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Gianka Salustiano Bezerril

Maria da Penha Casado Alves


Sylvia Coutinho Abbott Galvão

Letras

Leitura e Produção de Textos II

Natal – RN, 2015


Movimentos argumentativos

Aula

6
Apresentação

N
a aula anterior, abordamos os aspectos estruturais do texto argumentativo
e os pressupostos teóricos das sequências textuais, enfocando, detalhada-
mente, a sequência argumentativa prototípica. Nesta aula, vamos estudar
acerca dos movimentos argumentativos de aprovação, refutação e concessão.
Para você melhor compreender, a aula está assim subdividida: “Movimento ar-
gumentativo de aprovação”, “Movimento argumentativo de refutação” e “Movi-
mento argumentativo de concessão”. Esclarecemos que não exaurimos as várias
discussões sobre os temas abordados, portanto, é importante que você pesquise
outras referências teóricas.

Objetivos

1 Definir movimento argumentativo.

Reconhecer os movimentos argumentativos de


2 aprovação, refutação e concessão.

155
Movimento argumentativo

O
s movimentos argumentativos, como sabemos, definem a direção geral de
uma argumentação, sinalizando o posicionamento do sujeito em relação
aos argumentos que lhe são expostos. Este posicionamento pode ser de
concordância, parcial ou total, como também de refutação de uma dada proposi-
ção. Assim, no processo de argumentação, é preciso a transformação de estados
de julgamento do interlocutor. Para tanto, faz-se necessário que se organize, do
estado de pensamento 1 ao estado 2 (E1 –› E2), um movimento argumentativo
global, ou seja, uma escolha e uma articulação dos argumentos por meio de
conectores específicos que determinem a orientação e a força argumentativas.
É necessário atentar para o fato de que a presença de um movimento argumen-
tativo global presente num texto não exclui a participação de outros movimentos
no interior desse mesmo texto. Podemos ter um texto com um propósito argu-
mentativo de refutação, mas encontrarmos presentes, nesse mesmo texto, os
movimentos de aprovação ou concessão localizados, dependendo de como se
efetivou a estruturação argumentativa do texto. Certamente um dos movimentos
vai prevalecer, mas não impossibilita a presença de outro movimento.
Para tanto, três movimentos de argumentação podem ser estabelecidos: o primei-
ro, o movimento de aprovação, consiste em reforçar a proposição inicial por meio
de argumentos; o segundo, o movimento de refutação, que passa da formulação
de uma contra-argumentação à afirmação de uma argumentação; e o terceiro, o
movimento de concessão, fundamenta-se na existência de uma contradição aparente
que será resolvida. Veremos a seguir cada um destes movimentos separadamente.

Aula 6 Leitura e Produção de Texto II 157


Movimento argumentativo de aprovação
O movimento de aprovação consiste em reforçar a proposição inicial por
meio de argumentos, na expectativa de manter um acordo de posicionamentos,
um consenso. Parte-se do pressuposto de que a pressuposição, o enunciado, a
posição do seu oponente em relação à verdade ou não do conteúdo da sentença
não é tão evidente, assim, ao invés de se discutir, contestar, questionar um ponto
de vista, este é defendido, problematizado.
O sujeito, nessa perspectiva, se apodera da mesma posição do seu oponente.
Ele pode não pretender se implicar argumentativamente, pode não ter conhe-
cimento suficiente para questionar ou confrontar-se a uma dada proposição
ou, pelo valor de verdade da proposição, ele pode preferir não problematizar,
mantendo-se a distância. Nesse sentido, no movimento de aprovação não se
estabelece um painel de questionamento. O sujeito, portanto, pode ou não se
engajar em relação a uma dada proposição.
Para Charaudeau (2012, p. 230), há um tipo de argumentação em que “o su-
jeito pode escolher não se implicar pessoalmente na argumentação”, chamado de
argumentação demonstrativa. Este tipo descrito pelo autor é bastante semelhante
ao movimento de aprovação, em ambos o sujeito não contesta a proposição posta,
temos, assim, um processo de não engajamento, pois o sujeito escolhe não se en-
volver na argumentação, mas mantê-la a distância. Alguns elementos linguísticos
estão presentes nesse tipo de argumentação, conforme Charaudeau (2012, p. 230),

„ qualificações objetivas, verificáveis e precisas.


„ uma descrição das operações de pensamento (operações ditas cognitivas),
às quais se dedica o sujeito que demonstra: “observar, examinar, postular
que, fazer a hipótese que, etc.”.
„ o emprego de frases impessoais, que apagam a presença do sujeito que
argumenta: “convém dizer”, ‘o problema aqui colocado e o seguinte’, “é
logico que”, etc.
„ o uso de citações e de referências sob forma de parênteses, notas, remissões,
etc. (CHARAUDEAU, 2012, p. 230).

Movimento argumentativo de refutação


Refutar é negar a relevância do ponto de vista dado pelo adversário. O objetivo
da refutação é a destruição do discurso atacado e objetiva tornar insustentável
um discurso. Para Plantin (2008), do ponto de vista científico, uma proposição
é refutada se for provada que ela é falaciosa, interrogável, contraditória em suas
previsões; já do ponto de vista dialogal, faz referência à contradição existente
na realidade. Assim, refutar é colocar em discussão a verdade ou não das pro-
posições emitidas em relação a um fato, um objeto, um evento, uma pessoa.
No movimento da refutação, passa-se da formulação de uma contra-argumen-
tação à afirmação de uma argumentação: anulam-se os argumentos contrários à
tese defendida dados na cena enunciativa (os contra-argumentos), salientando-se
o aspecto errôneo do julgamento inicial (não é verdade que... / mas isso não...),

