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Introdução ao Estudo do Direito II

Regência: Prof. Dr. Pedro Romano Martinez


Laura Garção
2018/2019
CARACTERIZAÇÃO DA REGRA JURÍDICA
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1. Fontes e regras jurídicas
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1.1 Revelação da regra

● fontes de direito são os modos de revelação das regras jurídicas:


○ fontes de direito têm significado normativo
○ as regras jurídicas são o significado normativo das fontes de direito
○ regras jurídicas são inferidas de uma fonte através da interpretação → temos
de interpretar a fonte para determinar o seu significado e, portanto, retirar a
regra

1.2 Interpretação da fonte

● a interpretação da fonte permite a descoberta do seu significado


● a regra é o significado prático da fonte (​practical meaning​), visto que se destina a ser
aplicada; diferentes fontes podem conter a mesma regra jurídica, se tiverem o
mesmo significado prático
● para um agente, as regras fornecem razões para uma ação ou omissão; para um
julgador, a regra fornece o fundamento de um juízo
○ regras são, por isso, razões prático-judicativas
○ da mesma regra pode ser inferida tanto uma razão prática como judicativa

2. Regras e proposições

● as regras jurídica expressam se uma conduta, poder ou efeito é obrigatório,


permitido ou proibido ⇒ caráter prescritivo das regras jurídicas (estabelecem
conduta devida)
○ visto que determinam uma conduta, elas não podem ser consideradas
verdadeiras ou falsas; apenas se pode questionar se são válidas ou inválidas
● enquanto as ​regras​ são significados normativos, as ​proposições jurídicas​ são as
descrições das regras e dos seus significados

2.1 Descrição ​vs.​ prescrição

● diferenças entre regras e proposições:


○ diferença fundamental: regras têm caráter prescritivo e proposições têm
caráter descritivo; diferença entre ​dever ser​ e ​ser
■ regras jurídicas não representam realidade, elas prescrevem um
dever ser
■ as proposições não prescrevem e limitam-se a descrever regras
jurídicas, o seu ​ser
○ caráter prescritivo das regras exige competência específica de alguém que
possa impor uma conduta a outrem, enquanto a descrição, que não impõe
nenhuma conduta, pode ser realizada por qualquer falante
■ proposição jurídica é pronunciada por alguém que pode assumir um
ponto de vista ​externo​, enquanto as regras jurídicas têm um ponto de
vista ​interno​ do sistema, visto que elas só podem ser produzidas em
concordância com este
○ regras são próprias da razão prático-judicativa e proposições são próprias da
razão teórica
■ regras possuem caráter deôntico (exprime valor de obrigação ou
permissão) e proposições têm caráter epistémico (transmitem
conhecimento)

2.2 Lógica das regras

● relações entre regras:


○ relações de inconsistência:​ duas regras são inconsistentes quando o
cumprimento de uma importa a violação da outra
○ relações de implicação:​ o cumprimento de uma implica o cumprimento da
outra

● relações quanto aos efeitos:


○ relações de inconsistência:​ quando o efeito determinado por uma não é
compatível com o efeito determinado pela outra
○ relações de implicação:​ a verificação do efeito que uma regra produz implica
a verificação da produção de efeitos da outra

3. Estrutura da regra

● composta pela previsão e a estatuição


● previsão:​ elemento que define as condições em que a regra é aplicada
● estatuição:​ elemento em que se define as consequências jurídicas que decorrem da
aplicação da regra
○ a estatuição comporta dois elementos:
■ operador deôntico:​ mostra o que a regra pretende transmitir ao
destinatário
■ objeto:​ estabelece a relação da regra com um “estado de coisas” a
constituir ou a evitar

3.1 Previsão

● tem caráter representativo, sugere uma conduta hipotética que, se se verificar, irá
desencadear consequências jurídicas
● é constitutiva → constitui determinado facto como facto com relevância jurídica
● tem caráter referencial → refere-se a um facto ou situação
● contém elemento subjetivo e objetivo, que definem condições da aplicação da regra:
○ subjetivo:​ o destinatário da regra
○ objetivo:​ facto ou situação que constitui pressuposto da aplicação da regra; o
facto pode ser ​jurídico​ (ex.: quando se atingir a maioridade) ou ​material​ (ex.:
acidente de carro)
● pode ser aberta ou fechada:
○ fechada:​ enuncia todos os casos em que se aplica a regra
○ aberta:​ admite aplicação da regra a casos análogos aos casos previstos
(enunciativa)

3.2 Estatuição

● segue a previsão e define a consequência, comando ou solução que decorre da


norma, na perspetiva de imperatividade
● normalmente pensado para as normas de conduta, mas para certos casos as
consequências podem ser imediatas, funcionado de forma automática
● certas normas apresentam apenas uma noção, não contendo uma consequência
● operador deôntico define algo que é obrigatório, proibido ou permitido, ou seja,
define o ​objeto​ da regra jurídica
○ o objeto pode ser uma conduta, um poder ou um efeito jurídico

4. Características da regra

● generalidade:
○ pressupõe que se possa aplicar a regra a uma multiplicidade de casos; daí a
jurisprudência não ser fonte de direito, visto que dirige apenas a um caso
○ não tem em conta um caso ou sujeito concreto
■ mas há a possibilidade de haver certas regras individuais → ex.:
normas que regulam exercícios do Presidente da República
■ para casos muito específicos, pode também não haver
generalidade→ normas sobre indemnizações aos lesados dos
incêndios de 2017
■ numa relação contratual podem ser estabelecidas regras que impõem
condutas às partes, não havendo generalidade
● mas estas normas resultam de uma auto-vinculação, são
autónomas; a maior parte das normas são heterónomas e
impostas, sendo então necessária a generalidade
⇒ é uma característica ​tendencial​, não sendo um elemento definitivo
● abstração:
○ é o caráter hipotético da norma, assume que se está a falar de casos
hipotéticos
○ normas não costumam ser retroativas, só se devendo aplicar no futuro →
importante para manter a segurança jurídica
■ mas pode, em casos muito específicos, haver regras retroativas
⇒ tal como a generalidade, a abstração é uma característica ​tendencial
MODALIDADES DE REGRAS JURÍDICAS
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1. Critério do objeto/estrutural

● segundo TEIXEIRA DE SOUSA:


○ primárias:​ regulam realização de condutas, exercício de poderes ou produção
de efeitos jurídicos
■ distinção entre regras regulatórias e constitutivas:
● regulatórias:​ respeitam a condutas ou ao exercício de um
poder; podem ser violadas se alguém realizar uma conduta
proibida ou se exercer um poder que não possui
● constitutivas:​ ​relativas aos efeitos jurídicos; não podem ser
violadas, visto que a produção de efeitos é imediata
○ secundárias:​ incidem sobre outras regras
■ de produção:​ regulam a produção ou modificação de outras normas
■ revogatórias:​ regulam a revogação de outras regras
■ interpretativas:​ regulam a interpretação de outras normas (art 9 CC)
■ de conflitos:​ relativas à resolução de conflitos de aplicação da lei no
espaço ou no tempo
● segundo OLIVEIRA ASCENSÃO:
○ principais:​ é uma regra que outorga direito; independente de outras
○ derivadas:​ regra que deriva de uma regra preexistente; são auxiliares;
■ mas todas as normas estão interligadas entre si, mesmo as principais
têm interligação num regime
■ mas derivadas não têm por elas próprias a definição de uma conduta;
■ são normas sobre outras normas

2. Critério do âmbito

● TEIXEIRA DE SOUSA → de acordo com o âmbito de aplicação, as regras podem


ser:
○ gerais:​ tem um âmbito de aplicação mais amplo, aplica-se a mais casos; mas
generalidade é uma qualificação relativa, temos de comparar as normas
entre si para averiguar a sua generalidade ou especialidade
○ específica:​ definem regime próprio para situações diferentes daquelas que
cabem no âmbito das regras gerais; têm âmbito de aplicação mais limitado
comparando com as normais gerais
■ excecionais​:​ definem regime jurídico contrário àquele que consta da
regra geral; pode acontecer devido a razões de princípios (regra geral
tem fundamento num princípio e a excecional noutro), ou devido a
razões práticas;
■ especial​:​ adaptam e delimitam âmbito de aplicação em função da
matéria, das pessoas e do território;
● especialidade material​: regras especiais regulam uma
situação que se insere na categoria prevista na regra geral
● especialidade pessoal​:​ regras podem ser ​comuns ​(aplicáveis
à generalidade das pessoas) ou​ particulares​ (aplicáveis a uma
certa categoria de pessoas)
● especialidade territorial:​ regras podem ser ​nacionais
(aplicáveis em todo o território nacional), ​regionais​ (aplicáveis
nas regiões autónomas) e ​locais​ (aplicáveis apenas em certas
zonas do território nacional)

3. Critério da disponibilidade

● injuntivas:​ regras são aplicadas, mesmo se houver uma manifestação de vontade


contrária dos seus destinatários
● supletivas:​ apenas são aplicadas se as partes não afastarem a sua aplicação;
○ OLIVEIRA ASCENSÃO denomina-as de ​dispositivas​, e estabelece-se a
seguinte subdivisão:
■ permissivas:​ permitem uma certa conduta
■ interpretativas:​ limita a fixar o sentido juridicamente relevante de uma
declaração já emitida
■ supletivas:​ se tudo correr normalmente num negócio jurídico, o regime
normal será aplicado; mas se houver deficiências, as partes podem
decidir aplicar regras supletivas

4. Critério da vinculação

● segundo OLIVEIRA ASCENSÃO:


○ precetivas:​ impõem condutas; definem resultado que deve ser alcançado ou
evitado, não deixando outra opção ao destinatário na sua conduta
○ proibitivas:​ proíbem condutas
○ permissivas:​ permitem certa conduta
● TEIXEIRA DE SOUSA
○ técnica​ → visa meio de atingir os resultados
○ de resultado​ → visa resultado da estatuição em si

5. Espécies de regras

● definitórias:​ contêm definições estipulativas de conceitos jurídicos


○ doutrina diverge:
■ OLIVEIRA ASCENSÃO: definições não são vinculativas, apenas
orientam o intérprete; não são verdadeiras regras, mas admite que
possam ter elementos vinculativos (é o regime, e não a definição que
vincula o intérprete)
■ MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA: definições são suscetíveis a
interpretação, mas em princípio são vinculativas
● são vinculativas; se legislador estabelece definição num
código, e se lei é a maior fonte de direito, devem ser seguidas
● de remissão:​ equiparam duas situações distintas, aplicando a uma o regime jurídico
da outra; assenta numa analogia das situações, mostra unidade do sistema
● presunção legal:​ situação de implicação; perante uma situação conhecida e outra
desconhecida, presume-se que a desconhecida é como a conhecida; uma situação
implica a outra
○ iuris tantum:​ admite provas em contrário
○ iuris et de iure:​ não admite provas em contrário
■ ex.: na posse violenta; quem roubou não pode provar que estava de
boa fé, presume-se que violência implica o sujeito estar de má fé
● ficções legais:​ equiparação de duas situações diferentes; apesar de duas situações
serem materialmente diferentes, são juridicamente iguais; são equiparadas e o
mesmo regime é aplicado
● normas de conflito:​ resolvem conflitos no espaço e no tempo

REGRAS E SISTEMA JURÍDICO


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1. Características do sistema

● sistema:​ conjunto de elementos que constituem um todo organizado e consistente,


que se mantém idêntico num ambiente extremamente complexo, mutável, não
totalmente dominável e que realiza, em relação ao ambiente em que se encontra,
uma redução de complexidade
○ todo o sistema comporta um conjunto de elementos
○ todo o sistema se diferencia do meio ambiente e de outros sistemas através
de critérios próprios de pertença dos seus elementos
○ todo o sistema exige uma consistência, uma unidade
● sistema jurídico:​ é constituído por princípios e regras jurídicas, distinguindo-se dos
outros sistemas normativos por um critério próprio de validade aplicável a esses
princípios e regras, constituindo também um conjunto consistente de regras e
princípios

1.1 Pertença ​vs​ aplicabilidade

● conjunto de princípios e regras aplicáveis num sistema é maior do que o conjunto


dos princípios e regras constantes no sistema em si
○ num sistema podem ser aplicadas leis que já deixaram de vigorar (aplicação
da lei no tempo), e podem ser aplicadas leis pertencentes a sistemas
estrangeiros (aplicação da lei no espaço)
○ as regras que definem a lei aplicável em função do espaço e do tempo não
determinam a pertença de uma lei ao sistema, apenas se limitam a definir a
regra que se deve aplicar nesse caso concreto

