
lançando para o alto;
• em duplas, um lança o arco tentando acertar o outro ao redor
do seu corpo;
Atividades com jornais: o jornal é um material alternativo
que pode contribuir para a realização de diferentes atividades que
auxiliam no desenvolvimento psicomotor dos alunos:
• deixar os alunos usarem o material de forma livre, podendo
amassar a folha ou não;
• individualmente equilibrar a folha de jornal em diferentes
partes do corpo (fazer isso sem e com deslocamento);
• amassar a folha de jornal e, com a bolinha, pode-se realizar
as seguintes atividades: lançar para o alto e segurar com as
duas mãos, com uma das mãos, lançar e bater palmas antes
de segurar novamente a bolinha, conduzi-la com os pés até
um alvo, acertar um cesto, acertar os colegas, enfim, existem
muitas maneiras de usar o jornal em forma de bolinha;
• fazer dobraduras, como barquinhos e chapéus, e, em seguida,
utilizá-las como brinquedo para outras atividades;
• colocar no chão e orientar os alunos para se posicionarem de
diferentes formas com relação ao jornal (atrás, na frente, em
cima, do lado direito, lado esquerdo, perto, longe e embaixo);
• em equipes, uma delas espalha as bolinhas de jornal pela
quadra inteira e a outra equipe precisa recolhê-las em menor
94 Psicomotricidade no contexto escolar

tempo possível. Invertem-se os papéis e vence a equipe que


fizer em menos tempo.
Senhor caçador: em círculo, com um aluno no centro de olhos
vendados, os demais pronunciam “miau” e o aluno deve seguir o
estímulo sonoro e encostar em um colega. Por meio do som, precisa
identificar quem é o colega (TISI, 2007).
Jogo dos 10 passes: formam-se duas equipes e o objetivo do
jogo é passar a bola 10 vezes entre os jogadores da mesma equipe.
A equipe que não possui a posse da bola tenta recuperá-la para
fazer o mesmo. Acrescentam-se regras para esse jogo, como: não
retirar a bola das mãos do adversário, não permanecer mais de cinco
segundos com a bola nas mãos, entre outras (LE BOULCH, 2007).
Carrinho de mão: em duplas, um dos alunos segura as pernas
do outro, e, apoiado com as mãos, deslocam-se até um determinado
lugar. Ao chegar a esse lugar, invertem-se as posições para retornar
ao ponto de partida. Ao sinal do professor, trocam-se os pares
(MATTOS; NEIRA, 2007).
Passeio dos bambolês (arcos): alunos ficam dispostos em
círculo e de mãos dadas, possuindo um bambolê entre os braços de
dois alunos. Sem soltar as mãos, o bambolê deve percorrer todo o
círculo. Varia-se essa atividade colocando mais bambolês no círculo
(TISI, 2007).
Busca do tênis (ou qualquer outro calçado): os alunos retiram os
seus próprios calçados e o professor os espalha em um determinado
local. Ao sinal, eles precisam procurar os seus calçados, colocá-los
nos pés e voltar ao local de origem (TISI, 2007).
Corrida do nó: formam-se duas equipes dispostas em colunas,
com o aluno de uma das extremidades de posse de um lenço. Ele
deve amarrar o lenço com um nó simples no colega ao lado, e este,
por sua vez, o desamarra e amarra no próximo. Vence a equipe que
terminar primeiro a tarefa.
Orientações para práticas psicomotoras na escola 95

