Você está na página 1de 359

Copyright © 2023 – Jéssica Silva

Revisão: Juliana Alves


Capa: CtrlDesigner

Diagramação digital: Jéssica Silva

(@js_diagramacaoebanner)
Crédito da imagem: VISTACREATE - CANVA

O titular do direito autoral da obra literária a seguir proíbe terminantemente: cópia, adição, redução,
exibição, troca, reprodução, revenda, empréstimo, aluguel, entre outras formas de reprodução da
história por terceiros sem apresentação de permissão escrita, cuja autenticidade possa ser
comprovada.
A violação de quaisquer desses direitos poderá acarretar sanções previstas no Código Penal.
A violação dos direitos autorais pode, ainda, configurar plágio, conforme o Art 184 (Crime de
Violação aos Direitos Autorais), cujo artigo §1 lembra que tal crime é passível de reclusão de 2-4
anos e/ou multa.
Redes Sociais
Playlist
Dedicatória
Sinopse
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Epílogo
Agradecimentos
Outras Obras
Instagram
Facebook
TikTok
Roberta Campos (part. Nando Reis) — De janeiro a janeiro
Fernando e Sorocaba - Casal perfeito
Fred & Gustavo - Minha vontade
Luan Santana - MC Lençol e DJ Travesseiro
Zé Neto e Cristiano - A farra perdeu para o amor.
Orochi - Amor de Fim de Noite
Bruno Mars - Just The Way You Are
Bruno Mars - Nothin' On You
Chris Brown - superhuman
Justin Bieber - Hold On
Calun Scott - You Are The Reason
Calum Scott – Flaws
Para todos que encontraram em seu melhor amigo o seu grande
amor.
Amigos desde a infância, Ana e Felipe cresceram juntos e sempre
confiaram tudo um ao outro. Mas desde que ele decidiu se mudar para a
casa ao lado da sua, os sentimentos quase fraternais que acreditara nutrir
por Felipe começam a ser colocados em prova. Agora eles se veem dia e
noite, e essa aproximação, mesmo Ana tentando reprimir, está mexendo
com sua cabeça e seu coração, e ela vive em um dilema:

Confessar o que sente e arriscar a amizade ou esconder suas


emoções e fingir que ele não é nada além de um amigo para ela?
E quando uma noite de prazer é confundida com um sonho, o que
Ana poderá fazer?
Após uma semana dura de trabalho, nada melhor que uma balada
para esquecer os problemas e se divertir até a madrugada. Eu mereço. Nós
merecemos. Olho para Beatriz e Felipe, meus melhores amigos, que me
acompanharam até a boate e estão tomando a segunda dose de bebida no
bar. Beatriz eu conheci no último ano do ensino médio, quando ela havia
acabado de se mudar de São Paulo para o Guarujá e eu fui a primeira pessoa
na turma a conversar com ela; e foi um pouco surpreendente descobrirmos
tantas coisas em comum. Mas não deu outra; logo nos tornamos
inseparáveis.

Já com Felipe as coisas foram mais diferentes. Nos conhecíamos


desde que éramos crianças, e mesmo ele tendo dois anos a mais que eu,
sempre fomos inseparáveis. Éramos tão próximos durante as várias fases de
nossas vidas que nossas mães brincavam ao dizer que um dia acabaríamos
nos casando. E, no fundo, eu sabia que não eram apenas palavras da boca
para fora. Elas queriam que isso acontecesse. Seria uma união definitiva das
nossas famílias, como sempre sonharam.

Mas nossa amizade nunca foi mais do que isso.

Pelo menos até alguns meses atrás.

Eu suspiro e aperto o copo de bebida, fingindo não vê-lo a poucos


metros de mim, flertando com uma morena alta.

Desde que se mudou para a casa ao lado da minha, quase três meses
atrás, novos sentimentos despertaram, me deixando confusa, desapontada e
enciumada com qualquer coisa que ele diga ou faça. Era tão mais fácil
antes, quando eu só o via como o garotinho magricela e sorridente que me
seguia para todo lugar, e não esse homem lindo, forte e confiante que se
tornou.

A boate está lotada, com pessoas dançando, rindo e se divertindo


por todos os lados, e a música é tão alta que mal dá para ouvir meus
pensamentos. Com o álcool acentuando minhas emoções, eu olho mais uma
vez para ele e penso em como é difícil me controlar enquanto o vejo levar
essa vida de garanhão, com uma mulher diferente a cada dia, sem nunca se
prender a nenhuma delas, como se se cansasse delas após poucas horas ao
seu lado. Quem poderia dizer se o mesmo não aconteceria comigo?

Tento reprimir meus sentimentos, mas é mais forte que eu.

Decidida a não facilitar para essa mulher, que já está prestes a se


jogar sobre ele, eu o puxo para a pista de dança, levando Beatriz junto, e rio
para fingir que não foi nada; apenas o álcool me deixando mais alegrinha. E
parece que funciona, pois o foco de Felipe agora está em nós duas, como se
nunca houvesse existido outras garotas. Ele se volta para mim com um
meio-sorriso nos lábios e começa a fazer uma dancinha boba, movendo os
braços e a cabeça, sem se importar com quem está olhando. Não consigo
conter o riso. Nesse momento, somos duas crianças nos divertindo em uma
festa, e não dois adultos cheios de problemas e palavras não ditas.

Por volta das duas da madrugada, quando já dançamos até nos


cansar, Bia decide ir embora e manda uma mensagem para seu motorista vir
buscá-la. Lipe e eu a acompanhamos até o lado de fora, e noto que ela é a
mais alterada do grupo. Está tão bêbada que não para de cantar, com a voz
toda embolada, várias das músicas que ouviu na balada. É impossível não
rir.

— Vocês dois formam um belo casal, sabiam? — diz Bia, de


repente, apontando de um para o outro, e isso faz a diversão sumir do meu
corpo e meu coração acelerar. Porque ela sabe. Beatriz sabe o que sinto por
Felipe, e temo que, fora de si como está, ela possa contar algo a ele.

— Bia, você está muito engraçada assim. — Lipe ri, alheio às


minhas preocupações.

— Estou falando sério! — Ela me abraça, e sua falta de equilíbrio


quase nos derruba. — Amiga, você acha que devo pintar meu cabelo? —
Bia passa os dedos pelas mechas loiras, com um olhar pensativo.

— Não, seu cabelo está perfeito — digo, e abro um sorriso aliviado


quando seu carro chega e Felipe, cavalheiro como é, abre a porta para ela.

— Eu amo vocês! — Bia grita, com a cabeça para fora da janela,


quando o carro dá partida. — E vocês dois deviam se amar.

— Será que ela tem noção que eu te amo? — Lipe fala, olhando
para mim, e sinto minha respiração falhar por um momento. Ele envolve o
braço em minha cintura e me puxa para perto dele, e então beija minha
testa. — Você é minha melhor amiga, como não iria te amar?
Sorrio para ele.

Claro que sou sua amiga. Nada além disso.

O que eu esperava, afinal?


Dividimos um Uber para casa e, enquanto não chegamos, me
encosto em seu ombro e fecho os olhos. Estou muito cansada, e seu cheiro é
tão bom. É estranho pensar que ele tem cheiro de carinho e proteção. Nem
sei se isso existe, mas se fosse pra definir seu cheiro com certeza escolheria
carinho e proteção. Lipe é meu cantinho de paz. Quando estamos juntos,
sempre me sinto segura e protegida. Por mim não sairia nunca do seu lado.

— O que você mais gosta em mim? — pergunto ainda de olhos


fechados.

— É tão difícil pensar em algo específico. Essa pergunta é muito


difícil, Ana.

Rio de seu drama exagerado.

— Pensa, Lipe. Tem que ter algo. Eu sei o que eu mais gosto em
você. — Esse álcool está me dando coragem. Vou aproveitar isso.

— O que seria? Fiquei curioso.

— Gosto de como me protege. — Seu braço me envolve e sinto


como se nada pudesse me abalar se ele ainda estiver aqui do meu lado. —
Você sempre me protege. Não mede esforços. Não pensa nas
consequências. Lembra quando brigou com três meninos do nosso bairro
quando tinha doze anos? E tudo isso porque um deles falou sobre meu
aparelho dentário.

— Eu não gostei do tom de voz dele. Minha mãe quase infartou


quando cheguei todo machucado em casa. — Abro os olhos e levanto meu
rosto. Seus olhos azuis encontram os meus e ele sorri. Um sorriso tão lindo
e sincero que acelera meu coração. — Eu faria tudo de novo, Ana. Não
tenha dúvidas.

— Você é o melhor amigo do mundo. — Beijo sua bochecha e volto


a me aconchegar em seus braços. — Amo você.

— Eu também.

Queria que esse eu também se transformasse em “Só que eu te amo


mais do que como um amigo, Ana”. Mas tenho que me contentar com isso.
Lipe e Ana sempre serão melhores amigos, nada mais que isso.

Sem me dar conta, acabo adormecendo. E acordo com o toque dos


seus dedos em meu rosto; uma carícia suave e relaxante.

— Ei, docinho. Nós precisamos descer. — Sua voz baixa em meu


ouvido me causa arrepios.

Eu amo quando ele me chama assim. Felipe me deu esse apelido


porque, quando criança, sempre lhe implorava para roubar alguns para mim
nas festas de aniversários que íamos.

Sorrio, querendo aproveitar mais um pouco esse momento.

— Lipe, me deixa dormir só mais um pouquinho...

Ouço sua risada em meus cabelos, e ela me atinge em cheio.

— Temos que descer do carro para o Uber poder ir pra outra corrida.
— Sua mão continua a acariciar meu rosto, a voz paciente.

Eu suspiro.
— Tudo bem, já que não tenho escolha. — A contragosto, abro os
olhos e me endireito.
Lipe paga o Uber, dando um extra pelo tempo que demoramos para
descer, e me acompanha até a porta de minha casa.
— Boa noite, docinho. Até amanhã. — Ele beija minha bochecha.

— Boa noite, Lipe. Até amanhã.

Entro em casa com muito cuidado para não acordar minha mãe. Não
quero levar uma bronca por chegar a essa hora, e bêbada. E assim que entro
no meu quarto, me arrasto até o banheiro e me preparo para dormir. Meu
pensamento logo volta para Felipe. Sua voz, que é tão boa de ouvir, seu
toque suave... Como será o gosto dos seus lábios? Como seria ter ele por
completo só para mim? Me aconchego no edredom e me permito sonhar um
pouco.

Depois de tomar um remédio para dor de cabeça e um banho rápido,


me visto com uma regata branca e um short jeans, deixando meus cabelos
pretos soltos, e desço para a cozinha, onde encontro minha mãe sentada na
cadeira e bebericando seu café em sua xícara de porcelana favorita. Nela há
uma foto de nós duas juntas, com a frase “Melhor mãe do mundo” escrita
em letras vermelhas e chamativas. Lembro-me de quando a presenteei com
ela e sorrio.

Indo até ela, beijo sua bochecha e me sento ao seu lado.

— Bom dia, senhora Carla Orsini. Como se sente nessa maravilhosa


manhã de domingo?
Ela ri do meu tom exagerado e formal.

— Bom dia, senhorita Ana Orsini. Estou me sentindo adorável —


responde, e eu acabo rindo com ela.

Minha mãe nem parece ter quarenta anos. Sua pele é bem-cuidada e
seus cabelos estão sempre pintados de preto para esconder qualquer fio
branco que possa aparecer. Por isso as pessoas geralmente pensam que ela é
minha irmã mais velha. Somos muito parecidas.
Depois do café, decido ir ao supermercado comprar o que falta para
o almoço, e me deparo com Felipe em frente a sua casa lavando o carro,
sem camisa e com o peito todo molhado. Fico admirando as tatuagens que
cobrem seus braços. A do lado direito vai até seu peito. Os músculos se
flexionam quando esfrega com um pouco mais de força. Tenho a certeza de
que nunca vi nada mais lindo em toda a minha existência. Eu poderia passar
o resto da minha vida parada bem aqui. Quando vira de costas, meu olhar
desenha cuidadosamente os traços de suas tatuagens. Os símbolos japoneses
estão perfeitamente alinhados; só não me lembro agora o que cada um deles
significa. Lipe me rouba todo o raciocínio. Tenho certeza de que não existe
outro homem mais lindo que esse. Fico olhando para ele sem conseguir
desviar a atenção. E então ele me vê e acena. E eu torço para que não tenha
notado minha expressão. Eu estava literalmente babando em meu melhor
amigo.

— Bom dia, docinho. Você está linda como sempre — ele diz, com
um sorriso encantador no rosto.
— Bom dia, Lipe. Dormiu bem?

— Dormi sim, e você? Está indo a algum lugar? — Lipe pega uma
toalha e começa a enxugar o abdômen, e eu sigo com os olhos cada
movimento seu. Pensamentos impuros tomam minha mente e tenho certeza
que vou diretamente para o inferno por causa deles.

— Sim — respondo assim que consigo me livrar desse transe. —


Vou fazer compras no supermercado.

— Então espera. Vou trocar de roupa e te levo de carro. Pelo menos


não traz as compras nas mãos. — Ele começa a juntar rapidamente as coisas
que estava usando.
— Tem certeza? Eu não quero incomodar.

Mas seria uma boa ideia. Juntaria o útil ao agradável. Não precisaria
andar nesse sol forte, e eu ainda passaria um tempo com ele. Lipe olha para
mim e sorri. E meu coração se derrete para ele.
— Você nunca me incomoda. Só espera dois minutinhos. Já volto.

Ele entre na casa, levando as coisas consigo, e eu me encosto no


carro para esperá-lo.
Queria tanto entender o que estou sentindo. Tudo me diz que é amor,
mas estou com medo de assumir isso para mim mesma. Ele nunca me deu
nenhum sinal de que sente algo a mais por mim. Eu sei que Lipe me ama
como amiga, mas será que me amaria como mulher?

Essas perguntas sem respostas ainda vão me deixar louca.


Não demora para ele sair todo arrumado, com uma calça de algodão
bege, regata branca e tênis na mesma cor. Seu cabelo castanho-escuro agora
está perfeitamente penteado, diferente da bagunça de pouco tempo atrás.
— Vamos, Ana? — me chama, me trazendo de volta à realidade.

— Vamos. Estava perdida em pensamentos — respondo sem jeito.


— E em quem estava pensando? Em mim? — pergunta em um tom
brincalhão, mas mesmo assim sinto meu coração acelerar.

Se eu dissesse que sim, o que ele diria?

Não. Não posso fazer isso.


— Claro que não! Nós somos amigos. Isso seria estranho, né? —
Olho para ele em busca de uma resposta, mas ele apenas beija minha
bochecha.

— Nunca pensei sobre isso — é o que diz.


E essas palavras vagas, mesmo eu tentando evitar, me dão esperança
de uma chance para nós dois.
Eu sei que não deveria, mas não consigo evitar pensar em como nós
dois seriámos como um casal. Será que seríamos ainda melhores? Lipe me
conhece tão bem. Acho que seria perfeito. Balanço a cabeça, tenho que
parar com essa mania de ficar fantasiando as coisas. Mas é mais forte que
eu. Felipe abre a porta para mim e em seguida entra.

— Por isso todas se apaixonam por você — brinco, apertando meu


cinto. — Com todo esse cavalheirismo...

Ele retribui meu sorriso.


— Posso ser cavalheiro, mas com você isso vai além — ele diz. —
Você é minha melhor amiga. Eu não saberia tratá-la como trato as outras.

— Sei, finjo que acredito — provoco só para ver sua reação.

Ele se vira para mim, coloca uma mecha de cabelo atrás da minha
orelha e desliza o dedo por minha bochecha. Meu corpo responde
imediatamente a seu toque e eu fico sem fala. Lipe me olha nos olhos. Será
que não consegue perceber como me deixa desnorteada? Ou será que finge
não perceber por também ter medo de estragar o que construímos durante
todos esses anos? Ou pior... Ele sabe o que sinto e finge não saber para não
me magoar porque não sente o mesmo. O sentimento não é mútuo. E com
certeza essa é a opção que mais dói em meu coração.

— É sério, Ana. Com você é diferente — enfatiza, e eu sinto que ele


quer dizer mais alguma coisa, mas se contém. — Agora vamos — fala, por
fim. — Se demorar sua mãe ficará preocupada.

Eu assinto, ainda o observando.

Felipe coloca uma música para tocar no rádio e vamos o caminho


todo cantando e rindo. Com ele eu posso ser eu mesma, sem me preocupar
com o que vai pensar de mim. E é isso o que alimenta meu medo de revelar
meus sentimentos. Não quero, com umas poucas palavras, estragar o que
construímos por duas décadas.

Meu olho esquerdo começa a coçar sem parar. Com certeza foi
algum cílio que caiu. O carro é estacionado.

— Docinho, assim irá se machucar. — Lipe solta o cinto e segura


minha mão, a afastando do rosto. Ele se aproxima me olhando nos olhos e
eu quase me esqueço do incômodo. — Vou assoprar. Tenta mantê-los
abertos.

Assinto.

Sua mão toca meu rosto e seu polegar puxa levemente minha pele
para tentar manter o olho aberto. O cheiro do seu hálito de menta é bom.
Lipe assopra duas vezes. Estamos tão próximos que um simples movimento
meu encostaria nossos lábios. Me forço a não olhar para eles. Daria muita
bandeira. Em minha mente vem a imagem do que eu faria se tivesse
coragem. Imagino meus lábios nos dele. Imagino um beijo tão intenso que
me deixaria sem ar. Eu vou é ficar louca.

— Está bem? Ficou vermelha — pergunta ao se afastar. Será que ele


sentiu essa tensão que surgiu ou foi coisa da minha cabeça?

— Estou, obrigada.

— Disponha, docinho.

Desembarcamos e pegamos um carrinho. Começo a escolher as


coisas, com Lipe ao meu lado me ajudando. Parece até que somos
realmente um casal feliz. Quando estamos no corredor dos molhos, uma
senhora se aproxima de nós, com olhos gentis e um sorrisinho no rosto.

— Com licença. Só queria dizer que vocês formam um casal muito


bonito. Há quanto tempo estão juntos? — pergunta, em um tom simpático.

Quando abro a boca para corrigi-la, Lipe envolve o braço em minha


cintura, alheio ao modo como meu coração acelera, e sorri para a mulher.

Agradeço à senhorinha mentalmente.

— Estamos juntos há três anos. — Ele pisca para mim, e decido


entrar na brincadeira.

— Oh, sim! Três anos de muito amor. — Dou um beijo em sua


bochecha. Como não sou boba, vou me aproveitar da oportunidade.

A mulher sorri, e por um momento me sinto mal por mentir.

— Continuem assim. Seus filhos serão lindos. — Depois de


garantirmos que continuaremos, ela acena para nós, contente, e sai.
E quando some de vista, nós começamos a rir.
— Você não presta. — Respiro fundo, tentando controlar o riso.

Ele dá de ombros.

— Nunca disse que prestava.


Balanço a cabeça em negação, mas me forço a não pensar mais
nisso. Passo minhas compras e Felipe me ajuda a levar para o carro, e então
dá partida.

— Está gostando de morar sozinho? — eu pergunto.

— Estou sim. Nada melhor do que ter minha liberdade. Só faço as


coisas que quero e na hora que quero. E como agora fui promovido a
gerente da loja, consigo me virar sozinho sem a ajuda de meus pais.

— Acho que se morasse sozinha, iria sentir saudade da minha mãe.


Sempre fomos só nós duas. Como cresci sem pai, criamos uma relação
ainda mais forte.

Meu coração se aperta só de lembrar que nunca tive a oportunidade


de saber como meu pai é. Nem por foto. Mas nunca pressionei minha mãe.
Eu acredito que tenha algum motivo para isso. Talvez ele não seja um
homem bom. Ou quando contou sobre a gravidez ele me renegou, ou o
simples fato de que falar sobre ele a machuque, e o que menos quero no
mundo é ver minha mãe sofrer.

— Eu sinto falta dos meus pais, mas com o tempo você se acostuma.
Já somos adultos, Ana. Às vezes chega a hora de abandonarmos o ninho.

— Você tem razão. Mas por enquanto não terei que pensar nisso.
Não tenho namorado, muito menos um noivo. Acho que só a deixarei
quando me casar.
— Eu sei que não irei me casar, então já foi bom procurar meu
canto.

— Você realmente não pretende casar?

— Não. Quero manter esse estilo de vida até bater as botas. Você
deveria tentar esse método de pegar e não se apegar.

— Então você quer que eu fique com vários rapazes? — provoco.

— Não! — responde no mesmo instante. Mordo meu lábio inferior


tentando disfarçar o sorriso. — Acho que não foi uma boa ideia. Pode
continuar solteira ficando com um a cada três meses.

— Nossa, eu sou assim tão encalhada?

Rindo Lipe balança a cabeça.

— Não que isso seja ruim. Se você arrumar um namorado ciumento,


ele vai querer atrapalhar nossa amizade. — Lipe estende a mão para mim e
me mostra o dedinho. Entrelaço o meu.

— Ninguém ficará entre nós — repito a promessa que fizemos


assim que arrumei meu primeiro namorado.

— Ninguém nunca ficará entre nós — diz com firmeza.

— Você não me respondeu ontem. — Ele me olha rapidamente com


a sobrancelha arqueada. — Sobre o que mais gosta em mim.

— Ah, tá! — Ele fica um tempinho em silêncio e isso me deixa


nervosa. Será que é tão difícil assim achar uma qualidade? — Tudo —
responde por fim.
— Tudo?