1.2 Importância do sistema

● direito só pode ser compreendido e aplicado se tivermos em conta o sistema jurídico


em que se encontra
● há que contar com a unidade do sistema jurídico e o espírito do sistema
○ sistema interno:​ conexões materiais dentro do sistema (interligação de
normas e regimes) e a “ordem imanente” do sistema (princípios subjacentes
ao mesmo)

2. Formação do sistema

● paradoxo: se sistema jurídico é composto por princípios e regras, é necessário que o


sistema já exista para a integração dos princípios e regras no mesmo; por outro lado,
a criação do sistema implica a pré-existência de regras

2.1 Produção e receção

● paradoxo pode ser resolvido através de uma visão evolutiva do sistema jurídico
○ sistemas jurídicos têm de ser criados e podem deixar de existir
○ para que se forme um sistema jurídico, é necessário que haja uma regra de
produção desse mesmo sistema → princípios e regras aceites pelo sistema
pertencem então a esta regra que irá depois estruturar o resto do sistema
○ regra de produção ⇒ Constituição
● mas é raro que sistemas jurídicos sejam criados completamente do zero
○ é frequente haver fenómenos de receção de sistemas anteriores por novos
sistemas jurídicos

3. Componentes do sistema
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3.1 Princípios jurídicos

● modalidades
○ programáticos:
■ definem objetivos a alcançar e fins a atingir
■ têm função orientadora, procuram que sejam alocados os meios
necessários para atingir determinados objetivos e fins
■ impõem a obtenção de certos objetivos, mas indicam apenas que eles
devem ser realizados na maior medida possível
■ tornam obrigatórias todas as medidas que favoreçam a obtenção
desses objetivos e fins, proíbem todos os que impeçam vir a
alcançá-los
○ formais:
■ destinam-se a otimizar a efetividade do direito na sociedade,
construindo uma ordem jurídica orientada pela justiça, confiança e
eficiência
■ princípio da justiça​ → sistema deve ser justo e equitativo,
■ princípio da confiança​ → requer que o sistema transmita
previsibilidade
■ princípios da eficiência​ → sistema jurídico deve procurar obter os
melhores resultados com o menor dispêndio de recursos
■ são simultaneamente constitutivos e regulativos
● direito não pode ser construído sem esses princípios
(constituem o direito), e regulam simultaneamente as
situações jurídicas e fornecem critérios de solução de casos
concretos
○ materiais:
■ são concretizações dos princípios formais
■ realizam uma função regulativa
■ justiça​ → concretiza-se pelo princípio da igualdade (igual o que é
igual e desigual o que é desigual) e o princípio da proporcionalidade
(meios devem ser adequados aos fins)
■ confiança​ → concretiza-se pelo princípio de que a alteração da lei
deve ter razões objetivas, de que a ignorância da lei não beneficia
ninguém e o princípio da não retroatividade da lei nova
■ eficiência​ → concretiza-se pelos princípios da alocação de meios
necessários para atingir objetivos definidos, e da alocação de meios
suficientes para alcançar meios determinados; sistema jurídico não
deve alocar meios insuficientes ou excessivos
○ critério da otimização
■ a consagração dos princípios jurídicos tem de ser feita dentro dos
limites estabelecidos pelos demais princípios; a otimização de um não
pode significar o sacrifício de outro
■ princípios são comandos otimização visto que devem ser cumpridos
ao máximo na situação concreta
■ também se aplica aos princípios materiais, que devem ser
consagrados na medida máxima que for compatível com outros
princípios materiais
● princípios materiais absolutos:​ são concretizações de um
princípio formal, mas não admitem exceção segundo outro
princípio formal; ex.: não há pena sem lei
● princípios materiais relativos:​ admitem uma concretização
segundo um princípio formal e uma exceção segundo outro
princípio formal, ex.: o princípio da autonomia privada

3.2 Princípios e regras

● DWORKIN propõe critérios de distinção entre regras e princípios:


1. aplicação​:
a. princípios têm peso e importância podendo-se então pesá-los; podem
ser aplicados pelo juiz em diferentes medidas;
b. regras são “tudo ou nada”; regras ou são totalmente aplicadas ou não
aplicadas pelo juiz
2. conflitos:
a. quando um princípio conflitua com outro princípio, prevalece o
princípio com mais peso ou o mais importante, sem que nenhum
deles seja considerado inválido
b. quando normas entram em conflito, não podem ser todas válidas
● TEIXEIRA DE SOUSA discorda com a construção de Dworkin:
○ quanto à ​aplicação dos princípios​:
■ segundo Dworkin, visto que os princípios podem ser aplicados em
diferentes medidas, eles não forneceriam uma razão conclusiva a
favor de uma certa conclusão, seriam apenas uma razão ​prima facie
● crítica:​ há certos princípios que não aceitam exceções e têm
de ser aplicados totalmente → ex.: princípios materiais
absolutos, como o da não discriminação
● se houver princípios conflituantes, o critério do “tudo ou nada”
também se aplica, visto que se afastaria completamente o
princípio com menor peso
⇒ defende que princípios também só podem ser aplicados na medida
do tudo
○ quanto à ​compatibilidade de regras​:
■ as regras jurídicas também podem conflituar entre si sem que uma
delas seja considerada inválida, se o conflito for resolvido
transformando uma das regras em regra excecional ou especial da
outra
● proposta de TEIXEIRA DE SOUSA de critérios de distinção:
○ axiologia dos princípios
■ princípios jurídicos referem-se a valores estruturantes do
ordenamento jurídico destinados a otimizar a efetividade do direito na
sociedade segundo os critérios de justiça, confiança e eficiência
● são sempre estruturantes e valorativos porque permitem a
produção de regras válidas e determinam a invalidade de
regras que conflituam com eles
● abertos​ →
● fechados​ →
■ regras jurídicas são concretizações desses valores ou são, em certos
casos, valorativamente neutras
● são sempre instrumentais, não podem ser valorativas
■ ⇒ ambos são critérios de decisão

3.2.1 Resolução de conflitos

● conflitos entre regras e princípios


○ visto que princípios transmitem valores estruturantes do ordenamento, estes
deveriam, em princípio, ser hierarquicamente superiores às regras →
hierarquia axiológica torna-se em hierarquia normativa?
○ conclui-se que esse não é o caso ⇒ princípios têm a hierarquia equivalente
às normas que os consagram ou das quais eles são inferidos
■ ex.: se princípio está consagrado na Constituição, esse princípio será
hierarquicamente superior a normas no Código Civil
3.3 Elementos inferidos

● regras e princípios são elementos do sistema jurídico e são dotados de positividade,


mas o sistema jurídico não se esgota neles
● teoricamente: o sistema jurídico deveria englobar tudo o que é delimitado pelos
princípios da justiça, confiança e eficiência
○ mas, na realidade: limites do sistema são ditados pelo que o próprio sistema
regula
● elementos implícitos
○ nem todos os princípios do sistema jurídico se encontram explicitamente
consagrados, devido ao seu elevado grau de abstração
○ daí resulta que vários princípios sejam apenas inferidos de concretizações
parcelares em regras jurídicas → a concretização legal de um princípio
estende-se a todas as demais possíveis concretizações desse mesmo
princípio, ou seja:
■ se concretização legal não prever situação específica, é possível
aplicar à situação o princípio subjacente a essa concretização
● elementos derivados
○ quaisquer princípios e regras inferidos dos que estão consagrados são
elementos derivados
○ inferência pode ser lógica → se algo é obrigatório, então isso é também
proibido;
○ inferência pode também ter base em argumentos jurídicos → ex.: princípio
pode ser derivado de um argumento ​a contrario

4. Autonomia do sistema

● sistema jurídico é autónomo se a validade das suas regras e princípios for aferida
por ele próprio
● validade:​ algumas orientações fazem assentar a validade do sistema numa única
regra, diferente das demais
○ KELSEN: ​norma fundamental
■ todas as normas retiram a sua validade de uma norma de valor
superior, estando a Constituição no topo, sendo esta que afere a
validade de todas as outras normas
■ esta retira a sua validade de uma norma superior pressuposta e não
escrita → norma hipotética fundamental
○ HART: ​regra de reconhecimento
■ divisão entre regras primárias (que definem condutas, obrigações,
etc) e regras secundárias (conferem poderes a determinadas pessoas
ou instituições, e permitem criar novas normas primárias)
■ a regra de reconhecimento é uma regra secundária que permite aferir
a validade das outras regras do sistema → não é, então, uma ficção
como em Kelsen, é uma regra própria do regime

5. Construção da autonomia
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5.1 Regra de seleção

● cada sistema normativo tem de possuir um critério próprio para determinar o que
nele é válido → sistema só é autónomo se for ele próprio a definir o que aceita como
sendo válido
● a autonomia de um sistema normativo perante outros sistemas normativos implica o
funcionamento de uma regra de seleção, ou seja, uma regra que define o que
pertence a cada sistema
○ no entanto, essa regra seria “supra-sistémica”, pondo então em causa a
autonomia do sistema
● regra de seleção que permite delimitar um sistema normativo perante os demais tem
o seguinte enunciado
○ o que é válido num sistema normativo é definido exclusivamente pelo próprio
sistema
○ ⇒ as fontes de um sistema são definidas pelo próprio sistema

5.2 Função da regra

● encaixa uma regra jurídica num determinado sistema


● um mesmo conteúdo por satisfazer regras de seleção de vários sistemas e,
consequentemente, pertencer a diversos sistemas
● função de identificação realizada pela regra de seleção tem dois aspetos:
○ aspeto positivo​: aspeto de inclusão, refere-se à identificação do que pertence
ao sistema jurídico
○ aspeto negativo:​ respeita à identificação do que é excluído desse sistema
● outra função → assegurar a identidade do sistema jurídico

5.3 Explicitação da regra

● regra de seleção não se encontra positivada ou explicitamente consagrada no


sistema português
● mas: há afloramentos da regra → art 203º CRP: regra exclui implicitamente que as
regras de outras ordens normativas possam servir de fundamento às decisões
judiciais

5.4 Limites da autonomia

● pode haver uma relação de subordinação entre sistemas jurídicos


● se um sistema se encontra subordinado a outro sistema, verificam-se duas
consequências:
○ fontes válidas no sistema subordinante serão também válidas no subordinado
○ fontes produzidas no sistema subordinado só são válidas se forem aceites
pelo subordinante

6. Funcionamento do sistema
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6.1 Construção do sistema

● sistema jurídico é ​autopoiético​ → ele produz-se, mantém-se e reproduz-se a si


próprio; o que é direito só pode ser determinado em referência ao próprio direito
● caráter autopoiético do sistema é uma consequência da regra de seleção que
determina o que pertence ou não pertence ao sistema
○ é a regra de seleção que garante que o sistema se produza e reproduza a si
próprio
● caráter autopoiético é também uma decorre também de:
○ regras do próprio sistema têm competência para definir a formação das
fontes de direito
○ validade de regras jurídicas reveladas pelas fontes é aferida em função de
outras regras

6.2 Consistência do sistema

● sistema jurídico tem de ser conjunto consistente de princípios e regras jurídica, o que
implica que:
○ o sistema não pode comportar regras e princípios contraditórios
○ os princípios e as regras têm de ser consistentes com os princípios e as
regras que constituem as suas fontes de produção
● se sistema jurídico é construído a partir de certos princípios formais, então desse
facto decorre outro princípio jurídico ⇒ o ​princípio da consistência

6.3 Tipos de consistência

● sistema é consistente quando qualquer obrigação pode ser cumprida sem violar
nenhuma outra, e qualquer permissão pode ser gozada sem violar nenhuma
obrigação
● consistência respeitante à origem → elementos do sistema têm de ser compatíveis
com a sua fonte de produção

6.4 Conflito normativo

● há um conflito normativo quando duas regras que geram consequências


incompatíveis são aplicáveis ao mesmo caso
● mas só há um verdadeiro conflito quando não for possível revogar ou invalidar uma
das regras conflituantes, ou transformar uma na regra excecional ou especial da
outra
● conflitos normativos só podem ser resolvidos se:
○ só uma das regras for vigente
○ só uma das regras for válida
○ só uma das regras é aplicável

6.5 Resolução do conflito


● se conflito não puder ser resolvido através de um dos critérios acima mencionados,
está-se perante uma ​“lacuna de colisão”​; no entanto, o mais acertado seria invalidar
uma das regras conflituantes
● para resolver o conflito terá de se proceder a uma ponderação de interesses,
dando-se preferência à regra que proteger os interesses mais relevantes
○ deste modo, evita-se a invalidade das duas regras e uma consequente
lacuna
● conflitos normativos também se verificam entre sistemas jurídicos → tem de se
atender, no caso de um sistema não ser autónomo, às normas do sistema
subordinante que são, consequentemente, superiores