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ou coloca-se em dúvida a validade dos argumentos, assinalando consequências
inevitáveis (mas isso não parece verdadeiro neste momento...), para, em seguida,
apresentar novos argumentos em favor de uma nova conclusão, ou seja, trazer
elementos novos na tentativa de influenciar o posicionamento do outro.
A refutação é uma medida reativa, que pressupõe sempre um ato prévio da
afirmação a que ele se opõe. A refutação sempre reage a um ato representativo.
Se a relação entre o conteúdo de uma contraprova e a afirmação anterior é uma
relação de oposição, isto significa que existe uma divergência entre as partes.
Mas a refutação pode ser estabelecida também polifonicamente como relação
conflituosa entre dois pontos de vista enunciativos (TUTESCU, 2005).
Vejamos o Quadro 1 que apresenta alguns marcadores de refutação.

Alguns marcadores de refutação

Alguns verbos: refutar, discordar, contestar, opor-se, etc.

Algumas expressões metalinguísticas: é falso que..., não é verdadeiro


que...,... etc.

Alguns lexemas: você cometeu erros, ledo engano, você deve estar enganado,
A negação mas isso não confere...

Alguns operadores argumentativos: ao contrário, mesmo assim etc.

Algumas conjunções adversativas: mas, entretanto, porém, não obstante,


contudo...

Quadro 1 – Marcadores de refutação.

Veja um exemplo do movimento argumentativo de refutação no artigo retirado


da sessão Tendências e Debates, publicada todos os sábados no jornal Folha
de São Paulo. Nessa sessão, são apresentados dois artigos, um com resposta
positiva e outro com resposta negativa para uma pergunta que é lançada, geral-
mente sobre um assunto polêmico, em evidência na mídia durante a semana.
A pergunta que gerou o texto analisado foi:

Exemplo 1
As universidades estatais devem reservar vagas para alunos de
escolas públicas?
São Paulo, Sábado, 25 de Setembro de 1999

NÃO. A ilusão das cotas.

O projeto da reserva de vagas aprovado pelo Senado tem tudo para


receber a aprovação popular. Dá a impressão de resolver uma grave
injustiça social e parece mesmo que equilibram ricos e pobres nas

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universidades públicas, que vêm sendo descritas ultimamente como
um universo de privilegiados. Entretanto ele nada resolve e muito me-
nos equilibra; ao contrário, multiplica os problemas e amplia, se não
aprofunda, as discriminações.
Poderia, neste curto espaço, afirmar que o projeto fere a autono-
mia universitária, garantida em Constituição. Pouco adiantaria esse
argumento num país que deixa a educação superior transformar-se
em negócio, e negócio movido pelo ânimo exclusivo do lucro. A visão
estreita do que seja ensino superior público costuma abolir as diferen-
ças, como se a homogeneização das universidades, desde o acesso dos
estudantes, as fortalecesse como provedoras do mercado.
Qualquer pessoa medianamente informada sabe qual vai ser, em
futuro muito próximo, o custo de tamanha estreiteza: o agravamento
das assimetrias entre o Brasil e os países mais avançados, o aprofunda-
mento da dependência, a cultura reflexa (que nada tem de “cultura”)
etc. Subdesenvolvimento vai ser pouco.
O projeto, se consolidado, vai castigar todas as famílias que, a con-
tragosto e, na maior parte, com sacrifícios, foram compelidas a matri-
cular os filhos em escolas privadas de ensino fundamental e médio,
por acreditar que, nestas, a instrução de boa qualidade se alia a pro-
cessos formativos integrais e totalizantes, desenvolvidos em ambiente
saudável e seguro. Os perfis socioeconômicos dos matriculados em
universidades públicas e disponíveis nestas mostram com clareza essa
opção forçada que os pais fizeram por saberem ou sentirem que nes-
sas universidades o ensino será de melhor qualidade, porque nelas se
cultiva ainda a ideia de que devem ser o lugar dos melhores alunos.
Infelizmente, o projeto demonstra, por vias travessas, a falência do
ensino público fundamental e médio; mais ainda, dá sinais de descren-
ça em todos os projetos do governo que formulam a possibilidade de
recuperação desses níveis de ensino.
Propondo-se a reserva de vagas, confirma-se o desconhecimento
que muitos políticos têm das universidades públicas. Imaginam eles
que as universidades são fábricas de profissionais demandados pelo
mercado. Esquecem-se das funções que as universidades públicas de-
sempenham com diferentes grau e natureza, por razões históricas e
geográficas; esquecem-se principalmente, no quadro dessas funções,
daquela que as centraliza no Brasil: a pesquisa científica e tecnológica.
Como abrigar alunos fora das exigências de qualidade? Fazendo isso,
não se estará praticando o inverso do pretendido pelo projeto, ou seja,
não se estará aumentando o índice (já elevado) de evasão de alunos?
Que tal um projeto de investimento maciço e necessariamente prioritá-
rio na qualidade do ensino público fundamental e médio? Se isso ocorres-
se – e estou convicto de que as universidades públicas se empenhariam

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na sua concretização –, em pouco tempo teríamos estudantes egressos
de escolas públicas competindo em pé de igualdade com os das escolas
privadas nos processos seletivos para o ensino superior; e, depois de mais
algum tempo, a desvantagem seria do outro lado, a começar do fato de
que poucas escolas privadas subsistiriam. Que famílias iriam procurá-las
se o ensino público gratuito fosse de boa ou de melhor qualidade?

Antônio Manoel dos Santos Silva, 57, professor de literatura brasileira, é reitor da
Universidade Estadual Paulista (UNESP) e presidente do Conselho de Reitores das Uni-
versidades Estaduais Paulistas (CRUESP).