Lipe assente.
— Gosto de tudo o que diz respeito a você. Não consigo escolher
uma coisa só. — Com um grande sorriso me viro para a janela. — Gosto
muito quando sorri assim.

Me viro para ele e cruzo os braços.

— Como sabia que estava sorrindo?

Lipe para no sinal vermelho. Ele segura meu queixo.

— Eu conheço você como a palma da minha mão.

Estou sentindo uma pontada no coração. Devo estar morrendo. O


sinal abre e Lipe volta sua atenção à estrada.

Vamos o restante do caminho conversando. Eu adoro ouvir o som de


sua voz, e principalmente o som de sua risada. Às vezes tenho a impressão
de que ele gosta de fazer piadas só para me ver sorrir. Mas na maioria delas
é ele quem ri primeiro. Lipe é um homem engraçado, animado e protetor. É
ele quem me coloca pra cima quando estou desanimada. Quando chegamos,
ele leva parte das sacolas para dentro. Minha mãe para o que está fazendo
ao vê-lo.

— Bom dia, Felipe. Obrigada por ajudar minha princesa.

Para ela, não importa quantos anos eu tenha, sempre serei sua
princesinha. Mas ouvi-la me chamar assim na frente dele é um pouco
embaraçoso.

— Mãe, eu não sou mais criança. — E não quero que Lipe me veja
como uma. Quero que ele olhe pra mim e veja uma mulher feita.

— Imagina, foi um prazer ajudar sua princesa — ele diz, e eu o


encaro sem jeito. Ele sorri e sinto minhas bochechas queimarem. E pelo
jeito que minha mãe me olha, ela deve ter percebido.
Nunca consigo esconder nada dessa mulher.

— Você não quer ficar pra almoçar? — pergunta ela.

— Não posso, mas obrigado pelo convite. Meus pais estão me


esperando. Como domingo é o único dia que podemos almoçar juntos, não
posso faltar.

— Que pena, gostamos tanto de ter você conosco. — Ela me olha e


sorri.

A senhora Orsini está querendo que passemos mais tempo juntos.


Essa não dá ponto sem nó.
— Podemos marcar outro dia. Agora tenho que ir. Até mais. — Se
despede de nós duas com um beijo na bochecha e eu o acompanho até a
porta.

Quando volto para a cozinha, minha mãe está me encarando e


sorrindo.
— Há quanto tempo você está apaixonada por ele? — pergunta,
vindo em minha direção.

— Não estou apaixonada por ele, mãe — digo, tentando convencer a


mim mesma sobre isso. — É só amor de amigo.
Um amor de amigo que me faz sonhar com ele várias vezes. Que me
faz querer ouvir sua voz da hora que acordo até a hora de dormir. Um amor
de amigo que me faz sentir segura toda vez que estamos juntos.
— Filha, eu te conheço muito bem. Nós somos melhores amigas,
não somos? — Me olha nos olhos.

— Claro que sim, mãe.


— Está estampado na sua cara. Você já falou pra ele?

— Mãe, eu não sei se ele sente o mesmo. E se estragar nossa


amizade? São vinte anos tendo ele ao meu lado. Não posso colocar tudo a
perder. — Eu realmente não posso. Não sem Lipe me dar algum indício de
que também quer.

— Pense bem, Ana. Faço muito gosto desse namoro. Vocês são
amigos desde a infância, e sabe como Sônia e eu torcemos por vocês. —
Seu entusiasmo é notável.
— Tenho medo. Ele sai com tantas garotas, e nunca namorou ou se
apaixonou por ninguém. — Só de me lembrar da moça da noite passada que
estava quase se jogando nele, sinto um misto de ciúmes e frustração. —
Pelo menos que eu saiba. Isso seria estranho. Será que logo eu conseguiria
mudar isso nele? Já me fiz essa pergunta várias vezes.

— Minha filha, tudo tem a primeira vez. Você é linda e inteligente, e


qualquer homem que namorar você será muito sortudo. Você só vai saber se
tentar. Pense bem pra não se arrepender depois. — Beija minha testa. —
Agora vai lá arrumar seu quarto que eu preparo o almoço.

E é isso que eu faço. E quando termino, pego o celular e vejo que


tem duas mensagens não lidas de Bia.

Bia: Ana, acordei com uma ressaca da brava.

Bia: Você está aí?

Me deito na cama e começo a digitar.

Eu: Oi, fui ao mercado e esqueci de levar o celular. Desculpa.


Bia: Imagina, pensei que ainda estava dormindo. Sei que nos vimos
a poucas horas, mas tem alguma novidade? É tempo o suficiente pra rolar
algo entre você e Lipe. Ainda mais indo embora sozinhos.
Eu: Não aconteceu nada entre nós. Foi como sempre. Viemos juntos
e ele me deixou em casa.

Bia: Nossa, Ana, nem um beijinho? Tipo: opa meus lábios sem
querer encostaram nos seus. Quer dar uns amassos?
Rio. Só Bia para pensar nisso.

Eu: Você é impossível! Voltando ao assunto, Lipe me levou e me


trouxe do supermercado.
Bia: Que fofo. Eu acho que ele gosta de você. O jeito que te olha é
diferente do jeito que me olha.

Eu: Talvez seja por sermos amigos há mais tempo.


Bia: Acho que não é somente isso. Você precisa se abrir, Ana. Às
vezes na vida precisamos arriscar.

Eu: Você sabe o que penso sobre isso.


Bia: Eu sei, mas você é uma mulher forte e decidida. Toma coragem
de assumir logo isso. Estou torcendo por vocês. Só quero te ver feliz, e
esconder esse sentimento não está te fazendo bem. Eu não ligo em ficar de
vela. Não se for pra te ver feliz.
Eu: Irei pensar sobre isso. Obrigada, amiga. Te amo.

Bia: Eu também. Mais tarde mando mensagem. Agora vou tomar


um banho. Beijo.
Eu: Beijos.

Coloco o celular em cima do peito e fico encarando o teto sem saber


ao certo o que pensar. Será que Lipe olha mesmo para mim de um jeito
diferente? Será que está assim como eu esperando uma atitude? Está com
medo de dar o primeiro passo? Atordoada me sento na cama. Preciso
arrumar algo para ocupar minha cabeça.
Passo a tarde toda no computador, adiantando alguns trabalhos da
semana. Não quero vacilar. O senhor Carlos é bem exigente, e por causa
disso nenhuma secretária para naquele escritório. Quando dou por mim, já
está anoitecendo. Consegui me manter ocupada o bastante para não ficar
pensando nele. Me levanto, acendo as luzes e vou até a janela. E então vejo
Felipe chegando em casa. Deve ter saído com alguém, pois não pode ter
ficado até essa hora com os pais. Ele me vê olhando em sua direção, acena e
faz um coraçãozinho com as mãos. Aceno de volta e fecho a janela
rapidamente.

Agora ele vai pensar que sou uma louca que fica vigiando cada
passo seu.

Mas o que Bia me disse ainda permanece em minha cabeça. Eu


preciso tomar coragem e assumir o que sinto por ele. Não posso continuar
reprimindo esse sentimento ou vou acabar enlouquecendo.
Chego antes do senhor Carlos no escritório e arrumo minha mesa. E
poucos minutos depois, o elevador se abre e ele sai, vestido em um terno
azul-escuro que parece custar os olhos da cara. O senhor Carlos é um
homem muito bonito, com cabelos castanhos e olhos azuis e uma barba
muito bem feita, que o deixa ainda mais belo. E mesmo sempre o vendo de
terno, imagino que também seja forte. Ele é um típico CEO dos livros de
romances.

— Bom dia, Ana. Como foi o fim de semana?


— Bom dia, senhor Carlos. Foi ótimo, obrigada por perguntar. E o
do senhor?

— O meu foi perfeito. Te espero daqui a cinco minutos no meu


escritório.

Assinto.
O senhor Carlos, apesar de ser bem exigente, não é grosseiro. Temos
uma relação até que boa. Suas exigências não são um absurdo, ele só gosta
de tudo bem organizado. Não é aqueles patrões que gritam com as
secretárias ou que pede para ir buscar um café no fim do mundo só porque
gosta. Eu só queria entender o que o faz mudar tanto de secretária em tão
pouco tempo. A maioria não passa nem do tempo de experiência. Pelo
menos foi o que me disseram na agência de empregos. Eu passei, já estou
há seis meses aqui e espero continuar. Espero o tempo solicitado, me
levanto, arrumo minha roupa e bato à sua porta antes de entrar.
— Sente-se, por favor. Eu preciso que reveja toda a minha agenda
da semana, confirme os compromissos importantes e faça também uma
pesquisa sobre as melhores pousadas de Guarujá. Os investidores que virão
para uma reunião semana que vem querem ficar alguns dias por aqui. —
Até o jeito dele de falar é impecável. Sua dicção é perfeita. Ele não gagueja,
não vacila. É um perfeito homem de negócios. Será que meu pai é assim
como ele? Para, Ana, esse não é o momento de deixar sua mente fértil te
distrair.

Anoto tudo com atenção no bloquinho. E assim que levanto o rosto,


vejo que seus olhos estão fixos em mim.
— Sim, senhor. Tudo anotado. Algo mais?

— Só isso, por enquanto. — Ele sorri. Antes de sair de sua sala ele
diz: — Está fazendo um ótimo trabalho.

Sorrio sem jeito. Não é todo dia que recebemos um elogio desses de
nosso chefe. Agradeço e volto para minha mesa. Foco em meu trabalho e
em cumprir o que me pediu. Começo a confirmar seus compromissos
enquanto pesquiso as pousadas e só paro no horário de almoço. Me
mantenho tão focada que quando dou por mim, já são quase seis da tarde.
Graças a Deus está chegando a hora de ir para casa.

— Boa noite, Ana. Até amanhã — o senhor Carlos se despede.

— Boa noite, senhor. Até amanhã.

Assim que ele sai, desligo o computador, arrumo minha bolsa e


ando até o ponto de ônibus. Hoje está vazio, por isso fico receosa de ficar
aqui sozinha. Já faz dez minutos que estou esperando o ônibus e nada. Não
sei por que hoje está demorando tanto. Já até pensei em comprar meu
próprio carro, mas achei melhor esperar mais um pouco. Me estabilizar
nesse emprego, talvez quando completar um ano possa realizar esse meu
sonho e não depender mais de ônibus. Meu coração acelera quando três
rapazes se aproximam. Ansiosa, mando uma mensagem para Bia, mas ela
não visualiza. Ainda deve estar no trabalho. Mando outra para Lipe, que
também não visualiza. Parece que hoje não estou com sorte. Guardo meu
celular na bolsa rapidamente.

— Oi, gatinha. — diz o mais velho — Sozinha no ponto. — Me


rodeia e minhas mãos tremem. — Precisa de alguma coisa? Uma
companhia?

— Estou bem, obrigada. — Tento soar o mais calma possível, mas


por dentro já estou em pânico.

— Nós três adoraríamos te fazer companhia. — O rapaz mais alto


passa a mão em meu cabelo.

— Você pode parar, por favor? — Minha voz sai embargada.

— Mas só queremos nos divertir. Tenho certeza que vai gostar. — O


mais velho dá um passo, se aproximando mais. Ele fede a bebida barata, e
seu odor me enjoa.
Fecho os olhos com força, tentando reunir forças para fugir ou gritar
por ajuda, e quando os abro, meu coração se enche de esperança. Vejo de
longe um carro familiar se aproximar e, instantes depois, a porta é aberta e
Felipe sai.

— Não se atreva a encostar nela! — grita.

Lipe chega empurrando o rapaz para longe de mim, e ele cai de


bunda no chão, resmungando. O segundo tenta avançar nele, mas um soco
atinge seu nariz em cheio. Parece até que estou vendo a cena de quando
éramos crianças. Mas dessa vez Lipe não é mais aquele magrelo que não
sabia se defender. Ele está enfrentando três homens. Não está pensando que
pode se machucar ou perder a briga. Ele está me defendendo como se sua
vida dependesse disso. O mais alto acerta um soco em sua boca e vejo um
pouco de sangue sujar seu lábio. Mas ele não recua. Lipe se desvia do
próximo e acerta seu olho que com certeza ficará roxo. Se eles estivessem
sóbrios acho que dariam mais trabalho, mas Lipe está conseguindo.
Notando que não têm a menor chance, eles saem correndo e entram na
primeira viela que encontram. Felipe se vira para mim e me abraça forte.

— Está tudo bem agora, estou aqui com você. Ninguém vai te fazer
mal, eu não vou deixar — diz, me apertando em seus braços.

— Eles machucaram você. — Afundo meu rosto em seu peito. —


Desculpa.

— Pode parar, Ana. — Segurando meu queixo ele levanta meu rosto
e me olha nos olhos. — Você não tem culpa de nada. Isso aqui logo sara. O
importante é que não fizeram nada com você. — Beija minha testa. —
Vamos, vou te tirar daqui. Não é seguro, eles podem ter ido buscar ajuda.
Não vamos arriscar.
Lipe me conduz para dentro do carro. Agora mais calma me viro
para ele. Preciso agradecer. Não fiz isso.

— Muito obrigada, se você não tivesse chegado... Não quero nem


pensar nisso. Você me salvou. Foi meu herói, como sempre. — Forço um
sorriso. Minha cabeça ainda está atordoada com tudo que aconteceu.

— Não precisa me agradecer, docinho. Peço desculpas por não ter


visto sua mensagem antes. Ainda estava fechando a loja. Mas o bom é que
fica bem perto do seu trabalho. Não teria me perdoado se tivesse acontecido
alguma coisa com você, Ana. — Lipe me olha rapidamente e volta a
atenção à estrada.

— Mas não aconteceu. Eu não imaginei que o ônibus iria demorar


tanto. Deveria ter pedido um Uber, sei lá. Não deveria ter ficado ali sozinha
esperando.

Ele segura minha mão.

— Ana, você não tem culpa por não estar segura na rua. Não tem
culpa por existir seres como aqueles três que queriam tirar proveito de sua
vulnerabilidade.

— Mas...

— Não. — Aperta minha mão. — Eu não aceito que se sinta


culpada. É como se você se sentisse culpada por ser mulher. Não faça isso.
O problema não é você e sim eles. Você deveria poder sair a hora que
quiser, sozinha ou acompanhada. Coisas tipo essa não deveriam acontecer.
Com mulher nenhuma.

— Mas infelizmente acontece. E muito

Lipe entrelaça nossos dedos e esse gesto aquece meu coração.


— Eu sei docinho. Infelizmente eu sei.

O restante do caminho ficamos em silêncio. Lipe me salvou, e não


foi a primeira vez.

— Chegamos. Tente descansar bem. A noite foi muito tensa. — Ele


beija minha testa; um gesto tão simples que significa tanto para mim.

— Obrigada novamente, meu herói. — Dou um beijo em sua


bochecha e ele sorri.

Entro e vou direto para o banheiro tirar essa roupa e tomar o banho
mais longo da minha vida. Estou me sentindo suja. Depois, vou direto para
a cama sem nem jantar. Fico mexendo no celular e agradecendo aos céus
por não ter acontecido nada comigo. O bloqueio para tentar dormir, mas
assim que o coloco em cima da mesa de cabeceira, ele apita, avisando que
chegou uma nova mensagem, e quando olho para a tela, vejo o nome de
Lipe.

Estou terminando de fechar a loja e ligar os alarmes quando sinto


meu celular vibrar. Mas não o pego na hora, pois quero terminar de fechar
tudo primeiro. Não posso me distrair e acabar deixando algo passar. Não faz
muito tempo que subi de cargo, e nessa loja há muitos carros de luxo. Não
dá para vacilar. Quando tudo está terminado eu entro em meu veículo, puxo
o celular do bolso e leio a mensagem de Ana.

“Você pode me ajudar? Estou sozinha no ponto. Estou com medo.”


Jogo o aparelho no banco do passageiro e saio o mais rápido
possível do estacionamento. Parece que a estrada não tem fim. Quanto mais
rápido tento chegar até Ana, mais distante parece que ela está. De longe a
vejo no ponto, mas ela não está sozinha. Há três homens a cercando; um
deles muito perto dela. É impossível não perceber como está com medo.
Meu coração se aperta.

Confesso que as coisas saíram do controle. Eu preciso proteger Ana,


e se isso significa enfrentar três homens sozinho... É o que eu farei.

Quando eles fogem, puxo-a para meus braços. Eu odeio vê-la desse
jeito. Gosto de vê-la sorrindo, brincando. Feliz. Tudo que quero é manter
Ana em meus braços e protegê-la do resto do mundo. Ela sempre foi tão
doce, frágil, e linda... Tão linda. Afasto esses pensamentos. Ana é minha
amiga, nada mais que isso. Jamais arriscaria perdê-la. Já não sei mais viver
sem Ana ao meu lado.
Seguro seu queixo levantando seu rosto e olho em seus olhos. Esses
olhos castanhos são os mais lindos do mundo. Para com isso, Felipe! Grita
meu subconsciente. Beijo sua testa. Não sei se Ana sabe, mas ela é a única
mulher além de minha mãe que ganha esse tipo de carinho.

A conduzo até o carro. Tento parecer calmo, mas por dentro a


adrenalina ainda corre solta. Dói em meu peito ouvir que ela se sente
culpada, sente que não deveria ter ficado ali. Que culpa tem por esse
maldito ônibus ter demorado? Os culpados são eles. Não me contenho e
seguro sua mão. Não quero que se sinta assim. Entrelaço nossos dedos
assim como fazíamos quando éramos pequenos. Gosto dessa sensação.
Assim que paro em frente a sua casa, me despeço e peço para que
ela descanse. E mais uma vez ela me chama de “meu herói”. Eu gosto disso.
Gosto de ser o herói de Ana. Nunca contei a ela, mas escolhi a casa ao lado
só para poder ficar mais perto dela. Porque quando estamos juntos, sinto
que sou a melhor versão de mim mesmo.

Em casa, tomo um banho e preparo algo para comer. E enquanto


cozinho, minha cabeça está a mil. Tenho que fazer algo para que isso não se
repita. Não posso deixar ela correr esse risco sempre que sair do serviço.
Subo para o quarto, pego meu celular e mando mensagem pra ela, que não
demora a responder.

Eu: Oi, docinho. Pode conversar?


Ana: Claro. Aconteceu alguma coisa?

Eu: Tive uma ideia. Quero saber o que você acha.

Ana: E que ideia foi essa? Não foi de abrir uma casa de stripper de
novo não, né?

Rio ao ler a mensagem. Ela nunca vai se esquecer disso. Falei isso
quando completei dezoito anos. E nem era sério.
Eu: Kkk não. Aquilo foi brincadeira. Já te falei isso várias vezes.
Agora, falando sério, nosso trabalho é perto e saímos no mesmo horário...
quero passar no seu e te trazer pra casa, assim não fica esperando ônibus. O
que acha?

Ana: Eu iria adorar passar mais tempo com você.


Eu: Eu também, docinho. Começamos amanhã. Me espera dentro do
prédio. Quando te mandar mensagem, você sai.

Ana: Tudo bem, muito obrigada. Boa noite.

Eu: Boa noite. Sonhe com coisas boas. A melhor de todo o mundo
sou eu, então sonhe comigo.
Ana: Pode deixar, senhor convencido.
Leio a última mensagem com um sorriso no rosto e posso imaginá-
la rindo enquanto escrevia isso. Bloqueio o celular. Não sei como não havia
pensado nisso antes. Poderia ter começado assim que me mudei para cá.
Agora mais tranquilo, já posso me deitar e dormir.
Enquanto finalizo mais um dia de trabalho, em minha cabeça não
para de se repetir o que aconteceu ontem. A preocupação de Lipe, seu
carinho. A ideia que teve para me manter segura foi o que mais mexeu
comigo. E quando enfim chega a hora de ir embora, começo a arrumar
minhas coisas sem muita pressa, tentando controlar meu nervosismo. Agora
que Felipe virá me buscar todos os dias, vamos ficar ainda mais próximos.
Por um lado, será bom, mas por outro...

Meu celular apita, avisando que chegou uma nova mensagem.


“Já estou aqui fora te esperando, docinho.”

Um sorriso surge em meu rosto.

— Você parece feliz. — Me assusto com a voz de meu chefe. —


Desculpa não queria te assustar — ele diz. — Você tem um sorriso lindo,
Ana. Boa noite, até amanhã. — Ele sempre faz questão de me
cumprimentar no início e no fim do dia.

— Boa noite, senhor. Até amanhã.

Assim que saio, vejo Lipe sentado no capô do carro, com aquele
sorriso perfeito que sempre invade meus sonhos. Nos cumprimentamos com
um abraço e um beijo na bochecha, e ele abre a porta para mim e em
seguida entra.

— Como foi seu dia? — ele pergunta.

— Cansativo, produtivo... Eu disse cansativo?


Nós rimos. Eu poderia viver o resto da minha vida dentro desse
carro. Poderia rodar o mundo se fosse para ficar em sua companhia.
Ouvindo o som da sua voz e de seu riso.

— E olha que ainda é terça-feira.

— Lipe, não precisava me lembrar disso. — Cutuco sua costela. Eu


sei que ele tem cócegas. — E o seu dia como foi? Paquerou alguma cliente.

Lipe leva a mão ao peito e faz uma cara como se essa pergunta o
tivesse ofendido.

— Você realmente acha que sou assim? — Balanço a cabeça. Ele é.


Não perde uma oportunidade. — Eu só paquerei uma e foi bem discreto. —
Ele me olha rápido e pisca. Rio. Mas aqui dentro meu coração se aperta.
Lipe sempre foi assim. Ele não vai mudar. — Ana, vou te perguntar uma
coisa e você promete ser sincera?