Amarelinha: é uma brincadeira muito popular, na qual os


alunos saltam em espaços determinados. É realizada de formas
diferenciadas, de acordo com o contexto em que estão inseridos os
alunos. Deve-se propor que, em grupos, desenhem com um giz uma
amarelinha no chão e criem as regras para a realização desse jogo.
Esquerda e direita: são atividades que desenvolvem a
lateralidade, podendo ser: abotoar e desabotoar, colagem na qual a
mão dominante utiliza o tudo, recortar, encher vasilhas com água,
brinquedos de encaixar, entre outros (TISI, 2007).
Variações de corrida: ao comando do professor, os alunos
correm de diferentes formas, como: para um lado e para o outro, de
costas, com muita velocidade e com paradas bruscas, com as mãos
no chão em quadrupedia, correndo e sentando imediatamente,
entre outras (TISI, 2007).
Acorda, Seu urso: uma criança fica no meio do espaço, sendo
denominada “urso”, e deitada no chão fingindo estar dormindo.
As outras crianças se aproximam e gritam “acorda, Seu urso”.
Nesse momento, o urso persegue os demais, que correm até um
determinado espaço. Quem for capturado se transforma em urso e a
brincadeira termina quando todos forem capturados.
Procuramos, de maneira objetiva, apresentar algumas
possibilidades de práticas psicomotoras para serem desenvolvidas
na educação infantil e nos anos iniciais. Essas práticas podem ser
adaptadas de acordo com o nível do aluno ou da turma, considerando
suas particularidades e necessidades de aprendizagem.
Para promover o desenvolvimento dos conceitos psicomotores
apresentados no Capítulo 2, existem inúmeras formas, as quais
precisam estar contextualizadas de acordo com as características dos
alunos e interesses, pontuando a importância do jogo, da fantasia, da
brincadeira e da ludicidade para essas etapas do ensino.
96 Psicomotricidade no contexto escolar

5.3 Principais consequências da falta de


estímulos psicomotores
Vídeo
Ao estudarmos a psicomotricidade, entendemos
que todas as dimensões do humano estão
interligadas, ou seja, não se pode separar o físico
do psicológico, do afetivo e do social. Para Nista-
Piccolo e Moreira (2012), a motricidade produz
e porta significado, pois possui intencionalidade.
Além disso, todas as relações ocorrem por meio do movimento – e as
emoções também são expressas por meio dele. Ainda, a ludicidade,
o jogo, a corporeidade e a motricidade são a base para a autonomia,
a cooperação e a participação. Desse modo, são imprescindíveis para
a ação educativa.
Atualmente, entende-se que o interesse do aluno é um dos
requisitos para a aprendizagem. Quando analisamos as características
das crianças, considerando as fases do desenvolvimento psicomotor,
percebemos que elas precisam do componente lúdico nas atividades,
para que as atividades tenham significado. Segundo Bueno (2014),
o lúdico permite ampliar a convivência social, desenvolvendo a
afetividade e estimulando as representações mentais.
Assim, “a criança real ri, corre, conversa, faz barulho, perturba,
é bondosa e maldosa, amorosa e perversa, enfim, é criança, e como
tal exercita sua motricidade o tempo todo na descoberta do mundo”
(NISTA-PICCOLO; MOREIRA, 2012, p. 64). Considerando
o exposto, salienta-se que deve ser oferecida uma gama de
possibilidades para que a criança se expresse, comunique-se e se
desenvolva por meio de práticas corporais.
As práticas corporais possuem diferentes formas de abordagem,
sendo uma delas o jogo. Para Bueno (2014), “o jogo ajuda a criança
a construir suas novas descobertas, desenvolve e enriquece sua
personalidade e simboliza um instrumento pedagógico que leva
Orientações para práticas psicomotoras na escola 97

o professor à condição de condutor, estimulador e avaliador da


aprendizagem”.
Desse modo, aborda-se o jogo como uma importante ferramenta
para promover o desenvolvimento da criança. Segundo Nista-
-Piccolo e Moreira (2012, p. 81), “o jogo é uma das atividades
educativas com maior característica humana”, ou seja, nos educa
para sermos mais humanos. O jogo incentiva a criatividade e a
imaginação, possibilitando à criança vivenciar situações reais e
imaginárias. Além disso, viabiliza experiências nas quais a criança
precisa entender que as situações e decisões não são exclusivas dela
mesma e que os demais também participam, ou seja, alguns aspectos
independem de sua vontade.
“O jogo do faz de conta tem se destacado como ferramenta eficaz
na promoção da autorregulação emocional, sobretudo nas crianças
impulsivas” (ELIAS; BERK, 2002 apud FERNANDES; GUTIERRES
FILHO, 2012, p. 50). Ainda, quanto maior o número de experiências
a criança tiver, mais preparada ela estará para a convivência social.
Assim, como foi mencionado anteriormente, as atividades
devem ser ofertadas de acordo com as características das crianças.
Não se pode querer que fiquem caladas e imóveis, nem que façam
movimentos sincronizados e repetitivos. Somente por meio da
exploração do ambiente, da movimentação e da resolução de
problemas, a criança vai construir o seu repertório motor, cognitivo
e sócio-afetivo para a vida toda.
Para Mattos e Neira (2008), em uma brincadeira de esconde-
-esconde, por exemplo, a criança terá muitas possibilidades
de adquirir saberes variados, como noção de tempo e espaço
e de autoconhecimento. Adiciona-se a essas colocações que a
criança desenvolve a concentração, a capacidade de tomar
decisões e de interagir com outras crianças. Para os autores, essas
aprendizagens, que foram reconhecidas e reconstruídas pela
experiência, farão parte do repertório da criança.
98 Psicomotricidade no contexto escolar