Fonte: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2509199909.htm>. Acesso em: 30 jun. 2013.

O artigo em questão revela uma resposta negativa para a pergunta lançada


(as análises aqui expostas foram adaptadas do artigo intitulado: A refutação no
gênero artigo de opinião, de Clemilton Lopes Pinheiro, Revista Letras, Curitiba,
n. 65, p. 173-189, jan./abr. 2005. Editora UFPR). Nele observamos de que forma
a organização linguística do movimento de refutação foi estabelecida, a saber:

O artigo busca se posicionar negativamente em relação a um projeto, na época


aprovado pelo Senado, que prevê a reserva de vagas nas universidades estatais
para alunos de escola pública.

1º momento
Texto com um propósito argumentativo de refutação, mas encontramos
presentes nesse mesmo texto, o movimento de aprovação localizado: no
início do texto observa-se uma concordância parcial com a ideia do projeto,
o autor procura envolver o interlocutor nas suas ideias:

“O projeto da reserva de vagas aprovado pelo senado tem tudo


para receber a aprovação popular. Dá a impressão de resolver uma
grave injustiça social”.

2º momento
Coloca-se em dúvida a validade dos argumentos: após parecer concordar
parcialmente, ocorre a refutação da ideia, através de uma negação frontal:

“ele nada resolve e muito menos equilibra; ao contrário, multiplica


os problemas e amplia, se não aprofunda, as discriminações”.

3º momento
Apresenta-se novo argumento em favor de uma nova conclusão, na ten-
tativa de influenciar o posicionamento do leitor: apresenta um primeiro

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argumento que poderia justificar a refutação, mas o próprio locutor assume
que esse argumento não é pertinente para o caso. O fato de o locutor refutar
o próprio argumento constitui uma forte estratégia argumentativa.

“Poderia, neste curto espaço, afirmar que o projeto fere a autono-


mia universitária, garantida em Constituição. Pouco adiantaria esse
argumento num país que deixa a educação superior transformar-se em
negócio, e negócio movido pelo ânimo exclusivo do lucro.”

4º momento
Apresentação de uma sequência de argumentos colocando em discussão
a verdade das proposições emitidas: se o projeto “fere a autonomia univer-
sitária, garantida em Constituição”, e isso não serve como argumento que
justifique a sua reprovação, é porque esse projeto trará para o país conse-
quências muito mais sérias. Ao longo do texto, o locutor vai apresentando
outras justificativas para sua refutação:

“o agravamento das assimetrias entre o Brasil e os países mais


avançados, o aprofundamento da dependência, a cultura reflexa (que
nada tem de “cultura”) etc. Subdesenvolvimento vai ser pouco” [...]

Conclusão:
Ao longo do texto, o locutor vai apresentando outras justificativas para sua
refutação e, para concluir, ele apresenta uma forma alternativa de resolver
o problema. O artigo expõe, portanto, dois movimentos: um de recusa e
outro de justificação dessa recusa. O movimento de recusa se manifesta
linguisticamente por meio de uma força negativa aplicada à asserção, que
é retomada por “o projeto” e por “a reserva de vagas”. Para imprimir essa
negação são usados o operador argumentativo “ao contrário” e as locuções
“vai castigar”, “demonstra falência”, “dá sinais de descrença”, as quais são
empregadas também para encadear os componentes argumentativos.

Atividade 1

Veja o artigo a seguir, retirado da sessão Tendências e Debates, publicada no


jornal Folha de São Paulo e, a partir da análise anterior, faça uma apreciação de
como se efetivou o movimento de refutação, destacando os principais marcadores
usados para colocar em discussão a verdade ou não das proposições emitidas em
relação ao fato.

162 Aula 6 Leitura e Produção de Texto II


A cobrança de pedágio urbano é uma boa alternativa para o trânsito?

NÃO. Rua, a maior expressão do bem público.

A Constituição, ao disciplinar as limitações ao poder de tributar,


em seu artigo 150, V, proíbe a instituição de tributos interestaduais ou
intermunicipais que limitem o tráfego de pessoas ou bens, excetuando
a cobrança do pedágio. Tal dispositivo traz ínsita a proibição constitu-
cional às limitações à liberdade de locomoção, como forma de reforçar
o direito fundamental de ir e vir. No entanto, a exceção prevista para
a cobrança de pedágio somente se aplica às vias interestaduais e inter-
municipais, pois o referido artigo só permite a criação dos tributos com
essa natureza. Em outro dizer, o permissivo constitucional só se refere
à cobrança de pedágio em vias que extrapolem o limite municipal, apli-
cando-se a regra da não tributação da locomoção no interior da urbe.
Além disso, o dispositivo constitucional em comento também esta-
belece que a cobrança de pedágio serve para financiar a manutenção
das rodovias. Esse ponto traz à tona outra inconstitucionalidade do
projeto proposto em São Paulo, pois a regra que se cria é o financia-
mento também da própria obra, o que acaba por onerar por demais o
cidadão usuário, em contrariedade ao texto constitucional.
A diferenciação de regras para as vias intermunicipais e intramuni-
cipais se deve ao fato de que o município é o centro da vida ativa (ou
de atividades) das pessoas. A rua é a maior expressão que se tem de
um bem público e não se pode privar ou restringir o acesso a ela, sob
pena de prejudicar drasticamente a liberdade e a vida civil dos muní-
cipes. Ora, num país em que as pessoas mal têm condições de arcar
com os custos do transporte popular (ou público), instituir pedágio
para circular dentro da cidade é por total descabido.
O pedágio, aliás, como tributo mais antigo, é cobrado desde a Idade
Média na travessia de cidades, jamais dentro delas. A instituição do
pedágio urbano num país pobre tem consequências catastróficas. As
pessoas não podem ser alijadas da liberdade de se locomover em sua
cidade, pois tal locomoção representa a execução das suas necessidades
mais básicas. E foi atento a isso que o constituinte apenas previu a
instituição de pedágios em vias intermunicipais e interestaduais.
Vê-se que o município de São Paulo, após seguidas administrações
que levaram sua saúde financeira a estado terminal, agora busca finan-
ciar a construção de ruas por meio da iniciativa privada. Até aí, tudo
bem. No entanto, a forma proposta para tapar o rombo orçamentário só
vai servir aos mais abastados, que poderão pagar mais um tributo para
poder circular com seus automóveis pela cidade. Isto é, além de pagar
IPI, ICMS, imposto sobre combustíveis, IPVA e licenciamento, terá de

