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e te direiquem és: a
política do sofrimento
contemporâneo
Marcus QUINTAES
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retendo postular nas próximas linhas certa hipótese teor
C a que diz respeito a considerar que cada momento histo-
rico-cultural produz, de maneira quase sintomática, uma certa
estrutura clinica que perdurará e ganhará um lugar de desta-
que dentro desse contexto. Seguirei pensando que se, nesse
sentido, todo analista deve situar-se no horizonte subjetivo de
sua época, como pode encarar as novas imagens do sofrimento
psiquico de nosso tempo? Trata-se de reconhecero que ha de
momento cultural.
estavam localizados
A nisteria
trouxe à tona os elementosque coletva da
na sombra de determinada construção social
uma
alem da propria
poca: a sexualidade, o gozo e o corpo feminino,
palavra da mulher que havia se tornado uma espécie de Cassan
rd moderna. A histeria aparece sendo a estrutura cinica
como
iremos considerar
vangar em nossa hipótese teórica,
d o hnal do século X X - meados de 1980 - ate o in
315
cio do século XXI - 0 inicio dos anos 2000-, há uma outra
ordenação subjetiva e novas coordenadas simbólicas e agora
não mais a histeria aparece como a categoria fundamental ou
prioritária do sofrimento psiquico. O que aparecerá nesse mo-
mento é uma outra modalidade de sofrimento psíquico. O que
nós assistimos no final do século XX é o que muitos historia-
dores chamam de uma epidemia dos afetos depressivos.
A depressão torna-se então essa manifestação clinica que
abarca toda a consciência coletiva de uma determinada época
e se se faz efeito de um tipo de construção econômica social
vigente nesse período. Podemos pensar em uma relação do
capital e da vida psiquica, de modos de estruturação de sub-
jetividades produzidas por modelos neoliberais produtivos,
económicos que são causadores de um sofrimento psíquico.
Pensando que, na justa medida em que os modelos neoliberais
promovem a exaltação de um sujeito empreendedor de si mes-
mo, de um sujeito performático, de um sujeito que faz de si a
sua própria organização a ser gerenciada, todo aquele que não
responde a essa regra ou que de algum modo não se adequa a
esses princípios se revela uma peça fora da engrenagem. Nes-
se sentido, podemos pensar que o deprimido é a peça fora da
engrenagem do sistema do capital ou de um capital regido por
uma certa modalidade neoliberal.
ASsim, a depressão pode ser pensada tanto quanto algo ua
ordem de um sofrimento mental, de um transtorno- como
OS DSMs irão interpretar, mas
também como um sintoma
SOCial. Um sintoma do
sofrer psíquico, mas tambem um
s
frimento social.
sujeito deprimido também irá inaugurar uma nova ta
tasia
arquetipica sobre o honmem e a vigência de um novo nito
sobre a psique. Essa nova fantasia arquetipica é a mitologia ude
nomem cerebral. IDo inconsciente para o cérebro. Ou se)u * ,
3/8
não à dúvida, que Sequer e modifcável pela confrontacão
Com a realidade.
autorreterente e
1Smo às avessas. O paranoico é um sujeito
elimina o acaso. E esse carater narCist
OISequentemente negald
0 carater
paranoico possui que explicará
Sujeito
maníaco dos seus delírios.
essencialnmente
narciSICO,
Oquc
See sujeito é unm sujeito
de uma
dudlea
desdobramento o
c o m o um torma,
uemos pensar e,
que, torna. dessa
Podemos pensar
arquetípicada paranoia?
confia. Ele vigia. Ele
esta
sennpre
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em alerta. O paranoico é um eterno vigilante. Logo, todo para-
noico se considera sempre unico. Ou seja, considerar-se único.
acreditar-se único, é sempre paranoicO. Ao se acreditar único.
o paranoico é aquele que acredita ser o possuidor de uma ver-
irá
tempo todo pelo fato de que alguém
re-
tem ameaçados o
fantasia
tirá-los do cargo que ocupam. A fantasia de complô,
a
80
duz. Por que é um discurso que seduz? Porque o discurso pa-
ranoico apresenta certeza, verdade e garantia. Ou seja, o para-
noico seduz pela convicção das suas interpretações. Ele seduz
pela convicção das interpretações e pelas conclusöes delirantes
que obténm a partir disso.
Pensem nos fenômenos religiosos, pensem nas igrejas e
na figura de um pastor ou de um político. Tanto na religião
quanto na política, o pastore o político- alguns, não todos
- revelam-se como lideres paranoicos a ditar para seus re-
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desordem do Self. Uma patologia do Self. Uma forma muito
específica e particular de o Self funcionar.
Essa é uma primeira interpretação, mas Hillman (1993) se-
gue adiante e apresenta uma segunda: a paranoia é o fracasso
da metaforização, ou seja, há a ausência da partícula ficcional
a que Jung se referiu: o "como se'. Essa partícula funcional é
o que permite que nós possamos estabelecer com as imagens
uma relação ficcional, poética, simbólica, imaginativa, metafó-
rica. A partir daí, desse jogo metafórico, uma criação de uma
polissemia de sentidos, de uma pluralidade de significações
Se essa partícula ficcional não se apresenta na paranoia, se o
"como se" fracassa, podemos pensar que a paranoia é a preva-
lência do literalismo. A paranoia é a prevalência do literalismo
e o fracasso do metafórico.
Na paranoia, o congelamento das imagens não permite que
se opere o jogo transformador da operação do fazer-alma. Im-
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forizar, uma impossibilidade do fazer-alma, uma precarização
do ficcional e uma prevalência do literalismo.
Vamos acrescentar um terceiro ponto ainda: a paranoia
como a tirania da unificação. O sujeito paranoico é o sujeito
abrir-se para a pluralidade. Ao não conse-
que não consegue
guir abrir-se para o que é diverso de mesmo, paranoico
si o
binário e
estabelece um tipo de relação com o mundo que é
excludente: Nunca
eu o u o outro. eu e o outro. Não há condi-
de existência
ção de alteridade. Uma condição de permissão
é
da diferença. O que podemos dizer, então, é que paranoia
a
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Não é exatamente esta dinåmica que estamos assistindo no
Brasil e em vários outros paises: uma espécie de recrudesci-
mento de discursos populistas, extremistas de direita? Exata-
mente isso: uma lógica paranoica, que agora ganha um formato
de dispositivo político, de atividade politica e de uma duvidosa
ética politica em que esses lideres de extrema direita - Trump,
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A questão é como nós, junguianos, podemos nos articular
eoquefazer diante desse fenômeno. Talvez a questão seja que,
para a psicologia analítica, sendo uma prática inteiramente tri-
butária de um direito à multiplicidade, pluralidade como con-
dição fundante de um psiquismo-o inconscientejunguiano
é um inconsciente plural, múltiplo, diverso- trata-se de uma
tareta ética que nós possamos, de alguma maneira e sem ne-
nhum pudor de dizer isso, levantar bandeiras a favor do múl-
tiplo, diante dos discursos homogêneos que tentam nos calar
ou que tentam transformar tanto a realidade social, cultural
quanto a realidade psíquica em uma terra devastada. Terra
devastada em que apenas um sentido prevalece - o sentido
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Referências
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ZOJA, L. Paranoia - La locura que hace la historia. Fondo de
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