“Enquanto brincam, as crianças podem ser livres para


criar, decidir, orientar e interagir espontaneamente com os
outros, aprendendo e desenvolvendo inúmeras competências e
conhecimentos” (FERNANDES; GUTIERRES FILHO, 2012,
p. 49). Os autores dizem, ainda, que o brincar possibilita “aprender
a trabalhar em grupo, respeitar as regras, esperar pela sua vez,
partilhar, apreciar as perspectivas dos outros, negociar, resolver
conflitos, controlar os seus impulsos destrutivos, defender-se etc.”
(FERNANDES; GUTIERRES FILHO, 2012, p. 51).
Com base no que foi apresentado até então, é preciso possibilitar à
criança atividades diversificadas e que envolvam o movimento, para
que ela se desenvolva satisfatoriamente. De outro modo, a privação
ou a restrição do movimento poderão incidir em dificuldades de
ordem motora, psicológica, afetiva e social.
Os argumentos para justificar a educação psicomotora
na escola primária colocam em evidência seu papel
na prevenção das dificuldades escolares. A educação
psicomotora na idade escolar deve ser, antes de tudo, uma
experiência ativa de confrontação com o meio. Ajuda
educativa, proveniente dos pais e do meio escolar, tem a
finalidade não de ensinar à criança comportamentos
motores, mas sim de permitir-lhe mediante o jogo, exercer
sua função de ajustamento individualmente ou com outras
crianças. (TISI, 2007, p. 24)

Jogos de luta e de perseguição auxiliam na aquisição da


capacidade de controle das emoções e dos comportamentos
agressivos, de sensibilidade e afetividade (FLANDERS et al., 2009
apud FERNANDES; GUTIERRES FILHO, 2012). Considerando
o exposto, diferentes experiências motoras possibilitam à criança
o desenvolvimento psicomotor. De outro modo, a restrição de
movimentos implica em diversas dificuldades.
O desenvolvimento da criança depende, fundamentalmente,
da experiência social, isto é, da ação e da mediação que os
adultos lhe proporcionam. É a recriação pelo adulto, de um
ambiente próprio, que concretiza o conjunto de condições
Orientações para práticas psicomotoras na escola 99

(estímulos, situações, tarefas, etc.) que estão na base do


desenvolvimento motor, afetivo e cognitivo da criança.
(FONSECA, 2008, p. 514)

A lateralidade, por exemplo, desenvolve-se naturalmente a partir


da oportunidade da prática. Gallahue e Ozmun (2005) explicitam
que a direcionalidade, projeção externa da lateralidade, orienta a
dimensão dos objetos no espaço. Além disso, configura como
elemento básico para aprender a ler e escrever. Assim, quando a
criança não tem estabelecido esse conceito funcional, vai encontrar
dificuldades para distinguir, entre várias letras do alfabeto, o b, d, p e
q (que são parecidas), mudando somente a haste e o círculo. Podem
inclusive inverter palavras inteiras, pela dificuldade de projetar a
direção do espaço externo.
A falta de estímulo psicomotor com relação à motricidade
fina acarreta na dificuldade da criança no aprendizado da escrita,
pois precisa manusear o implemento lápis, controlando as forças
musculares necessárias para a sua utilização. Segundo Le Boulch
(2007, p. 60), as dificuldades que envolvem o aprendizado da escrita
exigem “trabalho especial da coordenação fina da mão e dos dedos”.
Os conceitos funcionais estruturais, globais e perceptivos foram
abordados no Capítulo 3 desta obra. Todos são desenvolvidos por
meio do movimento humano e influenciam, em diferentes aspectos,
a vida da pessoa enquanto criança, sendo que as consequências
se refletem depois de adulto. Para Fonseca (1998), o movimento
proporciona a interação com o ambiente, e essa assimilação se
processa por meio do movimento socializado. Assim, o movimento
é essencial ao ser humano. Da exteriorização das emoções à
consciência de si, o movimento promove a conquista progressiva da
autonomia.
O comportamento inibido do homem é profundamente
influenciado pela espontaneidade motora que viveu na
infância. O nível de tolerância e de aceitação social face
aos movimentos e às descobertas espaço-temporais tem
100 Psicomotricidade no contexto escolar

uma grande importância na formação da auto imagem e


na autoconfiança, que desempenham relevância crucial no
desenvolvimento da personalidade da criança. (ERIKSON
apud FONSECA, 1998, p. 207)