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pagar mais um tributo para poder circular nas vias urbanas. Tal tributa-
ção conota verdadeiro confisco, esbarrando, então, em outra limitação
ao poder de tributar, expressa no artigo 150, IV, da Constituição Federal.
Além disso, cria-se uma forma odiosa de discriminação social, pois
o rico poderá circular livremente pela via “pública” de qualidade, a
qual será mantida com a arrecadação do pedágio e terá um trânsito
mais livre, enquanto o mais pobre terá de ficar parado na via pública,
que tem a qualidade que bem conhecemos. É o poder aquisitivo dife-
renciando as pessoas, diante de um bem público e demasiadamente
necessário para que as pessoas gozem da forma mais rudimentar de
liberdade, que é o direito de locomoção.
Trata-se de solucionar o problema somente para as classes mais
abastadas, relegando ao resto o caos hoje instaurado. Tal fato acaba
por contrariar outro dispositivo constitucional, que estabelece como
objetivo da República Federativa do Brasil a erradicação da marginali-
zação e a redução das desigualdades sociais, bem como a construção
de uma sociedade justa e livre.
A cobrança do pedágio não representará melhoria nenhuma para os
demais cidadãos (sejam eles usuários de transporte privado ou público),
uma vez que o projeto de lei não prevê nenhuma forma de retorno das
verbas arrecadadas ao município, ficando os efeitos de tal dinheiro limi-
tados aos usuários das vias taxadas e à empreiteira que a administrar.
O peso do erro acumulado através dos anos, que deixou esse patri-
mônio negativo, tem que ser compartilhado com todos, ricos e pobres.

Celso Ribeiro Bastos, 61, advogado constitucionalista, é professor de pós-graduação


em direito constitucional e direito das relações econômicas internacionais da PUC
(Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo e diretor geral do IBDC (Instituto Bra-
sileiro de Direito Constitucional). E-mail: ibdc@aldeiaglobal.com.br

Fonte: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0910199909.htm>. Acesso em: 30 jun. 2013.

Movimento argumentativo de concessão


O movimento de concessão é considerado um pouco mais complexo do que os
movimentos de aprovação e refutação. Ele fundamenta-se na existência de uma
contradição aparente que será resolvida. Apresentam-se, inicialmente, argumentos
que conduzem a uma conclusão A para, em seguida, apresentar argumentos que
negam parcialmente a conclusão A e conduzem a uma conclusão B. Admite-se a
afirmação inicial, mas contesta-se que ela possa levar a conclusão sugerida ou sub-
tendida. Essa conclusão é recusada ou modificada e é frequentemente em função
dessa modificação ou recusa que se descobre o que podia ser a conclusão inicial.

164 Aula 6 Leitura e Produção de Texto II


O movimento de concessão realiza um movimento de argumento em dois tempos,
conforme Vigner (1996):
Em primeiro lugar, apresenta-se um argumento que vai à mesma direção que
o argumento anterior proposto por um interlocutor em relação a um determinado
ponto de vista, ou seja, há uma tentativa de estabelecimento de um acordo, de
uma negociação entre quem argumenta e quem contra-argumenta, chegando
o contra-argumentador a aceitar que, em um determinado ponto, o argumento
anterior é admissível e plausível.
Mas, num segundo passo desse movimento, dá-se uma mudança de orien-
tação argumentativa, com a finalidade de guiar o interlocutor, assim, se opõem
argumentos que vão à direção oposta e tem um valor maior do que o argumento
anterior. Este contra-argumento tem a intenção de retificar o que até então tinha
sido exposto. É uma estratégia de grande poder argumentativo e com força de
convencimento intensa.
Para Charaudeau (2012, p. 2018), o raciocínio da concessão se insere num
raciocínio dedutivo, por haver uma forte analogia na formação lógica destes dois
modos de encadeamento mental de argumentos. Para o autor “consiste em aceitar
A1, em colocá-la como verdadeira (fazer uma concessão) e ao mesmo tempo,
retificar a relação argumentativa”, ou seja, inicialmente, admite-se a afirmação de
partida, mas contesta-se que ela possa levar à conclusão proposta ou subtendida.
Plantin (2008, p. 85), refletindo sobre o movimento de concessão, analisa que:

pela concessão, o argumentador modifica sua posição diminuindo suas exi-


gências ou concordando com o adversário em pontos controversos. Do ponto
de vista estratégico, ele recua em nome do bom funcionamento das coisas. A
concessão é um momento essencial da negociação, entendida como discus-
são sobre um desacordo aberto, tendendo ao estabelecimento de um acordo.

Podemos destacar como principais marcadores de concessão: i) as conjunções


concessivas: embora, apesar de, mesmo que, conquanto, ainda que, se bem que,
posto...; e ii) as conjunções adversativas em algumas construções: concordo, no
entanto...; sim, mas...; você tem razão, mas... etc.

