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Letras
Aula
6
Apresentação
N
a aula anterior, abordamos os aspectos estruturais do texto argumentativo
e os pressupostos teóricos das sequências textuais, enfocando, detalhada-
mente, a sequência argumentativa prototípica. Nesta aula, vamos estudar
acerca dos movimentos argumentativos de aprovação, refutação e concessão.
Para você melhor compreender, a aula está assim subdividida: “Movimento ar-
gumentativo de aprovação”, “Movimento argumentativo de refutação” e “Movi-
mento argumentativo de concessão”. Esclarecemos que não exaurimos as várias
discussões sobre os temas abordados, portanto, é importante que você pesquise
outras referências teóricas.
Objetivos
155
Movimento argumentativo
O
s movimentos argumentativos, como sabemos, definem a direção geral de
uma argumentação, sinalizando o posicionamento do sujeito em relação
aos argumentos que lhe são expostos. Este posicionamento pode ser de
concordância, parcial ou total, como também de refutação de uma dada proposi-
ção. Assim, no processo de argumentação, é preciso a transformação de estados
de julgamento do interlocutor. Para tanto, faz-se necessário que se organize, do
estado de pensamento 1 ao estado 2 (E1 –› E2), um movimento argumentativo
global, ou seja, uma escolha e uma articulação dos argumentos por meio de
conectores específicos que determinem a orientação e a força argumentativas.
É necessário atentar para o fato de que a presença de um movimento argumen-
tativo global presente num texto não exclui a participação de outros movimentos
no interior desse mesmo texto. Podemos ter um texto com um propósito argu-
mentativo de refutação, mas encontrarmos presentes, nesse mesmo texto, os
movimentos de aprovação ou concessão localizados, dependendo de como se
efetivou a estruturação argumentativa do texto. Certamente um dos movimentos
vai prevalecer, mas não impossibilita a presença de outro movimento.
Para tanto, três movimentos de argumentação podem ser estabelecidos: o primei-
ro, o movimento de aprovação, consiste em reforçar a proposição inicial por meio
de argumentos; o segundo, o movimento de refutação, que passa da formulação
de uma contra-argumentação à afirmação de uma argumentação; e o terceiro, o
movimento de concessão, fundamenta-se na existência de uma contradição aparente
que será resolvida. Veremos a seguir cada um destes movimentos separadamente.
Alguns lexemas: você cometeu erros, ledo engano, você deve estar enganado,
A negação mas isso não confere...
Exemplo 1
As universidades estatais devem reservar vagas para alunos de
escolas públicas?
São Paulo, Sábado, 25 de Setembro de 1999
Antônio Manoel dos Santos Silva, 57, professor de literatura brasileira, é reitor da
Universidade Estadual Paulista (UNESP) e presidente do Conselho de Reitores das Uni-
versidades Estaduais Paulistas (CRUESP).
1º momento
Texto com um propósito argumentativo de refutação, mas encontramos
presentes nesse mesmo texto, o movimento de aprovação localizado: no
início do texto observa-se uma concordância parcial com a ideia do projeto,
o autor procura envolver o interlocutor nas suas ideias:
2º momento
Coloca-se em dúvida a validade dos argumentos: após parecer concordar
parcialmente, ocorre a refutação da ideia, através de uma negação frontal:
3º momento
Apresenta-se novo argumento em favor de uma nova conclusão, na ten-
tativa de influenciar o posicionamento do leitor: apresenta um primeiro
4º momento
Apresentação de uma sequência de argumentos colocando em discussão
a verdade das proposições emitidas: se o projeto “fere a autonomia univer-
sitária, garantida em Constituição”, e isso não serve como argumento que
justifique a sua reprovação, é porque esse projeto trará para o país conse-
quências muito mais sérias. Ao longo do texto, o locutor vai apresentando
outras justificativas para sua refutação:
Conclusão:
Ao longo do texto, o locutor vai apresentando outras justificativas para sua
refutação e, para concluir, ele apresenta uma forma alternativa de resolver
o problema. O artigo expõe, portanto, dois movimentos: um de recusa e
outro de justificação dessa recusa. O movimento de recusa se manifesta
linguisticamente por meio de uma força negativa aplicada à asserção, que
é retomada por “o projeto” e por “a reserva de vagas”. Para imprimir essa
negação são usados o operador argumentativo “ao contrário” e as locuções
“vai castigar”, “demonstra falência”, “dá sinais de descrença”, as quais são
empregadas também para encadear os componentes argumentativos.
Atividade 1
A questão é se...
Provavelmente... mas...
Mas é claro...
certamente finalmente
definitivamente porém
evidentemente ainda
indubitavelmente
inegavelmente
efetivamente
Não sei por que razão a abdicação de Bento XVI causou tanta sur-
presa; embora excepcional, não era algo imprevisível. Bastava vê-lo,
fragilizado e como perdido no meio das multidões nas quais sua fun-
ção obrigava que ele submergisse, fazendo esforços sobre-humanos
para parecer o protagonista destes espetáculos obviamente estranhos
ao seu temperamento e vocação. Diferentemente do seu predecessor,
João Paulo II, que se movia como um peixe n’água entre essas massas
de fiéis e curiosos que o papa congrega em todas as suas aparições,
Bento XVI parecia totalmente alheio a esses faustos gregários que
constituem tarefas imprescindíveis do pontífice na atualidade. Desse
modo compreende-se melhor sua resistência a aceitar a cadeira de
São Pedro que lhe foi imposta pelo conclave, há oito anos, e à qual,
como ficamos sabendo agora, nunca aspirou. Só abandonam o poder
absoluto com a facilidade com que ele acaba de fazê-lo aqueles raros
indivíduos que, em vez de cobiçá-lo, depreciam-no.
Não era um homem carismático nem um comunicador, como Karol
Wojtyla, o papa polonês. Era um homem de biblioteca e de cátedra, de
reflexão e de estudo, seguramente um dos pontífices mais inteligentes
e cultos que a Igreja Católica teve em toda a sua história. Numa época
em que as ideias e as razões importam muito menos que as imagens
e os gestos, Joseph Ratzinger já era um anacronismo, pois pertencia
ao grupo mais seleto de uma espécie em extinção: o dos intelectuais.
Refletia com profundidade e originalidade, respaldado por uma enorme
informação teológica, filosófica, histórica e literária, adquirida na de-
zena de línguas clássicas e modernas que dominava, entre elas latim,
grego e hebraico. Embora concebidos sempre dentro da ortodoxia cristã,
mas com um critério muito amplo, seus livros e encíclicas ultrapas-
“Ninguém pode negar que Bento XVI respondeu a esses desafios descomunais
com valentia e determinação, embora sem sucesso...”.
“Mas é preciso reconhecer que, graças a ele, o reverendo Marcial Maciel De-
gollado, o mexicano de antecedentes satânicos, recebeu por fim um castigo
oficial na Igreja...”.
“Bastava vê-lo, fragilizado e como perdido no meio das multidões nas quais
sua função obrigava que ele submergisse, fazendo esforços sobre-humanos
para parecer o protagonista destes espetáculos obviamente estranhos ao seu
temperamento e vocação.”
“Bento XVI viveu num dos períodos mais difíceis enfrentados pelo Cristia-
nismo em seus mais de 2 mil anos de história.”
Leitura complementar
Resumo
A renúncia e as ruínas
Por Ivo Lucchesi em 26/02/2013 na edição nº 735
O manto da hipocrisia
Ivo Lucchesi é ensaísta, articulista, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor
titular de Linguagem Impressa e Audiovisual da FACHA (RJ).
Anotações