Outro conceito que podemos citar aqui é o ritmo. Tudo o que


fazemos envolve uma organização que, se bem elaborada, resultará
em benefícios para a aprendizagem. O ritmo tem determinação
congênita e hereditária, assim, a maior parte dos indivíduos são
rápidos ou lentos para toda a vida. Por meio de atividades motoras,
podemos contribuir para que a criança lenta seja menos desajeitada
e mais eficiente em seus movimentos. Porém não podemos tornar
mais rápidas as crianças mais lentas, nem retardar as mais velozes.
“A liberdade de movimentos ajuda a diminuir a timidez, incentiva
a imaginação e criatividade, assim como ativa toda a motricidade,
levando ao desenvolvimento da mente e preparando o corpo para o
ritmo e para a fala” (BUENO, 2014).
De acordo com Gallahue e Ozmun (2005), o ritmo é o “aspecto
básico para o desenvolvimento de um mundo temporal estável”,
sendo imprescindível para o desempenho de qualquer ação. Esse
elemento está presente nas mais diferentes atividades escolares e no
dia a dia da criança. Por meio dele, a criança equilibrará os processos
de assimilação e acomodação, os quais possibilitarão a sua adaptação
para apreciar os valores e ideais humanos (BUENO, 2014).
De acordo com o autor, o ritmo é um elemento fundamental
nas ações, e a sua falta incide em desajuste dos movimentos, o que
leva a criança a afastar-se das demais, ocasionando isolamento e
desinteresse nas atividades escolares e demais atividades das
crianças. Além disso, “o indivíduo que consegue desenvolver um
ritmo próprio aumenta seu poder de concentração e facilita sua
capacidade de aprendizagem” (BUENO, 2014).
Assim como o ritmo, o tônus, que consiste na contração natural
do corpo, é um elemento que deve ser observado, pois a sua falta
Orientações para práticas psicomotoras na escola 101

incide em vários problemas para a criança. O tônus tem a função de


manter uma tensão muscular adequada e garantir a postura. Para
Fonseca (1998), ele atua em todos os músculos do corpo e as suas
variações estão relacionadas com as emoções. A criança hipotônica
é mais tranquila e mais bem aceita, já aquela que possui uma tensão
muscular maior apresenta uma multiplicidade de reações que
indicam certa carência afetiva.
Para Fonseca (1998), o tônus, portanto, está relacionado às
emoções e varia em função das atitudes e da postura. Acrescenta-
-se ainda que as adaptações do tônus influenciam amplamente a
manutenção do equilíbrio.
O tônus muscular é um indicador importante da satisfação
do aluno quanto à ação pedagógica, isto é, quando esta ocorre
em ambiente de estresse, repressão e agressão verbal, a criança se
expressa com atitude assustada e contraída, com maior consumo de
energia para as tarefas, dificuldade de atenção e concentração, entre
outros.
De outro modo, em ambiente agradável e com boa comunicação,
a criança apresenta atitude alegre e descontraída, com ajustamento
entre comportamento e ação, além de boa impressão da imagem
corporal (FONSECA, 2008). Ainda, perturbações do tônus podem
resultar, entre outros problemas, em:
perturbações no equilíbrio postural; perturbações na
locomoção; perturbações nos movimentos coordenados;
problemas de hiperflexibilidade, problemas de
superestimulação; problemas de hiperatividade (agitação,
desassossego, inquietação, instabilidade, etc.); problemas de
hiperimpulsividade; problemas na sensibilidade; problemas
de integração sensorial e perceptiva; problemas de conduta
e de interação social; problemas da vida de relação;
problemas de fadiga; aberrações da imagem do corpo;
problemas cognitivos; alterações do ritmo das funções
fisiológicas; alterações na vigilância; estados de ansiedade,
hiperexcitabilidade e hipertonia; miotonias, rigidez,
dismetria; afecções psicossomáticas (asma, tuberculose,
102 Psicomotricidade no contexto escolar

etc.); síndromes digestivas; cefaléias; incapacidade de


trabalho; anorexia mental; problemas de despersonalização;
etc. (FONSECA, 2008, p. 200)