Aula 6 Leitura e Produção de Texto II 165


Expressões para marcar um movimento de concessão

As expressões destinadas a marcar um movimento de concessão


são muitas. Estes recursos linguísticos são muito eficazes quando uti-
lizados para convencer alguém. Você pode usar:

„ Pode ser que...

„ Não é de todo impossível que...

„ A questão é se...

„ Provavelmente... mas...

„ Mas é claro...

„ É perfeitamente aceitável... mas...

Essas expressões podem ser adicionadas a todas as formas e expres-


sões que são organizados da seguinte forma:

Reconhecimento dos fatos Oposição

„ reconhecer, admitir, conceder mas

„ é verdade / realidade / certo / seguro em realidade

„ certamente finalmente

„ definitivamente porém

„ evidentemente ainda

„ incontestavelmente assim mesmo

„ indubitavelmente

„ inegavelmente

„ efetivamente

Há duas maneiras de dar o seu parecer:

166 Aula 6 Leitura e Produção de Texto II


1) Neutra: reconhecer os fatos e aconselhar;

2) Pessoal: começar por dar a sua opinião e reconhecer os fatos.


Fonte: Adaptado de Vigner (1996, p. 54-69).

Veja a seguir um exemplo do movimento argumentativo de conces-


são no artigo disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticia_imp.
php?req=impresso,embora-excepcional-renuncia-do-papa-nao-era-imprevisi-
vel-,1000742,0.htm>. Acesso em: 28 fev. 2013.

Embora excepcional, renúncia do papa não era imprevisível


24 de fevereiro de 2013 | 2h 05
Mario Vargas Llosa - O Estado de S. Paulo

Não sei por que razão a abdicação de Bento XVI causou tanta sur-
presa; embora excepcional, não era algo imprevisível. Bastava vê-lo,
fragilizado e como perdido no meio das multidões nas quais sua fun-
ção obrigava que ele submergisse, fazendo esforços sobre-humanos
para parecer o protagonista destes espetáculos obviamente estranhos
ao seu temperamento e vocação. Diferentemente do seu predecessor,
João Paulo II, que se movia como um peixe n’água entre essas massas
de fiéis e curiosos que o papa congrega em todas as suas aparições,
Bento XVI parecia totalmente alheio a esses faustos gregários que
constituem tarefas imprescindíveis do pontífice na atualidade. Desse
modo compreende-se melhor sua resistência a aceitar a cadeira de
São Pedro que lhe foi imposta pelo conclave, há oito anos, e à qual,
como ficamos sabendo agora, nunca aspirou. Só abandonam o poder
absoluto com a facilidade com que ele acaba de fazê-lo aqueles raros
indivíduos que, em vez de cobiçá-lo, depreciam-no.
Não era um homem carismático nem um comunicador, como Karol
Wojtyla, o papa polonês. Era um homem de biblioteca e de cátedra, de
reflexão e de estudo, seguramente um dos pontífices mais inteligentes
e cultos que a Igreja Católica teve em toda a sua história. Numa época
em que as ideias e as razões importam muito menos que as imagens
e os gestos, Joseph Ratzinger já era um anacronismo, pois pertencia
ao grupo mais seleto de uma espécie em extinção: o dos intelectuais.
Refletia com profundidade e originalidade, respaldado por uma enorme
informação teológica, filosófica, histórica e literária, adquirida na de-
zena de línguas clássicas e modernas que dominava, entre elas latim,
grego e hebraico. Embora concebidos sempre dentro da ortodoxia cristã,
mas com um critério muito amplo, seus livros e encíclicas ultrapas-

Aula 6 Leitura e Produção de Texto II 167


savam com frequência o estritamente dogmático e continham reflexões
inovadoras e ousadas sobre os problemas morais, culturais e
existenciais do nosso tempo que leitores ateus podiam ler com proveito e,
muitas vezes — como aconteceu comigo — com profunda perturbação.
Seus três volumes dedicados a Jesus de Nazaré, sua pequena autobiografia
e suas três encíclicas — sobretudo a segunda, Spe Salvi, de 2007, dedicada
à análise da natureza bifronte da ciência que pode enriquecer de maneira
extraordinária a vida humana, mas também destruí-la e degradá-la —
têm um vigor dialético e uma elegância expositiva que as destacam ni-
tidamente entre os textos convencionais e redundantes, escritos para os
convictos, que, há muito tempo, o Vaticano costuma produzir.
Período de crise. Bento XVI viveu num dos períodos mais difíceis
enfrentados pelo Cristianismo em seus mais de 2 mil anos de história.
A secularização da sociedade avança a largos passos, principalmente
no Ocidente, cidadela da Igreja até poucas décadas atrás. Esse proces-
so se agravou com os grandes escândalos de pedofilia nos quais estão
envolvidas centenas de sacerdotes católicos, que parte da hierarquia
protegeu ou tratou de ocultar e continuam se revelando em toda parte,
ao lado das acusações de lavagem de dinheiro e de corrupção que atin-
gem o Banco do Vaticano. O furto de documentos perpetrado por Paolo
Gabriele, o próprio mordomo e homem de confiança do papa, trouxe
à luz as lutas ferozes, as intrigas e os obscuros enredos de facções e
dignitários da Cúria Romana que o poder tornou inimigos.
Ninguém pode negar que Bento XVI respondeu a esses desafios
descomunais com valentia e determinação, embora sem sucesso. Ele
fracassou em todas as suas tentativas, porque a cultura e a inteligên-
cia não bastam para se orientar no labirinto da política terrena e para
enfrentar o maquiavelismo dos interesses criados e os poderes fáticos
no seio da Igreja, outro ensinamento trazido à luz nesses oito anos de
pontificado de Bento XVI, que foi descrito, com toda justiça, pelo jor-
nal L’Osservatore Romano como “um pastor rodeado por lobos”.
Mas é preciso reconhecer que, graças a ele, o reverendo Marcial
Maciel Degollado, o mexicano de antecedentes satânicos, recebeu por
fim um castigo oficial na Igreja e a congregação fundada por ele, a
Legião de Cristo, que até então havia recebido apoios vergonhosos na
mais alta hierarquia vaticana, está sendo reformulada. Bento XVI foi
o primeiro papa a pedir perdão pelos abusos sexuais em colégios e
seminários católicos, a se reunir com associações de vítimas e a con-
vocar a primeira conferência eclesiástica com a finalidade de colher
o testemunho das próprias vítimas e de estabelecer normas e regula-
mentos com o propósito de evitar a repetição no futuro de semelhantes
iniquidades. Mas também é certo que nada disso bastou para apagar o
desprestígio trazido para a instituição, pois constantemente continuam