Um nervosismo toma meu corpo. Não faço ideia do que irá


perguntar.
— Pode, eu sempre sou sincera. — Que mentirosa! Grita uma voz
em minha cabeça.

— Você não liga quando falo de outras mulheres?

Meu coração está acelerado. Aperto uma mão na outra. Será que
digo a verdade? Será que digo que tenho inveja delas? Que queria saber
como é tê-lo para mim. Não. Não posso fazer isso.

— Já estou acostumada. — Dou de ombros. — Você sempre foi


assim. Nós sempre conversamos sobre tudo. — Lipe apenas balança a
cabeça. Será que essa não era a resposta que queria ouvir? Ai, meu Deus,
esse homem vai me deixar louca. Não sei mais o que estou fazendo. Decido
devolver a pergunta, quero ver sua resposta. — Quando falo de algum rapaz
o que você sente?

O vejo engolir em seco. Espero que isso seja uma coisa boa.

— Eu não sinto nada. — E essa simples resposta faz meu coração se


apertar. Claro que não sente nada. Eu esperava o quê? Que ele me dissesse
que sente ciúmes? Que não gosta quando menciono outro? — E você nem
pega ninguém direito.

— Você vai jogar isso na minha cara de novo? — Emburrada cruzo


os braços e me viro para a janela. — Talvez eu mude. Comece a ser como
você. Vou aderir ao seu lema de pego e não me apego. — Lipe resmunga
algo que não consigo entender. Mas apenas o ignoro. Claro que tudo isso
que falei é da boca pra fora. Eu não me vejo levando uma vida como a dele.
Eu quero alguém para amar. Alguém que possa entregar meu coração. O
carro estaciona e ao tentar abrir a porta não consigo. — Lipe, eu quero
descer, estou cansada.
— Desculpa pela brincadeira besta. — Fico encarando a entrada da
casa. — Docinho, fala comigo. — Continuo em silêncio. Lipe enrola o dedo
indicador em meu cabelo e começa a fazer cachinhos. Ele tem essa mania.
— Ana... — Não gosto de ouvi-lo chamar meu nome assim. — Se não falar
comigo começarei a fazer piadas ruins. — Me viro pra ele, meus olhos se
estreitam. Ele não faria essa tortura psicológica comigo. — Você quem
pediu. Lembre-se que eu te amo. — Limpa a garganta. — O que estará
escrito na lápide do Papai Noel? — Ele me olha cheio de expectativa.
Balanço minha cabeça. Não irei responder. — Ele não está mais em trenós.
Por que as plantinhas não falam? Porque elas são mudinhas. De que o diabo
morreu? Diabetes. — Estou recebendo um bombardeio de piadas ruins. Elas
são tão ruins que estou me segurando para não rir.

— Meu Deus, Felipe, de onde você tira tantas piadas?

— Sorri pra mim? — Ele deita a cabeça em meu ombro.

— Não! — Cruzo meus braços. Por um momento tenho a impressão


de estar cheirando meus cabelos. Deve ser coisa da minha cabeça. Ele se
afasta.

— Qual a cidade brasileira onde não tem táxis? Uberlândia. —


Quase que um sorriso se forma em meu rosto. Tenho que morder os lábios.
— Eu vi um sorriso aí. — Seu dedo segura delicadamente meu queixo,
puxa levemente para baixo liberando meu lábio.

— Não viu nada. — Tiro sua mão de mim. — Agora me deixe


descer. — Seu rosto se aproxima me fazendo prender a respiração. Lipe
encosta sua testa na minha.

— Ana. — É a primeira vez que diz meu nome nesse tom. Meu
coração parece que vai sair pela boca. Seus olhos estão fixos no meu. — O
que é um pontinho vermelho pulando de galho em galho?

— Eu não sei. — Quase que minha voz não sai.

— É um morangotango. — Ele ri de sua piada e não consigo me


conter. — Eu consegui. — Ele se afasta e se encosta no banco apoiando as
mãos atrás da cabeça. — Eu sempre consigo fazer você sorrir.

— Você é muito convencido, isso sim. — Ele me olha sério. Já sei o


que está querendo fazer. Levanto meu dedo indicador. — Nem pense nisso,
Felipe Martins, ou irei gritar socorro.

— Ana, Ana. — Ele balança a cabeça. — Não deveria ter me


desafiado. Agora sofrerá a consequência.

Me viro para a porta desesperada para sair. Mas ela ainda continua
travada. Não consigo nem baixar os vidros. Lipe começa a me fazer
cócegas. Bato com as mãos no vidro. Eles são escuros, não dá para ver aqui
dentro.

— Alguém me socorre, ele está me torturando — grito. Nossa risada


ecoa dentro do carro. — Lipe, já somos adultos. Tem que parar com essa
mania — digo em meio ao riso. Batidas na janela nos assustam. Lipe para e
a abaixa. Um homem de meia idade nos encara.

— Está tudo bem por aqui?

— Ele não quer me deixar sair — digo baixinho apontando para


trás.

— Eu vou chamar a polícia — diz o homem já enfiando a mão no


bolso.

— Não! — Lipe diz visivelmente nervoso. — Não é o que está


pensando. Ela é minha amiga. Só estávamos conversando.
— Isso é verdade?

Eu olho para Lipe. Ele está branco como um papel. Seu olhar pede
desesperadamente para que diga a verdade. Me viro para o homem.

— Muito obrigada por sua ajuda. Mas era só uma brincadeira.


Desculpa.

O homem balança a cabeça e sai pisando firme. Me sinto mal por


ele.

— Ana, você foi muito má.

Não me viro para Felipe. Continuo a encarar o homem que se


distancia.

— Você que começou, agora estou com peso na consciência por


causa dele.

Sinto sua mão segurar a minha. Me viro para Felipe.

— Quer que eu conte mais piadas pra ficar feliz novamente? Tenho
muitas outras.

Sorrio sem nem ao menos perceber.

— Chega de piadas por hoje.

— Tudo bem. Tem amanhã e depois de amanhã.

Dou um beijo em sua bochecha.

— Até amanhã.
— Até amanhã, docinho. — Ele solta minha mão lentamente.

Entro em casa sorrindo. Me sinto uma boba. Eu senti tanta vontade


de beijá-lo quando falou meu nome daquele jeito. Não sei como serão esses
dias que passaremos juntos. Mas sei que será muito difícil resistir a essa
atração que estou sentindo por Felipe.

Estou feliz por poder passar mais tempo com ele, mas também
preocupada, pois a cada dia me vejo mais apaixonada. Cada sorriso dele me
hipnotiza, e estou sempre lhe fazendo perguntas só para ouvir o som da sua
voz. Até quando durmo ele aparece em meus sonhos. E não posso me
esquecer dos minutos que passamos juntos dentro do carro quando
chegamos em casa. É como se Lipe quisesse ficar mais tempo comigo.
Perdi as contas de quantas piadas ruins já me contou durante essa semana.
Ele parece mesmo ter um estoque infinito delas. Será que ele as procura na
internet e decora só para me contar depois? Não, ele não teria todo esse
trabalho só para conseguir alguns minutos a mais comigo naquele carro.
Estou inventando coisas.
Hoje já é sexta-feira. E só de pensar que amanhã não irei passar
tanto tempo ao seu lado sinto um aperto no peito. Espero que Bia apareça
como uma fada madrinha e arrume algum lugar para irmos juntos. Ela quem
se encarrega dessa parte, de arrumar lugares incríveis para curtirmos o
sábado à noite. Nos fins de semana que não saímos juntos quase não o vejo
direito.

Se bem que dois fins de semana atrás ele foi lá para casa para
assistirmos a um filme juntos. Eu fiquei nervosa por estar sozinha com ele
em casa, e olha que já ficamos tantas vezes só nós dois. Mas agora sinto que
tudo é diferente. Eu não estou conseguindo mais controlar meus
sentimentos, sufocar e deixar guardado lá no fundinho. Isso está saindo de
controle. Quando Lipe me deixa em casa, eu imagino tudo diferente,
imagino ele me pedindo para não ir, ou me negando a sair do veículo por
me sentir melhor quando estou ao seu lado. O coração tem umas coisas tão
loucas.
Ao ver sua mensagem instantaneamente um grande sorriso se forma
em meu rosto. É sempre assim quando o assunto é ele. Lipe é como minha
própria fonte de felicidade.

Já dentro do carro, Felipe liga o rádio.


A música do Fernando e Sorocaba, “Casal Perfeito”, começa a tocar.
Sempre que a ouço, penso em nós; em como seríamos juntos. Lipe me olha
por um breve momento, e sinto que nos conectamos nesse olhar. Mas talvez
tenha sido só imaginação minha.

Quando ele para em frente a minha casa, eu solto o cinto.

— Quais serão as piadas de hoje?

— Hoje não terá minhas maravilhosas piadas, Ana — diz sério e me


pergunto se fiz algo de errado.
— Por quê?

Ele se vira para mim. Sua expressão séria faz meu estômago
embrulhar. Tem algo de errado.
— Peça por favor. — Ele ri e todo o meu corpo relaxa.

Dou um tapa em seu braço.

— Você me assustou. Pensei que tinha acontecido algo. Às vezes


parece que nem tem 24 anos e sim 13.
Lipe deita a cabeça em meu ombro.
— Mas você gosta de mim do jeito que sou. Gosta não... Você me
ama que sei.

Você tem razão, Lipe, eu realmente amo. Mas não do jeito que está
pensando. Acho que não devo mais reprimir isso. Nesse momento estou
assumindo a mim mesma que amo Felipe, amo como homem e não como
amigo.

— Lipe.

— Oi, docinho.

— Eu... — Sinto minhas mãos suarem e meu coração disparar


descontroladamente. — Eu quero saber quais são as piadas de hoje. — Me
sinto uma covarde. O medo falou mais alto.

— Eu separei três muito boas pra poder encerrar essa semana. Está
pronta?

— Sim, mas após ouvir as três darei minha nota. Vai de zero a cinco.
Não vale ficar chateado se for zero.

— Tudo bem, eu aguento uma crítica. Lá vai a primeira. Como o


Batman e o Robin se conheceram? — Dou de ombros, não faço a mínima.
— Em um Bat-papo. Agora a próxima. O que a zebra disse para a mosca?
— Gesticulou para que continue. — Você está na minha listra negra. Agora
a última. Um caipira vira para o outro e pergunta: “E aí, firme? O outro
responde: “Não, hômi, futebor.” — Não consigo resistir a esse sotaque que
fez, foi tão fofo. — Por esse sorriso mereço um 10.

— Como se a nota máxima é 5?


— Podemos mudar as regras, Ana. — Lipe coloca uma mecha de
cabelo atrás da minha orelha. Seu olhar acompanha o movimento.
“Podemos mudar as regras”. Essa frase se repete várias vezes em minha
cabeça. — O que acha de irmos à praia amanhã após chegar do trabalho?
Ou darmos uma volta de moto?

— Moto?

— Sim, comprei uma e vou pegar amanhã. Você será a primeira a


subir na minha garupa. — Balança as sobrancelhas. — Olha que privilégio.
Você é uma mulher de sorte, minha garupa é muito disputada.

Eu serei a primeira, mas quantas outras virão depois? Não vou me


apegar a isso. Se Lipe quer me levar para dar uma volta eu irei.

— Então amanhã estarei te esperando. Duas buzinadas e saberei que


é você. — Beijo sua bochecha. — Boa noite, Lipe.

— Boa noite, docinho, até amanhã.


Cabelo preso em um rabo-de-cavalo, calça jeans, regata branca e
uma jaqueta de couro preta. Será que estou exagerando? Tanto faz! Pego o
batom vermelho em cima da penteadeira e passo uma quantidade generosa
em meus lábios. Levo a mão até o cabelo e solto alguns fios. Agora só
preciso de um pouco de perfume. Me encaro no espelho. Será que Lipe irá
gostar? Escuto alguém buzinar em frente a casa. Vou até a janela e o vejo
tirando o capacete. Meu Deus, parece até aquelas cenas de filme onde o
badboy vai levar a mocinha pra dar uma volta em sua garupa. Mas Lipe está
longe de ser um. Ele é apenas um libertino. Lipe faz um gesto me
chamando e mostra o outro capacete que está em sua mão. Ele comprou um
capacete rosa? Talvez seja emprestado. Faço um joinha e fecho a janela.
Minha mãe só chega mais tarde.

Dou uma última olhada. Será que poderia considerar isso um


encontro? Claro que não! Nem sei por que pensei nisso. Confiro se está
tudo fechado e caminho até ele. Sua moto é muito bonita e combina com
ele. É grande e vermelha, Lipe ama vermelho.

— Meu Deus, Ana. — Ele me olha parecendo estar em choque.

— O que foi? — Será que tem algo fora do lugar? Borrei o batom
sem perceber?

— Você está linda demais! — Nesse momento tenho certeza de que


devo estar parecendo um pimentão de tão vermelha. Lipe é tão exagerado.
— Terá que soltar o cabelo pra colocar o capacete.

— Mas deu tanto trabalho deixá-lo assim tão perfeito, Lipe.


Ele desce da moto e para na minha frente. Só agora percebi que
assim como eu está usando uma jaqueta preta e uma camisa branca. Sorrio
ao notar que estamos combinando. Um passo a mais é o bastante para
nossos corpos estarem a centímetros um do outro. Seu cheiro me invade.

— É para o seu próprio bem. — Sua mão vai até meu cabelo. Nesse
momento não consigo nem me mexer. Lipe segura o elástico que o prende e
começa a puxa-lo lentamente sem tirar seus olhos do meu. Será que é essa
jaqueta que está fazendo a temperatura subir ou o jeito que me olha?
Acredito fielmente que seja a segunda opção. — Não me perdoaria se
acontecesse algo com você por minha culpa. — Ele começa a arrumar meu
cabelo e depois beija minha testa. Coloca o capacete em mim e confere se
está tudo certo. — Agora vamos? Quero te levar a um lugar.

A pergunta é: será que consigo andar?

Subo na garupa da moto e envolvo meus braços em sua cintura. Lipe


dá partida e logo estamos na estrada sentindo o vento tocar nossos rostos.
Poderia passar minha vida aqui em cima dessa moto abraçada nele. Queria
que essa gasolina nunca acabasse. Ele está indo rápido. Quando passamos
entre dois carros e fazemos uma curva acentuada sinto meu coração
acelerar. O aperto forte.

— Está tudo bem, docinho? — pergunta em voz alta.

— Sim, só não estou acostumada. Acho que prefiro carro.

— Você vai se acostumar. — Vou me acostumar? Isso quer dizer


que faremos mais passeios assim? — Já estamos chegando.

Após alguns minutos Lipe para. E a beleza do lugar me deixa sem


fala. Estamos em um precipício. Só dá para ver o mar e mais nada. É lindo e
o sol está começando a se pôr, o tom alaranjado se contrasta com o azul do
céu. Não resisto e tiro uma foto para guardar de recordação.

— Lipe, esse lugar é perfeito!

Ele se senta na grama e bate a mão ao seu lado. Me sento e ficamos


encarando o sol se pôr. Mesmo estando em silêncio, sinto que não queria
estar em outro lugar. Sua mão toca a minha que estava sobre a grama. Olho
para ele sentindo meu coração quase sair pela boca. Se eu o beijasse agora
seria inesquecível.

— Trouxe uma coisa pra você. — Enfia a mão no bolso e tira um


pequeno saco de Fini no formato de ursinhos. — Seu preferido. — Ele me
entrega e dou um beijo em sua bochecha. Deito minha cabeça em seu
ombro e abro a embalagem.

— Você é o melhor amigo do mundo. — Como um doce e levo


outro até sua boca. — Não se acostume.

— Não garanto nada. — Ele ri. Gosto de nossos momentos assim.


— Amanhã é meu aniversário.
— Eu sei.

— O tempo passa tão rápido. Parece que foi esses dias que
completei dezoito. — Fecho os olhos ao sentir sua mão em meu cabelo. —
Lembra do presente que me deu? — Levanto meu rosto e Lipe me olha e
sorri.

— Um álbum com várias fotos nossas desde que nos conhecemos. E


uma pulseira com um berloque de avião. — Levanto a manga da jaqueta. —
Não sabia que estava usando.

— Só uso em momentos especiais. — Segurando meu pulso ele


começa a olhar um por um.

— O avião foi aos dezoito porque você ama viajar. — Ele toca a
pequena aeronave feita de prata e segue para o próximo. — A Torre Eiffel
aos dezenove porque quer conhecer Paris. Quem sabe podemos fazer essa
viagem juntos um dia. — Só de imaginar isso sinto uma felicidade me
tomar. Estamos os dois sorrindo. Será que ele também conseguiu imaginar?
— Aos vinte uma estrela do mar porque ama ir à praia. — já perdi as contas
de quantas horas já passamos juntos só nós dois na praia. — E um
brigadeiro, porque você é o docinho da minha vida. — É completamente
impossível não amar um homem que te olha como Lipe está me olhando
agora.

— O que será esse ano?

— Estou com ele em meu bolso. Quer agora ou prefere esperar até
amanhã? — Olho em seus olhos. — Tá, você quer agora nesse exato
momento. — Sorrio e assinto. — Mão esquerda ou direita? — Ele fecha as
duas.

— Direita.
Ele a abre e vejo um lindo berloque no formato de ursinho, é
igualzinho ao Fini. Eu nunca imaginei que encontraria alguém que me
conhecesse tão bem quanto Lipe conhece. Sinto meus olhos se encherem de
lágrimas. Nesse momento tenho a certeza de que não devo arriscar perder
tudo isso que construímos. Simplesmente não posso!

— Não gostou, docinho? Preferia outra coisa? — Envolvo meus


braços em sua cintura e o aperto forte. — Estou confuso. Isso é bom ou
ruim?

— É perfeito, Lipe. Obrigada. — Fecho meus olhos e me permito


me embriagar em seu cheiro. Deixo ele ir o mais fundo possível.

— Não precisa me agradecer, docinho. — Beija minha cabeça. Sua


mão sobe e desce em minhas costas. — Ana, tenho uma coisa pra te contar
e não sei se irá gostar. — Meu coração erra uma batida. Não gosto do seu
tom de voz. Me afasto de seus braços. — Vou precisar passar a próxima
semana fora. Me pediram pra inspecionar a inauguração da filial que irá
abrir em São Bernardo do Campo.

Uma semana longe dele. Uma semana sem sentir seu cheiro. Sem
sentir sua mão acariciando meus cabelos. Eu não posso pensar em mim isso
é bom para sua carreira. Tenho que apoiá-lo como sempre fiz durante esses
anos.

— Isso é bom pra você. Quer dizer que gostam do seu trabalho. —
Seguro sua mão. — Uma semana passará rápido.

— Não tenho tanta certeza. — Eu conheço esse olhar. Ele está


preocupado com algo. — Quem irá buscar você no trabalho? Eu não estarei
aqui pra cuidar de você. — Um sorriso se forma em meu rosto. Ele está
preocupado em me deixar sozinha. — Ana, é sério. — Sua mão toca meu
rosto com tanta delicadeza. — Quero que fique com o carro durante essa
semana.
— Você o quê?!

Lipe ri. Nem parece o mesmo que estava com cara de cachorro que
caiu da mudança a segundos atrás.

— Quero que fique com o carro. Assim ficarei mais tranquilo. —


Balanço a cabeça. Ficar com seu carro é muita responsabilidade. Nem sei
como pensou nessa possibilidade. — Ana, foi por isso que comprei a moto.
— É como se a terra parasse de girar e o mundo inteiro fizesse uma pausa.
Não consigo acreditar que ele comprou uma moto por esse motivo. — Eu
vou com ela e você fica com o carro. Você já tem carteira de motorista,
deixarei os documentos e tudo certinho pra você.

— Mas você ama aquele carro. E se eu bater? E se for assaltada? Se


atropelar alguém? Faz tanto tempo que não dirijo.

— Ei. — Lipe segura meu rosto entre as mãos. — Respira e se


acalma. Eu confio em você. Pode ter certeza de que não o deixaria com
nenhuma outra pessoa. Se te deixar mais tranquila podemos dar uma volta
nele mais tarde. Você pode me levar àquela sorveteria que gosta e me pagar
uma cestinha de sorvete com três bolas de sabores diferentes e muita calda
de chocolate.

— Você vai sentir minha falta? — O jeito que ele me olha já me diz
tudo. É como se tivesse feito a pergunta mais absurda do mundo. — Estou
esperando sua resposta.

— Acho que não. — Eu sei que está brincando então decido entrar
na brincadeira.
— Também não sentirei a sua. — Me deito na grama e encaro o céu.
Lipe continua sentado. — Acho que vou arrumar um carinha pra me fazer
companhia enquanto estiver fora.

— Como assim? — Ele se deita ao meu lado. — Um novo amigo ou


algo a mais?

— Talvez as duas coisas. — Dou de ombros. Lipe se apoia no


cotovelo e me encara sério. Seu rosto está começando a ficar vermelho.
— Uma amizade colorida? — Assinto. — Você não faz esse tipo. —
Ele volta a se deitar ao meu lado.

— Como assim não faço esse tipo? Acha que não posso fazer sexo
casual?
— Não gosto de falar de sexo com você, Ana.

Me viro para ele.


— Por quê? Você fala das garotas com quem sai.

— Falo por cima, nunca aprofundo o assunto. Falar sobre isso com
você é estranho.
— Lipe. — Ele vira seu rosto para mim. — Você acha que sou pura
e recatada? Pode ter certeza de que essa carinha esconde muita coisa. —
Não sei de onde tirei coragem de falar isso. Ele arqueia a sobrancelha. Me
mantenho firme, mesmo sentindo o coração bater descontroladamente.
— Tipo o quê? — Sinto um toque de malícia em seu tom de voz.
Onde fui me meter?

