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A ética como fundamento do direito Kantiano

GAMA, Giullyanne Mel

DÉBORA, Nayanne

COELHO, Thales da Cunha

SILVA,Zephora Rodrigues da

Resumo:

O presente trabalho tem como objetivo apresentar o papel da ética como base do direito kantiano. Como
metodologia, utilizou-se a leitura das obras Kantianas, sendo feitas correlações teóricas com a concepção de
direito, fazendo aproximações entre Ética e o campo do Direito. A respeito da ética, ele a compreende enquanto
um dever diário, isto é, leva em consideração os aspectos mais gerais das ações humanas, que possam
contemplar um caminho para uma prática da razão pura propriamente dita. Embora Kant não tenha desenvolvido
uma teoria específica sobre a prática jurídica, os princípios éticos kantianos terão implicações extremamente
relevantes neste campo. A abordagem deste filósofo enfatiza a importância da razão prática, da imparcialidade e
da universalidade dentro da tomada de decisões que são consideradas éticas, o que pode ser aplicado à prática
jurídica. Como resultados, podemos perceber que em Kant, a existência do Direito está diretamente ligada a uma
Lei Universal, por isso, podemos dizer, que Kant fundamenta um jusnaturalismo, doutrina do direito que defende
a ideia de um direito natural, que não necessitaria a priori de leis positivas para que a justiça ocorresse entre os
homens.

Palavras-chave: Immanuel Kant; Direito; Ética

Introdução

O presente trabalho tem como objetivo apresentar o papel da ética como base do
direito kantiano. Esta pesquisa está dividida em dois pontos principais, sendo: Considerações
gerais acerca de sua ética, e a ética Kantiana como fundamento para o direito.

Nesse primeiro ponto, serão apresentados elementos básicos para a compreensão da


construção do pensamento de Kant, abordando entre outros aspectos, suas influências,
elementos de análise filosófica, além de abordar também, aspectos como o dever moral, a
dignidade humana e a universalização na determinação da moralidade das ações. Essa
abordagem ética continua a ser influente e debatida nos estudos contemporâneos de ética e
filosofia moral.

Na segunda sessão, por sua vez, serão abordados conceitos ligados diretamente a ética
Kantiana, fazendo um aprofundamento com a doutrina do direito, visto que eles têm
influência no desenvolvimento e na aplicação do sistema jurídico, buscando uma sociedade
mais justa e respeitosa dos direitos humanos. De acordo com Kant, a ética desempenha um
papel fundamental como base do direito. Ele acreditava que a moralidade e o direito estão
intrinsecamente interligados, e que a ética é a base sobre a qual o sistema jurídico deve ser
construído.

Considerações gerais acerca da ética

Podemos observar que Immanuel Kant teve uma forte influência do pietismo religioso,
que originou-se de seu próprio âmbito familiar, onde sua mãe era seguidora dos ensinamentos
religiosos que valorizavam a experiência individual do sujeito, sendo o pietismo o principal
movimento defendido por ela. Nesse sentido, destaca-se que houve uma forte influência desse
período na formulação do pensamento de Kant, sobretudo em relação à prática voltada para o
bem moral, isto é, a ética kantiana. É importante ressaltar que houve uma passagem conceitual
do conceito moral de Kant para a religião, o que por sua vez, foi debatida em sua obra A
Religião nos Limites da Simples Razão em 1793, após uma série de estudos referentes à
crítica da razão humana.

É necessário mencionar que a moral e a ética são conceitos compreendidos a partir de


uma só perspectiva, embora sejam aplicados de maneira distintas por Kant. Ele compreende a
ética enquanto um dever diário, isto é, leva em consideração os aspectos mais gerais das ações
humanas, que possam contemplar um caminho para uma prática da razão pura propriamente
dita. Nesse sentido, Kant em sua obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes (2003),
destaca que a sociedade tomou a posição de Deus no que se refere a elaboração de códigos
morais, isto é, existe uma rejeição intrínseca de Kant em relação a elaboração de códigos
morais por homens devido a inconsistência que estes códigos possam vir a apresentar,
presume-se que essas inconsistências se dão devido às mudanças históricas e culturais na
sociedade, o que por sua vez pode influenciar na elaboração de leis morais.

Ele foi um filósofo que desenvolveu uma teoria da ética enquanto uma ética
deontológica ou ética do dever. Para ele, a ética é baseada em princípios universais e racionais
e o seu sistema ético é aplicado de forma ampla em várias áreas, inclusive a prática jurídica.
Dentro desta prática jurídica, a ética kantiana pode ser analisada de diversas maneiras, mas, a
princípio, envolve a ideia de que as ações devem ser avaliadas com base em seu cumprimento
do dever moral na aplicação consistente de princípios éticos. Kant enfatiza, neste caso, a
importância da razão e da universalidade na tomada das decisões éticas.
Uma das contribuições principais dentro da ética kantiana é a formulação do chamado
imperativo categórico, conceito central que afirma que uma ação seria moralmente correta se
a pessoa que realiza esta ação puder universalizá-la como uma lei para todos os seres
racionais, ou seja, todas as pessoas, independente de situações ou razões particulares. Em
outros termos, as ações devem ser realizadas com base em princípios que poderiam ser
aplicados de forma universal, sem a possibilidade de existir contradição. Este imperativo
categórico pode ser aplicado às questões jurídicas, funcionando como uma forma de
orientação para os advogados e juízes agirem de acordo com princípios éticos que possam ser
considerados universais e aplicados dessa maneira.