Um conceito que está relacionado com a estruturação do


movimento é o esquema corporal, que se refere à capacidade de
reconhecer as partes corporais (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Esse
conceito, quando mal definido, acarreta em lentidão no âmbito
da percepção, da motricidade e da relação com os demais. Na
percepção, ocorrem dificuldades na estruturação espaço-temporal.
Na motricidade, o esquema corporal mal definido incide em
lentidão e atitudes inadequadas, além de coordenação deficiente.
E, nas relações interpessoais, apresenta insegurança. Com isso, os
gestos da criança não têm harmonia e ela é lenta, pois ao gesticular
não situa bem os seus membros, por falta de concentração ou por
ignorar as possibilidades de seu corpo (TISI, 2007).
Diante disso, o esquema corporal influencia diretamente
nas diferentes atividades das crianças, podendo resultar em
atrasos, quando não desenvolvido, prejudicando a aprendizagem
e a convivência social. “Muitos outros conceitos psicomotores
funcionais fundamentam-se nas bases da consciência corporal,
como a estruturação espaço temporal, pois sem a qual a criança, não
reconhecendo a si mesma, só muito dificilmente poderia aprender o
espaço que a rodeia” (BUENO, 2014).
Fortemente ligada ao esquema corporal, a imagem corporal “está
relacionada à imagem interna que a criança tem de seu corpo e o
ponto até o qual essa imagem corresponde à realidade” (GALLAHUE;
OZMUN, 2005, p. 315). Para os autores, esse conceito vincula-se
à autoestima e é uma preocupação, pois a imagem corporal não
realista pode resultar em anorexia e bulimia.
Segundo Fonseca (2008), a alteração da imagem do corpo
pode levar a um conjunto de casos psicopatológicos, que possuem
Orientações para práticas psicomotoras na escola 103

características comuns e centradas nessa alteração, como anorexia,


dismorfofobia e hipocondria.
Considerando-se que a imagem corporal diz respeito a como
o sujeito se imagina e se percebe, é preciso que as atividades das
quais a criança participa proporcionem satisfação, ou seja, que
sejam adequadas à sua fase de aprendizagem. Assim, é possível que
ela tenha êxito com a sua realização e consiga desenvolver uma
imagem positiva de si mesma. Para isso, a comunicação com os
demais precisa ser incentivadora e agradável. Tisi (2007, p. 76)
afirma que “a socialização é função da boa evolução da imagem do
próprio corpo”. A autora diz ainda que para estar apto a participar de
atividades em grupo, é preciso antes, consolidar a imagem do corpo.
Quanto aos conceitos funcionais perceptivos, a orientação
temporal se refere à aquisição de uma estrutura temporal adequada.
Vincula-se à interação coordenada de vários sistemas musculares
e modalidades sensoriais, como a coordenação olho-mão, por
exemplo. “Quem não estabeleceu totalmente essa dimensão é
frequentemente considerado desajeitado e estranho” (GALLAHUE;
OZMUN, 2005, p. 317).
Existe uma grande relação entre o desenvolvimento motor e o
perceptivo. Essa relação é comprovada na criança hiperativa, que
possui um bom desenvolvimento motor, porém mal regulado,
dissociado, descoeso e desintegrado do desenvolvimento perceptivo.
Assim, a desintegração perceptivo-motora pode comprometer o
desenvolvimento conceitual, posteriormente (FONSECA, 2008).
Ainda, “uma performance perceptivo-motora baixa na pré-
-escola tende a sugerir um desempenho e uma prestação igualmente
baixos nas competências da linguagem escrita receptiva e expressiva
ao longo do percurso escolar” (FONSECA, 2008, p. 313). Dessa
forma, as dificuldades de leitura podem ser resultado de uma
imaturidade perceptivo-motora, composta pelas funções viso-
-motoras e auditivo-motoras – e suas interações que acontecem
104 Psicomotricidade no contexto escolar

concomitantemente. Para Bueno (2014), “a escrita envolve tanto


a coordenação viso-motora quanto a coordenação viso-manual e
atinge as áreas de associação, pois há necessidade da manutenção de
uma boa atenção”.
Assim, exemplificamos algumas consequências da falta de
estímulos psicomotores, relacionando-as aos conceitos psicomotores
estruturais, globais e perceptivos.