7. Abertura do sistema

● sistemas sociais são autopoiéticos, mas não são fechados em relação ao seu meio
ambiente
○ sistemas são estruturalmente orientados para o seu meio ambiente, e não
podem subsistir sem este
● sistema jurídico é um sistema aberto ao comunicar com outros sistemas normativos
(moral) e não normativos (política e economia) → pode usar conceitos de outros
sistemas nas suas próprias operações
● sistema jurídico pode receber elementos da moral ou de outras fontes sociais, mas
isso tem de acontecer através de uma transformação explícita ⇒ esses elementos
deixam de valer, para o direito, como morais ou sociais e passas a ser elementos
jurídicos

7.1 Flexibilidade do sistema

● quanto mais aberto o sistema jurídico for a conceitos próprios de outros sistemas
normativos, mais flexível ele se torna na resolução de casos concretos

INTERPRETAÇÃO DA LEI
KOSK
1. Aspetos relevantes

● interpretação da lei desdobra-se nos seguintes aspetos:


○ escolha da finalidade da interpretação:
■ interpretação visa descobrir intenção do legislador, ou o significado
objetivo da lei?
○ seleção dos elementos da interpretação:
■ após definir a finalidade, importa selecionar elementos que irão ser
usados para alcançar o objetivo
○ inferência da regra jurídica:
■ conjugar os vários elementos para saber a que casos é que a lei é
aplicável e para obter a regra jurídica constante na lei
2. Caráter normativo

● interpretação da lei procura responder à questão de como é que a lei ​deve​ ser
interpretada
● interpretação tem caráter normativo → ao caráter normativo da interpretação em
geral acresce o recurso a regras específicas da interpretação da lei (art 9º CC)

3. Finalidade da interpretação
oacmk
3.1 Subjetivismo ​vs ​objetivismo

● duas orientações no que toca à finalidade da interpretação da lei:


○ orientação subjetivista:​ finalidade da interpretação é a reconstituição da
intenção do legislador subjacente à produção da lei, ou a sua intenção de
induzir um comportamento nos destinatários da lei
■ no caso de conflito entre sentido literal e intenção do legislador,
prevalece o ​legislador
■ orientações subjetivistas eram predominantes durante o absolutismo
e nas metodologias do século XIX
● para estas correntes, a finalidade da interpretação é a
reconstrução da ​voluntas legislatoris
● SAVIGNY: intérprete deve colocar-se na posição do legislador
e repetir em si a atividade deste
○ orientação objetivista:​ finalidade é a determinação do significado objetivo da
lei, independentemente da intenção do legislador
■ no caso de conflito entre letra e intenção do legislador, prevalece o
intérprete
■ na atualidade tendem a prevalecer as correntes objetivistas
● finalidade da interpretação é a determinação da ​voluntas legis
● consequência da posição objetivista: inexistência de
continuidade entre a produção da lei e a sua interpretação

3.2 Semântica ​vs​ pragmática

● o subjetivismo fica-se por aquilo que foi querido (pelo legislador), esgotando-se
então na dimensão ​semântica
● o objetivismo orienta-se por aquilo que pode ser feito (pelo destinatário da regra),
movendo-se numa dimensão ​pragmática

4. Orientações objetivistas

● argumentos a favor das correntes objetivistas:


○ igualdade perante a lei ​→ todos os leitores conseguem ter uma ideia sobre o
significado objetivo da lei, mas a determinação do pensamento do legislador
exige uma preparação que não está ao alcance de todos
○ impossibilidade de determinação da intenção do legislador histórico​ → é
impossível definir uma vontade comum a todos os intervenientes no processo
legislativo (deputados, Primeiro-Ministro e ministros, Presidente da
República…), mesmo que apenas se considere o que foi dito pelos principais
intervenientes
○ necessidade de integração da lei no ambiente social​ → o que deve contar
não é o que o legislador quis a determinada altura, mas sim o que a lei vale
no momento em que é interpretada; lei deve libertar-se do legislador e passar
a valer com um significado objetivo adequado às circunstâncias existentes no
momento da sua interpretação
● especialmente importante é a integração da lei no ambiente social → ex.: no caso de
uma modificação no significado de uma palavra, não se pode deixar de se atender
ao seu significado atual
○ esta situação ocorre frequentemente em alguns conceitos indeterminados,
como os da ​boa fé​ e ​bons costume
● consequência da adoção de uma posição objetivista:
○ intérprete não tem de procurar a intenção do legislador, o que tem uma
consequência política → visto que o intérprete (ex.: juiz) não tem de se
preocupar com a intenção do legislador, isso significa que:
■ a competência para interpretar não coincide com a competência para
legislar
■ neste domínio, o poder jurisdicional prevalece sobre o legislativo, visto
que o direito é o que o juiz, e não o legislador, considera que é
● quanto mais recente a lei, mais provável é que a letra coincida com a intenção do
legislador

5. Direito português

● art 9º CC → interpretação tem como finalidade a reconstituição do pensamento


legislativo a partir do texto da lei
● “​pensamento legislativo​” → expressão ambígua, pode significar o pensamento do
legislador (posição subjetivista) ou o pensamento da lei (posição objetivista)

5.1 Tendências subjetivistas

● art 9º/2 CC → não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo
que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que
imperfeitamente expresso
○ visto que apenas é possível exprimir um pensamento de alguém, poder-se-ia
concluir que a expressão “pensamento legislativo” se referiria à ​voluntas
legislatoris

5.2 Tendências objetivistas

● para resolver ambiguidade da expressão “pensamento legislativo”, é importante


considerar a oposição entre atualismo e historicismo
○ orientação atualista:​ o que conta é significado atual da lei
○ orientação historicista:​ o que conta é o seu significado no momento de
criação
● é possível cruzar as orientações atualistas e historicistas com as subjetivistas e
objetivistas
○ orientação subjetivista historicista:​ significado da lei é aquele que o legislador
lhe deu no momento da sua elaboração
○ orientação subjetivista atualista:​ o significado é aquele que o legislador lhe
daria se legislasse na atualidade
○ orientação objetivista historicista:​ significado é aquele que a letra da lei tinha
no momento da sua criação
○ orientação objetivistas atualista:​ significado é aquele que a letra da lei tem na
atualidade
● pode-se distinguir também entre atualismo projetivo e prospetivo
○ atualismo projetivo:​ implica projeção na atualidade da vontade do legislador
histórico (versão subjetivista) ou a projeção na atualidade do significado
objetivo histórico (versão objetivista)
○ atualismo prospetivo:​ implica prospecção/aferição da vontade do legislador
atual (versão subjetivista) ou a prospecção do significado atual (versão
objetivista)

⇒ ​Conclusão:​ função da interpretação não é explicar a lei, mas antes aplicá-la e encontrar
a sua razão de ser como elemento de um raciocínio prático
↳ interpretação deve ser realizada numa perspetiva atualista e objetivista, ou seja,
tendo em vista a aplicação da fonte

6. Elementos da interpretação

● interpretar fonte = inferir a regra que ela contém, através da sua aplicação a casos
concretos
● aplicação da fonte tem de respeitar determinadas regras da interpretação jurídica →
essas regras são os ​elementos​ da interpretação
○ possibilitam escolha entre diferentes interpretações possíveis, e também
permitem determinar se a interpretação realizada é correta ou não
● SAVIGNY: os elementos da interpretação são o elemento ​gramatical​ (sentido literal
da lei), o ​lógico ​(construção lógica da lei), o ​sistemático​ (conexão sistemática) e o
histórico​ (circunstâncias que motivaram elaboração da lei)

7. Enunciado

● interpretação é realizada a partir da letra da lei, com base nas circunstâncias em que
foi elaborada, na unidade do sistema jurídico e nas condições específicas do tempo
em que a lei é aplicada
● elementos da interpretação:
○ elemento literal → sentido da letra da lei
○ elemento histórico → refere-se ao momento em que a lei foi produzida
○ elemento sistemático → refere-se ao enquadramento sistemático da lei
○ elemento teleológico → finalidade da lei
■ elemento histórico e sistemático são elementos de contexto →
juntamente com o teleológico, constituem os ​elementos não literais
da interpretação

7.1 Letra e espírito

● art 9º/1 → oposição da letra da lei ao pensamento legislativo; são coisas distintas,
podem ou não coincidir
● há uma imposição da reconstituição desse pensamento legislativo com fundamento
nos elementos não literais
● pretende-se que intérprete encontre o espírito da lei a partir da sua letra, com base
nos elementos não literais

7.2 Hierarquia dos elementos

● se estivéssemos no âmbito de um “sistema móvel”, então não haveria hierarquia


rígida entre os elementos
○ sistema móvel​ → elementos têm importância distinta em situações diferentes
● mas, no ordenamento português há uma hierarquia relativa ao método e ao
resultado da interpretação
○ hierarquia relativa ao método:
■ segundo o art 9º/1: interpretação deve reconstituir pensamento
legislativo a partir do texto
■ ⇒ ​primazia do elemento gramatical​, em relação aos demais
elementos não literais
■ apenas depois de encontrarmos o significado literal da lei, ou seja, a
sua dimensão semântica, é que é possível reconstituir o pensamento
legislativo
○ hierarquia relativa ao resultado:
■ também segundo art 9º/1: intérprete deve reconstituir pensamento
legislativo através do texto e dos elementos não literais; qualquer
conflito entre a letra da lei e o seu espírito deve ser resolvido através
da prevalência do espírito da lei
■ ⇒ ​prevalência dos elementos não literais​ face ao gramatical
■ elementos não literais são os elementos relativos ao espírito da lei
● MENEZES CORDEIRO: sistema móvel dos elementos, depende do peso de cada
um no caso concreto
● CANARIS: elemento teleológico prevalece, mas não sobre o sistema interno
● TEIXEIRA DE SOUSA: não há hierarquia dos elementos, mas sim orientações; cada
elemento dá um contributo por si, não entrando em colisão

7.4 Meta-regra de prevalência dos elementos


● meta-regra de prevalência → dimensão pragmática da lei prevalece sobre a sua
dimensão semântica; o que intérprete pode fazer com a lei prevalece sobre o que a
letra da lei diz
● interpretação da lei nunca deve ficar pela letra

8. Valor dos elementos

● ​ rincípio da exaustividade dos elementos​ ⇒ elementos da interpretação têm valor


p
próprio; em qualquer interpretação devem ser utilizados todos os elementos
○ princípio da exaustividade justifica o facto do intérprete não ter de justificar a
aplicação de nenhum dos elementos da interpretação → justificação decorre
do artigo 9º CC
● princípio da exclusividade dos elementos​ ⇒ na interpretação apenas podem ser
utilizados os elementos referidos no artigo 9º
● ao conjugar estes dois princípios, entende-se que os elementos da interpretação
constantes no artigo 9º são ​critérios normativos

9. Modelos de interpretação

● interpretação pode já estar “formatada” através de precedentes jurisdicionais ou de


teorias elaboradas pela doutrina
● muitas vezes o intérprete deixa-se convencer pelo argumento de autoridade e tende
a seguir o precedente ou a teoria

10. Elemento literal

● toda a interpretação deve começar pela análise da letra da lei e por uma tentativa de
compreensão do seu significado
● a letra da lei não deve ser entendida como apenas um elemento interpretativo, mas
sim com a base textual da interpretação
● circularidade do elemento gramatical:
○ ponto de partida → devemos considerar que legislador consagrou as
melhores soluções (art 9º/3)
○ ponto de chegada → resultado da interpretação deve ter um mínimo de
correspondência com a letra da lei (9º/2)

10.1 Historicismo ​vs​ atualismo

● interpretação da letra da lei pode ser feita sob uma perspetiva historicista ou
atualista
○ historicista:​ intérprete atribui à letra da lei o significado que tinha no momento
da sua criação
○ atualista:​ intérprete atribui à letra da lei o seu significado atual
● ⇒ letra da lei deve ser interpretada de acordo com o seu significado atual; a posição
atualista prevalece
○ apenas essa interpretação atualista permite que as soluções sejam
adequadas ao tempo em que são aplicadas, e é especialmente importante no
caso de conceitos indeterminados cujo significado evolui de acordo com as
circunstâncias sociais, etc