168 Aula 6 Leitura e Produção de Texto II


aparecendo inquietantes sinais de que, apesar das diretivas dadas por
ele, em muitos lugares, os esforços das autoridades da Igreja ainda
são orientados a proteger ou dissimular os crimes de pedofilia que são
cometidos, mais que a denunciá-los e puni-los.
Tampouco tiveram aparentemente muito sucesso os esforços de
Bento XVI para pôr fim às acusações de lavagem de dinheiro e de tran-
sações criminosas do Banco do Vaticano. A expulsão do presidente da
instituição, Ettore Gotti Tedeschi, próximo da Opus Dei e protegido do
cardeal Tarcisio Bertone, por “irregularidades de sua gestão”, decidida
pelo papa, bem como sua substituição pelo barão Ernst von Freyberg,
ocorrem tarde demais para impedir os processos judiciais e as inves-
tigações policiais já em andamento. Relacionadas, aparentemente, a
operações comerciais ilícitas e transações que alcançariam cifras as-
tronômicas, só contribuirão para corroer a imagem pública da Igreja e
confirmar que, no seu interior, o terreno predomina às vezes sobre o
espiritual, e no sentido mais ignóbil do termo.
Conservador. Joseph Ratzinger pertencia ao setor mais progressista
da Igreja durante o Concílio Vaticano 2.º, no qual foi assessor do cardeal
Frings e onde defendeu a necessidade de um “debate aberto” sobre to-
dos os temas, mas logo foi se alinhando com a ala conservadora. Poste-
riormente, como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (a antiga
Inquisição), foi um adversário decidido da Teologia da Libertação e de toda
forma de concessão em temas como a ordenação de mulheres, o aborto,
o casamento homossexual e até mesmo o uso de preservativos que, em
algum momento do seu passado, havia chegado a considerar admissível.
Evidentemente, isso fazia dele um anacronismo dentro do anacro-
nismo que a Igreja se tornou. Mas suas razões não eram tolas nem
superficiais e os que a rechaçam devem procurar entendê-las, por mais
extemporâneas que nos pareçam. Estava convencido de que, se a Igre-
ja Católica começasse a se abrir para as reformas da modernidade,
sua desintegração seria irreversível e, em vez de abraçar a sua época,
entraria em um processo de anarquia e deslocamentos internos. Tudo
isso acabaria transformando-a em um arquipélago de seitas em luta
entre si, algo semelhante às igrejas evangélicas, algumas circenses,
com as quais o catolicismo compete cada vez mais — e sem muito su-
cesso — nos setores mais deprimidos e marginais do Terceiro Mundo.
A única maneira de impedir, em sua opinião, que o rico patrimônio
intelectual, teológico e artístico fecundado pelo Cristianismo se dila-
pidasse em uma barafunda revisionista e em uma feira de disputas
ideológicas seria preservando o denominador comum da tradição e do
dogma, embora significasse que a família católica foi se reduzindo e
marginalizando cada vez mais em um mundo devastado pelo materia-
lismo, pela cobiça e pelo relativismo moral.

Aula 6 Leitura e Produção de Texto II 169


Veredito. Julgar até que ponto Bento XVI agiu de maneira acertada
ou não a esse respeito é algo que, evidentemente, cabe apenas aos
católicos. Mas nós, não crentes, não deveríamos festejar como uma
vitória do progresso e da liberdade o fracasso de Joseph Ratzinger no
trono de São Pedro. Ele não só representou a tradição conservadora
da Igreja como também sua melhor herança: a da ilustre e revolucio-
nária cultura clássica e renascentista que, não podemos esquecer, a
Igreja preservou e difundiu, por meio de seus conventos, bibliotecas
e seminários, a cultura que impregnou o mundo com ideias, formas e
costumes que acabaram com a escravidão e, distanciando-se de Roma,
tornaram possíveis as noções de igualdade, solidariedade, direitos hu-
manos, liberdade e democracia, impulsionando decisivamente o de-
senvolvimento do pensamento, da arte, das letras e contribuindo para
acabar com a barbárie e para promover a civilização.
A decadência e a vulgarização intelectual da Igreja evidenciada pela
solidão de Bento XVI e a sensação de impotência que aparentemente o
rodearam nesses últimos anos são sem dúvida fatores primordiais de
sua renúncia e um vislumbre inquietante de quão incompatível nossa
época seja com tudo o que representa vida espiritual, preocupação
pelos valores éticos e vocação pela cultura e pelas ideias.