— É segredo de estado. — Volto a encarar o céu. Certeza que meu


rosto deve estar vermelho igual a um tomate. Estico meus braços rente ao
corpo. Aos poucos as batidas vão voltando ao ritmo normal.

— Quem escolheria para uma amizade colorida? — Pensei que ele


já tinha deixado isso pra lá. Não sei o que responder. Só disse aquilo para
provocar.

— Não sei, Márcio? — Sai mais como uma pergunta. Escuto Lipe
rir.

— Você nem o conhece direito. Sei que ele é a fim de você, mas
acho que vocês não combinam.

— Tomás?

— Fiquei sabendo que ele nem sabe como se coloca uma camisinha
direito. Quer ficar grávida? Um filho dele não seria muito bonito. — Rio.
— Só se ele puxasse a você. — Sinto algo se revirar em meu estômago.

— E como sabe de algo tão íntimo?

— Tenho meus meios. — Rio e Lipe me olha preocupado. — Não


pense besteira, Ana. Eu gosto de mulher e você sabe disso. É que uma delas
já me contou sobre isso.

— Tem que concordar comigo que é estranho. — Nos viramos um


para o outro. Já está começando a anoitecer.
— Qual seria a próxima opção?

— Não sei, Lipe. Teria que fazer uma lista.

— Faça e me mostre.
— Você iria colocar defeito em todos eles?

— Provavelmente sim.
— Por quê?
Sua mão toca meu rosto. Lipe me olha com carinho.

— Porque mesmo pra ser sua amizade colorida o homem tem que
ser “o cara”. — Sem dizer mais nada ele se senta. — Quero lhe mostrar
uma coisa antes que escureça de vez. — Me sento e Lipe começa a tirar a
jaqueta. Será que fez alguma tatuagem nova? — Olha isso. — Ele aponta
para uma pequena tatuagem. No meio de tantas outras que cobrem seu
braço.

— Isso é...?

— Um brigadeiro. — Olho para Lipe confusa. Apesar de ser cinza


assim como as outras tatuagens, não combina com o restante. — Faz parte
do seu presente de aniversário, docinho. — Ali tudo se conecta. Os milhares
de brigadeiro que roubava para mim nas festas. Ele nem se importava em
levar bronca. Fazia qualquer coisa que pedisse.
— Eu não acredito que fez isso por mim. — Sem pensar muito pulo
em seus braços. Lipe cai para trás. Estamos os dois rindo. Deito minha
cabeça em seu peito. Sinto que seu coração está acelerado. Sua mão vai até
meus cabelos. — Agora você vai me ter gravada em sua pele para sempre.

— Pra sempre estará comigo, Ana. Para sempre.

Sorrio ao senti-lo beijar minha cabeça.


Elias me entrega a chave da minha moto e o capacete. Encaro a
grande variedade de capacetes femininos na estante.
— Você tem namorada? — pergunta ele.

— Não tenho, mas minha amiga irá dar uma volta comigo. — Se
depender de mim, várias vezes. — Vou levar aquele rosa ali. — Aponto
para o capacete que é a cara dela. É um rosa bem clarinho e tem algumas
flores.

Já com tudo pronto, sigo para sua casa.

Quando Ana sai, parece que estou preso em um transe. Ela está
linda. E sem perceber deixo meus pensamentos saírem por minha boca e ela
cora.

Ana reclama por ter que bagunçar o cabelo que está perfeitamente
arrumado. Desço da moto e me aproximo. Eu acredito que até acordando de
manhã com eles bagunçados ela deve ficar linda. Seus olhos estão nos
meus. Seguro o elástico e começo a puxar lentamente para não a machucar.
Não consigo olhar para outro lugar além de seus olhos. Sinto algo estranho
no estômago.

Coloco o capacete nela e confiro se está fechado. Subimos na moto


e seus braços me envolvem. Por que estou com esse sorriso bobo no rosto?
Ana já me abraçou tantas vezes.
Nos sentamos e admiramos a bela vista. Ana é a primeira que trago
aqui. Gosto tanto quando estamos só nós dois. Lhe entrego o doce que
trouxe e ela fala sobre seu aniversário. Eu nunca me esqueço de nenhum
deles.

Fui sincero quando disse a ela que comprei a moto para que ela
ficasse com o carro essa semana. Sua segurança sempre vem em primeiro
lugar. Meu carro é meu xodó, mas sei que Ana cuidará bem dele. Também
sei que uma semana inteira longe dela será uma verdadeira tortura. Só
aceitei ir porque não podia negar esse pedido. Se quero continuar me
mantendo sozinho sem a ajuda de meus pais, tenho que fazer o meu melhor,
mesmo que isso signifique ficar longe de uma das pessoas mais importantes
da minha vida.

Não acreditei quando disse que queria arrumar um cara para uma
amizade colorida. Esse não faz o estilo dela. Não sei por que aquilo me
irritou tanto. Ela é linda e solteira, qualquer homem tem que se sentir no
mínimo privilegiado por tê-la ao lado. Mas as opções que escolheu... Se
bem que se fosse por mim ela não ficaria com ninguém, pois ninguém é
bom o suficiente para ela.

Claro que o lance da camisinha eu inventei. E ela não terá coragem


de perguntar se é realmente verdade. Se precisar irei colocar defeito em
todos. É estranho pensar que teve momentos em que achei que queria me
beijar, mas acho que é coisa da minha cabeça. Ana me vê como um amigo,
um protetor nada além disso.

Ana se joga em meus braços ao ver a tatuagem e acabo caindo para


trás. Estamos os dois rindo e nem sei o motivo. Eu só preciso vê-la sorrir.
Isso é um motivo suficiente. Sua cabeça deita em meu peito. Espero que
não consiga sentir o quanto meu coração está disparado. Levo a mão até
seus cabelos macios.

A felicidade em sua voz é notável.


Beijo sua cabeça e o cheiro do seu xampu é tão bom quanto o de seu
perfume. Eu poderia ficar aqui para sempre com ela deitada em meu peito.
Sentada na cama tento montar a bendita lista de com quem poderia
ter uma amizade colorida. Coloquei o nome de Márcio e Tomás com um
risco em cima já que Lipe não os aprova. Só estou fazendo isso porque me
pressionou. Teve a coragem de dizer que se não fizesse iria ficar a semana
toda sem falar comigo. Eu sei que isso é uma grande mentira, ele não fica
um dia sem me mandar mensagem ao menos uma vez, mas finjo que ele
está no comando.

Olho para a pulseira em meu pulso e toco cada berloque. Será que
Lipe tem noção de tudo o que me faz sentir? Cada segundo que passamos
juntos essa tarde foi tão especial. É mais fácil o fim do mundo chegar do
que Lipe esquecer meu aniversário.

Balanço a caneta em minha mão. Em minha lista tem seis nomes,


dois já estão descartados. Eu não faria sexo casual com nenhum desses, não
é disso que gosto, mas preciso fingir. Eu mesma que me meti nessa história.
Talvez após Lipe descartar todos eles posso dizer que desisto. Que não vou
mais procurar uma amizade colorida. Meu celular vibra com uma
mensagem de Bia.
Bia: Consegui entradas pra uma boate. Foi de última hora.

Eu: Hoje?

Bia: Sim, passo na sua casa às nove.

Eu: Lipe vai me levar pra dar uma volta em seu carro, pois ficarei
com ele essa semana.

Bia: Como assim? O que aconteceu que você ainda não me contou?

Rio ao ler sua mensagem.

Eu: Longa história.

No mesmo instante meu celular começa a tocar com uma chamada


de vídeo. Atendo e vejo que Bia está no carro.

— Não estou dirigindo. — É a primeira coisa que diz. Ela sabe que
pego no seu pé quando faz isso. — Estou próxima a sua casa. Em menos de
cinco minutos chego aí e você me contará tudo. Tudo mesmo.

— Tudo bem. Estou te esperando.

Bia me manda um beijo e encerra a ligação.


Decido mandar uma mensagem para Lipe. Se formos mesmo sair
preciso pensar em me arrumar.

Eu: Oi, já está sentindo minha falta?

Lipe: Oi, docinho, estou terminando de resolver algumas coisas aqui


no computador e já passo aí pra te pegar. E a resposta pra sua pergunta é
talvez.

No fim da frase tem um emoji piscando. E consigo imaginar ele


fazendo esse gesto.

Eu: Podemos deixar pra dar uma volta em seu carro amanhã?

Lipe: Sem problema. Aconteceu alguma coisa?

Acho que Lipe é a pessoa que mais se preocupa comigo além de


minha mãe. Qualquer coisa já liga seu alerta.

Eu: Vamos sair essa noite. Não teria tempo de me arrumar se


fossemos dar uma volta.

Lipe: Entendi. Já fez a lista?

Forço o celular contra o peito. Por que será que está tão interessado
nisso? Gemo. Maldita hora que inventei que arrumaria um carinha. Eu só
queria ver o que ele iria dizer e agora estou presa nessa situação
constrangedora. Meu celular vibra. Levanto a tela.

Lipe: Ainda está aí?

Eu: Estou. E já terminei. Mais tarde te mostro.

Lipe me manda um emoji com um grande sorriso e não sei com qual
responder. Fico minutos ali olhando todas as opções. O barulho da porta do
meu quarto me assusta. Bia entra rapidamente e se joga na cama ao meu
lado. Ela sabe que não precisa bater na porta que pode entrar direto e vir até
meu quarto. Minha mãe nem liga. Faz pouco tempo que ela chegou de uma
festinha de aniversário, agora deve estar no banho.

— Oi — ela diz em fim. — O que é isso? — Ela pega a lista. — São


os homens com quem já saiu esse ano? Nossa, Ana, só isso? Já estamos em
abril. Se bem que é bastante, ainda mais quando diz que está louca por Lipe.
Vou fazer uma também pra ter um controle. Acho que a minha daria uma
folha inteira.

Rio e Bia me olha sem entender.

— Você faz a pergunta e nem espera eu responder. — Ela sorri sem


jeito. — Vou ao banheiro e já te explico. — Quando retorno ela está com o
celular na mão. Bia me olha de um jeito suspeito e sei que aprontou. Pego
meu celular de sua mão e me sento. Não acredito no que vejo. — Bia você
mandou um emoji de coração nos olhos!

— Eu fiz o que você não teve coragem. — Meu celular vibra e vejo
que Lipe respondeu com um coração batendo. — Está vendo? Ele gostou.
De nada.

Fico um tempo encarando o aparelho. Talvez não tenha sido assim


tão ruim. Será que sorriu quando viu?

— Ana, para de viajar e me conte. De que lista ele estava


perguntando? Era essa? — Ela levanta o papel com seis nomes.

— Vou explicar senhorita Beatriz.

Jogo um travesseiro nela e me deito.

Passo os próximos minutos contando tudo para ela, desde que Lipe
me pegou aqui em casa. Bia presta atenção a cada palavra dita. Ela sempre
foi uma boa ouvinte. E sempre me deu ótimos conselhos. Mas quando se
refere a ele não consigo segui-los, eu simplesmente travo. Tudo com Lipe
é... complicado.
— Então você falou mesmo pra ele que iria arrumar um cara pra ter
uma amizade colorida? — Ela parece não acreditar. Rindo de nervosa
assinto. — E ele colocou defeito nos dois que mencionou. — Repito o gesto
apesar de achar que ela só está repetindo pra tentar entender. — Ele fez uma
tatuagem em sua homenagem.

— Isso tem a ver com a amizade colorida? Acho que seu raciocínio
fugiu da rota.

— Ana. — Ela se senta e cruza as pernas. — Você é cega?

— Tenho quase certeza de que não sou. Inclusive estou vendo uma
marquinha em seu pescoço. — Aponto para ele. Bia leva a mão até a pele.
Ela é branca demais, qualquer coisa fica a marca.

— Falei pra Lucas não deixar marca — resmunga baixinho.

— Você ainda não me apresentou a ele.

— O conheci semana passada, Ana. Tenha paciência. — Às vezes


acho que Bia é a versão feminina de Lipe. Os dois pegam geral e eu fico
para trás deslocada.

— E ele já está deixando marca em você? — provoco. Bia da de


ombros rindo.

— Vale muito a pena. — Ela balança as sobrancelhas. — Mas agora


voltando ao assunto principal, que não é meu lance com Lucas, você não
percebe que Lipe quer ser um candidato?

Rio. Bia só pode estar louca. Ela me olha séria e leva as mãos a
cintura. Me sento na cama ainda rindo.

— Bia, ele disse que não gosta de falar sobre esse assunto comigo.
O que lhe faz pensar que ele quer ser um candidato?
— Ai, Ana, às vezes não sei o que fazer com você. Lipe colocou
defeito nos rapazes. E saiba que não vou conseguir olhar para Tomás sem
pensar que não sabe nem colocar uma camisinha. — Nós rimos. — Como
será que Lipe soube disso? — Dou de ombros. — Será que isso é verdade?
Qual homem não sabe fazer isso? Ele deve ter filhos espalhados por aí. Sem
contar as doenças.

— Eu não sei. Só sei que Lipe não quer ser meu sexo casual. Isso
iria colocar nossa amizade em risco.

— Vocês são adultos podem muito bem lidar com isso. Se não der
certo é só parar.

— Se fosse assim tão fácil. — Suspiro.

Sei que se um dia ficasse com ele não iria querer outro homem. E se
ele não gostasse? Se achasse que sou sem graça? Ele já ficou com tantas
garotas. Eu só disse aquilo pra ele sobre minha cara de inocente para não
sair por baixo. Na hora do “vamos ver” é diferente. Não sou nenhuma
depravada, superexperiente no quesito sexo. Vou fazer 22 anos e posso
contar em uma única mão com quantos já transei. Perto desses dois eu sou
uma virgem. Rio de meu pensamento. Bia me olha sem entender e balança a
mão como se não se importasse.

— Eu sei o que digo, Ana, e quando ele ler essa lista e colocar
defeito em cada um você irá perceber. Eu não entendo, você quer ele e ele
te quer. Alguém tem que dar o primeiro passo e arriscar — Bia diz com
tanta certeza que Lipe me quer. Queria mesmo que fosse verdade. Ele só é
carinhoso por ser meu melhor amigo. — Agora vá lá e me mostre qual
vestido irá usar hoje. Quero você bem gostosa. — Só Beatriz pra me dizer
esse tipo de coisa.
— Estou indo.

Me olho no espelho e sorrio para a minha aparência. Estou


irresistível. Esse vestido vermelho colado e com um belo decote valorizou
meu corpo. Dos três que mostrei a Bia esse foi o que mais gostou. Me fez
prometer que usaria ele e para ser sincera ela acertou mais uma vez. Não é à
toa que ela tem sua própria grife de roupas femininas. Se tenho dúvidas do
que vestir, é a ela a quem recorro.
Bia deixou a lista dobrada sobre a cômoda, e eu pego ela e o meu
celular e os coloco na pequena bolsa. Saio para esperá-la lá fora e já
encontro Felipe em frente a casa. Seus olhos brilham quando me vê. Abro
um sorriso. Era esse efeito que queria causar.

— Boa noite, docinho — fala, se aproximando.

— Boa noite, Lipe.

Ele dá um beijo em minha bochecha.


— Você está muito linda. Vai chamar muita atenção essa noite.
— Assim espero. — Ele sorri, mas não sei por que não sinto
sinceridade. Lipe estende a mão para mim como se estivesse pedindo algo.
Demoro um pouquinho para entender. Pego a lista na bolsa e a entrego.
Quando faz menção em abrir, seguro sua mão. — Deixe para depois. Não
quero saber coisas constrangedoras de outras pessoas agora.

Lipe assente e enfia o papel no bolso de sua calça.


— Quantos nomes têm aqui?

— Seis, mas dois já foram descartados. — Com um sorriso ele


balança a cabeça. Eu o conheço. Ele está gostando disso. — Tem dois aí
que você não conhece muito bem, eles são do escritório. Você os viu uma
ou duas vezes. Não tem como saber algo sobre eles. É impossível.

— Eu já sei que trabalham com você — ele diz com uma confiança
na voz. — Não acha que se não der certo, se não rolar química, a questão
dele trabalhar com você irá complicar as coisas?
— Como assim? — Viro meu corpo para ele.

— Ana, você tem que levar em consideração se a pessoa será


discreta, se você confia nela, e mais algumas questões. Quem te garante que
ele não vai sair por aí falando de você?
— Farei ele prometer

Lipe segura uma mecha do meu cabelo e coloca atrás da minha


orelha.
— Você é inocente, docinho. — Não sei se gosto do seu tom de voz
ao dizer isso. — Ele pode jurar de pés juntos que não irá contar a ninguém e
na primeira oportunidade espalhar suas intimidades. Ou o que faz ou deixa
de fazer com você dentro de um quarto. — Sinto meu coração murchar.
Mesmo não querendo ele tem razão. Em nenhum desses caras da lista eu
confiaria. Eu não confiaria em nenhum outro homem a não ser ele. Mas ele
não é uma opção válida. Ficar com Lipe seria um caminho sem volta. —
Imagine se falarem de você no seu trabalho? Você os conhece há poucos
meses. Não quero que corra esse risco, docinho. Não quero ninguém
falando de você ou irei ter que caçar um por um.

Sei que não deveria, mas sorrio.


— Então mais dois foram descartados. — Queria dizer pra ele que
todos foram descartados. Mas não faço isso.

— E se...

O carro para ao nosso lado.


— Vocês estão lindos! — diz Bia do banco do passageiro. —
Entrem, não temos tempo a perder.

Lipe abre a porta e agradeço. Entro e ele vem em seguida. Bia está
no telefone falando com Lucas. Espero que ele seja um cara legal. Sei que
ela não é de se apegar fácil, mas quem sabe é esse que irá mudar a história.

— O que você ia dizer? — pergunto baixinho.

— Não é nada demais. Pode ficar tranquila. — Apesar disso, sinto


que tem algo a mais. Ele iria me dizer alguma coisa importante.
— Tem certeza?

Lipe assente.
Vou tentar não pensar nisso nas próximas horas. Quero me divertir e
Lipe ficará uma semana longe. Temos que aproveitar essa noite. Ele nem foi
e já estou sentindo sua falta. Deito minha cabeça em seu ombro e ele segura
minha mão. Uma semana... Será que irei sobreviver?
O lugar está cheio. A música alta me faz querer dançar. Vamos os
três até o bar e tomamos uma rodada de tequila. Não demora muito para ele
ir à “caça”, como diz. Eu pensei que o que Bia havia dito poderia ser
verdade. Mas se Lipe quisesse algo comigo... Para, Ana, a voz grita em meu
subconsciente. Bia me olha com compaixão quando o vê conversando com
uma bela ruiva. Balanço a cabeça para convencê-la de que está tudo bem.
Que já estou acostumada com esse jeito dele.

— Vamos dançar! — Seguro a mão de Bia e a levo para a pista, e


juntas dançamos por um tempo, até dois caras lindos se aproximarem. Um
loiro e um moreno.

— Esse é Lucas. — Ela aponta para o loiro de olhos claros.

— É um prazer enfim conhecê-la, Ana — diz e me cumprimenta


com um beijo no rosto. Além de lindo é cheiroso. — Esse é meu amigo
Bruno. — Aponta para o moreno de sorriso perfeito e pele bronzeada. Ele
deve gostar de ir à praia. O cumprimento com um beijo no rosto.

Passamos alguns minutos conversando. Lucas é muito simpático,


assim como Bruno. Dá para perceber que os dois têm a mesma energia.
Logo minha amiga já está com seus braços ao redor do pescoço de Lucas e
me sinto um pouco deslocada.

— Quer dançar comigo, Ana? — pergunta Bruno, e eu concordo. —


Você é muito bonita. Tem namorado?

— Não, sou solteira.

Bruno e eu começamos a dançar, e assim que olho para o bar, meu


olhar encontra o de Felipe. Tento tirá-lo do meu pensamento. Me concentro
no momento bom que estou passando com Bruno, que, além de lindo, é
muito gentil. E ao meu lado Bia já está aos beijos com Lucas no meio da
pista. Esses dois têm química, isso não dá para negar.

Ficamos dançando, e vez ou outra Bruno vai buscar bebidas para


nós dois. Acho que Bia sabia o que poderia acontecer e deu um jeitinho
para que seu par me apresentasse um amigo. E estou feliz por isso. Os dois
estão acompanhados, só eu ficaria sozinha. Lipe está beijando a ruiva no
bar. Pelo jeito ele terá companhia essa noite.

— Amiga, Lucas e eu já vamos indo. Vai querer ficar? — pergunta


Bia.

— Vou ficar. Uma ótima noite pra vocês. Cuide da minha amiga,
Lucas. Se ela não me mandar mensagem amanhã de manhã, chamo a
polícia. — Dou uma piscadela e os dois riem.

Bia vai até Lipe, acho que para avisá-lo também. Ela não iria sem se
despedir de nós.
Não sei se é o álcool, mas Bruno e eu acabamos nos beijando. Mas
esse beijo não consegue me fazer sentir algo especial. Após um tempo, pede
licença e vai até o banheiro, e eu fico na pista o esperando.

Logo sinto um mal-estar, vou até a parede e me encosto nela.


Deveria ter comido algo antes de vir. Fiquei tão nervosa que não comi nada
a tarde toda. Fecho os olhos por alguns segundos, e por instinto ou não,
acabo olhando na direção de Felipe. Ele percebe, larga a ruiva e vem em
minha direção, e vejo que sua acompanhante não gostou nada de ter sido
colocada de lado.

