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A importância da Psicologia da Arte

no Desenvolvimento do Sujeito
Contemporâneo e da Arteterapia
O presente artigo visa aprofundar algumas questões que foram por mim
debatidas na palestra intitulada Semana de Arte Moderna: uma inspiração
para a Arteterapia, como parte do VII Congresso Junguiano do IJEP 2022 [1].

Muito se fala da capacidade criativa do ser humano e que ela se baseia e se


utiliza dos recursos conscientes e inconscientes da fantasia, da reflexão e da
elaboração de significados subjetivos para os acontecimentos da vida, sendo
capaz de empreender essas operações de modo complexo e rico e
produzindo um entendimento individual, mas também coletivo para as
inúmeras demandas da jornada e da existência humana. Na relação com
essas demandas, são produzidos olhares que percebem a complexidade dos
acontecimentos, mas que só conseguem, na grande maioria dos casos,
elaborá-los e integrá-los psiquicamente a partir de um determinado e
específico recorte ou prisma. As influências que determinam esse recorte da
realidade são inúmeras e podemos chamá-las de tendências, subjetividades,
experiências, vieses, preconceitos, inclinações, pré-disposições, etc., mas o
que percebemos é que, a partir dessas influências, entra em ação uma
operação muitas vezes inconsciente de fragmentação, simplificação e, ao
mesmo tempo, homogeneização desses acontecimentos. Essa operação,
além de simplificar, também produz reações automatizadas e formas
cristalizadas de perceber, reagir, trocar, se relacionar e, consequentemente,
atuar em diferentes contextos que, por sua vez, vão demandar novas
elaborações de significados.

Essas simplificações também acabam por prejudicar o desenvolvimento de


formas mais ricas e complexas do indivíduo se relacionar com o mundo e
consigo mesmo, porque essas influências e os consequentes recortes não
auxiliam na mobilização de grande parte do potencial criativo, reflexivo e de
construção de sentido que a psique humana é capaz de alcançar. Esses
recortes elegem o que valorizar e o que desconsiderar em uma experiência, e
essa eleição não acontece aleatoriamente, trata-se de um movimento que
resulta de uma construção (in)consciente, baseada nas inter-relações e
mediada pelos discursos vigentes, em suma, pela produção cultural da
sociedade e pela época em que e quando vive o sujeito. Os discursos
produzidos por essa cultura funcionarão como modelos ou padrões
psicológicos que estarão frequentemente presentes na significação e
ressignificação da realidade, nos levando a refletir sobre a correlação
constante entre as dimensões individual e coletiva.

Liev Semionovitch Vigotski (1896-1936) foi uma das figuras mais


importantes na construção da Psicologia enquanto campo epistemológico
de estudo interdisciplinar. Vigotski desenvolveu investigações muito
importantes sobre a Psicologia da Arte, revolucionando muitas das
concepções tradicionais da relação do indivíduo e da sociedade com o
fenômeno humano da criação artística. Segundo ele, a Psicologia não
poderia “explicar o comportamento humano ignorando a reação estética
suscitada pela arte naquele que a frui, ou as relações de reciprocidade entre
o homem e o mundo e as representações que o homem faz do mundo

Para Vigotski, a ideia central da Psicologia da Arte seria “o reconhecimento


da arte como técnica social de sentimento. Achamos que o método de estudo
desse problema é o método analítico objetivo, que parte da análise da arte
para chegar à síntese psicológica: o método de análise dos sistemas
artísticos de estímulos.”[ii] (grifo do autor). Apesar de suas tentativas em
explorar e aspirar a algum tipo de elaboração científica para a Psicologia da
Arte, Vigotski admite que esse é “o campo mais especulativo e misticamente
vago da Psicologia”.[iii]

No ensaio Arte e Tempo, um dos quatro ensaios que compõem o livro Arte e o
Inconsciente Criativo, de Erich Neumann (1905 – 1960), o autor afirma que a
investigação proposta pelo ensaio estaria inserida no campo da “psicologia
da cultura; buscando uma compreensão da arte como um fenômeno
psicológico de central importância tanto para o indivíduo quanto para a
coletividade”.[iv] Também de acordo com Neumann, é o inconsciente que
produz formas incessantemente e “de modo análogo à natureza”. [v] As
formas produzidas pela natureza e pelo inconsciente gerariam no indivíduo
e na coletividade a experiência estética do belo e/ou do significativo,
impactando as psiques, e que essas formas se originariam num “substrato e
num plano de fundo psicofísico que nós chamamos de criativo”.[vi]

Vemos, então, a natureza e o inconsciente coletivo possivelmente como as


fontes desconhecidas de criação de formas no mundo externo e no mundo
psíquico. Dentre as criações do mundo psíquico estariam a religião, o rito, a
organização social, a consciência e, por fim, mas não menos importante, a
arte. Interessante observar que Neumann também diz que “os arquétipos do
inconsciente coletivo são intrinsicamente estruturas psíquicas sem forma
que se tornam visíveis através da arte.”[vii]
Então, podemos dizer que a Psicologia da Arte estaria transitando em três
territórios distintos, a saber: a criação, a apreciação e a reflexão crítica.
Transitar por esses três territórios seria uma tentativa de compreender a
arte como instrumento capaz de promover a capacidade de agenciamento do
indivíduo na sua relação com o mundo, e através de seu potencial de fazer
emergir emoções, gerar imagens psíquicas que se desdobrarão em noções e
sentidos sobre a realidade e a experiência da realidade:

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