Considerações finais
Ao findar este capítulo, finalizamos também esta obra. Os
conteúdos abordados aqui são elementos essenciais para a base de
uma educação psicomotora que deve ser desenvolvida nas escolas,
em especial, com crianças da educação infantil e anos iniciais do
ensino fundamental.
Desatacamos de forma objetiva e clara as possibilidades de práticas
psicomotoras que podem auxiliar o trabalho dos professores, bem
como possíveis consequências que a falta de estímulos psicomotores
nessas etapas pode ocasionar para a aprendizagem dos alunos.
A psicomotricidade é uma área ampla e deve ser considerada
pelos professores, uma vez que possuem responsabilidades com o
aprendizado dos alunos.

Ampliando seus conhecimentos


• COMO ESTRELAS na terra. Direção: Aamir Khan. Índia: Walt
Disney Home Entertainment, 2010. 1 vídeo (165 min.), color.
O filme relata a história de um menino com dislexia. É uma
criança alegre, divertida, mas que sofre muito por não ser
compreendida na escola e, principalmente, pela família. Com
as frustações diante da sua dificuldade de aprendizagem e
punição dos professores, o menino se torna indisciplinado
Orientações para práticas psicomotoras na escola 105

e é colocado em um internato. Lá, um professor de artes, ao


identificar sua dificuldade e seu desânimo, apresenta-lhe de
forma criativa um novo jeito de aprender, que vai ao encontro
do que essa obra propõe: uma educação psicomotora.
• ROSSI, F. S. Considerações sobre a psicomotricidade na educação
infantil. Vozes dos Vales, Teófilo Otoni, MG, 1, ano 1, maio 2012.
Disponível em: http://site.ufvjm.edu.br/revistamultidisciplinar/
files/2011/09/Considera%C3%A7%C3%B5es-sobre-a-
Psicomotricidade-na-Educa%C3%A7%C3%A3o-Infantil.pdf.
Acesso em: 31 jul. 2019.
Esse estudo aborda a importância da psicomotricidade na
educação infantil, que se constitui como fator indispensável ao
desenvolvimento global e uniforme da criança, além de servir
como base fundamental para o processo de aprendizagem dos
indivíduos.

Atividades
1. Com relação à prática psicomotora, o que deve ser
considerado, segundo Bueno (2014)?

2. Quais atividades são de interesse das crianças de 4 a 6 anos?


E a partir dos 7 anos de idade?

3. Como se relaciona a falta de estímulo motor com a


aprendizagem da escrita?

Referências
ABP – Associação Brasileira de Psicomotricidade. O que é psicomotricidade.
Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: https://psicomotricidade.com.br/
sobre/o-que-e-psicomotricidade/. Acesso em: 31 jul. 2019.
106 Psicomotricidade no contexto escolar

BUENO, J. M. Psicomotricidade teoria e prática: da escola à aquática. São


Paulo: Cortez, 2014. E-pub.

FERNANDES, J. M. G. de A.; GUTIERRES FILHO, P. J. B. Psicomotricidade:


abordagens emergentes. São Paulo: Manole, 2012.

FONSECA, V. da. Psicomotricidade: filogênese, ontogênese e retrogênese. 2.


ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

FONSECA, V. da. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem. Porto


Alegre: Artes Médicas, 2008.

GALLAHUE, D. L.; OZMUN, J. Compreendendo o desenvolvimento motor:


bebês, crianças, adolescentes e adultos. Trad. de Denise R. de Sales. 3. ed.
São Paulo: Phorte, 2005.

LE BOULCH, J. Educação psicomotora: psicocinética na idade escolar. Trad.


de Jeni Wolf. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2007.

MATTOS, M. R. G.; NEIRA, M. G. Educação física infantil: inter-relações,


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MATTOS, M. R. G.; NEIRA, M. G. Educação física infantil: construindo o


movimento. 7. ed. São Paulo: Phorte, 2008.

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educação infantil. São Paulo: Cortez, 2012.

TISI, L. Educação física e alfabetização. 2. ed. Rio de Janeiro: Sprint, 2007.