— Ana, você está bem? — Sinto sua preocupação quando segura


meu braço.

— Só estou precisando tomar um ar, não se preocupe — respondo


calmamente.

— Vem, eu te levo. — Me puxa.

— Não precisa, Lipe, não quero te atrapalhar. — Puxo meu braço de


volta. Bruno retorna e está atrás dele, parado. O coitado não deve saber o
que fazer nessa situação. — Pode ir lá fora comigo, Bruno? — pergunto,
olhando por cima do ombro de Lipe.

— Claro! — responde com um sorriso.

— Se precisar de mim não hesite em me chamar. — Assinto. —


Tem certeza que não quer que eu vá com você?

— Tenho, Lipe. Não vou atrapalhar seu encontro. Ela não gostou de
você ter vindo atrás de mim.

— Eu pouco me importo com ela, Ana. — Um clima estranho fica


no ar.
— Vamos, Ana? — pergunta Bruno. Sorrio para Lipe na tentativa de
tranquilizá-lo.

Saio junto com Bruno, e assim que chego lá fora, fico um tempo
conversando com ele e o conhecendo melhor. Descubro que ele é o mais
velho de três irmãos, tem sua própria loja de artigos esportivos e é solteiro,
claro. Parece um homem incrível. Lipe aparece bem atrás dele. Não
acredito que ele veio aqui fora.

— Vocês demoraram — ele diz ao se aproximar. — Está melhor,


Ana?

— Estou.

— Pode ficar tranquilo, cara, eu estou cuidando dela. — Bruno dá


um tapinha em seu ombro. Lipe sorri, mas sei que é forçado.

— Vocês vão voltar agora? — ele pergunta. Esse homem me deixa


confusa demais.

— Sim.

Retornamos para dentro da boate. Lipe volta para sua


acompanhante. Ela me olha de cara feia. Eu não tenho culpa, foi ele quem
veio atrás de mim novamente. Quando olhei para ele foi totalmente
automático e ele veio ao meu encontro como sempre faz. Bruno segura
minha cintura e volto a focar nele. Dançamos mais um pouco e trocamos
alguns beijos. Se Felipe e Beatriz podem se divertir eu também posso. Lipe
vem ao meu encontro.

— Já vou embora. Quer vir comigo ou vai ficar?


Eu não tenho certeza. Ir embora com ele e impedir que ele passe a
noite com a ruiva ou ficar aqui na companhia de Bruno? Por que tudo tem
que ser tão complicado assim? Bruno é livre, bonito e simpático. Não seria
mais fácil me apaixonar por ele? Mas não. Mesmo confusa decido seguir
meu coração.

— Eu vou com você. — Vejo um pequeno sorriso surgir em seu


rosto, que ele logo disfarça. Era isso que ele queria?

Bruno me olha um pouco desapontado, mas não diz nada a respeito;


só pede para deixar meu número com ele. E é o que faço quando ele me
entrega seu celular.

— Amei te conhecer, Ana. Pode ter certeza de que amanhã te


mandarei mensagem. — Ele me dá um selinho.

Saímos da boate e chamamos um Uber.

Deito minha cabeça em seu ombro.

— Você gostou dele? — pergunta quebrando o silêncio.

— Pra dizer a verdade eu gostei. Bruno é legal. — Felipe se remexe


no banco. — Por que a pergunta?

— Só queria saber. — Ele enfia a mão no bolso. — Vamos ver quais


são os dois nomes que faltam. — Tinha até me esquecido disso. Lipe
desdobra o papel e meu coração erra a batida ao ver seu nome ali no fim da
lista. Não foi eu que coloquei. A letra é igual. Eu vou matar Beatriz!

Estou parado em frente a entrada da garagem de casa esperando as


garotas. Toco meu bíceps bem na tatuagem de brigadeiro. Decidi fazer de
última hora. É tão pequena, nem se compara com as outras que tenho, mas
acho que é minha favorita. Não queria fazer em um lugar que não desse
para ver. Toda vez que alguém me perguntar o que significa direi que é uma
homenagem à minha Ana. Minha melhor amiga. Pensei até em fazer em
minha mão, mas Ana veria e não seria uma surpresa. O brilho em seus
olhos quando a viu, a expressão de surpresa e o abraço que ganhei depois
me faz querer cobrir todo o meu corpo com tudo o que me faz lembrar dela.

Olho para o lado e vejo Ana, e fico sem fala ao perceber como está
linda. Deveria ser crime uma única mulher ter tanta beleza. Vou até ela e a
cumprimento com um beijo no rosto. Seu cheiro é um dos meus favoritos. É
doce assim como ela, mas não chega a ser enjoativo. É suave. A elogio,
pois seria impossível ver uma mulher dessa e não dizer o quanto está
bonita. Digo que irá chamar atenção e ela diz que é isso que quer, forço um
sorriso. Eu tenho que parar de sentir o que não devo por ela.

Conversamos brevemente sobre a lista. Estou louco para ver quem


são. Quando fala sobre os caras do seu trabalho já acho o motivo para
dispensá-los. Tudo o que digo é com sinceridade, para arrumar alguém para
um sexo casual ela terá que pensar em tudo. Quando digo que é inocente
percebo que não gostou. Mas ela realmente é, há muitas pessoas desonestas
no mundo. Não gosto nem de imaginar alguém tirando proveito de sua
bondade e inocência. Quando estou prestes a falar para ela deixar essa lista
de lado, para não procurar cara nenhum, o carro para à nossa frente.

Ela pergunta o que iria dizer, mas prefiro deixar para lá. Talvez seja
o destino me mandando ficar calado. Deixo as duas no bar e vou à caça.
Preciso ficar com alguém e ocupar minha cabeça para não pensar besteira.
As duas vão para a pista e começam a dançar. E logo dois caras bem-
afeiçoados se aproximam. Ana sorri para os rapazes, e o homem moreno
nem consegue disfarçar o quanto está interessado nela. Não tenho o direito
de ficar enciumado. A bela ruiva já está na minha. Foi tão rápido.

Não consigo evitar olhar para Ana vez ou outra. Ela parece ter algo
que me puxa. Poucos minutos depois, Bia vem até mim e se despede. Agora
será somente Ana e eu.

A conversa com a garota está tão chata.

Vejo o rapaz se afastar e ir em direção ao banheiro. Ana se encosta


na parede e fecha os olhos, e meu corpo entra em alerta. Quando os abre e
olha para mim, sei que está precisando de ajuda. Me desvencilho dos braços
da garota que nem lembro o nome e vou até ela.

— Aonde você vai? — a garota pergunta, antes que eu possa me


afastar.
— Uma pessoa importante precisa de mim. Já volto.

Ela cruza os braços, bufando, e eu a ignoro sem nenhum remorso.


Quero chegar até Ana. Preciso chegar até ela. Ela diz estar bem, para não
me preocupar, mas isso é totalmente impossível.

Tudo o que quero é pegá-la em meus braços e levá-la embora.


Quando olha por cima do meu ombro e percebo que o mané voltou. Ela
decide ir com ele e não vou mentir, isso me irritou profundamente. Ela sorri
pra mim e logo os dois saem juntos e eu volto até a Júlia, Camila, Luana,
sei lá o nome dela.

— Quem é aquela? Sua ex?

— Minha melhor amiga.


— Parecia algo mais.
— Você quer ficar jogando conversa fora ou me beijar? — Seguro
sua nuca e a trago para mais perto de mim. A beijo. Preciso ocupar minha
cabeça.

Minutos se passam. Toda hora olho para o relógio. Olho em volta e


não vejo os dois. Então decido ir atrás deles. A garota não gosta, mas não
posso fazer nada. Ao sair vejo os dois rindo juntos e tenho que me segurar
para não fazer uma careta.

Me aproximo com cautela. O rapaz dá um tapinha em meu ombro.


Eu forço um sorriso. Tudo que quero é que ele fique longe dela. Nem sei
mais o que estou pensando.
Entramos na boate e volto para a mulher. Eu preciso perguntar seu
nome novamente. A única coisa que ainda está me fazendo ficar aqui com
ela é seu beijo. E seus olhos bonitos que parecem os de Ana.

— Quer sair daqui e ir pra um lugar mais reservado? — ela


pergunta.

Querer eu não quero, mas também não vou ser indelicado a esse
ponto.

— Eu vim pra cá com minha amiga, e tudo depende da resposta


dela. Vou lá perguntar se vai ficar com o cara essa noite. Se não retornar é
porque ela quis ir pra casa.

— Se não voltar podemos nos ver amanhã?

— Amanhã é o aniversário dela então passaremos o dia juntos.

— Quer saber? Deixa quieto. Apague meu número e assuma logo o


que sente por essa garota, Felipe. — Ela se vira e sai andando.
— Que surtada — digo a mim mesmo. — Menos trabalho pra mim.
— Dou de ombros.

Anseio pela resposta de Ana. Eu quero ir embora com ela; quero que
ela deite em meu peito no Uber e que se sinta tão segura ao ponto de
adormecer em meus braços.

Sua resposta me faz sorrir, ela vai embora comigo, mas logo me
recomponho. Os dois se despedem e ele a beija fazendo algo se revirar em
meu estômago.

No Uber Ana deita a cabeça em meu ombro e sorrio sentindo meu


coração aquecer. Gosto tanto dessa sensação.

Quando diz que gostou dele me sinto incomodado, não deveria ter
perguntado. Pego a lista. Preciso mudar de assunto. Desdobro o papel e não
acredito ao ver meu nome ali no fim. Eu sou uma opção?
Estou em choque. Queria sumir nesse exato momento. Lipe está
encarando o papel em completo silêncio.

— Lipe.... Eu... — Não consigo formar nenhuma frase.


— Danilo. — Ele aponta para o nome. — Ele está saindo com uma
garota há quase duas semanas. Faz tempo que não o vê? — Lipe não se vira
para mim e agradeço por isso. Apenas resmungo um sim e ele balança a
cabeça. — E Elias se assumiu gay há poucos dias. — Lipe ri. Coloquei uns
nomes tão aleatórios. Eu não sabia, só lembrei que gostava de conversar
com ele. Meu Deus, que vergonha. — E esse último. — Meu coração
dispara e sinto que ele pode parar de funcionar a qualquer momento.

— O que tem ele? — Minha voz não passa de um sussurro.

— Não tenho como colocar defeito nele. — Não consigo conter o


riso e isso me relaxa um pouco. Lipe está levando na brincadeira. — Só
tenho elogios. Ele é engraçado, corajoso, é protetor e também é muito
bonito. Você já viu as tatuagens dele e o peitoral que ele tem?

Nesse momento rio alto e Lipe também. Ele paga o Uber e


desembarcamos.

Estamos na frente da minha casa. Encaro meus pés, estou sem


coragem de olhar em seus olhos.

— Ei, por que não olha pra mim? — Minha vontade é de sair
correndo e me trancar dentro de casa e não sair mais. Continuo em silêncio.
Sua mão segura meu queixo e Lipe com calma levanta meu rosto e me olha
nos olhos. — Me sinto lisonjeado por ser uma de suas opções. — Sinto que
tem um “mas” vindo aí. — Mesmo ficando no fim da lista. — Odeio
quando Lipe sorri assim. Fico mole igual uma gelatina. — Dizem que o
melhor sempre fica pro final. Agora estou começando a acreditar nisso. —
Seu rosto se aproxima do meu. Ai, meu Deus, ele vai me beijar? Mas então
ele se afasta. — Mas não podemos...

— Não fui eu que escrevi seu nome, foi Beatriz pra zombar de mim
— o interrompo. Não vou sair por baixo, e é a verdade. — Por isso está no
final. Bia veio em casa e escreveu enquanto estava mexendo no guarda-
roupa. Ela sabe copiar minha letra. Fazia isso na escola. Já me colocou em
tantos apuros. — Forço um sorriso. Ele se afasta ainda mais. Lipe ia dizer
que não podemos nos arriscar. Ouvir isso de sua boca partiria meu coração.
— Não foi por mal, Lipe, eu entrei em desespero quando vi o nome ali.

— Não se preocupe. — Sua voz está diferente. Está baixa. — Feliz


aniversário, docinho. — Após dar um beijo demorado em minha testa, ele
se vira e caminha até sua casa. Eu fiz alguma coisa errada?
Rolo de um lado para o outro e não consigo dormir. Pego o celular e
fico encarando sem saber se devo ou não mandar uma mensagem para ele e
perguntar se está tudo bem entre nós. Levo um susto quando a foto de Lipe
aparece na tela. É uma chamada de voz. Será que aconteceu alguma coisa?
Aceito a ligação e levo o telefone até o ouvido.

— Lipe, está tudo bem?

— Ana, por que eu não posso ser uma opção? — Sua voz está
arrastada. Ele não estava bêbado assim. — Por que, Ana? Eu sou um
candidato perfeito.

Não sei o que responder. Escuto o barulho de algo se quebrar e Lipe


gemer de dor. Então a ligação cai. Sem pensar muito, deixo o celular sobre
a cama e saio de casa mesmo de camisola. A rua está vazia quando bato na
sua porta, mas ele não responde. Abro a porta e começo a procurá-lo. O
encontro no quarto, e vejo um pequeno corte em sua mão. Ele tenta sem
muito sucesso fazer um curativo. Corro até ele e pego a gaze de sua mão.

— O que você fez, Lipe? — Finalizo o curativo e levanto meu rosto.

— Não foi nada, docinho. — Sua mão toca minha bochecha. —


Você não respondeu minha pergunta, Ana.

— Lipe, você bebeu demais. — No momento em que me levanto,


ele segura minha cintura e me faz sentar em seu colo. Meu coração vai
parar na boca quando sinto sua mão em minha coxa.

— Você é tão linda. — Me seguro para não gemer quando seu nariz
toca meu pescoço. — Eu sou o candidato ideal. Você não sente a química
que temos? — Meu corpo está quente como nunca havia ficado antes.

— Acho melhor parar — digo respirando pesadamente.

— Mas eu não quero. — Lipe beija meu ombro com carinho e vai
subindo. Fecho meus olhos sem saber o que fazer. Ele beija o canto dos
meus lábios. — Eu quero muito te beijar, docinho. Me deixe provar seus
lábios? Quero saber se é tão doce quanto imagino. — Como vou dizer não
se é tudo o que mais quero? Sem pensar muito nas consequências assinto.

Sua mão segura minha nuca e Lipe me beija. Sim, Felipe enfim me
beija. É um beijo calmo. Eu não tenho como descrever o quão bom é beijá-
lo. É melhor do que ganhar um chocolate na TPM, melhor do que o cheiro
de um livro novo, ou até dançar na chuva. Mas o beijo vai se tornando mais
intenso. Sua mão vai descendo e a sinto em meu seio. Não consigo pensar
em nada, em minha cabeça tudo está fora do lugar. Eu só quero mais dele.
Com cuidado ele me deita sobre sua cama e fica com seu corpo sobre o
meu.

— Vamos fazer o teste, Ana. Passaremos essa noite juntos, se um


dos dois não gostar fingimos que nada aconteceu. Está de acordo?

Balanço a cabeça concordando, mesmo sabendo que será impossível


não gostar.

Lipe se apoia sobre os joelhos e retira a camisa. Amo vê-lo assim.


Nos livramos do restante de nossas roupas. Ainda estou sem acreditar que
estamos completamente nus. Seus dedos tocam a lateral do meu corpo. Ao
sentir sua ereção tocar minha intimidade, sinto a ansiedade revirar meu
estômago. Lipe beija meu pescoço. Minhas mãos apertam seus braços
fortes.
— Você não sabe o quanto esperei por isso. — Será que o que está
dizendo é mesmo verdade ou é resultado da bebida? Um suspiro alto escapa
da minha boca quando ele me preenche. — Meu Deus, Ana, é ainda melhor
do que imaginei.

— Lipe... — Até esqueço o que ia falar quando sua cintura começa


a se movimentar em um vai e vem tão lento. Seus lábios voltam a tomar os
meus.

Seus olhos estão nos meus. Estou presa no azul mais intenso e lindo
que já vi em toda a minha vida. Envolvo meus braços em seu pescoço
quando seus lábios voltam a explorar a pele do meu ombro até minha
orelha. Cruzo minhas pernas em volta de sua cintura. Seu movimento vai
acelerando.

— Ana... Ana — repete meu nome. — Vou trocar nossas posições,


docinho. Não quero que acabe rápido e se continuar assim... Não vou durar
muito.

Seu braço envolve minha cintura e logo estamos invertidos. Apoio


minhas mãos em seu abdômen e começo a me movimentar. Suas mãos
sobem até meus seios, e cada vez que me aperta, aumento o ritmo. A
expressão de prazer está estampada em seu rosto. Eu já sonhei tanto com
esse momento, em vê-lo assim perdido em prazer.

— Ana, se sua intenção é me fazer perder o juízo, saiba que está


conseguindo. — Seus dedos descem até minha cintura e Lipe começa a se
mover embaixo de mim. O barulho de nossos corpos colidindo e meus
gemidos que não consigo conter ecoam em seu quarto. Me abaixo e beijo
seus lábios. Suas mãos me ajudam a manter o ritmo. — Tão maravilhosa —
diz com os olhos fechados.
— Lipe, eu...

Suas mãos apertam minha cintura e Lipe faz meu movimento


acelerar. Não consigo terminar a frase, meu corpo todo treme.

— Você fica tão gostosa quando goza assim, falando meu nome.

Nenhum outro homem me disse algo desse tipo, e tudo o que quero
pelo resto da minha vida é repetir seu nome várias e várias vezes. Ele para
de mover minha cintura e até penso que já se satisfez, mas ainda o sinto
dentro de mim.

— Deita aqui do meu lado. — Faço o que pede. Lipe se aproxima


do meu ouvido. — Vira de costa pra mim.

Me viro sem saber direito o que virá depois. Lipe segura minha
perna e a levanta colocando por cima da dele. Ele volta a se encaixar em
mim. Ele distribui beijos por minhas costas, meu ombro e meu pescoço. Sua
mão vai até o meio de minhas pernas e ele me toca enquanto entra e sai
rapidamente de mim. Acho que morri e fui parar no céu.

— Está gostando? — Fecho meus olhos ao ouvir sua voz rouca em


meu ouvido. — Nós somos o encaixe perfeito, Ana. — Seus dentes
arranham meu pescoço e gemo de prazer. — Sente como meus dedos estão
deslizando com facilidade. Você fica excitada por mim, docinho. E isso é
bom, muito bom...

Por instinto tento fechar minhas pernas quando pela segunda vez
meu corpo é tomado pelo prazer, mas Lipe as mantém abertas, seus dedos
continuam a me torturar. Sua respiração acelera em meu ouvido. Seus
movimentos vão diminuindo o ritmo até parar de vez. Sua mão agora está
em minha cintura. Lipe sai de dentro de mim e abaixa minha perna devagar.
Estamos os dois respirando pesadamente. Fecho meus olhos e não consigo
acreditar no que acabamos de fazer. No que ele me fez sentir.

— Isso foi incrível — diz e beija meu ombro. — Você é perfeita


demais, Ana.

Sorrio ao sentir seu braço me envolver. Eu poderia morar aqui na


sua cama, fazer amor com Felipe de manhã, de tarde e a noite.

— Lipe...

— Sim, docinho.

— Preciso ir ao banheiro, já volto. — Me levanto e me visto, não


tenho coragem de olhar em seus olhos agora.

Após usar o banheiro, me encaro no espelho sorrindo. Toco meu


pescoço e vejo algumas marcas. Terei que passar maquiagem nisso. Agora
entendo quando Bia disse que valia a pena. Realmente vale. Meu sorriso se
desfaz. Eu não quero outro homem, quero Lipe. E se tudo isso que
aconteceu, as coisas que me disse, fosse por causa da bebida? Se ele não se
lembrar? Balanço a cabeça. Ele não está tão bêbado assim para chegar a
esse ponto.

Ao sair do banheiro, rio ao ouvir um ronco baixo vindo da cama.


Penso em me deitar com ele, mas aí iria quebrar a tradição. Em meu
aniversário minha mãe sempre me acorda com o café na cama. Faz isso
desde que me lembro. Pego um lençol e cubro Lipe. Dou um beijo em sua
cabeça e outro em seus lábios. Minha mão toca seu rosto.

— Boa noite, Lipe. Essa foi a melhor noite da minha vida.


Saio do quarto de fininho.
Não sei definir o que estou sentindo ao ver meu nome aqui nessa
lista. Ana gagueja; ela sempre faz isso quando está nervosa. Tento desviar
sua atenção. Se ela realmente quiser que eu seja uma de suas opções, ela
terá que me dizer da própria boca. Aí veremos o que fazer. Mas não vou
mentir ao dizer que nunca fantasiei nada indecente com ela. Não consigo
controlar meus pensamentos, ainda mais agora que estamos passando tanto
tempo juntos.

Dessa vez não preciso inventar nada sobre os rapazes, digo somente
a verdade. Como Ana pode ter escolhido um cara que nem gosta do que ela
tem a oferecer? Ela nem deve falar mais com ele. Tenho certeza que esses
nomes aqui são aleatórios. Ela nem pensou neles.

O que posso dizer sobre mim que ela não saiba? É completamente
impossível. Ana me conhece tão bem quanto minha mãe.

Não quero que sinta que está fazendo algo errado. Disse a ela para
procurar alguém que confie e ela pensou em mim. Seguro seu queixo e com
calma levanto seu rosto. Mas será que vale a pena arriscar tudo? Será que
conseguiríamos lidar com a situação se não der certo? E se der? Se eu ficar
com Ana, se beijá-la e sentir algo diferente? Se ela quiser eu estou disposto
a tentar. Sorrio. Aproximo meu rosto, então me lembro que nós dois
beijamos outras pessoas. Não seria um beijo bom. Me afasto. Ana merece
um beijo “limpo”, vamos assim dizer.