10.2 Concretização do elemento

● elemento literal comporta dimensão sintática e semântica


○ sintática​ → respeita à estrutura gramatical da lei e considera a lei totalidade
do seu enunciado
○ semântica​ → refere-se ao significado das palavras utilizadas na lei naquele
contexto
● dimensão semântica:
○ regras relativamente à dimensão semântica:
1. intérprete não pode considerar nenhuma expressão constante na lei
como inútil ou redundante
2. intérprete deve evitar a atribuição de significados incompatíveis a
expressões ou palavras
○ género ou número das palavras que constituem a letra da lei são geralmente
irrelevantes
■ palavras masculinas também incluem o género feminino
■ palavras empregues no singular valem também no plural
● importante distinguir entre palavras da linguagem jurídica, da linguagem técnica e da
linguagem corrente
○ linguagem jurídica​ → palavras devem ser interpretadas com o significado que
elas possuem no direito em geral ou no respetivo ramo em que se insere a lei
interpretada
■ definições legais são, neste caso, importantes
■ se a mesma palavra tiver significados diferentes em diferentes ramos,
esta deve ser interpretada de acordo com o significado no ramo em
que a lei interpretada se insere
○ linguagem técnica​ → devem ser interpretadas com o significado que têm no
respetivo ramo de conhecimento, salvo se se concluir que elas são usadas
com o seu sentido mais corrente
○ linguagem corrente​ → devem ser interpretadas com o significado que
possuem no seu uso quotidiano; só não assim sucede se o legislador tenha
usado a palavra de acordo com uma definição legal

10.3 Valor da letra

● limites legais:
○ letra da lei tem valor próprio, que não pode ser ignorado pelo intérprete e
impõe dois limites:
1. presunção que legislador consagrou soluções mais acertadas e que
soube exprimir o seu pensamento em termos adequados → todo o
significado que corresponde à letra da lei tem de ser um significado
possível dessa lei
⇒ letra da lei constitui um limite para todos os outros elementos da
interpretação
2. não pode ser considerado pelo intérprete um significado que não
tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que
imperfeitamente expresso → significado que não encontra
correspondência mínima na letra da lei não é possível
⇒ não pode ser considerada interpretação a conclusão do intérprete que não
for compatível com a letra da lei
● limite mínimo:
○ exige-se uma correspondência mínima com a letra da lei, mas a letra pode
ser ultrapassada pelo espírito da lei
○ art 9º impõe limite mínimo → letra da lei não constitui uma fronteira
inultrapassável pelo resultado da interpretação, mas sim um ponto de partida
para a obtenção do mesmo
○ até onde pode ir a interpretação?
■ sob o ponto de vista objetivista, até onde os elementos não literais o
permitam, ou seja, até à interpretação restritiva ou extensiva

10.4 Significado provisório

● significado literal é apenas o primeiro degrau na interpretação → é algo de provisório


e inacabado
● letra da lei fornece apenas hipótese de interpretação; depois de obtido o significado
literal, intérprete deve procurar a sua corroboração ou infirmação através dos
elementos não literais

11. Elemento histórico

● também designado por elemento histórico genético ou elemento genético


● respeita à justificação da fonte
○ procura-se saber o que motivou a produção da fonte, nomeadamente os
factos que levaram o legislador a produzir uma lei sobre uma determinada
matéria e que necessidades eram satisfeitas pela fonte no seu momento de
produção
● há que considerar aspetos objetivos e subjetivos:
○ objetivos:​ situação social e jurídica existente no momento de formação da lei
○ subjetivos:​ referentes à intenção do legislador que produziu a lei
● consagrado no artigo 9º/1, ao mencionar “as circunstâncias em que a lei foi
elaborada”

11.1 Aspetos objetivos

● como aspetos objetivos, há que atender aos precedentes normativos e doutrinários,


e à ​occasio legis
● precedentes normativos​ → respeitam antecedentes da lei, que podem ser históricos
ou comparativos
○ precedentes históricos:​ leis que antecederam a lei que se interpreta e que
esta substituiu
○ precedentes comparativos:​ referem-se às leis vigentes em outros
ordenamentos jurídicos no momento da formação da lei
○ precedentes doutrinários:​ é relevante conhecer o ambiente doutrinário que
existia no momento da elaboração das leis; há várias situações em que a lei
consagra como direito positivo orientações de caráter doutrinário
● occasio legis​ → respeita ao condicionalismo que rodeou a formação da lei
○ leis interagem com realidade política, social, económica, cultural, etc, que
existe no momento da sua formação ⇒ conhecimento desta realidade ajuda
a compreender o seu significado

11.2 Aspetos subjetivos

● referem-se à intenção do legislador; para determiná-la, há que considerar como


meios auxiliares os seguintes:
○ exposições oficiais de motivos
○ trabalhos preparatórios​ → comportam estudos que foram elaborados para a
preparação da lei; os anteprojetos e projetos antecedentes à versão final e a
discussão que ocorreu nos órgãos legislativos
○ preâmbulos dos diplomas legais
■ MENEZES CORDEIRO: defende que preâmbulo se integra na
occasio legis​, não havendo vinculatividade do mesmo
■ preâmbulo não tem mesmo valor do articulado, é meramente
indicativo
○ relatórios explicativos das convenções internacionais
● neste contexto → intenção do legislador não se refere à vontade real do legislador,
mas sim o que pode ser inferido dos meios auxiliares como sendo a ​hipotética
vontade​ do legislador

11.3 Aspeto evolutivo

● embora esta não esteja referida no artigo 9º, o elemento histórico tem também uma
dimensão retrospetiva ou evolutiva
○ trata de saber qual a interpretação que tem sido dada pela jurisprudência e
pela doutrina a uma determinada lei, após o início da sua vigência
○ forma de averiguar novas necessidades, diferentes daquelas que justificaram
a sua produção
○ é indispensável conhecer a que casos é que a lei se aplicou
○ dicotomia entre a lei escrita e a lei aplicada → ​law in books vs law in action

12. Elemento sistemático


● SAVIGNY: institutos jurídicos constituem um sistema, apenas podem ser
completamente compreendidos em conexão entre si
○ elemento sistemático como consequência e um postulado da​ u ​ nidade do
sistema jurídico
● elemento sistemático visa assegurar que nenhuma fonte seja interpretada em
divergência ou em contradição com o sistema
● impõe uma interpretação sistemática → no entanto, não há nenhuma garantia que o
resultado da interpretação seja conforme ao sistema
○ assim sendo, é necessário resolver o conflito de normas através de:
■ revogação ou invalidade de uma das regras
■ da qualificação de uma deles como regra especial ou excecional da
outra
■ escolha de uma das regras conflituantes através da ponderação dos
respetivos interesses
● encontra-se consagrado no art 9º/1, ao se impor a consideração da unidade do
sistema na reconstituição do pensamento legislativo
● lei deve ser interpretada no respetivo ambiente sistemático, visto que esta
normalmente resulta do seu contexto, ou seja, do conjunto de regulação dentro da
qual ela realiza uma determinada função
○ deve-se então passar do preceito para o texto legal que o contém, deste para
o respetivo subsistema, e deste para o sistema jurídico
● ⇒ nenhuma lei deve ser interpretada isoladamente das outras leis com as quais
apresenta conexões sistemáticas
○ de entre os significados possíveis da lei, dever-se-á extrair aquela que for
mais compatível com o significado das restantes leis

12.1 Importância

● o elemento sistemático orienta-se pelo princípio da igualdade (art 13º CRP) → o que
é igual deve ser tratado igual
● elemento evita contradições valorativas dentro do sistema
● permite também resolver o problema da polissemia ou ambiguidade semântica das
palavras, ao considerar o contexto

12.2 Historicismo ​vs​ atualismo

● elemento sistemático pode ser considerado numa perspetiva historicista ou atualista


● perspetiva historicista:
○ intérprete considera integração sistemática que existia no momento de
formação da lei
● perspetiva atualista:
○ considera a integração sistemática da lei na atualidade
● ⇒ elemento sistemático deve ser entendido numa perspetiva atualista
○ todas as leis devem ser consistentes com os princípios e demais leis do
ordenamento jurídico durante toda a sua vigência
12.3 Concretização do elemento

● elemento sistemático decompõe-se em duas vertentes:


○ sistema externo​→ relação de contexto; intérprete só pode interpretar a lei
depois de a ter enquadrado no sistema mais vasto
○ sistema interno​ → princípio da consistência; consequência e postulado da
unidade do sistema jurídico
● elemento sistemático traduz-se também em duas regras interpretativas:
○ de caráter positivo​ → impõe que se deve atribuir à lei o significado que
melhor se harmoniza com outras fontes
○ de caráter negativo​ → impede que intérprete atribua à lei um significado que
não seja consistente com outras fontes, ou que seja redundante em relação a
outras fontes

12.4 Sistema externo

● lei deve ser interpretada no contexto do sistema jurídico ⇒ rege-se de acordo com a
unidade do sistema
● sistema externo resulta de uma atividade ordenatória do investigador através da
construção de conceitos ordenadores, de divisões e da ordem do tratamento das
matérias
○ necessário olhar para onde a norma se encontra no sistema: em que secção
do documento legal, etc ⇒ procura-se encontrar o significado da fonte
através do seu enquadramento num conjunto mais geral
● distinção entre contexto vertical e horizontal:
○ contexto vertical:
■ conexão da lei com outras leis de hierarquia superior
■ deve-se considerar a coordenação da interpretação da lei com a
respetiva fonte de produção
■ conforme à Constituição​ → direito ordinário deve ser interpretado
de acordo com os respetivos preceitos constitucionais; deve-se evitar
interpretações inconstitucionais
■ conforme ao direito europeu​ → decorre do primado do direito
europeu sobre o direito dos Estados-membros; direito nacional deve
ser interpretado em consonância com o direito europeu
■ conforme ao direito ordinário​ → interpretação de acordo com a
fonte de produção ordinária; ex.: autorização legislativa, etc
○ contexto horizontal:
■ interpretação deve considerar leis da mesma hierarquia sobre idêntica
matéria (contexto intertextual) e preceitos da mesma lei (contexto
intra-textual)
■ importante na interpretação de lei especiais ou gerais, tendo estas de
ter em consideração a respetiva lei geral
■ interpretação de uma lei remissiva deve considerar lei para a qual
remete
■ conexão​ → a ​ o analisar uma norma, é necessário entender o seu
contexto; necessário atender à interligação com outras normas, e à
sua localização no sistema como unidade
■ analogia​ → lugares paralelos; interpretação deve considerar regras
aplicáveis a situações semelhantes, ou seja, duas regras que regulam
situações parecidas deverão ser interpretadas da mesma maneira, de
acordo com a unidade do sistema

12.5 Sistema interno

● sistema interno decorre da unidade do sistema jurídico, do ponto de vista valorativo,


e corresponde às ​conexões materiais​ e a uma ​ordem imanente
● rege-se de acordo com o ​princípio da consistência
● princípio da consistência vale num duplo sentido:
○ auxilia a encontrar o significado da lei na unidade do sistema
○ afaste significados incompatíveis com essa unidade
● leis são concretizações dos dos princípios de justiça, de confiança e de eficiência, ou
de princípios materiais → interpretação deve dar melhor expressão possível a esses
princípios
● há também que assegurar a unidade de cada subsistema → lei em questão deve ser
integrada no respetivo subsistema, e deve ser interpretada de acordo com os
princípios característicos do mesmo

13. Elemento teleológico

● respeita à finalidade da lei; procura-se determinar quais os objetivos que a mesma


visa prosseguir
● distinção entre elemento histórico e teleológico:
○ elemento histórico visa justificar a produção da lei, enquanto o teleológico
procura encontra a finalidade da própria lei, que justifica a sua vigência
● para o intérprete descobrir a finalidade da lei, será necessário descobrir a ​ratio legis
→ a razão de ser da lei
○ intérprete deve depois usá-la na determinação do espírito da lei
● para compreender a lei, é necessário perceber a que situações ela procura dar uma
resposta
● relevância da estatuição:
○ compreender a finalidade da lei implica entender a estatuição da mesma
■ é necessário perceber o que a lei ​permite,​ ​obriga​ ou ​proíbe
○ para uma melhor compreensão da estatuição poderá ser necessária a
consideração do enquadramento sistemático da lei → finalidade tem de ser
compreendida no âmbito do contexto da lei

13.1 Historicismo e atualismo

● teleologia pode ser considerada numa perspetiva historicista ou atualista


● perspetiva historicista:
○ ​ intérprete procura encontrar finalidade que
historicista subjetivista →
legislador histórico pretendia, numa orientação
○ historicista objetivista​ → procura finalidade que lei poderia ter no momento da
sua elaboração
● perspetiva atualista:
○ intérprete procura finalidade que lei poderá ter no momento da sua
interpretação
● direito fornece resposta inequívoca quanto à decisão entre a teleologia historicista
ou objetivista:
○ art 9º/1 → deve-se atender às condições específicas do tempo em que a lei é
aplicada ao reconstruir o pensamento legislativo
○ ⇒​ direito positivo impõe teleologia objetivista atualista

