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CLÍNICA

As hiperbáricas levam à síndrome de Hipertensão Intracraniana (HIC), com todas as suas graves
consequências (coma, cefaleia, vômitos). A hidrocefalia normobárica leva a uma síndrome
caracterizada por: demência, liberação esfincteriana, apraxia da marcha e parkinsonismo. Deve ser
sempre incluída no diagnóstico diferencial de indivíduos com deficit cognitivo recente e dificuldade
de deambulação. A hidrocefalia ex-vacuum não acarreta problemas – na verdade, é apenas uma
consequência da atrofia parenquimatosa. Às vezes, pode ser difícil diferenciar hidrocefalia ex-
vacuum da hidrocefalia normobárica na presença de atrofia cerebral.

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TRATAMENTO

Exceto na ex-vacuum, todas as outras devem ser tratadas com a instalação de um shunt ventricular
externo (agudas) ou ventriculoperitoneal (crônicas). As hiperbáricas apresentam pronta resposta
clínica e queda na PIC. A resposta da normobárica é bastante variável e um tanto imprevisível –
alguns neurocirurgiões optam por realizar punções lombares repetidas, para observar se há
melhora sintomática, antes de indicar a derivação.

ESTADO COMATOSO

DEFINIÇÃO

O estado de coma é um estado no qual o paciente não responde aos estímulos ambientais (nem
verbais vigorosos), mantendo-se constantemente em sono profundo. Dizemos que o coma é o
máximo do rebaixamento do nível de consciência (capacidade de se manter alerta). O coma pode
ser precedido por estados pré-comatosos...

Estados pré-comatosos:

● Torpor ou estupor: sono profundo, com pouca resposta aos estímulos, sons ininteligíveis;

● Sonolência: sono persistente, mas facilmente acordável, com breves períodos de lucidez;
● Letargia: não resposta aos estímulos auditivos, com breves períodos de lucidez;

● Estado confusional: perda total da atenção, mantendo um quadro de fala inapropriada e


incoerente. Pode vir associado à agitação psicomotora, quando é chamado de delirium.

Estados que podem ser confundidos com o coma:


● Estado vegetativo (“coma vígil”): estado no qual o paciente mantém a abertura ocular,
mas sem nenhuma interação com o examinador e com o meio externo (alguns até mantêm
o ciclo de abertura ocular sono-vigília). Indica lesão cortical difusa, com manutenção do
tronco encefálico. Na imensa maioria das vezes, o estado vegetativo é irreversível e sua
causa mais provável é a encefalopatia pós-anoxia cerebral (pós-PCR);
● Mutismo acinético: o paciente está acordado, entende tudo que falam para ele, mas está
irresponsivo simplesmente pela perda total da iniciativa (abulia). Está presente na
síndrome do lobo frontal (lesão extensa bilateral do lobo frontal);

● Catatonia: quadro psiquiátrico irresponsivo, que ocorre na depressão maior e na


esquizofrenia.

PATOGENIA

Na formação reticular do mesencéfalo e no núcleo centromediano do tálamo, encontra-se um


grupo de neurônios que compõem a chamada “Formação Reticular Ascendente” (FRA) ou
“sistema reticular ascendente”. Estes neurônios mandam axônios para fazer sinapse com todo o
córtex cerebral. Durante a sua ativação, a atividade elétrica cortical aumenta, mantendo o
indivíduo acordado (vigília) e consciente. A diminuição da atividade dos neurônios da FRA reduz
a atividade cortical, fazendo a pessoa dormir (sono).

O estado de coma é um estado de sono profundo, no qual o paciente não pode ser acordado. O
coma instalar-se-á quando a FRA for comprimida (HIC, herniação cerebral) ou lesada (AVE
isquêmico mesencefálico bilateral).

Um outro mecanismo do coma é a inativação direta de todos os neurônios do córtex cerebral, no


estado pós-ictal da convulsão tônico-clônica, nas intoxicações exógenas e nos distúrbios
metabólicos. Algumas toxinas podem inibir a função do tronco encefálico, como os barbitúricos...

CAUSAS

A lista é extensa, mas devemos classificar todas as causas nos seguintes grupos:
1. Coma por lesão estrutural
TCE, AVE hemorrágico, AVE isquêmico de grande extensão, tumores malignos, abscessos,
toxoplasmose, etc.;

2. Coma pós-anoxia cerebral difusa


Pós-PCR, pós-hipoglicemia grave e prolongada, pós-choque grave e prolongado;

3. Coma por meningoencefalite ou encefalite


Meningite bacteriana ou tuberculosa, encefalites virais, etc.;

4. Coma por hidrocefalia


Qualquer causa de hidrocefalia hiperbárica;

5. Coma endocrinometabólico
Distúrbios da natremia, glicemia (hipoglicemia, síndrome hiperosmolar diabética),
hipercalcemia, hipoxemia, carbonarcose, encefalopatia hepática, urêmica, eclâmpsia,
encefalopatia de Wernicke (deficiência grave de tiamina), coma mixedematoso, crise tireotóxica,
crise addisoniana;

6. Encefalopatia hipertensiva;

7. Coma pós-convulsão ou estado de mal epiléptico não convulsivo;

8. Coma por intoxicação exógena


Etanol, sedativos, anfetamínicos, metanol, etilenoglicol, inseticidas, carbamato, cianeto,
monóxido de carbono, enxofre, etc.