Tradução de Anna Capovilla


Mario Vargas Llosa, escritor peruano, recebeu o prêmio Nobel de Literatura em 2010.
Fonte: <http://www.estadao.com.br/noticia_imp.php?req=impresso,embora-excepcional-renuncia-do-papa-
nao-era-imprevisivel-,1000742,0.htm>. Acesso em: 28 fev. 2013.

O artigo em questão fundamenta-se na existência de uma contradição aparente


que será resolvida. Apresentam-se, inicialmente, argumentos que conduzem a
uma conclusão A para, em seguida, apresentar argumentos que negam parcial-
mente a conclusão A e conduzem a uma conclusão B.

„ O título já se apresenta com a conjunção concessiva “embora” marcando


uma contradição aparente: “Embora excepcional, renúncia do papa não
era imprevisível”.

„ Como a concessão é um momento essencial da negociação, entendida como


discussão sobre um desacordo aberto (“Não sei por que razão a abdicação
de Bento XVI causou tanta surpresa”), tendendo ao estabelecimento de um
acordo, o argumentador do ponto de vista estratégico, recua (utilizando uma
conjunção concessiva, já no título e na primeira linha do artigo) em nome
do bom funcionamento das coisas.

170 Aula 6 Leitura e Produção de Texto II


„ Percebe-se que há uma tentativa de estabelecimento de um acordo, de uma ne-
gociação entre quem argumenta (defendendo que a abdicação do Papa causou
surpresa) e quem contra-argumenta (a abdicação de Bento XVI não era algo
imprevisível), chegando o contra-argumentador a aceitar que em um determi-
nado ponto o argumento anterior é admissível e plausível, isso se verifica no
uso da conjunção concessiva “embora”.

„ A mudança de orientação argumentativa se dá através dos articuladores enun-


ciativos ou discursivo-argumentativos (KOCH, 1999). No artigo, percebemos
claramente a presença de articuladores marcando o movimento concessivo, entre
eles temos as conjunções concessivas e as conjunções adversativas, vejamos:

“embora excepcional, não era algo imprevisível”.

“Embora concebidos sempre dentro da ortodoxia cristã, mas com um critério


muito amplo, seus livros e encíclicas ultrapassavam com frequência o estri-
tamente dogmático e continham reflexões inovadoras e ousadas”.

“Ninguém pode negar que Bento XVI respondeu a esses desafios descomunais
com valentia e determinação, embora sem sucesso...”.

“Mas é preciso reconhecer que, graças a ele, o reverendo Marcial Maciel De-
gollado, o mexicano de antecedentes satânicos, recebeu por fim um castigo
oficial na Igreja...”.

“Tampouco tiveram aparentemente muito sucesso os esforços de Bento XVI


para pôr fim às acusações de lavagem de dinheiro e de transações criminosas
do Banco do Vaticano.”

Na concessão há o respeito, por parte do argumentador, de uma validade em rela-


ção a um ponto de vista diferente do seu (a abdicação do Papa era algo imprevisível),
porém, esse reconhecimento não anula as próprias convicções que o argumentador
certamente tem consigo acerca do fato em discussão. Ele demonstra plena certeza da
sua tese (“Não sei por que razão a abdicação de Bento XVI causou tanta surpresa”).
No texto, dá-se uma mudança de orientação argumentativa com a finalidade
de guiar o interlocutor, assim, se opõem argumentos que vão à direção oposta e
têm um valor maior do que o argumento anterior. Vejamos alguns argumentos
que fundamentam a tese e fornecem evidências para apoiar a conclusão que o
argumentador quer compartilhar:

“Bastava vê-lo, fragilizado e como perdido no meio das multidões nas quais
sua função obrigava que ele submergisse, fazendo esforços sobre-humanos
para parecer o protagonista destes espetáculos obviamente estranhos ao seu
temperamento e vocação.”

Aula 6 Leitura e Produção de Texto II 171


“Não era um homem carismático nem um comunicador, como Karol Wojtyla,
o papa polonês. Era um homem de biblioteca e de cátedra, de reflexão e de
estudo, seguramente um dos pontífices mais inteligentes e cultos que a Igreja
Católica teve em toda a sua história.”

“Bento XVI viveu num dos períodos mais difíceis enfrentados pelo Cristia-
nismo em seus mais de 2 mil anos de história.”

“Ele fracassou em todas as suas tentativas, porque a cultura e a inteligência não


bastam para se orientar no labirinto da política terrena e para enfrentar o ma-
quiavelismo dos interesses criados e os poderes fáticos no seio da Igreja, [...]”.

Leitura complementar

CHARAUDEAU, Patrick. Modo de organização argumentativo. In: ______. Lin-


guagem e discurso: modos de organização. São Paulo: Contexto, 2009.
Para maior aprofundamento sobre os movimentos argumentativos, você pode
fazer a leitura da obra indicada.
Nela, Patrick Charaudeau apresenta de forma mais completa os modos de
organização do texto argumentativo.

Resumo

Nesta aula, sintetizamos os nossos estudos em relação aos movi-


mentos argumentativos de aprovação, refutação e concessão. Ressal-
tamos que os movimentos argumentativos definem a direção geral de
uma argumentação, sinalizando o posicionamento do sujeito em rela-
ção aos argumentos que lhe são expostos. Você viu como se estabelece
cada movimento e que a presença de um movimento argumentativo
global presente num texto não exclui a participação de outros movi-
mentos no interior desse mesmo texto.

172 Aula 6 Leitura e Produção de Texto II


Autoavaliação
Nesta aula, estudamos os movimentos argumentativos e sua importância em
definir a direção geral de uma argumentação, sinalizando o posicionamento do
sujeito em relação aos argumentos que lhe são expostos. Partindo das análises
feitas, leia o artigo a seguir e verifique qual o movimento argumentativo global
presente no texto e quais as estratégias e operadores empregados para encadear
o movimento argumentativo.