Ela me interrompe. E não consigo me concentrar em seu sorriso. É


como se alguém tivesse me jogado um balde de água fria. Eu quase a beijei
à toa. Sou um idiota. Eu não seria uma opção para ela. Todos esses imbecis
são, mas eu não. Beijo sua testa e sigo meu caminho pra casa.

Me sento no sofá e não sei direito o que pensar ou como agir. Eu fui
tão... Burro, ingênuo, imbecil em pensar que ela me veria como uma opção.
Ela só me vê como seu amigo eu não sou nada além disso. Por que estou me
sentindo tão incomodado? Será que é o ego ferido? Deve ser isso. Preciso
de algo pra me distrair. Após o banho pego uma garrafa de vodca e sigo
para a cama.
Sorrio ao ouvir a voz baixa da minha mãe cantando parabéns. Me
espreguiço e me sento na cama. Uma bandeja repleta de coisas boas é
colocada sobre meu colo. Minha mãe se senta na minha frente e estamos as
duas sorrindo. Uma pequena vela está em cima do cupcake rosa. Gosto
dessa nossa tradição. É uma coisa simples, mas que sempre me enche de
felicidade.

— Parabéns, minha princesa. — Ela beija minha testa. — Agora


assopra a velinha e faz um pedido.
Assinto e Fecho meus olhos.

Desejo que Lipe enfim perceba que fomos feitos um para o outro.

Assopro a vela.

— Obrigada mãe, hoje é o melhor aniversário de todos. — Enfio um


pedaço de bolinho na boca na tentativa de disfarçar esse sorriso que não
quer deixar meu rosto.

Felizmente consegui disfarçar as marcas com maquiagem. Fiz isso


depois do banho que tomei após chegar em casa. Minha mãe me encheria
de perguntas se as visse e não quero falar sobre isso agora. Primeiro quero
saber o que será de nós. Preciso ver Lipe. Mas ao mesmo tempo em que
quero vê-lo, tenho medo de tudo aquilo ter sido momentâneo. Só o
resultado da bebida. Não quero que ele me peça para esquecer. Seria
Impossível esquecer a melhor noite de prazer que já tive. E ainda com o
homem que amo.

— Fico feliz em ouvir isso. — Ela enfia a mão no bolso de seu


moletom. — Quero ser a primeira a te presentear. — Minha mãe me entrega
uma pequena caixinha e ao abrir vejo um par de brincos com pedrinhas rosa
brilhante. Não quero dizer a ela que Lipe já me presenteou ontem. Se bem
que meu aniversário é hoje. De hoje ela é a primeira. — Você gostou?

— Eu amei, mãe. — Seguro sua mão. — Seus presentes são sempre


perfeitos. — Eu amo vê-la sorrindo assim. Minha mãe sempre está
animada. Gosto desse jeito dela. Posso contar nos dedos as vezes que já a vi
chorar ou ficar nervosa comigo. Me surpreendo ao ver no relógio da
cabeceira que já é quase meio-dia. Dormi demais. — Alguém já veio me
ver?

— Alguém ou Felipe? — Ela balança as sobrancelhas e rio. — Ele


veio aqui mais cedo, e eu disse que ainda estava dormindo. — Ela se
levanta e beija minha testa. — Vou deixar você tomar seu café e responder
as várias mensagens que deve ter em seu celular.

— Obrigada, mãe. Eu te amo muito.

Ela sorri.
— Eu também. — Sai do quarto e fecha a porta.

Pego meu celular debaixo do travesseiro e realmente já tem várias


mensagens. Sinto meu coração disparar ao ver o nome de Lipe.
Desbloqueio a tela e abro sua mensagem.

Lipe: Parabéns pra você, nesta data querida, muitas felicidades,


muitos anos de vida...

Lipe: Hoje é o dia de uma das pessoas mais importantes da minha


vida. Parabéns docinho, eu te amo.

Encaro as mensagens com um sorriso no rosto. Será que esse “eu te


amo” significa algo a mais? Será que devo perguntar se gostou de ontem?
Balanço a cabeça e enfio um pedaço de pão na boca. Não farei isso, prefiro
conversar com ele pessoalmente. Leio todas as mensagens e respondo a
todos. Bia diz que virá mais tarde para trazer meu presente e me dar um
abraço. Não sei se vou contar a ela o que aconteceu. Se tudo correr bem eu
direi, agora se... Não, Lipe disse que gostou, que nossa química é inegável e
ele tem razão.

Como tudo o que minha mãe trouxe. Deixo a bandeja vazia sobre a
cômoda e vou até a janela. Abro somente o suficiente para dar uma
espiadinha em sua casa. Não consigo ver direito então abro um pouco mais.
Parece ser automático, no momento em que olho para a porta lá está Lipe.
Acho que ele foi a algum lugar. Ele está bonito. E quando ele não está?
Pergunta meu subconsciente, me fazendo rir. Ele olha para os lados e depois
para minha janela. A fecho rapidamente. Será que ele sentiu que tinha
alguém espionando? Vou até a cama e me jogo nela. Que vergonha!

— Ele não viu. Ele não viu — repito várias vezes a mesma coisa.
Meu celular vibra e na tela aparece uma mensagem de Lipe. — Ele viu. —
Afundo meu rosto no colchão. Me viro e desbloqueio o celular.

Lipe: Você me espiona?

Eu: Foi total coincidência


Lipe: Então porque fechou a janela quando te vi?

Eu: Reflexo. Fiquei nervosa.

Lipe: Eu sei que sou muito bonito, pensei que já havia se


acostumado com minha beleza.

Apoio o celular no peito e rio. Felipe não tem jeito. Ele não mora
sozinho, mora Lipe e seu ego. Eles devem até dividir as refeições, certeza
que já tem vida própria de tão grande que é. Tão grande quanto... Meu
celular vibra e levanto o aparelho. Já estava começando a pensar besteira.

Lipe: Por que tem mania de me deixar falando sozinho? Às vezes


acho que foi abduzida. Imagine eu tendo que lutar com alienígena pra
resgatar você?

Esse sorriso bobo não quer sair do meu rosto.

Eu: Você tem quantos anos mesmo?

Lipe: O suficiente pra saber que iria até o espaço pra resgatar você,
se fosse preciso. Ninguém tira você da minha vida, Ana. Nem mesmo os
ETs

Eu quero me casar com ele, quero ter filhos, um menino e uma


menina. Também podemos ter um cachorrinho. Não seria possível, Lipe é
alérgico. Mas poderíamos ter outro animal. Uma casa grande com um belo
quintal para brincar com as crianças em dia de sol. Eu só quero esse homem
para mim. Escuto uma leve batida na porta e ao ser aberta me surpreendo ao
ver Lipe entrando. Estou de camisola toda esparramada na cama. Ele me
olha dos pés a cabeça e sinto algo se revirar em meu estômago. Me sento e
coloco a almofada em meu colo.

— Tive que vim ver com meus próprios olhos se você ainda estava
nesse planeta. Me deixou falando sozinho novamente.

Sorrio e Lipe se senta ao meu lado. Estou nervosa, muito nervosa.


Quando olho pra ele só consigo me lembrar dessa madrugada. Dos toques
de suas mãos, das palavras, dos beijos.

— Está passando mal? — Sua mão toca minha bochecha. — Está


vermelha.

— Eu estou bem. — Como um simples toque em minha bochecha


tem o poder de arrepiar todo o meu corpo?

— Trouxe uma coisa pra você. — Ele se levanta.

— Mas você já me presenteou ontem.

— Nunca vi uma pessoa reclamar por ganhar mais de um presente.


— Rindo ele sai do quarto. Tento dar uma arrumada no cabelo. Quando
entra finjo que nem me movi. Meu olhar vai até sua mão, e não acredito que
ele me trouxe um brigadeiro do tamanho de uma coxinha. É enorme! Ele
estende a mão em minha direção. — Mas terá que dividir comigo.

Assinto.

Fico completamente hipnotizada por aquela delícia de chocolate e


mesmo sentido água na boca, tenho tanta dó de comê-lo. É tão perfeitinho.
— Onde achou uma maravilha como essa? — pergunto ainda
encarando meu presente.
— Encomendei. Não dá pra achar um brigadeiro desse tamanho na
rua.
E pela primeira vez desde que entrou em meu quarto o olho nos
olhos.

— Obrigada.

— Não precisa agradecer. — Sua mão vai até meu cabelo, e Lipe o
coloca atrás da orelha. Queria que ele me beijasse. Queria muito que me
beijasse. — Abra, vamos comer.

Saio do transe de seus olhos e começo a desfazer o nó.


— O primeiro pedaço é meu, que sou a aniversariante. — Lipe
balança a cabeça concordando. Mordo o brigadeiro e ao sentir o morango
dentro dele gemo. É uma das sete maravilhas do mundo. Ao abrir os olhos
percebo que Lipe está me encarando. Sinto minhas bochechas queimarem
com a intensidade de seu olhar. — O que foi?

— Nada. — Ele balança a cabeça. — Na verdade... — Engulo o


brigadeiro, mas parece que ficou preso em minha garganta. Ele vai falar
sobre o que aconteceu. Ele se levanta e vai até a janela e a abre. — Eu tive
um sonho.

— Um sonho? — pergunto confusa.

— Sim, e você estava nele.

Me levanto e vou até Lipe. Paro ao seu lado e o entrego o


brigadeiro. Ele morde um pedaço e fica encarando sua casa.

— Que tipo de sonho?


Não pode ser que ele ache que tudo o que aconteceu, que a melhor
noite de toda minha vida, não passou de um sonho.

— É melhor deixar pra lá. — Ele se vira para mim e sorri. — Ontem
quando cheguei em casa bebi um pouco a mais e depois apaguei. Só não sei
como consegui fazer um curativo tão bem feito. — Ele ergue a mão.

— Me conte sobre o sonho, Lipe — insisto. Se ele me contar posso


dizer que não foi um sonho, que tudo aquilo realmente aconteceu, que
Felipe me fez dele, que me amou em cima de sua cama.

— Não foi nada importante. — Dá de ombros. Estou sentindo meu


coração murchar igual uma bexiga furada. — Vamos mudar de assunto. O
que tem planejado pra hoje? Podemos... — O barulho do meu celular
tocando nos assusta. Peço um minuto e vou até a cama. Pelo menos tenho
uma desculpa para me sentar. Lipe acha que tudo foi um sonho. E como ele
mesmo disse, não tem importância.

— É Bruno.

Sua feição muda completamente.

— O que ele quer?

— Deve ser pra me dar parabéns.

— E como sabia que é seu aniversário? — Cruza os braços.


— Ele me adicionou nas redes sociais. Por que tanta pergunta?
— Nada. — Ele se vira para a janela. Atendo a ligação antes que vá
para a caixa postal.

— Bom dia, flor do dia. — Sua voz animada me faz sorrir.

— Bom dia.
— Achei melhor te ligar do que mandar mensagem. Como ontem
voltou pra casa tarde, decidi esperar pra ligar, não queria te acordar.

— Está tudo bem. Você não está incomodando.

Lipe se vira pra mim e se apoia na janela. Ele parece irritado. Ele
está com ciúmes? Talvez isso seja uma coisa boa.

— Posso te levar pra sair hoje?

— Me levar pra sair. — Lipe balança a cabeça tantas vezes, não sei
como não ficou tonto. Ele começa a fazer mímica e me seguro para não rir
das caretas que faz enquanto tenta me dizer que irá me levar pra passear de
moto. — Hoje eu não posso, mas podemos marcar algo durante a semana
após o trabalho. O que acha?
— Sem problema. Te mando mensagem durante a semana. — Lipe
caminha até a cama e se senta me encarando. — Feliz aniversário, docinho.
— Os olhos de Felipe se arregalam. É como se Bruno tivesse acabado de
falar o maior absurdo do mundo.

— Muito obrigada. Até mais.


— Até. — Ele encerra a ligação.

— Do que ele te chamou? Não é possível, devo estar ouvindo


coisas.
— Chamou de Ana. — Rio e Lipe franze o cenho. Ele leva as mãos
à cintura. — Tá bom, ele me chamou de docinho. Mas não fui eu que pedi,
enquanto conversávamos ele perguntou se eu tinha apelido e esse é o que
mais gosto. — Dou de ombros. — Não tinha como saber que ele iria me
chamar assim.
Felipe aproxima seu rosto do meu. Ele está tão perto que tenho que
me segurar para não encostar nossos lábios e sentir seu gosto mais uma vez.
Seu olhar está fixo no meu. Sinto meu coração errar a batida.

— Só eu posso te chamar assim — diz com a voz baixa, porém


firme. Meu Deus, eu amei ouvi-lo falar nesse tom. Por mim poderíamos
conversar somente assim a partir de hoje. — Está me ouvindo, Ana? —
Balanço a cabeça negativamente e ele ri. Eu ouvi sim, mas quero tanto que
repita. — Só eu posso te chamar assim. Não deixe mais ninguém te chamar
pelo apelido que te dei. — Sem forças para dizer nada, apenas assinto. —
Vou te esperar lá em baixo. — Ele se levanta. — Se arrume pra darmos uma
volta. — Lipe sorri daquele jeito que enfraquece minhas pernas e sai
fechando a porta em seguida.

Me jogo para trás na cama e encaro o teto enquanto termino de


comer meu brigadeiro. Preciso fazer algo, tenho que contar a Lipe que
aquilo não foi sonho. Que me entreguei a ele porque eu gosto dele, porque o
amo e não somente como amigo. Mas como farei isso? E se ele se
arrepender? Dizer que aquilo só aconteceu porque estava bêbado? Ele
mesmo disse que não foi nada importante. Me sinto ainda mais perdida do
que já estava antes de tudo isso acontecer. Eu só sei de uma coisa: Felipe
me tem de corpo alma e coração.
Passei grande parte da tarde na garupa de sua moto. Nós almoçamos
juntos em um restaurante em frente a praia. Lipe só me trouxe para casa
quando Bia ligou para ele e disse que queria me ver. Que não era justo ele
me roubar assim. Eu sei que tenho os melhores amigos do mundo. Fiquei
surpresa quando cheguei em casa e vi que ela e minha mãe haviam
preparado uma pequena festa surpresa. E Lipe sabia de tudo, eles me
enganaram direitinho. Já tentaram fazer festa surpresa para mim, mas eu
sempre descobria. Acho que como estou distraída demais esses últimos
dias, deixei os sinais passarem despercebidos.

Bia já foi para casa e minha mãe me deixou sozinha com Lipe na
sala. Ela não tem jeito, o que puder fazer para que eu e ele fiquemos mais
tempo juntos sozinhos ela fará. Estou com o coração apertado, pois daqui a
alguns minutos ele irá subir a serra. Só de pensar que ficaremos uma
semana separados. Se tudo fosse diferente, se ele se lembrasse da nossa
noite, será que me pediria em namoro? Usarei essa semana para tomar
coragem de contar a ele assim que retornar. Não vou conseguir conviver
com ele todos os dias sem dizer o que aconteceu.
— Você nem me levou pra dar uma volta de carro.

— Eu esqueci. — Ele ri sem jeito e apoia a cabeça no encosto do


sofá enquanto me olha. Sua mão segura a minha. — Promete se cuidar
enquanto não estiver aqui? Se pudesse te levava comigo.

Sorrio com sua confissão. Bem que queria passar uma semana com
ele em outra cidade.

— Eu vou. — Me encosto no sofá assim como ele. Seu olhar


percorre meu rosto. Gosto quando Lipe faz isso. — E prometo cuidar do seu
carro. Pretendo devolvê-lo nas mesmas condições.

— Eu sei que cuidará bem dele. — Felipe se levanta e faço o mesmo


imaginando que já irá para casa arrumar suas coisas. — Ainda temos alguns
minutos, quer dar uma volta no bairro? Não iremos muito longe. Já deixei
tudo pronto para partir. — Lipe ri. — Por que a careta?

Foi automático, eu nem percebi.

— Não gosto da palavra partir. É como se você não fosse voltar.

Felipe me abraça. Me encaixo perfeitamente em seus braços.


— Eu vou voltar, Ana — sussurra contra meu cabelo. — No
próximo fim de semana estarei aqui. — Ele se afasta um pouco e me olha
sorrindo. — Pra sua felicidade. — Beija minha testa e segura minha mão
me levando para fora da casa. Eu não queria soltá-la nunca mais. Lipe
destrava o carro que está em frente a minha casa e abre a porta do
motorista. — Damas primeiro.
Segurando a ponta da minha blusa, finjo que é um vestido e me
curvo agradecendo. Rindo nós dois entramos no carro. Como vou conseguir
sobreviver uma semanas sem ele? Felipe me entrega a chave e sinto um
nervosismo tomar meu corpo.

— Será que isso é mesmo uma boa ideia? — digo encarando a


chave em minha mão.

— É sim. Você vai tirar de letra — ele diz com tanta firmeza. Lipe
sempre acredita em mim, em meu potencial. — Só está um pouco
enferrujada, docinho. Agora ligue o carro e vamos dar uma volta.

Um pouco mais confiante dou partida e logo estamos virando a


segunda esquina. Estou indo devagar. Quero ganhar confiança para poder
acelerar. Temos sorte de a rua estar vazia.

— Estou conseguindo — digo entusiasmada.

— Sim, você está. — Olho um momento para Lipe e o orgulho está


estampado em seu rosto. Congelo no instante em que percebo que bati em
algo, ou melhor, em alguém. — Meu Deus, Ana. A gente vai pra cadeia —
ele diz me olhando nos olhos. Desembarcamos rapidamente e vejo um
homem no chão com sua bicicleta.

— Você está bem? — Me ajoelho na sua frente e não acredito


quando vejo quem é o homem que atropelei. — Bruno?

— Olá. — Ele sorri. — Eu estou bem, foi só um susto. — Suspiro


ao perceber que não o machuquei. — Poderíamos ter nos encontrado em
uma situação melhor. — O ajudo a se levantar e Lipe pega sua bicicleta.
Ele agradece. — Nunca imaginei que ficaria feliz em ser atropelado. —
Vejo Lipe revirar os olhos.
— Eu me distraí, peço desculpas. — Toco seu braço e o avalio da
cabeça aos pés. — Tem certeza de que não quer ir ao hospital?

— Tenho sim. Já estou acostumado a acidentes. Gosto de andar de


bike acho melhor para o meio ambiente. — Ele segura minhas mãos e seus
olhos estão brilhando. — Mas não vou mentir, um beijinho seria um ótimo
pedido de desculpas. — Sorrio sem jeito. Como vou dizer que não quero
beijar nenhum outro homem? Que mesmo ele beijando bem, eu quero os
lábios de Felipe. Olho para meu amigo que está sentado no capô com os
braços cruzados. Ele está sério. — Então...?

Ele está me olhando com tanta expectativa. De ontem pra hoje


tantas coisas mudaram. Me aproximo de Bruno e beijo sua bochecha.

— Temos que ir, Ana — diz Felipe ao se levantar. — Nosso tempo


acabou.

— Que pena — suspira Bruno. — Nosso encontro ainda está de pé?

— Está sim. Te mando mensagem. — Ele beija minha mão. —


Tchau, Bruno.

— Tchau, docinho. — No momento em que me chama assim, olho


para Lipe. Sim, ele está vermelho. Meu coração acelera quando ele se
aproxima.

— Não a chame assim. — Sua voz é firme. A única vez que o vi


ficar assim foi naquela noite com os bêbados. Bruno levanta as mãos.

— Calma, cara, é só um apelido. — Ele sorri, mas Lipe continua


sério.
— Fui eu que dei esse apelido a ela. Só eu posso chamá-la desse
jeito.
— Lipe. — Seguro seu braço. Seu olhar encontra o meu. — Não
precisa de tudo isso. Vamos antes que fique muito tarde pra pegar a estrada.
— Lipe assente e pisando firme volta até o carro e entra. Olho para Bruno
que parece não entender essa reação exagerada. — Desculpa, às vezes ele é
temperamental.

— De boa. — Ele dá de ombros e me abraça. — Já ia me


esquecendo. Feliz aniversário.

— Muito obrigada. E mais uma vez me desculpa por te atropelar. —


Nos afastamos sorrindo. Bruno balança a cabeça como se não fosse nada
importante, sobe na bicicleta e se vai. Entro no carro e Lipe está virado para
a janela. Ligo o veículo e sigo o caminho de volta para casa, agora
prestando ainda mais atenção. Esse silêncio está me incomodando. — Vai
ficar calado agora? — pergunto ao estacionar. Lipe se vira para mim. Está
parecendo um garoto que foi provocado na escola. — Você exagerou. —
Ele abre e fecha a boca várias vezes. — Pode dizer o que está pensando. Eu
aguento.

— É melhor não. — Ele sai e bate a porta. Não posso nem reclamar,
o carro é dele. Desembarco e ligo o alarme. — Vou pra casa. Daqui a uma
semana nos vemos de novo — diz sem se virar para mim. Ele dá o primeiro
passo.

— Felipe Martins! — Ele se vira e cruzo os braços. Lipe está agindo


como uma criança mimada. — Pode parar com isso. Você vai pra sua casa
se arrumar e depois virá até aqui se despedir de mim.

Felipe arqueia a sobrancelha e também cruza os braços.

— E se não vier? — Seu tom é desafiador.

— Ficarei a semana toda sem falar com você.


— Você não consegue.

— Não duvide.