13.2 Concretização do elemento

● para determinar a teleologia, teremos de atender ao ambiente sócio-económico,


político e cultural, tal como jurídicos
○ ⇒ através da consideração destes fatores deve-se otimizar a teleologia da lei
● fatores sistémicos:
○ interpretação deve considerar princípios do sistema jurídico e do respetivo
subsistema em que a lei se insere
■ interpretação conforme aos princípios permite descobrir a ​ratio legis​ e
fixar a finalidade da lei
○ intérprete deve procurar princípio formal ou material que fundamenta a lei, e
deve visar a otimização do mesmo através da interpretação
○ a escolha do princípio que orienta a interpretação da lei exige uma
ponderação entre os princípios de justiça, confiança e eficiência
● avaliação das consequências:
○ na escolha da teleologia, há que atender às consequências da mesma:
■ havendo duas teleologias possíveis, o intérprete deverá evitar a que
será incompatível com o espírito do sistema
● regras de experiência:
○ elemento teleológico requer o recurso a ​regras de experiência
■ regras de experiência correspondem à experiência da vida quotidiana;
ou seja, o conhecimento de como as coisas funcionam
○ através das regras de experiência, o intérprete consegue realizar a
interpretação de acordo com os parâmetros de normalidade da vida em
sociedade

13.3 Importância do elemento

● é o elemento teleológico que melhor permite controlar a correção da interpretação


da lei
● permite ao intérprete utilizar valores éticos, políticos ou económicos na procura da
otimização do princípio subjacente à lei interpretada
● teleologia da lei tem dimensão ​consequencialista​ → finalidade da lei é dependente
das consequências da sua aplicação
● função específica:
○ é através do elemento teleológico que se conseguem descobrir situações de
fraude à lei → situações artificialmente criadas para evitar a aplicação da lei

14. Conjugação dos elementos

● nenhum dos elementos é, só por si, suficiente para determinar o significado a lei
○ no entanto, cada um deles dá um ​contributo​ para a determinação do
significado
● respeitando a exigência da mínima correspondência com a letra da lei, cada
contributo dos elementos deve ser equilibrado com os demais
○ ⇒ interpretação da fonte resulta da conjugação de cada um dos contributos
● pode haver oposição entre o elemento gramatical e os não literais, mas não deverá
haver oposição entre cada um destes últimos
○ ou seja, os elementos não literais são aditivos e não devem contrariar-se, na
medida que cada um deles deve dar um contributo para a interpretação final
● ⇒ intérprete deve escolher a interpretação que, dentro dos limites impostos pela
correspondência mínima com a letra da lei e com apoio na justificação histórica da
lei, melhor se integrar no sistema jurídico e melhor se adequar às necessidades
sociais

RESULTADOS DA INTERPRETAÇÃO
adkalda
1. Generalidades

● a interpretação da lei não se esgota no seu significado literal → importa também


reconstituir o pensamento legislativo
○ reconstituição é feita através do vários elementos não literais
● significado literal desvenda ​dimensão semântica​ da fonte, enquanto os elementos
não literais permitem descobrir a ​dimensão pragmática
● a reconstituição do pensamento legislativo pode originar situações de ​coincidência
ou ​não coincidência​ entre a letra e o espírito da lei
○ situações de coincidência​ → interpretação declarativa
■ intérprete atribui à lei o seu significado literal
○ situações de não coincidência​ → interpretação reconstrutiva
■ significado da lei é reconstruído pelo intérprete a partir do seu
significado literal

2. Interpretação declarativa

● interpretação declarativa​ → resulta da coincidência entre espírito e letra da lei


○ letra da lei fornece um significado literal, e o espírito resultante dos elementos
não literais é compatível com esse significado
○ é uma interpretação ​secundum litteram

2.1 Modalidades

● podemos distinguir entre interpretação declarativa lata, média e restrita, de acordo


com a influência dos elementos não literais para a compreensão do significado literal
● interpretação declarativa lata
○ significado literal é o mais extenso possível
○ ex.: “homem” deverá abranger pessoas do sexo masculino e feminino
● interpretação declarativa média
○ significado literal corresponde ao sentido mais frequente da palavra
○ não há razões para adotar interpretação lata ou restrita, palavras têm o
significado mais comum
● interpretação declarativa restrita
○ significado literal é o menos extenso possível

3. Interpretação reconstrutiva

● interpretação reconstrutiva​ → letra e espírito da lei não coincidem


○ será necessário reconstruir o significado da lei a partir do seu texto com
apoio no seu espírito
○ há que respeitar o limite imposto pela lei → só pode valer como espírito da lei
aquele que tenha um mínimo de correspondência com a letra, ainda que
imperfeitamente expresso
● se letra atribuir um significado à lei, e os vários elementos não literais imporem um
significado mais amplo; intérprete aumenta o campo de aplicação da lei para além
da sua letra → ​interpretação extensiva
● se elementos não literais imporem significado mais restrito; intérprete reduz campo
de aplicação para aquém da sua letra →​ ​interpretação restritiva

3.1 Interpretação reconstrutiva extensiva

● resultado da interpretação é mais amplo do que o significado literal da lei


○ espírito da lei vai além da sua letra, e a fonte permite deduzir uma regra que
não está abrangida pela letra
● interpretação extensiva é uma interpretação ​praeter litteram​ → dimensão pragmática
vai para além da semântica
○ há casos não abrangidos pela letra, mas que também devem ser atingidos
pela regra retirada através da interpretação da fonte
○ a regra retirada da lei é mais ampla do que a própria letra
● à interpretação extensiva está subjacente um​ juízo de agregação​ → o que vale para
a parte deve valer para o todo
○ ex.: se a letra, por algum motivo, se refere a um ou alguns subtipos de uma
coisa, e se o mesmo não corresponder ao espírito da lei, o significado deverá
abranger pelo mesmo motivo os outros subtipos
● na interpretação extensiva, a letra da lei tem uma ​exceção implícita​ que não é
admitida pelo seu espírito
● é possível obter ​regras excecionais​ através da interpretação extensiva

3.1.1 Delimitação

● interpretação extensiva não se confunde com a interpretação declarativa lata


○ interpretação reconstrutiva extensiva​ → significado da lei vai para além do
significado literal da mesma
○ interpretação declarativa lata​ → significado da lei é o significado literal da lei,
mas mais extenso
● interpretação extensiva também não se confunde com a situação em que a previsão
da lei é uma tipologia ou enumeração não taxativa
○ este caso, cabem na previsão legal também os casos análogos aos casos
referidos
○ ⇒ aplicação da lei a caso não previsto, mas análogo a casos tipificados, não
decorre de interpretação extensiva, visto que o caso corresponde
completamente com a previsão ​aberta​ da lei (assumindo que a enumeração
não é taxativa)

3.2 Interpretação reconstrutiva restritiva

● resultado da interpretação é mais restrito do que o significado literal da lei


○ espírito da lei fica aquém da letra da lei; não se justifica que a lei seja
aplicável a todos os casos que são abrangidos pela letra
● interpretação restritiva é uma interpretação ​citra litteram​ → baseia-se num ​princípio
de restrição
○ há casos abrangidos pela letra que não deveriam ser abrangidos pelo
significado da lei
○ ex.: lei refere-se a um género, mas de acordo com os elementos não literais,
apenas deveria abarcar uma espécie
● juízo de desagregação​ → o que está estabelecido para o todo apenas deveria valer
para a parte
● espírito da lei prevalece sobre a letra

3.2.1 Delimitação

● interpretação restritiva não se confunde com a declarativa restrita


○ interpretação reconstrutiva restritiva​ → resultado da interpretação da lei fica
aquém do seu significado literal
○ interpretação declarativa restrita​ → significado da lei é o seu significado
literal, mas menos extenso

3.3 Consequências
● interpretação restritiva conduz à ​inaplicabilidade da lei​ a factos ou situações
abrangidos pela letra da lei → assim sendo, esses mesmo factos serão regulados
por outro regime jurídico
● a determinação desse regime jurídico tem várias hipóteses:
1. se a interpretação restritiva decidir caso não tiver relevância jurídica →
pertence ao espaço livre de direito
2. se interpretação restritiva da lei especial ou excecional deixar espaço para a
aplicação de outra lei vigente → dever-se-á aplicar a lei geral
3. se interpretação restritiva não reconduzir à aplicação de outra lei vigente no
ordenamento → a consequência será a ​construção de uma regra excecional​,
aplicável aos factos não abrangidos por essa lei

4. Desconsideração da regra

4.1 Vinculação à lei

● art 203º CRP → vinculação dos tribunais à lei: garantia do Estado de Direito e da
separação de poderes, assegurando a prevalência da lei sobre qualquer intuição do
juiz
● se juiz está vinculado à lei, em que situações poderá ele não aplicá-la?

4.2 Interpretação ab-rogante

● interpretação ab-rogante​ → imposta por ato de comunicação falhado e pode ser


qualificada como singular ou sistémica
○ singular​ → quando a fonte em si mesma não é inteligível, ou seja, quando o
intérprete não lhe pode atribuir nenhum significado
○ sistémica​ → quando a fonte remete para um regime que não existe no
sistema jurídico
● interpretação ab-rogante da lei remissiva pode originar uma lacuna oculta, porque
onde se pensava que havia um regime jurídico, afinal não há
○ há então que proceder à integração de lacunas

4.3 Interpretação corretiva

● interpretação corretiva​ → pode manifestar-se tanto na aplicação da lei a um caso


que ela exclui, como na não aplicação da lei a um caso que ela abrange
○ justificada pela incompatibilidade da fonte com valores jurídicos
fundamentais, nomeadamente aqueles a que se referem os princípios
formais da justiça, da confiança e da eficiência
○ não se confunde com interpretação restritiva ou extensiva, visto que na
corretiva, o espírito e a letra da lei são ambos desconsiderados
● generalidade das ordens jurídicas exclui a interpretação corretiva, incluindo o
ordenamento português → art 8º/2
ESQUEMA DA INTERPRETAÇÃO DA LEI

1. delimitação do objeto
a. o que é que ambas as partes entendem com o objeto?
b. o que é que as diferentes interpretações do sentido do objeto poderão
significar no caso em questão?
2. elemento gramatical
a. circularidade do elemento gramatical, é ponto de partida e de chegada
b. linguagem jurídica, linguagem técnica, linguagem corrente
3. transição para elementos lógicos → art 9º/1, não nos devemos cingir à letra da lei
a. cada elemento precisa de ser definido, identificado e justificado
4. elemento histórico
a. visa compreender a génese da lei; podemos encará-lo de uma perspetiva
objetivista ou subjetivista
b. qual a vertente que podemos retirar do caso? ⇒ ​occasio legis​, precedentes
normativos, trabalhos preparatórios, preâmbulo
c. questionar vinculatividade do elemento histórico
i. trabalhos preparatórios apenas serão vinculativos se forem
oficialmente publicados, para haver igual acesso para todos
5. elemento sistemático
a. atende ao princípios e valores subjacentes ao sistema enquanto unidade,
visa compreender o enquadramento sistemático da lei
b. sistema interno
i. princípio da consistência
ii. princípio subjacente ao ramo de direito
iii. pode nem sempre estar claro: lei encontra-se dentro de um instituto?
tem um princípio subjacente?
iv. CANARIS: ponte para o elemento teleológico
c. sistema externo
i. princípio da unidade do sistema
ii. vertical
1. subordinação
a. à Constituição
b. ao direito europeu
c. a lei ordinária
iii. horizontal
1. conexão → enquadramento da lei no sistema; olhamos para
epígrafes, capítulos, secções
2. analogia → lugares paralelos, semelhanças entre dois artigos
d. ⇒ sistema interno prevalece sempre sobre o externo, visto que atende a
considerações valorativas
6. elemento teleológico
a. atende à finalidade da lei
b. pode haver uma dualidade de finalidades, ou a finalidade pode não ser clara
c. é preciso compreender o sistema interno para melhor compreender o
elemento teleológico
7. tendo todos os elementos em consideração, o sentido da lei aponta para que
significado?
8. verificação da correspondência com a lei, retorno ao elemento gramatical → art 9º/2
9. resultados da interpretação
a. reconstrutiva → reconstrói-se o significado da lei; há uma desconformidade
da letra com o espírito da lei; a letra da lei não significaria isto, mas
reconstruímos de acordo com o espírito da lei
i. restritiva → espírito da lei só deixa que um único significado seja,
aceite, não havendo correspondência total com a letra da lei
ii. extensiva → espírito da lei abrange mais que o significado literal da lei
b. declarativa → significado da letra da lei é o resultado da interpretação
i. restrita
ii. média
iii. ampla

UAKSK
DETEÇÃO DE LACUNAS
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1. Determinação da lacuna - Falta de regulamentação