Embora Kant não tenha desenvolvido uma teoria específica sobre a prática jurídica, os
princípios éticos kantianos terão implicações extremamente relevantes neste campo. A
abordagem deste filósofo enfatiza a importância da razão prática, da imparcialidade e da
universalidade dentro da tomada de decisões que são consideradas éticas, o que pode ser
aplicado à prática jurídica. Algumas ideias e princípios kantianos podem ser relevantes na
prática jurídica, como por exemplo, o respeito pela dignidade humana, a justiça e
imparcialidade e a autonomia e liberdade, assim como a própria universalidade.

A ética kantiana enfatiza o respeito pela dignidade humana e trata os seres humanos
como fins em si mesmos, e não como meios para atingir outros objetivos: “Os seres racionais
estão todos sujeitos à lei, em virtude da qual cada um deles nunca deve tratar-se a si e aos
outros como puros meios, mas sempre e simultaneamente como fins em si.”(KANT, 2002,
434) Na prática jurídica isso significa que todos os profissionais de direito devem respeitar os
direitos e a autonomia das partes envolvidas em um processo legal, garantindo um tratamento
imparcial. Já a noção de justiça é fundamental, pois deve-se buscá-la de forma imparcial,
tratando cada caso de acordo com seus próprios méritos, ou seja, os juízes e advogados devem
deixar de lado os seus próprios interesses pessoais e julgar através de critérios objetivos e
racionais. Sobre a autonomia e liberdade, Kant valorizava a autonomia moral e a liberdade do
indivíduo, de forma que os indivíduos tomassem decisões informadas sobre seus casos. A
liberdade também está relacionada à proteção dos direitos fundamentais e à garantia de um
sistema legal que respeite a autonomia dos indivíduos, visto que “A autonomia é, pois, o
princípio da dignidade da natureza humana, bem como de toda natureza racional.” (KANT,
2002, p. 437).
É importante observar que a aplicação da ética kantiana na prática jurídica não é uma
tarefa simples e pode envolver considerações adicionais, como as leis específicas de um
determinado sistema jurídico e os contextos sociais e culturais em que o direito é aplicado.
Além disso, outros princípios éticos e teorias também desempenham um papel importante na
prática jurídica, e diferentes abordagens éticas podem coexistir no campo do direito. A ética
kantiana oferece uma perspectiva valiosa, mas é necessário considerar uma ampla gama de
fatores ao tomar decisões jurídicas éticas.

A ética como fundamento para o direito

Feitas as explanações iniciais acerca da ética Kantiana, será feito um maior


aprofundamento desta em relação com o campo do direito, sendo assim, poderá ser percebido
que, à partir das categoriais liberdade, autonomia, e vontade, o direito em Kant assume um
caráter natural, fundamentando nas doutrinas do direito uma visão jusnaturalista.

No que se refere ao conceito de autonomia, é interessante pontuar aquilo que Kant


(1985, p. 100) aponta sobre O que é o esclarecimento, para o filósofo “ Esclarecimento
[Aufklarung] é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado.” Nesse
trecho, podemos perceber como Kant vai trazer o conceito de esclarecimento como o
momento em que através do uso de usa razão, tem-se a possibilidade de pensar por conta
própria, logo, sair de uma menoridade, termo usado por Kant para simbolizar a saída de uma
infância intelectual.

Em um trecho seguinte é dito que “é tão cômodo ser menor”, nesses dois momentos
selecionados da obra do filósofo, podemos perceber então outro aspecto que vai ser central
para a fundamentação de uma doutrina do direito, pois se em Kant a razão para alcançar sua
potencialidade precisa ser usada de maneira a superar a menoridade intelectual, temos outro
elemento necessário, à vontade de fazer esse movimento, já que estar no lugar de menoridade
pode ser por vezes cômodo.

Em relação a essa maioridade intelectual, podemos ligá-la então, ao modo como o


homem fazendo uso de sua razão, consegue superar suas paixões individuais, adentrando no
campo universal da racionalidade. Chegamos assim, no primeiro elemento que norteia o
direito Kantiano, seu caráter natural. A respeito desse conceito, na obra Ideia de uma história
universal de um ponto de vista cosmopolita do mesmo filósofo, é apontado que:
De um ponto de vista metafísico, qualquer que seja o conceito que se faça de
liberdade da vontade, as suas manifestações (Erscheinungen) – as ações humanas - ,
como todo outro acontecimento natural, são determinadas por leis naturais
universais. (KANT, 1986, p. 09)

Natureza em Kant está relacionada, com o modo pelo qual os homens ligados pela
razão, são guiados por esta, para um fim comum, que tem como princípio ético a superação
das diferenças individuais de cada pessoa, chegando a um patamar onde a humanidade,
mesmo com a presença de diferentes povos, encontraria uma paz perpétua1. Partindo dessa
noção de natureza, podemos agora adentrar no conceito de direito Kantiano, que segundo
Morris (2002, p. 240) se baseia na liberdade dos homens, e se essa liberdade harmoniza-se
com a liberdade do outro, seguindo uma Lei Universal. Podemos perceber, como já
mencionado anteriormente, que Kant fundamenta o direito à partir de uma perspectiva ética,
fundamentada em imperativos categóricos2, ou seja, leis que seriam válidas para todos os
homens, bastando apenas que estes fizessem uso de sua razão de maneira autônoma, indo
além de idiossincrasias.