ABORDAGEM

Diante de um paciente em coma, a primeira medida é aferir os sinais vitais e observar a respiração.
Qualquer instabilidade respiratória indica a entubação traqueal com ventilação mecânica. Uma
história clínica (o que aconteceu antes do coma) pode ser a única forma de esclarecer o
diagnóstico... Deve sempre ser perguntado para os familiares sobre as doenças de base (ex.:
hipertensão, diabetes, depressão, etc.) e, fundamentalmente, a história de ingestão de
medicamentos ou tóxicos.
As pupilas são fundamentais na avaliação do estado de coma. Pupilas fotorreagentes e isocoria são
dados indicativos de lesões supratentoriais sem herniação ou doença metabólica/tóxica. Anisocoria
sugere herniação cerebral ou lesão de tronco. Pupilas médio-fixas e anisocoria sugerem lesão
mesencefálica (ou hérnia transtentorial central). Midríase paralítica unilateral faz suspeitar de
hérnia de úncus ou de lesão do III par craniano. Pupilas puntiformes fotorreagentes são
encontradas na hemorragia pontina. Midríase paralítica bilateral é um sinal de péssimo
prognóstico, sendo encontrada em lesões graves de tronco e na morte cerebral, ou eventualmente
na encefalopatia pós-anoxia grave (PCR prolongado).

Os reflexos de tronco devem ser testados. Os principais são o fotomotor e consensual, o ROC (ocu-­
locefálico), o ROV (oculovestibular) e o corneopal­pebral. Faça uma revisão neste momento no
primeiro capítulo, para compreender melhor a fisiologia destes reflexos... O reflexo fotomotor e
consensual depende do mesencéfalo, do III par, do II par (nervo óptico), da retina e da integridade
pupilar. Uma vez excluídos amaurose e problemas na própria pupila, a abolição destes reflexos
(pupilas não fotorreagentes) indica lesão grave do mesencéfalo ou do III par. Os reflexos ROV e
ROC medem a viabilidade dos arcos reflexos que dependem do VIII (vestibular), VI (abducente) e
III (oculomotor) pares cranianos, cujas vias estão na ponte e no mesencéfalo. Estes reflexos são
abolidos pela lesão grave de ponte e pelo coma barbitúrico.

Devem ser dosados eletrólitos, glicemia, escórias nitrogenadas, hepatograma, gasometria. O exame
toxicológico é necessário em todos os casos suspeitos ou nos casos de coma a esclarecer.

A TC de crânio está indicada em todo paciente comatoso cujo diagnóstico não se esclareceu pelos
exames iniciais, ou quando há sinais de coma por lesão estrutural (sinais neurológicos focais, sinais
de herniação cerebral, reflexos de tronco alterados).

A presença de pupilas fotorreagentes e ausência de sinais focais, hiper-reflexia, Babinski bilateral,


mioclonia e flapping são sugestivos de coma metabólico! Num paciente alcoólatra (especialmente
se desnutrido), na ausência de explicação para o estado de coma, deve-se administrar tiamina (100
mg IV) e glicose. Na suspeita de intoxicação exógena por sedativos, administram-se os antídotos de
drogas sedativas (flumazenil, naloxona).

INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

Todo paciente trazido para o hospital em coma deve ter como uma de suas principais hipóteses
uma intoxicação exógena. A presença de frascos ou cartelas de remédio que estavam do seu lado e
o comportamento do indivíduo nas horas prévias ao coma devem ser interrogados com insistência.
Veja na Tabela 10 as principais manifestações das intoxicações exógenas mais comuns e seu
tratamento.

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Tab. 10

Principais intoxicações exógenas


1. Drogas de efeito colinérgico (carbamatos, organofosforados, organoclorados): o
paciente chega com miose, bradicardia, sialorreia, hipersecreção, bradipneia e
miofasciculações. Além da lavagem gástrica e suporte clínico, o tratamento deve ser
prontamente iniciado com atropina 2-4 mg IV (ataque) e 1-2 mg IV 15/15min
(manutenção), acompanhando-se as pupilas e a frequência cardíaca. Depois, pode-
se ir espaçando as doses de atropina para 30/30min, 1/1h. No caso de intoxicação
por organofosforados, existe o antídoto: pralidoxima. A atropina não é um antídoto,
pois não age bloqueando o receptor do veneno – apenas traz a reversão dos
sintomas colinérgicos.