Gabarito

1 História, significado e áreas de


atuação da psicomotricidade
1. Os objetivos da prática eram, prioritariamente, reeducar a
atividade tônica com exercícios de atitude e de equilíbrio,
desenvolver o controle motor com exercícios de inibição
e desinibição, e desenvolver atividades de relaxação com
exercícios de dissociação e coordenação motora associados
(BUENO, 2014).

2. No Brasil, os primeiros documentos apontam que a


psicomotricidade surgiu em meados de 1950, quando
os profissionais ligados à área da deficiência começaram
a considerar o corpo e o movimento como aspectos
interligados, mesmo sem usarem o termo psicomotricidade.

3. Educativa, reeducativa e terapêutica. Uma das linhas de


atuação é a educativa, que objetiva educar a pessoa na
correta utilização do próprio corpo. Nessa área, se aprende
a conhecer o corpo, explorá-lo, organizando-o como um
instrumento para a aquisição da aprendizagem (NICOLA,
2004). Intervenção reeducativa é “a ação desenvolvida em
indivíduos que sofrem com perturbações ou distúrbios
psicomotores” (BUENO, 2014). A reeducação psicomotora
tem como objetivo retomar as vivências anteriores com falhas
ou as fases da educação ultrapassadas inadequadamente.
A terapêutica está vinculada, em grande parte, a aspectos
psicológicos. Segundo Bueno (2014), é destinada a “indivíduos
com conflitos mais profundos na sua estruturação psíquica,
associados aos funcionais ou com desorganização total de
sua harmonia corporal e pessoal”.
108 Psicomotricidade no contexto escolar

2 Conceitos funcionais
1. Na classificação de conceitos funcionais estruturais,
destacam-se o esquema corporal, o tônus e a respiração. Sendo
assim, os conceitos funcionais estruturais estão diretamente
relacionados ao desenvolvimento do ser humano: são a
base para o movimento harmonioso e envolvem as questões
de comportamento, estando integrados aos conceitos
relacionais.

2. A coordenação motora ampla, também conhecida como


coordenação dinâmica global ou geral, é considerada a
possibilidade de controle dos movimentos amplos de nosso
corpo, isto é, a possibilidade de contrair grupos musculares
diferentes de uma forma independente. Já a coordenação
motora fina é considerada a capacidade de controlar os
pequenos músculos para exercícios refinados, como: recorte,
perfuração, colagem, encaixes etc.

3. A percepção auditiva é a capacidade de entender estímulos


sonoros e se faz essencial para o aprendizado da linguagem
falada e para o entendimento dos sons diferentes do ambiente
em que a criança vive. A percepção visual é processada e
analisada pelo estímulo da luz, sendo a principal experiência
sensorial da criança. A visão começa quando os raios
luminosos batem no olho e está presente em todas as
nossas experiências motoras. A percepção tátil refere-se à
utilização de partes do corpo (mãos, boca, língua, lábios etc.)
para explorar ambiente e objetos, assim como sua forma,
temperatura e textura. A percepção olfativa é a capacidade
de distinguir odores, associando-os à origem, e influencia
na percepção do paladar. Contribui para a discriminação e
memória de alguns alimentos e, se promovidas atividades
que contribuem para o desenvolvimento dessas percepções,
Gabarito 109

tem grande importância para a segurança da criança – como


a habilidade de diferenciar odores e sabores que caracterizam
alimentos impróprios para consumo.

3 Conceitos relacionais
1. Conceitos relacionais são a forma como o corpo estabelece
os parâmetros para interagir com o meio e com as pessoas.

2. A afetividade tem papel importantíssimo no desenvolvimento


da criança. Não existe afetividade se não houver pareamento
relacional com objetos de amor, ternura e satisfação, iniciados
na primeira relação: mãe e filho. A relação afetuosa de amor
entre mãe e filho, pautada no toque da pele, nos momentos
do banho, na amamentação, na troca de fraldas, no balanço
do colo e no sentir os batimentos e a respiração da mãe,
produz sentimentos de prazer e segurança na criança, sendo
registradas nela as primeiras sensações após o nascimento
(BUENO, 2014).

