Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
FLÁVIO DESGRANGES
PEDAGOGIA DO TEATRO
PROVOCAÇÃO E DIALOGISMO
TEATRO NA EDUCAÇÃO
FLÁVIO DESGRANGES
(Professor da graduação e da pós-graduação do Departamento de Artes Cênicas da
Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC) desde 2015)
A insistência em compreender a ação educaEva
proposta pela experiência teatral como provocação
dialógica, em que o espectador, ou o atuante, ou o
parEcipante, ou o jogador, nos diferentes eventos e
processos teatrais, a parEr de variados contextos e
procedimentos, pode ser esEmulado a efeEvar um
ato produEvo, elaborando reflexivamente
conhecimentos tanto sobre o próprio fazer ar{sEco-
teatral, quanto acerca de aspectos relevantes da
vida social. (2006, p.20)
Tornou-se bastante comum o teatro ser apontado
como valioso aliado da educação, a frequentação a
espetáculos a ser indicada, recomendada como
relevante experiência pedagógica. Esse valor
educacional intrínseco ao ato de assisEr a uma
encenação teatral, contudo, tem sido definido, por
vezes, de maneira um tanto vaga, apoiada em
chavões do Epo: teatro é cultura. Outras vezes,
percebido de maneira reducionista, enfaEzando
somente suas possibilidades didáEcas de
transmissão de informações e conteúdos
disciplinares. (p.20/21)
Philippe Meirieu realizou em 1992 uma pesquisa
que se mostrou bastante rica e reveladora, com
crianças - de seis a doze anos - extremamente
desfavorecidas, habitantes da periferia da cidade de
Lião. [...] Crianças entrevistadas, aquelas habituadas
a frequentar salas de teatro, de cinema, e a ouvir
histórias demonstram maior facilidade de conceber
um discurso narraEvo, de criar histórias, e de
organizar e apresentar os acontecimentos da
própria vida. A invesEgação indica, assim, que quem
sabe ouvir uma história sabe contar histórias. (p.
22/23)
No teatro, por sua vez, uma narraEva é apresentada valendo-
se conjuntamente de vários elementos de significação: a
palavra, os gestos, as sonoridades, os figurinos, os objetos
cênicos, etc. A experiência teatral desafia o espectador a,
deparando-se com a linguagem própria a esta arte, elaborar
os diversos signos presentes em uma encenação. Esse
mergulho no jogo da linguagem teatral, provoca o espectador
a perceber, decodificar e interpretar de maneira pessoal os
variados signos que compõem o discurso cênico. [...]
Apropriar-se da linguagem é apropriar-se da história,
conquistando autonomia para compreendê-la e modifica-la ao
seu modo. Compreender o passado, situar-se no presente e
senEr-se capaz de projetar-se no futuro.
(p. 23/24)
Walter Benjamin (1993), sugere que o ouvinte de uma
história- ao ouvi-la, compreendê-la em seus detalhes e
empreender uma aEtude interpretaEva- choca os ovos da
própria experiência, fazendo nascer deles o pensamento
críEco. A imagem de chocar os ovos da própria
experiência está relacionada com a ideia de que o
espectador, para efeEvar uma compreensão da história
que lhe está sendo apresentada, recorre ao seu
patrimônio vivencial, interpretando-a, necessariamente, a
parEr de sua experiência e visão de mundo.
(p. 24)
A experiência ar{sEca se coloca, desse modo, como
reveladora, ou transformadora, possibilitando a
revisão críEca do passado, a modificação do
presente e a projeção de um novo futuro. (p.26)
Compreender a arte como sendo educadora
enquanto arte, e não necessariamente como arte
educadora. (p.26)
[...] a capacidade da arte de provocar e, por que
não?, tocar os contempladores sensibilizando-os
para lançar um olhar renovado para a vida lá fora.