● uma lacuna decorre da inexistência de uma regra para regular um caso jurídico
○ há lacuna quando há caso, mas não há regra
● só há lacuna quando falta uma regra jurídica de qualquer fonte, e não quando falta
uma regra legal
○ não existe lacuna quando uma regra inferida de outra fonte - como o ​costume
- abrange o caso
○ também não existe lacuna se caso puder ser resolvido por um ​princípio
implícito​ ou uma ​regra derivada
○ ⇒ lacuna não é falta de regulação expressa, mas sim a falta de qualquer
regulação
■ tem de haver uma lacuna ​iuris,​ não só uma lacuna ​legis
● lacunas não se confundem com ​insuficiências​ ou ​lacunas axiológicas​ do sistema
○ lacunas axiológicas ​→ algo deve ser regulado, não por causa da completude
do sistema, mas sim porque, em nome de um certo valor, se entende que o
sistema deve conter uma solução para um caso e que não deve aplicar
analogicamente a essa situação a solução de outro caso

2. Causas da falta

● lacunas poderão existir devido a:


○ decisão do legislador:
■ legislador pode não querer regular determinada matéria, entendendo
que solução ainda não se encontra aperfeiçoada o suficiente para ser
consagrada na lei
○ deficiência na técnica legislativa:
■ legislador pode não ter previsto todas as situações que devia ter
previsto
○ falta de valor jurídico da fonte:
■ fonte que regula determinada matéria é afinal inexistente, inválida ou
ineficaz
○ evolução social e tecnológica:
■ evoluções na sociedade podem abrir lacunas que não existiam
anteriormente
● ⇒ lacunas são inevitáveis, mas a melhor forma de as combater é através da
codificação

3. Incompletude no sistema

● nem toda a falta de regulamentação implica uma lacuna → lacuna só surge quando
há falta de regulamentação para um ​caso juridicamente relevante
● lacuna pressupõe incompletude no ordenamento jurídico e decorre da conjugação
de dois fatores:
○ fator negativo:​ ausência de regulamentação legal
○ facto positivo:​ exigência de regulamentação

3.1 Possibilidade da incompletude

● a existência de uma lacuna como um incompletude no sistema jurídico pressupõe


que a incompletude seja possível
● no entanto, certas orientações negam a possibilidade do sistema jurídico ser
incompleto:
○ KELSEN: defende completude do sistema, dizendo que quando ordem
jurídica não estatui dever ou proibição da realização de determinada conduta,
então esta é permitida
■ ​⇒ para Kelsen, o ordenamento jurídico é necessariamente completo
● argumentos contra a posição de Kelsen:
○ o facto de o ordenamento não comportar proibição de uma conduta não
significa que este é completo → há uma incompletude se o sistema exigir
regulamentação diferente da não proibição da conduta
■ ou seja, algo é permitido, mas poderá ser também necessário haver
regulamentação a tornar essa conduta obrigatória; desse modo,
haverá uma lacuna
● na análise da completude do sistema, temos duas hipóteses:
1. legislador estabelece tudo que tudo o que não é proibido é permitido
a. legislador ​fecha o sistema​, por isso não há nenhuma lacuna
2. legislador não diz se o que não é proibido é também permitido
a. sistema é ​incompleto​, e haverá uma lacuna se, não havendo
proibição de uma conduta, se concluir que a mesma seja obrigatória
ou proibida
b. lacuna pode consistir na necessidade de estabelecer a obrigação ou
proibição de uma conduta que não é expressamente proibida

3.2 Sentido da incompletude

● no ordenamento português → art 10º fornece critérios para a integração de lacunas


● os critérios são:
○ a analogia (art 10º/1)
○ a regra hipotética criada dentro do espírito do sistema
○ ⇒ critérios apenas podem completar o sistema, nunca o podem violar
● assim sendo: sistemas jurídicos podem ser incompletos ao nível das fontes, mas são
sempre completos ao nível das regras, ao admitirem critérios de integração de
lacunas extraídos dos próprios sistemas
○ se sistema manda integrar lacuna com recursos do próprio sistema, então o
sistema terá sempre solução para todos os casos juridicamente completos
● ⇒ as lacunas são uma incompletude ​no​ sistema, mas não ​do ​sistema

3.3 Deteção da incompletude

● falta de resposta no ordenamento para um caso concreto não implica


necessariamente a existência de uma lacuna
● em primeiro lugar → é necessário delimitar o ​espaço livre de direito​ perante a lacuna
○ espaço livre de direito engloba tudo o que é juridicamente irrelevante, ao
pertencer a outras ordens normativas
○ ⇒ não há uma lacuna, está “à volta do direito”
● lacuna pressupõe incompletude no ordenamento, sendo então algo insuportável
○ há lacuna quando ordenamento exige regulação, mas esta não existe
○ ⇒ há uma lacuna ​no​ direito

3.4 Indício da incompletude

● necessário verificar se sistema é incompleto por haver uma falta de regulamentação


de certos casos, que são análogos a casos já previstos
○ regulação de casos semelhantes ao caso omisso constitui uma lacuna e uma
violação do princípio da igualdade perante a lei
● analogia é, simultaneamente, um critério de deteção e integração de lacunas
○ a analogia é um critério de deteção, visto que a regulamentação de casos
análogos ao caso omisso é um sinal de incompletude no sistema
● no entanto, há lacunas que têm de ser indiciadas sem haver um caso análogo na lei
○ outro indício para detetar lacunas → inexistência de regulamentação para
casos que não são análogos a nenhum caso previsto

3.5 Exclusão da incompletude

● sistemas que não admitem a analogia não podem comportar incompletudes


○ ex.: ​direito penal​: exclui o uso da analogia quanto aos factos que qualificam
crimes e determinam penas
● analogia está também excluída quanto a regras que contêm na previsão factos que
são os únicos que podem desencadear a estatuição
● incompletude do sistema está também excluída quando:
○ o sistema é ​completo​ → não há caso que não seja regulado
■ não há lacunas porque todos os casos são regulados
■ quase impossível na prática
○ o sistema é ​fechado​ → sistema comporta regra que exclui a aplicação
analógica das suas regras a casos omissos
■ não há lacunas porque sistema não admite aplicação análoga a casos
omissos

4. Classificação de lacunas

● normativas e de regulação:
○ normativas​ → c​ orrespondem à falta de uma regra jurídica ou à incompletude
numa regra
○ de regulação​ → ​decorrem da falta de todo um regime jurídico
● intencionais e não intencionais:
○ intencionais​ → ​legislador não quis regular determinada matéria,
considerando que ela deveria ser regulada por soluções desenvolvidas pela
jurisprudência ou pela doutrina
○ não intencionais​ →​ por equívoco ou falta de perícia, legislador não regulou
determinada matéria
● iniciais e subsequentes:
○ iniciais​ → verificam-se desde o início da vigência de um regime jurídico
○ subsequentes​ → aparecem após o início de vigência de um regime, devido à
evolução social, técnica ou económica
● patentes e ocultas:
○ patentes​ → resultam da falta de uma regra ou regime jurídico que é
imediatamente detetada
○ ocultas​ → decorrem de uma interpretação ab-rogante; ​prima facie​, parece
haver uma regra jurídica que regula a situação, mas após a interpretação,
verifica-se que afinal não há nenhuma regra aplicável

INTEGRAÇÃO DE LACUNAS
akjamwd
1. Necessidade de integração

● perante uma lacuna, haveria teoricamente duas soluções:


1. juiz considera que caso não pode ser juridicamente resolvido por falta de
regulamentação aplicável, abstendo-se de proferir uma decisão
a. tribunal verifica situação de ​non liquet​, não estando em condições de
decidir
2. juiz tem ainda assim de proferir uma decisão sobre o caso omisso ⇒
principle of unavoidability;​ após juiz detetar a lacuna, terá de a integrar, para
depois decidir
a. ⇒ ​segundo o artigo 8º/1 CC, é esta a solução que vigora no nosso
ordenamento
● obrigação de decidir o caso omisso significa que o próprio sistema tem de fornecer
os meios necessários para a integração das lacunas

2. Critérios de integração

● art 10º estabelece seguintes critérios de integração de lacunas:


○ analogia jurídica​ → primeiro critério de integração de lacunas, visto que
casos omissos são regulados segundo a regra aplicável a casos análogos
(art 10º/1)
○ regra hipotética​ → se lacuna não puder ser preenchida através da analogia,
procede-se à sua integração através de uma regra hipotética: regra que
próprio intérprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema
(art 10º/3)
● integração da lacuna é realizada por uma regra resultante da aplicação analógica de
uma regra, ou da construção de uma regra hipotética
○ no direito português, nenhuma disposição legal prevê o recurso à equidade
como critério de integração de lacunas, não se preenchendo a condição
estabelecida no artigo 4º, a)

3. Analogia jurídica

● art 10º/2 → há analogia sempre que, no caso omisso, procedam ​razões justificativas
de regulamentação do caso previsto na lei
○ pressupõe identidade de razões da regulamentação do caso previsto e do
caso omisso

3.1 Proibição de analogia

● regras penais:
○ proibição da aplicação analógica das regras penais baseia-se no princípio
nulla poena sine lege​ (art 29º/3 CRP) → não é permitido recurso à analogia
para qualificar facto como crime, determinar pena, etc
● regras fiscais:
○ lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da
Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica
● regras excecionais
○ art 11º dispõe que regras excecionais não comportam aplicação analógica,
mas admitem interpretação extensiva
■ tal solução justifica-se pela circunstância de o conjunto constituído
pela regra geral e pela regra excecional não poder comportar lacunas,
visto que o que não for abrangido pela regra excecional é
necessariamente regulado pela regra geral
○ TEIXEIRA DE SOUSA distingue entre excecionalidade substancial e formal
■ substancial​ → constrói um direito que é introduzido por razões de
utilidade particular contra a razão geral
■ formal​ → contraria regra geral sem contrariar quaisquer valores
fundamentais do sistema jurídico,
● TEIXEIRA DE SOUSA defende que apenas a excecionalidade
substancial é incompatível com a aplicação analógica
● tipologias taxativas:
○ tipologias legais são concretizações, enunciativas ou taxativas, de um tipo
■ tipologias taxativas são aquelas que só comportam as concretizações
do tipo que nelas estiverem previstas
○ tipologias enunciativas são abertas, não comportando assim lacunas
○ tipologias taxativas são fechadas, não admitindo a aplicação analógica a
subtipos não previstos, embora nada impeça a interpretação extensiva

4. Comunhão de qualidades

● art 10º/2 → há analogia sempre que, no caso omisso, procedam razões justificativas
da regulamentação do caso previsto na lei
○ regra que regula caso previsto não é aplicável ao caso omisso (se fosse, não
haveria lacuna)
○ se razão subjacente ao regime do caso previsto for igualmente adequada
para o caso omisso, então casos são análogos ⇒ imposto pelo princípio da
igualdade

4.1 Analogia e tipo

● relação de semelhança pressupõe que as realidades comparadas sejam


simultaneamente idênticas e diversas
● qual o critério que permite aferir semelhanças entre o caso previsto e o caso
omisso?
○ ⇒ casos são semelhantes se apresentarem as mesmas ​características
essenciais
● comunhão de características essenciais pode também ser vista da seguinte forma:
○ caso previsto e caso omisso são análogos se pertencerem a um mesmo tipo,
sendo ambos subtipos de um mesmo tipo
● lacuna é preenchida através da aplicação analógcia da regra que é aplicável aos
casos análogos

4.3 Analogia e valoração

● analogia jurídica tem de assentar num juízo valorativo → é necessário ponderar


quais os elementos essenciais do caso omisso e previsto
○ não basta uma analogia assente na razão prática ou na intuição
4.4 Analogia e ​ratio legis

● identidade de razões que integra a noção de analogia (art 10º/2) leva a concluir que
a consequência jurídica atribuída ao caso previsto deve ser igualmente adequada
para o caso omisso
● casos não são análogos se a consequência não for adequada a ambos

4.5 Analogia e interpretação

● distinção entre analogia e interpretação é clara:


○ interpretação refere-se à fonte e a aplicação analógica à regra
○ interpretação destina-se a extrair a regra da fonte, e a aplicação analógica
consiste em aplicar a regra a um caso que ela não prevê
○ interpretação pressupõe a subsunção de casos à fonte, o que é em si uma
analogia; no entanto, essa analogia não se confunde com a analogia entre
caso omisso e caso previsto, que se baseia nas razões justificativas
● distinção entre​ interpretação extensiva​ e ​analogia​:
○ OLIVEIRA ASCENSÃO:
■ interpretação extensiva​ → sentido que aplicamos à lei ainda se
encontra dentro de um dos significados possíveis da letra da lei
■ analogia​ → se aplicássemos esse significado à lei, estaria para lá da
sua letra; não se encontra entre os seus significados específicos
○ LARENZ:
■ interpretação extensiva​ → sentido está próximo do que a letra da lei
poderá querer dizer, há uma extensão da própria letra da lei;
encontramos uma diferença entre os âmbitos nucleares e marginais
do próprio termo
● caso pode não ter correspondência ​literal​ com o termo, mas
pode corresponder com o âmbito marginal do mesmo
○ MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA:
■ mesmo com a interpretação extensiva da fonte imposta pelos
elementos não literais da interpretação, a fonte não abrange o caso
omisso; por isso, o caso só pode ser resolvido através da aplicação
analógica da regra inferida da fonte
■ analogia que se utiliza para integrar a lacuna começa onde acaba a
interpretação extensiva
○ DOUTRINA MAIORITÁRIA:
■ interpretação extensiva:​ estender sentido da letra da lei para abranger
situações que estejam de acordo com o espírito da lei
■ analogia:​ aplicação da regra a situações que não estejam abrangidas
pela letra nem pelo espírito da lei
● ⇒ necessário aferir o sentido da norma: será que a norma
visava abranger aquela situação?
○ se sim, prosseguimos com a interpretação extensiva
○ se não, prosseguimos com a aplicação analógica
4.6 Modalidades da analogia

● princípio formal e material que orientam determinada solução jurídica podem estar
consagrados numa única regra, ou podem ser inferidos de uma pluralidade de
regras jurídicas
● duas formas de descobrir esses princípios:
○ analogia legis​ → utiliza-se apenas uma regra jurídica que regula um caso
análogo para procurar os princípios orientadores
○ analogia iuris​ → na busca desses princípios utiliza-se uma pluralidade de
regras jurídicas
● distinção entre analogia ​legis​ e ​iuris​ passa também pela existência ou inexistência
de uma regra jurídica que regula um caso semelhante
○ analogia legis​ → existe uma regra que regula um caso análogo
○ analogia iuris​ → regra não existe, mas há um princípio que decorre do
ordenamento jurídico que permite resolver o caso em apreciação

5.1 Crítica da analogia ​iuris

● a analogia ​iuris c​ onfronta-se com a seguinte dificuldade:


○ se essa analogia pressupõe que vigore, no ordenamento jurídico, um
princípio que seja aplicável ao caso em apreciação, pelo que assim sendo,
não haveria sequer uma lacuna que devesse ser integrada, dado que afinal
há um princípio que regula o caso
● enquanto na analogia ​legis ​há uma regra que é aplicada analogicamente, na
analogia ​iuris​ a aplicação analógica é de um princípio jurídico
○ mas nesta lógica, a admissibilidade da analogia ​iuris​ implica negar que os
princípios possam ser critérios de decisão de casos concretos

6. Regra hipotética

● na falta de caso análogo ao caso omisso, a lacuna é preenchida através da regra


que o intérprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema (art
10º/3)
● regra hipotética só é utilizada como modo de integração de uma lacuna quando esta
não possa ser preenchida através da analogia, e quando a lacuna passa a ser um
hard gap
○ só pode suceder se, havendo um caso omisso, não se encontre regulado
nenhum caso análogo

6.1 Construção da regra

● integração de lacuna através da construção de uma regra hipotética deve orientar-se


pelos valores de ​abstração ​e de ​generalidade​ que são característicos das regras
jurídicas
● afasta-se então a discricionariedade e a equidade como critério de construção da
regra jurídica

6.2 Espírito do sistema

● intérprete tem de construir regra hipotética com observância do espírito do sistema


○ deve considerar princípios formais e materiais que, na ótica do sistema,
devem orientar a integração da lacuna
● consideração do espírito do sistema na integração de lacunas implica uma atividade
de prospeção , dado que o aplicador deve procurar descobrir nesse sistema o
princípio formal e o princípio material que o devem orientar naquela integração
● descoberto o princípio, basta aplicá-lo na construção da regra

6.3 Comparação de soluções

● construção da regra hipotética é, em relação à aplicação analógica de uma regra,


um critério subsidiário de integração de lacunas
● mas a regra ​ad hoc​ e a aplicação analógica têm pontos em comum:
○ em ambas, os princípios desempenham uma função essencial
○ na aplicação analógica, princípios servem para verificar se o regime previsto
é adequado para regular o caso omisso
○ quanto à regra hipotética, os princípios orientam a sua construção

ESQUEMA DE DETEÇÃO E INTEGRAÇÃO DE LACUNAS

1. interpretação extensiva ou analogia?


a. será que o objeto do caso concreto é abrangido pela lei?
b. interpretação extensiva​ → pode não ter correspondência com a letra da lei,
mas está no espírito
c. analogia​ → caso concreto não é abrangido nem pela letra nem pelo espírito
da lei
2. há lacuna? → dois requisitos:
a. inexistência de fonte para regular o caso (costume, direito internacional, etc)
b. inexistência de regulação cria falha no sistema, precisa de ser regulado
i. se criar falha ⇒ lacuna
ii. se não criar falha ⇒ omissão intencional do legislador, espaço livre de
direito, etc
3. há alguma proibição de aplicação analógica?
a. direito penal, cargas fiscais, regras excecionais (art 11º), tipologias taxativas
4. qual o tipo de lacuna?
5. processo de integração de lacunas
a. intra-sistemático
i. analogia ​legis​ (art 10º/1)
1. existência de uma regra que regula um caso análogo ao caso
omisso
2. aspetos essenciais​ da norma levam à sua aplicação ao caso
omisso → devemos olhar para a previsão, estatuição, ratio,
valoração
ii. analogia ​iuris
1. de um conjunto de regras, retiramos um princípio para aplicar
ao caso omisso
2. há quem defenda que não há espaço para analogia ​iuris,​
pressupõe a existência de princípios para suprir lacunas
3. TEIXEIRA DE SOUSA: se há princípios que resolvam o caso,
não há uma verdadeira lacuna
4. BAPTISTA MACHADO: não autonomiza analogia ​iuris​,
incluindo-a na regra hipotética
iii. criação da regra hipotética
1. tem de haver ponderação à luz dos princípios do
ordenamento, não podemos recorrer à equidade nem à
discricionariedade
b. extra-sistemático

APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO


ahhaha
1. Enquadramento geral

● fontes de direito são produzidas num determinado momento e entram em vigor num
certo momento
○ com o início de vigência da LN, verifica-se a revogação da LA (art 7º/2)
■ revogação da LA pela LN assegura a consistência do sistema jurídico,
evitando que vigorem duas leis sobre a mesma matéria
■ no entanto, não resolve todos os problemas relativos à lei aplicável,
visto que há situações jurídicas que se constituíram na vigência da LA
e que transitam para a vigência da LN
● se entendermos que as situações constituídas durante a vigência da LA continuarem
a ser reguladas por essa mesma fonte, devemos concluir que a aplicabilidade das
fontes nem sempre coincide com o seu tempo de vigência

2. Princípios orientadores
jaajaja
2.1 Referências da lei nova

● problemas relativos à aplicação da lei no tempo decorrem da sucessão de leis para


regular uma mesma realidade
● para facilitar, impõe-se uma distinção entre duas possíveis referências da LN:
○ pode referir-se a ​factos jurídicos​, ou seja, a acontecimentos que ocorreram
num determinado momento e num determinado lugar:
■ factos instantâneos​ → factos de verificação instantânea, como
celebração de um negócio, morte de uma pessoa, etc
■ factos duradouros​ → factos que perduram no tempo, como decurso
dos prazos de prescrição, etc
○ pode referir-se também a ​efeitos jurídicos​:
■ efeitos instantâneos​ → consequências momentâneas de facto
jurídicos, como o efeito translativo do contrato de compra e venda ou
os efeitos da morte
■ situações jurídicas​ → consequências duradouras de factos jurídicos,
como as relações patrimoniais entre os cônjuges, situação de
arrendatário, trabalhador ou do direito de propriedade

2.2 Fundamentos dos princípios

● na resolução dos problemas relativos à aplicação da lei no tempo, há que escolher


entre:
○ interesse na estabilidade​ → conducente à aplicação da LA
○ interesse na adaptação​ → conducente à aplicação da LN

2.3 Enunciado dos princípios

● resolução dos conflitos de leis no tempo orienta-se pelos seguintes princípios:


○ não retroatividade da LN​ → reflexo do interesse na estabilidade e uma
emanação do princípio da confiança e segurança jurídica, dado que ela
assegura que factos passados e efeitos já produzidos não são abrangidos
pela LN
■ LN não se aplica a factos passados, que ocorreram antes da sua
entrada em vigor
■ LN não se aplica a efeitos passados, que se produziram e extinguiram
durante a vigência da LA
○ aplicação imediata da LN​ → reflete o interesse na adaptação e constitui uma
exigência do Estado de direito e do caráter tendencialmente abstrato e
genérico das regras jurídicas
■ LN aplica-se a todos os factos futuros que venham a ocorrer na sua
vigência
■ LN aplica-se a todos os efeitos futuros que venham a ocorrer na sua
vigência
■ LN aplica-se a todos os factos jurídicos que se tenham iniciado na
vigência da LA e que ainda estejam em curso no início da vigência da
LN
■ LN aplica-se a todas as situações jurídicas que se tenham constituído
na vigência da LA e que não se tenham extinguido antes da vigência
da LN

3. Direito transitório

● direito transitório resolve os problemas suscitados pelos conflitos de leis no tempo


3.1 Modalidades

● direito transitório pode ser material ou formal


○ material​ → fixa um regime específico para determinados factos ou efeitos
jurídicos, criando um regime que não coincide nem com o da LA, nem com o
da LN
○ formal​ → escolhe, de entre a LA e a LN, qual é a lei aplicável a um certo
facto ou a um determinado efeito jurídico
■ comporta regimes específicos, um regime especial e um regime geral
■ regimes específicos do direito transitório formal vigoram em alguns
ramos do direito, como no direito penal, onde vale a aplicação da lei,
nova ou antiga, que for concretamente mais favorável ao agente
■ regime especial do direito transitório formal encontra-se estabelecido
no art 297º, relativo à alteração dos prazos

3.2 Regras de conflitos

● direito transitório formal escolhe se lei aplicável ao facto ou efeito jurídico é a LA ou a


LN
○ ou seja, o direito transitório formal é constituído por regras de conflitos, que
determinam, através de uma escolha entre a LN e a LA, qual a lei
competente para regular um certo facto ou efeito jurídico

4. Soluções do conflito

● resolução de um conflito de leis no tempo pode ser obtida através:


○ aplicação imediata da LN
○ sobrevigência da LA
○ retroatividade da LN

4.1 Regime legal

● segundo os artigos 12º e 13º, as soluções possíveis distribuem-se da seguinte


forma:
○ aplicação imediata da LN​ → estatuída no art 12º/1, 1ª parte; e no 12º/2, 2ª
parte (quando conteúdo da situação jurídica for modelado pelo respetivo
facto constitutivo)
○ sobrevigência da LA​ → estabelecida no art 12º/2, 1ª parte
○ retroatividade da LN​ → prevista no art 12º/1, 2ª parte e 13º/1
○ retroconexão da LN​ → art 12º/1, 1ª parte (implicitamente)

4.2 Título constitutivo

● é importante determinar se a situação jurídica tem um conteúdo que depende do seu


facto constitutivo ou se esse conteúdo é independente deste facto
● devemos recorrer ao título que está na base da situação jurídica, havendo duas
hipóteses:
○ título não modela situação jurídica, tendo a situação jurídica sempre o
mesmo conteúdo, independentemente do título que a ela esteja subjacente
○ título modela situação jurídica, sendo que o conteúdo da situação jurídica
varia de acordo com o respetivo título constitutivo

4.3 Orientação metodológica

● melhor maneira de interpretar o art 12º/2 é considerar que há alternatividade entre o


que se dispõe na primeira parte (sobrevigência da LA) e na segunda parte
(aplicação imediata da LN)

5. Critérios subsidiários gerais


ahahah
5.1 Aplicação imediata da LN

● factos jurídicos
○ princípio da aplicação imediata da LN encontra-se no art 12º/1, 1ª parte,
estabelecendo que a lei só dispõe para o futuro
■ LN regula quer factos jurídicos que ocorram após a sua vigência, quer
os factos duradouros que se iniciaram na vigência da LA e que se
mantenham no momento do início de vigência da LN
● efeitos instantâneos
○ quando se referir a efeitos jurídicos instantâneos, a aplicação imediata da LN
implica que são abrangidos por ela os efeitos que se produzam depois do
inícios da sua vigência
○ constituição de efeito jurídico pode decorrer da conjugação de factos que
ocorreram na vigência da LA e de factos que se verificaram na vigência da
LN
● situações jurídicas
○ regra da aplicação imediata da LN às situações jurídicas que se constituíram
na vigência da LA e que transitam para o domínio da LN consta no art 12º/2,
2ª parte
○ para que se verifique a aplicação imediata da LN a essas situações, é
necessário que ela disponha diretamente sobre o conteúdo de certas
situações jurídicas, abstraindo-se dos factos que lhes deram origem
■ título não modela conteúdo da situação jurídica, pelo que nada obsta
à aplicação imediata da LN