3. Conceber os limites das crianças para a participação das


atividades recai sobre o desenvolvimento de seu juízo de
moral. Para Piaget (1977 apud LA TAILLE; OLIVEIRA;
DANTAS, 1992), a evolução da prática e da consciência da
regra pode ser dividida em três etapas: anomia, heteronomia
e autonomia. Na primeira, a criança de até 5 e 6 anos tem
interesse em satisfazer suas atividades motoras ou fantasias
simbólicas sem precisar participar de atividade coletiva; na
segunda, a criança, aos 9 ou 10 anos, tem duas percepções:
a primeira se dá na interpretação de regras, seguindo-as à
risca sem modificação, e a segunda se dá na introdução de
variantes nas regras, permitindo a melhor regra durante o
jogo; na terceira, ocorre a concepção adulta dos jogos.
110 Psicomotricidade no contexto escolar

4 Desenvolvimento psicomotor
1. “As primeiras formas de movimento voluntário são os
movimentos rudimentares, observados no bebê desde
o nascimento até, aproximadamente, os 2 anos. Eles
são determinados pela maturação por uma sequência
de aparecimento altamente previsível. Essa sequência é
resistente a alterações em condições normais. O ritmo em
que essas habilidades aparecem, porém, varia de criança
para criança e depende de fatores biológicos, ambientais e da
tarefa” (GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 58).

2. O estágio referido é o estágio personalístico (dos 3 aos 4


anos). Essas características surgem novamente no estágio da
puberdade e da adolescência.

3. Bueno (2014) divide a adolescência em três estágios: pré-


-puberal, puberal e pós-puberal. O primeiro ocorre quando
surgem as primeiras modificações corporais. O segundo
estágio é o período em que ocorrem a modificação da voz
masculina e o aumento do pênis e dos testículos, assim
como o alargamento dos quadris e o aumento dos seios
nas meninas, como consequência da ação da hipófise, além
do amadurecimento dos óvulos nas meninas e a produção
de espermatozoides nos meninos. Meninos e meninas
aumentam sua altura, sua estrutura muscular se avoluma, o
tom da voz se altera e começam a aparecer pelos nas axilas
e ao redor dos órgãos sexuais. Surgem a acne, a menarca
nas meninas e a semenarca nos meninos, sendo essas as
mudanças que colocarão em ação a capacidade reprodutiva.
No terceiro estágio, o pós-puberal, eclodem os caracteres
sexuais secundários e se fortalecem e avolumam nos rapazes
a barba e o bigode.
Gabarito 111

5 Orientações para práticas


psicomotoras na escola
1. A prática psicomotora deve, necessariamente, passar pela
vivência, potencialidade e criatividade, ou seja, pela boa
interação entre profissional e aluno, em um diálogo total
(corporal e cognitivo). Ela deve, em algum momento,
oferecer a livre vivência de jogos e atividades para que o
indivíduo usufrua sozinho (ou em grupo) situações de
desafio, de regras, de envolvimento, estímulo e motivação,
inter-relacionando-se com o meio e com a sua existência.

2. Segundo Bueno (2014), as crianças de 4 a 6 anos de idade


possuem interesse por “jogos de encaixe, sequência lógica,
quebra-cabeça, jogos de praia, modelagem, construções,
números e letrinhas, fantasias, jogos geométricos, loto,
bandinha, livrinhos, lápis de cera, pincéis, recortar e colar”.
Com base nesses interesses, o professor pode criar atividades
que desenvolvam os conceitos psicomotores. Já as crianças
a partir dos 7 anos possuem interesses em jogos em grupos,
problemas e desafios de lógica, atividades esportivas, quebra-
-cabeças com muitas peças e videogames.

3. Quando a criança não tem estabelecido o conceito funcional


de lateralidade, ela vai encontrar dificuldades para distinguir
várias letras do alfabeto, como b, d, p e q – que são parecidas,
mudando somente a haste e o círculo. A criança pode inclusive
inverter palavras inteiras, pela dificuldade de projetar a
direção do espaço externo. A falta de estímulo psicomotor
com relação à motricidade fina acarreta na dificuldade da
criança no aprendizado da escrita, pois ela precisa manusear
o lápis, controlando as forças musculares necessárias para a
sua utilização.
PSICOMOTRICIDADE NO CONTEXTO ESCOLAR
Claudinara Botton Dal Paz / Vera Lucia Rodrigues de Moraes
I C O M OT R I C I DA
P S o n t ex t o e s D E
no c co l a r

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional Claudinara Botton Dal Paz


ISBN 978-85-387-6528-8
Vera Lucia Rodrigues de Moraes
58869 9 788538 765288

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