(p.27)
A perspecEva educaEva da experiência teatral pode
ser ampliada a parEr da construção teórica de do
diálogo Mikhail BakhEn que, em suas reflexões
acerca da criação ar{sEca- mais parEcularmente
em seu ensaio inEtulado O autor e o herói (1992) -,
define e analisa a aEtude do contemplador em sua
relação com uma obra de arte. O sujeito da
contemplação (o leitor, o espectador), comenta
BakhEn, ocupa um lugar único na existência, o seu
ponto de vista é singular e intransferível. (p. 28)
Ou seja, cada contemplador da obra parEcipa do
diálogo como o autor, e compreende os signos
apresentados na obra ar{sEca, de maneira
própria, de acordo com a sua experiência
pessoal, sua trajetória, sua posição na vida
social, seu ponto de vista. Assim sendo, o
senEdo de uma obra é inesgotável. (p.28)
Podemos compreender, ainda, que o
contemplador, em seu ato de elaboração do
senEdo presente nos signos uElizados pelo
autor, pode ser visto como um co-autor da obra.
Desse modo, podemos tomar esta concepção
parEcular da obra, arEculada por cada receptor
quando formula uma interpretação dela, como
um ato de criação. (p.28)
A compreensão, além de ser um processo aEvo, é
também um processo criaEvo. BakhEn afirma que
aquele que compreende parEcipa do diálogo,
conEnuando a criação de seu interlocutor (Jobim &
Souza, 1994, ap 109). (p.28)
Na relação dos três elementos- autor, contemplador
e obra- reside o evento estéEco. O fato ar{sEco
não está conEdo completamente no objeEvo, nem
no psiquismo do criador, nem do receptor, mas na
relação destes três elementos.
(p.28)
E aí podemos ressaltar um primeiro aspecto pedagógico
presente na experiência como a arte: a aEtude proposta
ao contemplador. Ou seja, o fato ar{sEco solicita que o
indivíduo formule interpretações próprias acerca das
provocações estéEcas feitas pelo autor, elaborando um
ato que é também autoral. Assim, o contemplador, para
desempenhar o papel que lhe cabe no evento, precisa
colocar-se enquanto sujeito, que age, pois a
contemplação é algo aEvo , e que cria, pois a sua atuação
é necessariamente ar{sEca.
(p. 28/29)
BakhEn esclarece em que medida a experiência
ar{sEco-teatral possibilita que o sujeito lance um
olhar renovado para a própria vida. (p. 29)
A aEtude o espectador diante de uma cena teatral
pode ser compreendida, segundo BakhEn, como
uma tensão constante entre ele e a obra: em um
primeiro movimento, o espectador se aproxima da
obra, vivenciando-a, para, em um segundo
movimento, afastar-se dela e refleEr sobre ela,
compreendendo-a. (p. 29)
O ator criador (vivência, a tensão, o ato) que
enriquece o acontecimento existencial, que
inicia o novo, é por princípio um ato extra-
rítmico ... A existência ritmizada tem uma
“finalidade sem finalidade” (gratuidade), uma
finalidade que não emana de uma escolha, de
um julgamento, que não implica
responsabilidade (BakhEn, 1992 a, p 133).
(p. 30)
O espectador diante de uma encenação, bem como
sujeito diante de um fato existencial, um
acontecimento coEdiano, necessita, para interpreta-lo,
imprimir um ritmo próprio, interrompendo o
movimento ritmado, tanto da obra quanto da vida.
Todo ato de compreensão, portanto, implica uma
aEtude rítmica, que estabeleça espaço e tempo para a
efeEvação de uma aEtude rítmica, que estabeleça
espaço e tempo para a efeEvação de uma aEtude
criaEva. (p. 31)
O teatro vem sendo trabalhado, nas mais diversas
insEtuições educacionais e culturais preferencialmente, a
parEr da práEca com jogos de improvisação, e isso
porque se compreende na invesEgação proposta por
essas aEvidades o prazer de jogar se aproxima do prazer
de aprender a fazer e a ver teatro, esEmulando os
parEcipantes (de qualquer idade) a organizar um discurso
cênico apurado, que explore a uElização dos diferentes
elementos que consEtuem a linguagem teatral, bem
como a empreender leituras próprias acerca das cenas
criadas pelos demais integrantes do grupo (grifo do
autor) (p. 87).
Referências Bibliográficas