5.2 Sobrevigência da LA

● a sobrevigência da LA está prevista no art 12º/2, 1ª parte; verifica-se a sobrevigência


da LA sempre que a LN se refira às condições de validade de um ato jurídico ou ao
conteúdo de situações jurídicas que não possam abstrair do seu título constitutivo
● condições de validade
○ quando a LN dispuser sobre as condições de validade substancial ou formal
de quaisquer factos, entende-se em caso de dúvida que só visa factos novos
⇒ aplica-se a LA
● conteúdo de situações
○ quando LN dispõe sobre o conteúdo de uma situação jurídica, não se
abstraindo do respetivo facto constitutivo, não se verifica a aplicação imediata
da LN ⇒ aplica-se a LA

6. Retroatividade da LN

● LN é retroativa quando se aplica a factos já ocorridos ou a efeitos já produzidos


antes da sua entrada em vigor
● LN também é retroativa quando produz um efeito jurídico ou extingue um efeito
jurídico produzido com base num título modelador anterior à sua vigência

6.2 Admissibilidade da retroatividade

● princípio é o da não retroatividade da LN (art 12º/1, 1ª parte), mas este princípio


comporta duas exceções:
○ LN pode ter eficácia retroativa (art 12º/1, 2ª parte)
○ lei interpretativa tem, em regra, caráter retroativo (13º/1)

6.3 Limites à retroatividade

● são justificados alguns limites à retroatividade da LN sempre que haja que


salvaguardar interesses que não devam ser atingidos por um regime retroativo
● na CRP encontram-se as seguintes limitações à retroatividade da LN
○ art 18º/3 → leis restritivas de direitos, liberdades e garantias não podem ter
efeito retroativo
○ art 19º/6 → lei penal incriminatória não pode ser retroativa (​nulla poena sine
lege​)
○ art 103º/3 → lei que cria impostos não pode ser retroativa

6.4 Lei retroativa

● quando LN tem eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já


produzidos pelos factos que ela se destina a regular (art 12º/1, 2ª parte)

6.5 Lei interpretativa

● lei interpretativa​ → realiza interpretação autêntica de um ato normativo, o que


pressupõe o caráter interpretativo (ou seja, não inovatório) daquela lei
○ segundo o artigo 13º/1, a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ou
seja, ficciona-se que o significado estabelecido pela lei interpretativa coincide
com o único significado que a lei interpretada sempre comportou
○ ⇒ lei interpretativa é retroativa (​retroatividade agravada​)
● nos casos em que a retroatividade seja constitucionalmente excluída, não pode
haver lei interpretativa retroativa
● retroatividade da lei interpretada não é absoluta no sentido em que não atinge todos
os factos passados e todos os efeitos já produzidos
○ art 13º/1 → lei interpretativa não atinge nem o cumprimento da obrigação,
nem a sentença que adquiriu a força de caso julgado por não ser impugnável,
nem a transação e os atos análogos
● lei pode ser qualificada pelo legislador como interpretativa e vir a verificar-se que,
afinal, ela tem um conteúdo inovador
○ lei é então ​falsamente interpretativa​, mas, salvo situações de
inconstitucionalidade, deve ser-lhe atribuída a retroatividade estabelecida no
artigo 13º/1

6.6 Retroatividade ​in mitius

● LN pode ser menos exigente quanto aos requisitos de validade formal ou substancial
de um ato jurídico do que a LA → em princípio, essa circunstância não tem nenhum
reflexo sobre os atos jurídicos praticados durante a vigência da LA (o que decorre do
art 12º/2, 2ª parte)
○ mas a solução é diferente se a LN dispuser que se consideram válidos os
atos jurídicos praticados durante a vigência da LA, mas que preenchem os
requisitos de validade determinados pela LN
○ ⇒ pode-se falar então de uma ​lei confirmativa​ e de uma ​retroatividade in
mitius
● problema é mais complicado quando a LN não tem sentido confirmativo e quando
não se pode falar, por isso, de uma retroatividade ​in mitius​ expressa
○ em que condições pode ser reconhecida uma retroatividade ​in mitius​ tácita a
uma LN que diminui os requisitos de validade de um ato jurídico?
○ se ato jurídico não estiver a produzir quaisquer efeitos no momento da
entrada em vigor da LN → aplica-se art 12º/2, 1ª parte, não se verificando
qualquer retroatividade ​in mitius​ da LN
○ se ato jurídico, apesar de inválido, produzir efeitos no momento do início da
vigência da LN, entende-se que esta lei produz efeito confirmativo do ato
inválido e verifica-se uma retroatividade ​in mitius​ da LN

6.7 Graus de retroatividade

● retroatividade ordinária​ → lei só dispõe para o futuro; todos os efeitos já produzidos


são salvaguardados
● retroatividade agravada​ → lei nova respeita determinados efeitos produzidos antes
da vigência da LN, mas que atinge outros efeitos igualmente produzidos antes desse
momento
● retroatividade quase-extrema​ → só respeita o caso julgado obtido antes da vigência
da LN; este grau de retroatividade é, em regra, a mais forte admissível no
ordenamento português
● retroatividade extrema​ → não respeita caso julgado; retroatividade tem caráter
excecional, só sendo admissível em matéria de lei penal mais favorável ao agente, e
mediante declaração do Tribunal Constitucional (282º/3)

7. Critério supletivo especial

● art 297º estabelece regra especial para a sucessão de leis sobre prazos
○ regime só é aplicável aos prazos que estejam em curso no momento da
entrada em vigor da LN, e varia consoante a LN estabeleça um prazo mais
curto ou mais longo

7.1 Diminuição do prazo

● se LN estabelecer prazo mais curto que a LA → LN é imediatamente aplicável aos


prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em
vigor da LN, a não ser que, segundo a LA, falte menos tempo para o prazo se
completar
● ou seja → LA estabelecia que o prazo eram 5 anos, mas a LN vem mudá-lo para 2
1. se apenas tiver passado 1 ano, faltariam 4 para completar o prazo ao abrigo
da LA; aplica-se então o prazo da LN, que começa a contar desde o seu
início de vigência; passam então a faltar 2 anos para acabar
2. se já tiverem passado 4 anos, ao abrigo da LA faltaria 1, que é inferior ao
prazo da LN; aplica-se, então, o prazo da LA

7.2 Aumento do prazo

● se LN fixar prazo mais longo do que aquele definido pela LA → LN é imediatamente


aplicável aos prazos em curso, mas desconta-se o tempo decorrido desde o seu
momento inicial
● ou seja → LA estabelece prazo de 5 anos e LN muda-o para 10
○ já passaram 3 anos; aplica-se o prazo da LN, mas apenas faltarão 7 anos
para o cumprir

8. Campo de aplicação

8.1 Extensão

● art 297º/3 → regras relativas à sucessão de leis sobre prazos são igualmente
aplicáveis, na medida do possível, aos prazos fixados pelos tribunais ou por
qualquer outra autoridade
ESQUEMA DE APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO

1. há direito transitório?
a. material​ → legislador cria novo regime quanto à situação concreta
b. formal​ → legislador cria novo regime quanto à situação concreta
2. estamos no âmbito do regime geral?
a. prazos (297º) ou lei interpretativa (13º) → regime especial
b. se não ⇒ regime supletivo do artigo 12º
3. lei nova determina a sua retroatividade?​ → factos ocorridos ao abrigo da lei antiga
dão-se como realizados ao abrigo da lei nova
a. lei diz início de vigência
i. retroatividade é permitida?
1. matérias de direito penal (leis incriminatórias), direito fiscal,
direito processual, direitos fundamentais ⇒ proibição de
retroatividade
ii. qual o grau de retroatividade?​ → a que efeitos é que se vai aplicar
1. lei ​especifica​ efeitos
a. retroatividade agravada ​→ aplica-se a quase todosos
efeitos, apenas ressalvando alguns
b. retroatividade quase extrema​ → aplica-se a todos os
efeitos, apenas salvaguardando os casos julgados sem
suscetibilidade de recurso
c. retroatividade extrema​ → aplica-se a todos os efeitos,
incluindo o caso julgado; apenas mediante declaração
do TC
2. lei ​não​ especifica efeitos
a. retroatividade ordinária​ → (art 12º/1, 2ª parte) lei
nova só dispõe para o futuro, todos os efeitos já
produzidos são salvaguardados
b. lei não diz início de vigência
i. o que é que a lei vem mudar?
ii. condições de validade ou efeitos
1. validade formal → ​ forma do negócio
2. validade substancial​ → lei vem mudar as condições
necessárias para celebrar o negócio, ex.: legitimidade,
capacidade, maioridade
3. efeitos​ → lei vem mudar um conceito, e isso tem repercussões
num negócio; lei não dispõe sobre um contrato, mas sim o que
decorre desse contrato
4. ⇒ aplica-se a lei antiga
iii. conteúdo da relação jurídica → relação da pessoa com outra ou com
uma coisa
1. abstrai do facto​ (lei nova não diz como relação começou) ​⇒
aplica-se lei nova
2. não se abstrai do facto​ (lei nova especifica início da relação)
⇒ aplica-se lei antiga
REGIME DOS PRAZOS

1. lei aumenta prazo


a. aplica-se imediatamente a lei nova, mas ​computa-se o prazo que já passou
2. lei vem diminuir o prazo
a. aplica-se imediatamente a lei nova, mas prazo só começa a contar desde o
início da sua vigência
i. aplicação da lei nova resulta num ​aumento do prazo​ no caso
concreto?
1. ⇒ acaba prazo da lei antiga
ii. aplicação da lei nova resulta num ​encurtamento do prazo ​no caso
concreto?
1. ⇒ aplicação do prazo da lei nova

RAMOS DO DIREITO

1. Direito público e Direito privado

● a divisão entre Direito público e privado, remontando já ao tempo do Direito romano,


é a ​summa divisio​ do Direito
● a contraposição entre Direito público e privado é explicada com recurso a diversas
doutrinas
● entres as principais doutrinas, podemos distinguir:
○ a teoria do interesse
○ a teoria da qualidade do sujeito
○ a teoria da posição do sujeito
● teoria do interesse:
○ ao Direito privado caberiam os interesses dos particulares, enquanto que o
público proporcionaria o interesse público
○ interesse público respeitaria a uma generalidade de pessoas, podendo
concretamente exigir o sacrifício dos particulares
○ segundo MENEZES CORDEIRO, tal teoria apenas faria sentido pelo prisma
do Direito público, que é caracterizado como um corpo normativo ao serviço
do Estado, e tendencialmente vocacionado para limitar a autonomia privada
○ no entanto, pelo prisma do Direito civil, a teoria já não faria muito sentido,
visto que há regras que, estando ao serviço do interesse comum, não podem
ser afastadas pelos particulares
○ há, portanto, outros critérios que se sobrepõem ao critério do interesse
● teoria da qualidade do sujeito
○ segundo esta teoria, o Direito público regula atuação do Estado e das
entidades públicas, enquanto que o privado regula as relações entre privados
○ no entanto, esta teoria não é perfeita, visto que o Estado pode, por vezes,
agir como um privado, por exemplo quando um ministérios decide comprar
móveis
■ neste caso, a situação seria regulada pelo direito privado
○ para além disso, os privados podem celebrar contratos com o Estado, como
por exemplo no caso de concessões, em que se terá de aplicar direito público
(neste caso, o administrativo)
● teoria da posição do sujeito
○ quanto a esta teoria, não interessa tanto a natureza do sujeito, mas sim a que
título tal entidade está a agir
○ ou seja, o Estado pode estar a agir enquanto Estado, ou pode agir como
qualquer outro particular
○ segundo esta teoria, o Direito público regula relações em que o Estado ou
entidade pública intervém enquanto titular da soberania
■ ⇒ aplica-se a relações verticais de soberania
○ o Direito privado aplica-se, então, a todas as situações em que os sujeitos
estão numa relação de igualdade
■ ⇒ aplica-se a relações de horizontalidade das partes
● podemos então concluir que a ​teoria da posição do sujeito​ parece ser a mais correta,
concluindo-se então que o Direito Público regula as relações verticais de
subordinação, enquanto que o Privado regula as relações horizontais de paridade
○ no Direito público reina a hierarquia, o poder e a subordinação, enquanto que
no privado há uma primazia da autonomia, liberdade e paridade

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