2. Drogas de efeito sedativo (benzodiazepínicos, opioides, barbitúricos):


benzodiazepínicos: diazepam, lorazepam, flunitrazepam, midazolam, etc. Opioides:
morfina, meperidina, fentanil, alfentanil. Barbitúricos: fenobarbital, pentobarbital,
tionembutal. O paciente apresenta-se comatoso, hipotérmico, bradipneico e, às
vezes, hipotenso. Os opioides geralmente deprimem muito a ventilação e causam
miose fotorreagente. Os barbitúricos podem causar midríase (às vezes paralítica) e
até mesmo a perda dos reflexos de tronco e coma Glasgow 3. A intoxicação por
benzodiazepínicos é de bom prognóstico, revertendo facilmente com o flumazenil
(antídoto). O antídoto dos opioides é a naloxona. Os barbitúricos não têm antídoto.
O tratamento é apenas de suporte, e nos casos graves pode-se indicar a
hemodiálise.

3. Drogas de efeito estimulante (cocaína, anfetamina): quadro de hipertensão arterial


grave, taquicardia, taquiarritmias, hipertermia, convulsões, sendo o coma precedido
por agitação psicomotora e delirium (semelhante a um surto psicótico). As pupilas
tendem à midríase. O tratamento deve ser a sedação com altas doses de
benzodiazepínicos. Deve ser evitada a administração de betabloqueadores, pelo
risco de vasospasmo coronariano.

4. Tricíclicos: crise convulsiva tônico-clônica generalizada, arritmias cardíacas


ventriculares, incluindo o torsades de pointes. Terapia de suporte.

5. Álcoois e salicilato: a intoxicação por etanol deve ser tratada com reposição de
tiamina 100 mg, seguida pela reposição de glicose hipertônica 4-5 amp. a 50%, além
da terapia de suporte. O salicilato, o metanol e o etilenoglicol causam coma
associado à grave acidose metabólica com ânion-gap elevado. No tratamento, deve-
se repor bicarbonato de sódio para aumentar a eliminação renal dos metabólitos
ácidos. Só para lembrar algumas coisas: salicilatos – intoxicação comum em
crianças, sendo comum uma gasometria com distúrbio misto (acidose metabólica
com alcalose respiratória); metanol (“álcool da madeira”, usado em produtos de
limpeza) – a intoxicação começa com cegueira súbita; etilenoglicol (usado como
anticongelante) – a intoxicação leva à insuficiência renal por depósito de oxalato de
cálcio nos túbulos renais.

ESCLEROSE MÚLTIPLA

DEFINIÇÃO

Doença desmielinizante do SNC, de mecanismo inflamatório autoimune, acometendo, sob a forma


de lesões características chamadas de “placas”, a substância branca do cérebro, tronco encefálico,
cerebelo, medula espinhal e, tipicamente, o nervo óptico.

FISIOPATOLOGIA

Agressão inflamatória autoimune (geralmente linfócitos T) sobre a bainha de mielina dos axônios
do SNC... Lembre-se de que quem sintetiza mielina no SNC são os oligodendrócitos, enquanto a
síntese de mielina no sistema nervoso periférico fica a cargo das células de Schwann! A perda da
mielina envolve perda de fatores tróficos produzidos por essa camada protetora, levando à
degeneração axonal permanente (o que explica porque após alguns anos as sequelas da EM
acabam se tornando irreversíveis)...

EPIDEMIOLOGIA

Mais comum em mulheres brancas (2:1) na faixa etária de 35-50 anos. Depois do trauma, é a
segunda maior causa de incapacidade neurológica em pessoas jovens.

QUADRO CLÍNICO

O tipo mais comum é o remitente-relapsante, em que cada surto se apresenta de forma aguda ou
subaguda, com disfunção neurológica focal. Os sintomas iniciais mais comuns são: (1) paresia
(mono ou hemiparesia); (2) deficit sensorial localizado (hipoestesia); (3) neurite óptica – dor ocular
associada à perda da acuidade visual. É interessante notar que, na maior parte das vezes, a neurite
óptica é retrobulbar e não pode ser detectada no exame de fundo de olho... É por isso que se diz “o
paciente não enxerga nada, e nem o médico...”. Outras apresentações comuns são: diplopia
(oftalmoplegia internuclear – perda da adução de um ou ambos os olhos), ataxia, vertigens e
disfunção vesical. Dois ou mais deficit provenientes de diferentes áreas do SNC são a regra,
especialmente após uma história de múltiplos surtos (lesões cumulativas). Uma forma evolutiva
menos comum é a forma progressiva (piora inexorável dos sintomas), que pode ser secundária
(após 20-40 anos tendo surtos) ou primária. Deve-se ressaltar: o deficit da esclerose múltipla piora
caracteristicamente com o aumento da temperatura corporal (sinal de Uhthoff), o que tende a ser
reversível!!! A doença costuma evoluir para a disfunção motora grave, em um período médio de 15
anos...

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