— Tchau, Ana. — Ele se vira e volta a caminhar.

Irritada, entro em casa e me jogo no sofá. Aperto as almofadas como


se isso fosse me ajudar a diminuir a raiva que estou sentindo. Vou até a
cozinha, pego na geladeira um pedaço de bolo e subo para o meu quarto.
Minutos se passam. Não acredito que ele não vai mesmo se despedir de
mim direito. Escuto um barulho de moto. E isso faz meu coração se apertar.
Vou até a janela e vejo que as luzes estão apagadas e sua moto não está lá
na frente. Pego o prato e decido ir assistir na sala.

Me deito no sofá e ligo a tv. Coloco em um filme, deixo o volume


baixo. Tem vezes que Felipe é tão infantil. Estou muito irritada com ele.
Vou passar essa semana toda sem enviar uma única mensagem, e se ele me
ligar não irei atender. Não tinha porque fazer aquela cena. Eu iria dizer a
Bruno para não me chamar mais assim, eu só precisava da oportunidade
certa. Só faltou ele dar um soco no coitado.

No momento em que a moça olha para o teste de gravidez em sua


mão e vê o resultado positivo meu corpo todo gela. Como eu pude me
esquecer de algo assim tão importante? Não usamos camisinha, não tomei
remédio. Já faz alguns meses que parei de tomar o anticoncepcional. Estava
tão na seca que tinha a certeza de que iria me lembrar de me proteger caso
fosse ter relação, mas ontem foi tudo tão louco e inesperado. Subo correndo
até meu quarto e pego minha carteira, e sem pensar duas vezes corro até a
farmácia mais próxima. Sei que já está tarde, mas se existe uma chance,
tenho que tentar.
Entro em casa furioso. E para dizer a verdade, nem sei direito por
qual motivo estou assim. Só sei que estou com raiva do idiota, de Ana e de
mim mesmo por estar nesse estado e nem saber o motivo. Ou talvez saber e
não querer assumir. Visto a roupa que havia separado e me sento na cama
enquanto calço o tênis. Deveria ter falado para Ana acelerar quando estava
dirigindo, pelo menos teria deixado algum machucado naquele cara. Tão
ecológico andando de bicicleta. Me levanto e vou até o espelho.

— Eu vou salvar o planeta e as tartarugas. Vou ganhar o prêmio


Nobel da paz e acabar com a fome no mundo — digo tudo com uma voz
exageradamente doce e gentil. Idiota, se acha perfeito. Me encaro no
espelho. — O que está acontecendo com você, Felipe? — Balanço a cabeça,
nem sei o que estou pensando. Ana está me deixando pior do que já sou.
Pego a mochila e coloco nas costas. Confiro se está tudo desligado e
se as janelas estão trancadas. Olho para o sofá e vejo o capacete rosa ali.
Pego o celular no bolso e penso em enviar uma mensagem a ela dizendo
que já estou saindo, mas a lembrança do que aconteceu minutos atrás volta
à minha cabeça e enfio o celular dento do bolso da mochila. Pego meu
capacete e saio, trancando a porta em seguida. Subo na moto e encaro a
janela do seu quarto. Meu peito se aperta. Parece que agora a ficha cai. Se
ligar essa moto e partir ficaremos uma semana sem nos falar.

Sei que duvidei de sua ameaça, não deveria ter feito isso. Estava de
cabeça quente e Ana é orgulhosa. Ela pode morrer de saudade de mim que
não irá ligar ou mandar mensagem só porque duvidei que conseguisse.
Estou confuso demais com tudo isso que estou sentindo ultimamente.
Coloco o capacete e ligo a moto. Talvez esse tempo separados seja bom
para nós dois.

Estou com a moto estacionada esperando a balsa, ela acabou de sair.


Me atrasei. O ruim de morar em Guarujá é ter que depender dela pra chegar
do outro lado. Encaro o minúsculo adesivo de brigadeiro que colei no
painel. Tenho certeza que ela nem viu ou teria falado alguma coisa. Levanto
a viseira do capacete. É como se não conseguisse respirar direito. Abro um
pouco o zíper da jaqueta. Em minha cabeça o nome de Ana fica se
repetindo. Vai lá, mané, corre atrás dela, diz meu subconsciente.

Ligo a moto e faço a curva. Dá tempo de me despedir dela rapidinho


e voltar para pegar a próxima balsa. Acelero pela rua sentindo o vento
gelado em meu rosto. Quanto mais próximo de sua casa chego, mais
nervoso me sinto. Respiro fundo e buzino uma vez, em seguida outra. E
depois outra. Ana não aparece na janela. Ela ficou com raiva, não quer falar
comigo. Fui idiota e vim aqui à toa. Buzino tantas vezes que um de nossos
vizinhos aparece na porta.
— Já parei, dona Maria

A senhorinha assente e volta para dentro de sua casa.


Encaro a entrada da casa. Será que ela saiu? Não, só estou
arrumando uma desculpa para justificar. É isso então, Ana. Ficaremos uma
semana sem nos falar.

— Até a volta docinho — digo baixinho.


— Lipe! — Ouço sua voz e meu coração se enche de esperança.
Olho para casa e não a vejo. Tiro o capacete e olho em volta. Ana está
correndo em minha direção. Sempre achei engraçado o jeito dela de correr.
Sorrio e desço da moto. — O que está fazendo aqui? — pergunta,
recuperando o fôlego.

— Me despedindo da minha melhor amiga. — Ana abre um grande


sorriso que me deixa todo bobo. Olho para a sacolinha da farmácia em sua
mão. — Você está bem?

Suas bochechas coram.

— Estou sim. Fui comprar coisas de garota que havia esquecido. —


Ana me abraça. — Estou feliz por não ter ido sem se despedir.

— Eu também estou. — A aperto em meus braços. — Também


estou...
Hoje ainda é terça-feira e já estou morrendo de saudades de Felipe.
Eu sabia que sentiria sua falta, mas o vazio que sinto sem ele aqui é tão
grande que parece um buraco negro no meio do meu peito. Nem as várias
mensagens e a ligação que fazemos no fim do dia parece amenizar tudo
isso. Ele tinha total razão. Eu não iria conseguir ficar tanto tempo sem
trocar uma única palavra com ele. Bia tem me dado bastante atenção, falou
que sabia que me sentiria sozinha sem ter meu grude do lado. Eu gosto de
sua companhia, gosto muito, mas ela e Lipe são diferentes.

— Ana, conseguiu anotar tudo? — A voz do meu chefe me tira de


meus pensamentos.

— Sim, senhor. Tudo anotado. — Sorrio para ele, que retribui.

— Então estamos de acordo? — pergunta o senhor Luciano,


estendendo a mão para ele.
— Com certeza. — Os dois se cumprimentam sorrindo e em seguida
se levantam. Após se despedir, ele deixa a sala de reunião. — Não acredito
que conseguimos fechar negócio com ele. — Senhor Carlos volta a se
sentar. Ele se afunda na cadeira e apoia as mãos atrás da cabeça. Nunca o
tinha visto assim tão relaxado.

— Eu fico muito feliz por isso. — Sou sincera. Se quero continuar


trabalhando aqui, a empresa tem que prosperar.

— O que acha de um jantar hoje? — Sua pergunta me surpreende.

— Não sei se é uma boa ideia. As pessoas podem pensar o que não
devem. — E com certeza não me sentiria à vontade, ainda mais sabendo
que Carlos é um homem casado.

— Um jantar entre amigos, Ana. Só pra comemorarmos essa grande


conquista. — Carlos me olha com carinho. Ele é um homem legal, mas não
é correto. — Tudo isso também é mérito seu, tem feito um ótimo trabalho.

— Eu realmente agradeço o convite, mas não acho que cairia bem


um homem casado sair para jantar com sua secretária.

— Nós somos amigos, não iremos fazer nada de errado. — Não sei
porque, mas seu jeito de falar faz eu me sentir culpada. É como se estivesse
insinuando que ele iria querer se aproveitar de mim. — Só vamos sair pra
comer. Outras secretárias já fizeram isso. Não sou nenhum depravado, Ana.
Minha esposa estará ciente, não escondo nada dela.

— Com licença — diz Diana ao entrar na sala. Fico feliz com sua
intromissão. — Preciso que confira um designer que finalizei. Enviei para
seu e-mail.

Peço licença aos dois e saio da sala. Ao me sentar em minha cadeira,


suspiro. Eu espero que Carlos não me leve a mal. E que não ter aceitado seu
convite para jantar não afete em meu trabalho. Tudo o que quero com ele é
um relacionamento estritamente profissional. Não quero ficar mal falada.
Prefiro que ele saia para comemorar com sua esposa. Mesmo dizendo que
seria um jantar entre amigos. Fico feliz quando o fim do dia se aproxima,
pois sei que irei falar com Lipe. Organizo minha mesa, diferente de todos os
meus dias aqui, o senhor Carlos não se despede. Ele sai em silêncio. Tento
não deixar teorias tomarem minha mente.

Ao entrar no carro, a primeira coisa que faço é mandar uma


mensagem para Felipe. Ele me pediu que fizesse isso todos os dias para
saber se estou em segurança e quando chego em casa ainda tenho que
enviar outra. Só nos falamos um pouco antes de dormir. Pode ser um pouco
de exagero, mas gosto de seu cuidado.

Eu: Estou indo para casa.

Lipe: Ok. Não se esqueça de me avisar quando chegar lá.

Respondo com um joinha e coloco o celular no banco do passageiro.


Não gosto de perder tempo nesse estacionamento. Não demora para estar
em casa. Nesses dois dias foi tudo tranquilo. Não atropelei mais ninguém e
espero que continue assim. Aviso Lipe e vou direto para o banho. Estou
faminta, mas quero tomar banho primeiro. Os dias estão quentes demais.
Após o banho, enrolo uma toalha no cabelo e passo uma máscara de abacate
no rosto. Quando Lipe me ligar ele não irá me ver mesmo. Desço até a
cozinha e janto na companhia de minha mãe. Ela me conta como está sendo
no serviço e me pergunta se estou sentindo falta de Felipe. Eu realmente
acho que ela gosta quando digo que sim.
Já é 21:47h e Lipe sempre me liga as 22:00h. Apago a luz e deixo
somente a luminária ligada. Enquanto espero, coloco uma música baixa
para tocar no notebook o deixo ao meu lado da cama. Fico encarando o
celular e nada. Após cinco minutos de atraso, recebo uma chamada, e
ansiosa aceito. E só então me toco que ele ligou por vídeo. Viro o celular
rapidamente.

— Ana, não estou te vendo. Vire o celular, eu quero te ver.

— Não era pra ter ligado por vídeo. Vai ficar encarando meu
notebook. Olha como esse papel de parede de panda é lindo.

— Por quê? Tem alguém com você? — Sem pensar muito viro o
celular e olho para ele confusa. — Um alienígena.

— Ah, ah muito engraçado. — Lhe mostro a língua e ele ri. —


Quero saber de onde tirou a ideia de que teria alguém comigo em meu
quarto?

— Eu sabia que essa pergunta iria te fazer olhar pra mim. — Ele dá
de ombros e só então percebo que Felipe está deitado e sem camisa. Não
posso ficar encarando seu peito ou ele irá perceber. — Você estava com
vergonha por causa do creme no rosto?

— Sim. Você me ligou ontem por voz e pensei que hoje seria assim.
Então tomei banho antes de jantar e já aproveitei e passei um creme.

— Apesar de parecer que o bebê do Hulk vomitou na sua cara, você


continua linda. — Lipe ri e eu reviro os olhos. — Dá pra comer essa
guacamole com nachos? — Ele ri mais ainda. Como eu posso sentir tanta
falta de um homem assim?

— Eu vou desligar — ameaço e no mesmo instante ele para de rir.

— Não faça isso, Ana, eu ainda não tive a minha dose diária.

— Dose diária de quê? — pergunto me sentindo confusa.


— Minha dose de você.

Ainda bem que estou com a máscara verde no rosto, porque devo
estar vermelhinha. Será que Felipe diz esse tipo de coisa a outras mulheres?
Eu espero que não. Que isso seja só meu. Que essa sua versão seja
exclusivamente minha. Eu queria estar lá com ele, deitada nessa cama.
Queria sentir seu braço me envolver mais uma vez após fazermos amor.

— Ei — ele chama minha atenção. — Queria saber o que se passa


na sua cabeça quando fica assim quieta.

— Hoje posso dizer que é o cansaço. Meu dia foi puxado. — É uma
meia verdade. Não vou dizer a ele que a maioria das vezes que fico perdida
em pensamento é por estar pensando nele.

— Quer que eu cante pra você dormir?

Um grande sorriso se forma em meu rosto.

— Você nunca cantou pra mim.

— Apesar dos anos de amizade nunca conversamos por telefone até


tarde. E nunca dormimos juntos — ele fala isso com tanta naturalidade; sei
que não está falando na malícia, mas perdi as contas de quantas vezes já
quis dormir ao seu lado.

— Espera eu tirar esse creme do rosto? Não posso dormir com ele
ou irei sujar toda a cama. — Felipe assente. — Não demoro. — Deixo o
celular em cima do travesseiro e corro para o banheiro.

Lavo o rosto e já aproveito para escovar os dentes. Volto para o


quarto, e antes de chegar na cama dou uma arrumada no meu cabelo, o
jogando para o lado. Sei que assim fico mais sensual. Também arrumo a
camisola. Agora sim estou apresentável. Ao olhar para meu travesseiro vejo
que o celular escorregou e que Lipe acabou de me ver me arrumando para
falar com ele. Misericórdia, eu passo uma vergonha atrás da outra. Fico
encarando o celular e vejo que está sorrindo. Nervosa me sento na cama e
pego o aparelho.

— Nem pense em dizer uma palavra sequer sobre o que acabou de


ver.

Seu sorriso se alarga. Eu conheço esse sorriso.

— Nenhuma palavra sequer sobre você ter se arrumado pra mim. —


Puxo o lençol cobrindo o rosto. Só Felipe consegue me deixar assim tão
desnorteada. — Se não conseguir ver seu rosto não irei cantar pra você. —
Gemo e o escudo rir. Abaixo somente um pouco deixando os olhos à
mostra. — O rosto todo, Ana.

— Mas eu só preciso do ouvido pra escutar e dos olhos pra te ver e


saberá que dormi quando estiverem fechados. — Ele balança a cabeça. —
Tá bom. — Fecho o notebook e a música que ainda estava tocando para.
Arrumo um travesseiro e apoio o celular de lado. Ele faz o mesmo e é como
se Lipe estivesse aqui deitado ao meu lado. Estamos olhando um para o
outro em completo silêncio. — Cante, Lipe, estou esperando.

— Estou tomando coragem. Nunca cantei pra ninguém antes. E se


você não gostar?

— Só saberemos se você cantar. Prometo não rir se sua voz


cantando for como daquela mulher que fazia propaganda no programa
“Casos de família”. — Nós rimos. — Então cante pra mim.

Ele assente, parece se concentrar. E então começa.

“Vai, taca. Taca, taca, taca, taca, taca. Vai, taca. Taca, taca, taca,
taca, taca....”
Estamos os dois rindo. Nunca imaginei que ele iria cantar uma
música do Jerry Smith e MC Zaac. Lipe não gosta de funk ele prefere um
hip-hop, trap ou rap. Ele só ouve sertanejo e pagode por causa de mim. Essa
parte deve ter sido a única que gravou na cabeça. Limpo as lágrimas e
respiro fundo.

— Você realmente me surpreendeu, Felipe Martins.

— Gosto de te surpreender, senhorita Ana Orsini. — Pisca. — Tem


que concordar comigo que a letra é muito profunda, nos faz refletir muito
sobre problemas atuais do mundo. — Nós rimos novamente. Esse homem é
impossível. — Mas essa música era só pra zoar mesmo. Não sei que música
cantar pra você.

— Pode ser aquela que gosta. “Amor de Fim de Noite”, do Orochi.


— Lipe dá um leve aceno com a cabeça e começa a cantar baixinho.

“Deixa eu mudar essa nossa história hoje

Vamos ser mais que amor de fim de noite

Eu posso fazer tudo, ser melhor do que da última vez

E fazer bem melhor do que seu ex um dia te fez

Basta você dormir comigo hoje


Me dá sua mão e me beija essa noite

Eu posso fazer tudo, ser melhor do que da última vez

E fazer bem melhor do que seu ex um dia te fez”

Fecho meus olhos e deixo sua voz entrar o mais profundamente


possível. Nunca imaginei Felipe cantando pra mim, mesmo que seja por
ligação.
— Você está dormindo?

— Não, estou curtindo o momento — digo sem abrir os olhos. —


Pode continuar. — Abro um olho só. — Não me faça implorar.

Ele ri e assente. Fecho meu olho e sua voz volta a tocar meu
coração.

“Nossos corpos sempre na conexão

Nossos corpos sabem da nossa intenção


‘Cê chegou bagunçando a mente toda

Eu não consigo mais pensar em outra


A gente se parece no jeito de agir

E o seu sorriso tímido me faz sorrir


Eu não aguento mais viver pensando

Em quando a gente vai se ver de novo

Pra eu te ter de volta na minha cama, de calcinha, com a minha


blusa

A nossa chama não se apaga nem com um dia só de chuva.”

Vou combinar com Felipe para quando voltar me ligar todas as


noites e cantar para eu dormir. Acordo e percebo que o celular ainda está
com a chamada rolando. Mas Lipe não está mais cantando, ele está
dormindo. Tão tranquilo quanto aquela noite. Já é quase uma da manhã.
Não queria desligar, mas se não fizer isso não terei bateria para amanhã. E a
tomada não fica perto da cama.
— Boa noite, Lipe. Eu te amo. — Encerro a ligação e bloqueio o
celular. Com um enorme sorriso, fecho meus olhos e volto a dormir.
Bruno acabou de me enviar uma mensagem perguntando se
podemos nos ver amanhã, sexta-feira; disse que está lidando com alguns
problemas na loja e sua cabeça está muito cheia, então remarcamos. Ele não
quer acabar descontando seu estresse em mim. E agradeço aos céus por
isso. Já ando trabalhando tanto ultimamente. Quando saio com alguém, é
para me divertir.

Ele realmente parece ser um cara legal. Durante a semana trocamos


algumas mensagens. Sinto que podemos ser amigos. Apesar de não querer
ficar com ele novamente, podemos sair, nos divertir. Serei sincera com
Bruno e direi que não estou a fim de nenhum relacionamento. A não ser que
seja com Felipe. Balanço a cabeça. Acho que estou ficando obcecada. Esses
dias longe têm sido difíceis, uma verdadeira tortura. Nós já ficamos
afastados durante nossa vida, mas não tanto tempo, e agora parece que tudo
está diferente. Após a noite que passamos juntos, me sinto diferente.
Depois de confirmar nosso encontro, guardo o celular na bolsa. O
horário de almoço já está chegando ao fim e não quero ter problemas com o
senhor Carlos. Faz dois dias que ele está agindo com seriedade e até com
um pouco de frieza. Eu sei que disse que queria um relacionamento
estritamente profissional, mas não era disso que estava falando. Eu gostava
da relação que tínhamos antes; não entendi como tudo mudou tanto só por
não aceitar seu convite. Eu fiz o que achei certo. Não estou arrependida, só
não entendo. O elevador se abre e ele entra, e com passos firmes segue para
sua sala. Homens são complicados.

Assim que coloco o pé para fora do prédio, ouço meu celular tocar.
Acelero o passo, entro no carro e atendo a ligação de Bia.
— Alô.

— Está tudo bem? Você demorou pra atender.

— Estou sim. Não gosto de ficar mexendo no celular na rua, esperei


chegar no carro. Você precisa de alguma coisa?

— Pra dizer a verdade, Lipe me pediu pra ver se estava tudo bem
quando saísse do trabalho. Pensei em mandar mensagem, mas achei melhor
ligar. Sabe como eu sou. Ele disse que hoje teria que trabalhar até mais
tarde e não sabia se conseguiria ver sua mensagem. — Um grande sorriso
se forma em meu rosto. Gosto desse cuidado que tem comigo. Ele pensa em
tudo.

— Felipe não existe.


— Ana, ele me fez garantir que seguiria a rotina de vocês, que
falaria com você quando saísse do trabalho e quando chegasse em casa.
Acho que ele é meio paranoico. — Ouço Bia rir. — Daqui a pouco coloca
um GPS em você.

— Coitadinho, ele só é cuidadoso. Eu gosto. Felipe está ainda mais


preocupado após aquele dia. Se não fosse por ele... — Só de me lembrar
dos homens me cercando, me sinto mal.

— Se você gosta, tudo bem. Me avise quando chegar em casa, ok?

— Avisarei.

— Te amo, amiga.

— Eu também.

Bia encerra a ligação.

Coloco uma música no rádio e sorrindo sigo meu caminho para


casa. Ao estacionar, aviso a Bia. Entro na conversa com Lipe e começo a
digitar uma mensagem.

“Sei que está trabalhando até tarde hoje e espero que não fique
cansado demais. Quero minha ligação e minha música para dormir.
Saudade.”

Ao entrar em casa, vejo minha mãe no sofá. Hoje ela chegou mais
cedo, geralmente sou eu quem chego primeiro. Ao seu lado está uma caixa
rosa, e eu sei que nela há minhas coisas de quando era bebê. Ao me notar, a
vejo limpando discretamente as lágrimas.

— O que aconteceu? — Caminho até ela, deixo minha bolsa no sofá


e me abaixo na sua frente. Seguro suas mãos. Não gosto de ver minha mãe
assim. — Mãe, você está bem?
— Só estou emotiva. Estava vendo suas coisas de quando era bebê.
— Me sento no sofá e bato a mão no colo. Minha mãe se deita e começo a
acariciar seus cabelos. — Você... — ela se cala.