Em seguida Morris (2002) utilizando do imperativo categórico mais conhecido de


Kant, afirma:

A Lei Universal do Direito pode então ser expressa da seguinte maneira: “Aja
externamente de tal maneira que o livre exercício de tua Vontade possa coexistir
com a Liberdade de todos os outros, de acordo com uma Lei Universal”. (p. 240)

Ou seja, em Kant a existência do Direito está diretamente ligada a de uma Lei


Universal, por isso, podemos dizer, que Kant fundamenta um jusnaturalismo, doutrina do
direito que defende a ideia de uma direito natural, que não necessitaria a priori de leis
positivas para que a justiça ocorresse entre os homens. No entanto devido a existência das
paixões, seria necessário a coerção como uma forma de botar em prática essa Lei Universal,
nesse caso, a coerção estaria ligada a aplicabilidade da Liberdade dos homens, e aos fins
naturais da razão.

O direito em Kant, como podemos observar, segue pressupostos que vão fundamentar
uma filosofia de caráter prático, voltando-se para a ordenação jurídica com fins éticos, essa
ordenação jurídica pode ser percebida em sua obra Fundamentação da metafísica dos

1
Menção ao texto de mesmo nome, onde o filósofo aponta um conjunto de artigos para um direito universal dos
povos, semelhante ao que conhecemos hoje por declaração dos direitos humanos.

2
“O imperativo categórico seria aquele que nos representasse uma ação como objetivamente necessária por si
mesma, sem relação com qualquer outra finalidade”. (KANT, 1984)
Costumes, onde no prefácio Kant (2002, p. 04) afirma que seu projeto “não é mais do que a
pesquisa e a determinação do princípio supremo da moralidade, o bastante para constituir um
todo completo, separado e distinto de qualquer outra investigação moral.” Nessa obra, Kant se
colocará diante de um projeto onde através da depuração de elementos empíricos, busca
elaborar princípios práticos que tenham um caráter universal, fundamentado em leis morais.

Por fim, em Kant o Direito é apresentado de uma doutrinária, fundamentando um


conjunto de deliberações de caráter prático, sem perder de vista a dimensão da razão, sendo
inclusive importante para o direito contemporâneo, que apesar de se fundamentar mais nas
doutrinas que se baseiam no juspositivismo, ainda trazem consigo uma perspectiva
jusnaturalista, e mesmo que existem limitações nas proposições Kantianas levando em conta
o contexto atual, compreendê-las é de fundamental importância para quem se coloca diante
dos debates no campo da filosofia do direito.

Considerações finais

O direito universal em Kant é fundamentado em princípios racionais e


universais, baseados na dignidade e nos direitos humanos. Esse direito deve ser imparcial,
tratando todos os indivíduos igualmente, e deve ser baseado em leis públicas que possam ser
conhecidas por todos. Essas ideias de Kant sobre o direito universal continuam a ser
influentes e discutidas no campo da filosofia política e do direito.

A filosofia do direito de Immanuel Kant é uma das contribuições mais significativas


para a compreensão e fundamentação dos princípios éticos e jurídicos. Kant foi um filósofo
alemão do século XVIII que buscava estabelecer uma base racional e universalmente válida
para a moralidade e o direito. Ele argumentava que a moralidade e o direito não podem ser
fundamentados em desejos subjetivos ou em consequências utilitárias, mas devem se basear
em princípios racionais e universais. Para ele, a razão é a fonte última da autoridade moral e
jurídica. No desenvolvimento desse estudo, trataremos de tais assuntos percorrendo a análise
material bibliográfica.

Observa-se que o filósofo faz um esforço filosófico para pensar uma filosofia de
caráter prático, que seja aplicável para os homens que vivem em sociedade, e que por vezes,
precisam lidar com conflitos advindos das paixões humanas. Sendo assim, o direito Kantiano,
convergindo de diversas de suas obras, aponta caminhos para uma sociedade mais justa,
guiada pela razão.
Referências

KANT, Immanuel. À paz perpétua. Porto Alegre: L&PM, 1989.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Pedro Galvão. São
Paulo: Edições 70, 2002.

KANT, Immanuel. Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita.


Editora Brasiliense, 1986.

KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: Que é Esclarecimento?[ Aufklarung]. Petrópolis:


Vozes, 1985.

MORRIS, Clarence. Os Grandes filósofos do direito: leituras escolhidas em direito.


Tradução de Reinaldo Guarany. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

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