A renúncia e as ruínas
Por Ivo Lucchesi em 26/02/2013 na edição nº 735

O ato renunciante de Bento XVI exibe, para a legião de católicos


em todo o mundo, grito de alerta e um espasmo de esmorecimento.
É como se alguém dissesse: “Não suporto mais!” A retidão ética e a re-
sistência ortodoxa, traços marcantes na história de sua personalidade,
impedem de levar adiante o mandato vitalício. Bento XVI, ao anun-
ciar, em caráter irrevogável, a renúncia, sutilmente, no melhor estilo
germânico, recatado, produz a abertura necessária ao questionamento
do que, realmente, ocorre nos subterrâneos das muralhas do Vaticano,
extensivo às arquidioceses espalhadas pelo mundo.
A mídia brasileira, ciente de ter diante de si, por estatística, a maior
população de católicos no mundo, sem levar em conta de que os reais
praticantes são bem menos, adota uma postura oscilante: uma pauta mis-
ta entre a sugestão de denúncia do renunciante e informações quanto ao
possível sucessor. Nossa mídia adora uma média! Para ela, o que importa
é não perder leitores nem audiência. A verdade fica em segundo plano.

O manto da hipocrisia

É insólito o fato histórico de, no centro pulsante do coração de Roma,


haver um Estado independente: República de San Marino. Ocorrência
similar não se verifica no judaísmo, no islamismo, menos ainda, na
vertente cristã do protestantismo. Não abordaremos, aqui, as razões
históricas (ou histéricas) que firmaram o fato. Basta o registro dele.
Ao instalar-se o Estado autônomo, foi aberto o portal para práticas de-
lituosas, seja no plano moral, seja no âmbito econômico-financeiro, a
exemplo do escândalo que, há décadas, envolveu o Banco Ambrosiano.
É claro que matérias jornalísticas, publicadas em diversas partes do
mundo, trazem conteúdos cuja origem só pode provir de fontes inter-
nas do Vaticano. Sexo e corrupção vêm à tona. De quem jornalistas

Aula 6 Leitura e Produção de Texto II 173


extraem tais informações? Não será Bento XVI a declará-las. Não, ele
não quer mais desgastes. Para tanto, usou a frase: “Não tenho mais
força!” A que força Bento XVI se referiu? Física ou política? As cres-
centes denúncias de corrupção e de desvios sexuais, dentro e fora das
fronteiras do Vaticano, deixam claro que a razão é política. O papa
não está vendendo barato sua renúncia. Deixa, para o sucessor, pe-
sado fardo. O enfrentamento ou a cumplicidade silenciosa. Enfim, a
renúncia de Bento XVI envia uma mensagem, sem negociações: ou a
igreja católica assume uma estratégia de varredura, eliminando todas
as vergonhas de ordem sexual e econômico-financeiras, ou terá de se
expor a sucessivos desgastes de sua credibilidade.
Qual foi o impasse subjetivo de Bento XVI para, com sua ortodoxia,
não mais levar adiante sua função vitalícia? A rigidez germânica de
suas convicções ortodoxas. Com a renúncia, ele diz ao sucessor: “Por
favor, promova as transformações necessárias!” Quais? A principal de-
las, no mundo de hoje, é a de liberar o clero para constituir família,
a exemplo do que Martin Lutero, há séculos, entendeu ser a solução.
Estatísticas são reveladoras: quantos casos de desvios sexuais ocor-
reram na vertente cristã protestante, em confronto com as denúncias
de perversão sexual nas hostes católicas? A diferença é assombrosa.
A razão que instituiu o celibato, na Idade Média, foi de ordem eco-
nômica. Foi o modo encontrado pelo Vaticano para manter controle
rígido e receita garantida sobre cada paróquia no mundo. Somente os
mais crédulos ainda creem que não houve união carnal entre Jesus e
Madalena. Não há, portanto, nenhum fundamento religioso, capaz de
condenar uma relação amorosa.
A hipocrisia mórbida (contra si) e perversa (contra o outro) que,
ainda, rege o imaginário falido do Vaticano precisa, urgentemente, ser
aniquilada. Que o sucessor tenha a coragem e força para libertar o
corpo de futuras gerações de cônegos, padres, bispos, cardeais e papas
de uma “prisão” que violenta as leis da natureza. Se o Vaticano não
libertar corpos, perderá mentes. Remover o manto da hipocrisia é a
palavra de ordem. Se, assim, não for, haverá de multiplicarem-se as
ruínas, até as muralhas se desmancharem de vergonha.

Ivo Lucchesi é ensaísta, articulista, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor
titular de Linguagem Impressa e Audiovisual da FACHA (RJ).

Fonte: <observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed735_a_renuncia_e_as_ruinas>. Acesso em: 28 fev. 2013.

174 Aula 6 Leitura e Produção de Texto II


Referências
CHARAUDEAU, Patrick. Modo de organização argumentativo. In: ______.
Linguagem e discurso: modos de organização. São Paulo: Contexto, 2012. p.
201-249.

KOCH, Ingedore Grunfeld Villaca. Argumentação e linguagem. 5. ed. São


Paulo: Cortez,1999.

PLANTIN, Christian. A argumentação. São Paulo: Parábola, 2008.

TUTESCU, Mariana. L’Argumentation: introduction à l’étude du discours.


Bucuresti: Universitátii din Bucuresti, 2005.

VIGNER, G. Écrire pour convaincre: observer...s’antraîner...écrire. Paris:


Hachette Livre, 1996. p. 54-69.

Anotações

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