— Mãe, seja o que for, pode falar.

— Você sente falta de ter um pai na sua vida?

Eu esperava qualquer pergunta, menos essa. Nunca paramos para


conversar sobre isso. Sempre aceitei o fato de que éramos só nós duas, mas
não posso mentir para ela e dizer que nunca quis um pai. Apenas preciso
usar as palavras certas; não quero magoá-la ou que pense que de alguma
forma falhou comigo.

— Mãe, você nunca me deixou faltar nada. Sempre supriu todas as


minhas necessidades e, principalmente, nunca me deixou faltar amor. Não
pense em nenhum momento que a senhora falhou. — Me abaixo e beijo sua
cabeça. Nem todo o carinho que der a ela conseguirá expressar o quanto eu
a amo. — Mas serei sincera, eu gostaria de ter conhecido meu pai. — Ela
suspira baixinho. — Eu não sei nada sobre ele, nem mesmo seu nome. Não
sei como tudo aconteceu entre vocês, se ele te abandonou ou se morreu.
Nem mesmo meus avós ou minhas tias tocam nesse assunto. É como se ele
nunca houvesse existido.

Minha mãe se senta e segura minha mão. Me sinto ansiosa só de


pensar que ela me dará informações dele.

— Você sabe que engravidei aos dezoito anos. — Assinto. Essa é a


única informação que tenho. — Seu pai era mais velho que eu. Na época eu
estava trabalhando em uma pequena loja próximo a praia, e ele era um
cliente que gostava de ser atendido por mim. — Minha mãe sorri. Mas não
é de felicidade. — Eu era tão inexperiente e ingênua. Não demorou pra
estar totalmente caidinha pelo lindo homem de olhos verdes que ia toda
semana na loja. Na época ele havia acabado de concluir a faculdade de
direito. — Será que meu pai é advogado ou um juiz? — Ele estava muito
feliz. Seu pai foi o primeiro homem da minha vida. Eu estava tão
apaixonada por ele e acreditava de coração que ele também estava por mim.
— Uma lágrima solitária rola em seu rosto. Eu a enxugo sentindo meu peito
doer.

— Não precisa mais falar disso mãe. — Eu realmente já entendi o


que aconteceu.

— Eu quero terminar. — Assinto mesmo sabendo que ouvir as


palavras saírem de sua boca irá partir meu coração. — Eu e seu pai criamos
uma ligação muito grande durante os meses que passamos juntos. Quando
vejo você e Felipe juntos me lembro daquela época. Eu fui feliz durante
esse tempo, muito feliz. Claro que a gente namorava escondido. Seus avós
não gostavam dele, por ser mais velho, e diziam que só queria se aproveitar
de mim. — Ela acaricia meu rosto como se eu ainda fosse uma criancinha.
— Mesmo eles estando certos, eu não me arrependo, pois agora tenho você.
— Sentindo meus olhos arderem, abraço forte minha mãe, meu alicerce. —
Foi difícil, pois fiquei destruída por ter sido abandonada grávida. Mas no
momento em que você nasceu, eu soube que nunca mais estaria sozinha.

— Eu te amo, mãe. Te amo tanto que nem sei como demostrar todo
o amor que sinto.

Ela beija minha cabeça.

— Eu também te amo, minha princesinha. Te amo desde que soube


de sua existência.

Ficamos um tempo assim abraçadas.


— Quando a senhora contou a ele que estava grávida, ele sumiu?

Eu preciso ter a certeza.

— Ele já havia ficado estranho quando dei a notícia. Ficava


repetindo que um bebê agora não estava em seus planos, que queria investir
na carreira. Lembro que na época até me senti mal, mas não tinha como
voltar atrás. Nós teríamos um bebê. Uma semana depois de contar, ele
desapareceu. Eu fui até sua casa e ela estava vazia. — Lágrimas caem sem
parar. Ele nos abandonou sem nem olhar para trás. Perdeu a oportunidade
de ficar com uma mulher incrível e conhecer sua filha. O homem que
deveria me amar incondicionalmente me rejeitou, me abandonou. —
Felizmente, tive o apoio de seus avós. Laís e José me acolheram e me
ajudaram. Sei que saber disso deve estar doendo aí dentro, por isso evitava
tanto esse assunto. Mas saiba, meu amor, que quem perdeu foi ele. —
Minha mãe levanta meu rosto e limpa minhas lágrimas. Seus olhos estão
marejados. — Ele perdeu a oportunidade de ter a melhor filha do mundo. —
Ela me abraça forte e retribuo. — Tive a sorte de ficar com você toda pra
mim.

Após a conversa que tive com minha mãe, fiquei pensando em tudo
o que passou e realmente não consigo entender como um homem consegue
sumir sem deixar rastros, deixando para trás sua namorada grávida. Estou
tão distraída que me assusto ao ouvir o celular tocar. Limpo as lágrimas e
respiro fundo antes de atender.
— Oi, docinho. — Lipe está sorrindo, mas seu sorriso aos poucos
vai se desfazendo. Agora só vejo preocupação em seus olhos. — O que
aconteceu? — Ele se senta na cama.

— É... Eu conversei com minha mãe. — As lágrimas voltam a cair.

— Estou ficando preocupado, Ana.

— Ela me contou sobre meu pai. Ele sumiu assim que soube da
minha existência. — Apoio o celular no travesseiro e me encolho. Queria
que ele estivesse aqui pra me abraçar assim como faz sempre que estou me
sentindo triste. — Você sabe que sempre quis saber mais sobre ele, mas
nunca tive coragem de perguntar, por saber que era um assunto delicado pra
minha mãe. Hoje, assim que cheguei do trabalho, nos sentamos no sofá e
ela me contou a história.

— Eu sinto muito. Pra falar a verdade, eu imaginei que seria algo do


tipo. Eu queria estar aí com você. Queria te abraçar forte até você dizer que
estou te esmagando. — Sorrio em meio às lágrimas. Lipe encosta o
indicador na tela e eu faço o mesmo. Sei que não é um abraço, não é um
contato físico, mas esse simples gesto tem o poder de acalmar meu coração.
— Final de semana estou de volta e ficaremos meia hora abraçados.
— Eu gostei dessa ideia. — Abro um sorriso fraco.

— Ana.
— Sim.

— Quem é a tia de um super-herói que trabalha como autônoma? —


Faço uma careta e balanço a cabeça. Felipe abre aquele sorriso que conheço
bem. Sim, o modo piadas de tiozão foi ativado. — A Tia MEI.
Sorrio, e não necessariamente pela piada em si, mas por ele estar
tentando me distrair.

— Você é muito bobo.

— Não ligo em ser bobo, cafona, brega ou até mesmo esquisito se


for pra ver você sorrindo assim. — São palavras como essas que me fazem
amá-lo ainda mais. — Não fique pensando em seu pai, se martirizando. Ele
não foi homem o suficiente e a culpa não é sua. Você e sua mãe foram
vítimas. Olha em volta, Ana, veja como vocês venceram. Sua mãe é uma
mulher espetacular e você é uma cópia dela. — Limpo o canto dos olhos
antes que as lágrimas voltem a rolar. — Eu imagino que crescer sem um pai
não seja fácil, mas é como naquele ditado: antes só do que mal
acompanhado.

— Obrigada — digo baixinho.

Felipe balança a cabeça.

— Você não precisa me agradecer, docinho. Sabe que por você faço
qualquer coisa.

— Então pode começar. — Sorrio e Felipe me olha com uma


sobrancelha levantada.

— Começar?

— Começar a cantar pra mim. Separei seis músicas pra essa noite.
Felipe ri, fazendo um dos meus sons favoritos.

— Ana, isso aqui não é um show particular. — Ele volta a se deitar.

— É sim. Você nem sabe.


— Por que fui inventar de cantar pra você? Já estou me
arrependendo.

— Porque você faz coisas pra mim que não faz pra mais ninguém.
Daria até pra fazer uma listinha de "coisas exclusivas entre Lipe e Ana".

Suas sobrancelhas se erguem e um sorriso de lado se forma em seu


rosto. Será que dá para tirar um print da tela? Não, ele iria perceber.

— Se conseguir me dizer duas, eu canto quantas músicas você


quiser. Aprendo até a tocar violão só pra fazer shows exclusivos pra você.

— Você sabe que não pode fazer promessas em vão. Prometeu tem
que cumprir. — Felipe assente e me sinto ansiosa só de pensar nele
cantando para mim pessoalmente acompanhado por um violão. — A
primeira: você tem uma tatuagem em minha homenagem. A segunda: você
canta somente pra mim. A terceira: quando você está triste ou desanimado,
é a mim que procura. A quarta: você reserva um tempo só pra mim em
todos os meus aniversários. E nos seus também. — Rindo, ele balança a
cabeça concordando. — Quinta: você não permite que nenhuma outra
pessoa me chame de docinho, porque esse apelido é exclusivamente seu.
Lipe, você é uma das pessoas mais importantes da minha vida.

— E você da minha. — Estamos os dois sorrindo. — Parece que


terei que ter aulas de violão.

— Com certeza terá. Agora comece a cantar pra mim, senhor Felipe
Martins.
Me olho no espelho e fico feliz com o resultado. Bia me ajudou a
escolher um belo vestido longo preto. Bruno irá me levar para jantar, então
optamos por algo mais formal. Estou me sentindo nervosa. Não pelo
encontro em si, mas por ter que explicar a ele que não vai rolar mais nada
entre nós. Aquela noite foi boa. Ele é um cara legal e com certeza merece
alguém que esteja ao seu lado de coração aberto. Não quero que perca seu
tempo tentando algo que sei que não irá para frente. Escuto uma buzina
tocar na frente de casa. Mas não parece ser de carro. Olho para o relógio e
ainda faltam dez minutos para o horário marcado com Bruno. Será? Meu
coração acelera. Caminho até a janela e a abro. E não acredito no que meus
olhos veem. Felipe tira o capacete e sorri para mim.

Sem pensar duas vezes, me livro dos sapatos e começo a correr.


Meu coração bate forte contra o peito, e é como se Felipe tivesse ficado
longe de mim por anos. Como se meu coração não batesse direito sem ele
aqui, e agora que voltou, ele se lembrou como se trabalha. Estou ofegante e
com um sorriso enorme no rosto. Seguro a saia do vestido ou irei acabar
tropeçando enquanto desço as escadas. Quando chego no último degrau, o
vejo parado em frente a porta, que está aberta. Corro o mais rápido possível
e me jogo em seus braços. Aperto Lipe com toda a minha força e ele ri. Eu
tenho medo de soltá-lo e ele dizer que terá que passar mais tempo longe.
Respiro profundamente o cheiro do seu perfume. Meu Deus, como eu senti
falta disso. Como eu senti falta desse homem.

— Nunca mais faça isso — digo, sentindo meus olhos arderem. —


Está me ouvindo? Nunca mais. — Não posso chorar. A maquiagem já está
pronta e vou acabar borrando tudo. Mesmo não querendo, me afasto dele e
respiro fundo, tentando controlar a emoção.

— Fazer o quê? — pergunta confuso. O jeito que ele sorri para mim
é tão lindo.

Deus, eu quero tanto casar com esse homem. Ter uma família e
envelhecer ao seu lado.

— Ficar longe de mim. — Seguro sua mão e entrelaço nossos


dedos. Só então percebo que tem uma tatuagem nova ali. É uma frase
pequena em letra cursiva. Aproximo sua mão do rosto. — “Deixa eu mudar
essa nossa história hoje”.

— Não consegui tirar essa música da cabeça desde aquele dia. —


Lipe segura uma mecha do meu cabelo e coloca atrás da minha orelha.
Senti tanta falta dessa sua mania. — Eu senti saudade. Muita saudade,
docinho. — Ele se aproxima e sinto meu coração na garganta. Sua testa cola
na minha. — Você está tão linda. — Sua voz não passa de um sussurro
rouco e sinto que irei desabar no chão. Meu corpo todo se arrepia. Seus
olhos estão fixos nos meus. Seus lábios estão tão próximos que sinto seu
hálito quente em minha pele. Felipe vai me beijar, ele vai me beijar estando
sóbrio.

— Ana? — Dou um passo para trás ao ouvir a voz de Bruno. Eu


devo ter jogado pedra na cruz. Lipe ia me beijar, Bruno não podia esperar
só mais um pouquinho? — Já está pronta?

— Estou quase, preciso calçar as sandálias e pegar minha bolsa.

— Vocês vão sair? — pergunta Felipe.

— A intenção é essa — responde Bruno, e coça a nuca. — Minha


semana foi complicada, por isso deixamos pra hoje.

— Ah — é tudo o que diz.

Eu o conheço, ele não gostou nada da ideia de Bruno e eu termos


um encontro.

— Vou lá em cima e já volto. — Não sei para qual dos dois estou
dizendo isso, só sei que ambos concordam.

Subo rapidamente para o quarto e parece que enfim consigo respirar


direito. Não queria sair com Bruno, queria ficar na companhia de Lipe. Se
ele tivesse me avisado que viria hoje, eu não teria marcado nada. Mas
cancelar com Bruno bem agora seria uma covardia. Já pronta, pego a bolsa
e começo a descer a escada. É até engraçado, porque quando estou
chegando no último degrau, os dois me oferecem a mão. Para não fazer
desfeita com nenhum deles, seguro uma de cada e agradeço.

— Me esqueci de dizer o quanto está bonita — comenta Bruno, me


olhando dos pés a cabeça. Sorrio sem jeito, pois os dois estão me
encarando.
— Não se preocupe, eu já disse que está linda. — Lipe pisca para
mim e sinto meu coração dar um salto dentro do peito.

— Boa noite, rapazes — cumprimenta minha mãe ao entrar na casa.


— Não sabia que estava de volta, Lipe. — Ele caminha até ela e os dois se
abraçam. — Ana vivia resmungando por todo canto da casa sem você.

Eu não acredito que minha mãe falou isso. Percebo que Bruno fica
sem jeito, já Felipe está com um sorriso tão grande que daria para iluminar
a baixada toda.

— Eu também senti a falta dela.

Tá, eu perdoo minha mãe. Gosto de ouvi-lo dizer que sentiu minha
falta.

— Esse é Bruno — apresento o coitado a minha mãe. Estou ficando


mal por ele. — Essa é minha mãe, Carla Orsini.

— Muito prazer em conhecê-la. — Os dois se cumprimentam com


um aperto de mão. — A senhora é muito bonita. Vocês parecem irmãs. —
Bruno está dizendo o que todos dizem quando nos veem juntas, mas o
sorriso de minha mãe não parece sincero. Eu preciso tirá-lo daqui.

— Obrigada, e o prazer é meu. — Estamos os quatro olhando um


para a cara do outro. Até que minha mãe quebra o silêncio ensurdecedor. —
Vocês vão jantar juntos? — Ela aponta para nós três.

— Na verdade...

— Se eu pudesse ir, ficaria muito feliz — Felipe interrompe Bruno.


— Estou morrendo de fome e tô com uma preguiça de cozinhar.

Meu Deus, onde fui me meter?


— Eu até lhe ofereceria algo para comer, mas como pode ver, estou
chegando da rua agora. — Minha mãe e Felipe sorriem um para o outro. É
claro que ela faria de tudo para ajudá-lo. — Você se incomodaria, Bruno?
Felipe é como um filho pra mim.

Só falta minha mãe colocar Lipe no colo.

— Claro que não. — Bruno engole em seco. E sorri. — Podemos


jantar os três.

— Maravilha! Só vou guardar a moto. — Felipe olha para Bruno


com um sorriso travesso nos lábios. — Eu moro aqui do lado, é rapidinho.

— Eu não sabia.

Acho que não tem como isso ficar mais constrangedor.

— De boa. — Lipe dá de ombros. — Tem muita coisa que você não


sabe.

Lipe nunca se intrometeu em nenhum encontro meu. É como se ele


não quisesse nos deixar sozinhos. Será que ele se lembrou? Que enfim sabe
que aquilo não foi sonho? Se isso tiver acontecido, ficarei tão feliz.

Ele pede para não irmos sem ele e sai da casa.

— Eu vou tomar um banho e me deitar. Estou tão cansada. —


Minha mãe beija minha bochecha. — Espero que a noite de vocês seja boa.
— Com um sorriso de quem acabou de aprontar, ela começa a subir as
escadas.

Seguro a mão de Bruno e o levo até o sofá. Eu preciso me desculpar


por tudo isso.
— Nem sei o que dizer. — Suspiro me sentindo frustrada. Eu queria
ficar com Lipe, mas não desse jeito. Como vou conversar com Bruno e
dizer que tudo o que teremos é uma amizade e nada mais? — Me desculpa
por isso. Felipe é superprotetor e minha mãe realmente o ama como um
filho. Se quiser cancelar, arrumar uma desculpa, podemos marcar outro dia.

Ele segura minhas mãos.

— Não vou mentir, eu preferia passar a noite sozinho com você.


Mas não tive coragem de negar o pedido de sua mãe. — Tocando meu
rosto, ele acaricia minha bochecha com o polegar. — Eu entendi que ela o
prefere a mim, mas não vou desistir fácil de você, Ana.

Ele é tão fofo. Se fosse em outro momento da minha vida, se eu não


amasse tanto Felipe como amo, com certeza daria uma chance a ele.
Quando Bruno está bem próximo, quase me beijando, escutamos alguém
limpar a garganta.

— Vamos? Meu estômago está grudando nas costas.

Lipe se trocou, vestiu uma de suas calças de algodão bege que


termina acima da canela e uma camiseta branca combinando com o tênis.
Sua correntinha de prata preferida está pendurada em seu pescoço.
Enquanto Bruno está todo arrumado com roupas sociais, Lipe parece que
vai dar uma volta no shopping. Cada um tem uma beleza única, mas Lipe
tem uma coisa que Bruno não tem: meu coração.
Já próximo a casa de Ana, percebo que não tiro o sorriso do rosto.
Nem acredito que fui liberado para voltar antes do previsto. As coisas na
nova loja estão caminhando bem. Esses dias longe dela me fizeram
perceber tantas coisas. Só preciso organizar tudo o que estou sentindo, tudo
o que fingi não sentir por aquela mulher doce e meiga que não saiu da
minha cabeça em nenhum momento. É estranho. Foi preciso passar cinco
dias longe dela para enxergar o que estava tão claro. Meu coração está
acelerado como nunca havia ficado antes. Buzino algumas vezes e torço
para que esteja em casa. Não quis avisar, pois achei melhor fazer uma
surpresa.
No momento em que aparece na janela, sinto como se estivesse
passado dias na escuridão e agora visse o brilho do sol. Tiro o capacete e
sorrio. Logo Ana some. Sem conseguir me conter, desço da moto e vou até
a porta. Esses segundos parecem horas. Me atrevo a abri-la e não demora
para Ana aparecer toda linda em um vestido preto. Seus cabelos estão
levemente bagunçados. Ela está sorrindo, e como amo esse sorriso. Ela
corre em minha direção e abro meus braços. Logo seu cheiro gostoso está
por todo lugar.

Quando Ana se afasta, meu corpo sente falta do seu. Ela segura
minha mão e entrelaça nossos dedos. Ao ver a nova tatuagem, sua
curiosidade fala mais alto. Coloco seu cabelo atrás da orelha. Gosto de fazer
isso porque ela sempre cora. Me aproximo mais e encosto nossas testas. Eu
quero beijá-la, quero muito. Nunca quis tanto beijar uma mulher como
quero beijar minha melhor amiga. Quero saber se será tão bom quanto em
meus sonhos.

Ela recua ao ouvir a voz do protetor da Amazônia. Sinto uma


vontade enorme de soltar um palavrão. Ele vem até a ponta da língua. Tinha
me esquecido totalmente do carinha ecológico, ganhador do prêmio Nobel.
Saber que os dois irão sair para um encontro me deixa muito enciumado.
Não quero os dois juntos, mas como farei para atrapalhar esse encontro?
Enquanto Ana sobe para o quarto, encaro o cara.
— Ela tinha falado que você voltaria domingo.

Sorrio ao saber que Ana falou de mim para ele.

— Pra nossa felicidade, fui liberado antes e decidi fazer uma


surpresa a ela. — Cruzo meus braços e me encosto na parede. — Onde irá
levá-la?

— Iremos jantar. Reservei um ótimo restaurante. Ela gosta de


comida italiana?
— Ana adora uma massa. Consigo até fazer uma lista de tudo o que
ela gosta e não gosta. — Quero deixar claro o quanto a conheço.

— Vocês são amigos há muitos anos?


Sorrio

— Nós crescemos juntos. Somos inseparáveis.

— Legal. — Não sinto entusiasmo em sua resposta.


O barulho do salto ecoa na escada e nós dois temos a mesma ideia
de oferecer a mão a ela. Tudo o que ele fala me irrita, mas deixá-lo sem
graça por ter dito a Ana que ela está linda me deixa muito feliz. Carla
chega, e quando a abraço, sussurro em seu ouvido:

— Por favor, me ajuda a atrapalhar esse encontro?

Ela se afasta sorrindo. E essa é minha resposta.


E como imaginei, Carla dá um jeitinho de me ajudar. Tenho muito o
que agradecer a ela. Eu, Felipe Martins, irei lutar por Ana. Não sei direito
como, nunca precisei lutar por ninguém, mas se Ana for ficar com alguém,
esse alguém sou eu.
Estou confusa. Não sei se me sinto sortuda ou azarada. Não é todo
dia que uma mulher tem dois homens lindos disputando sua atenção. Talvez
não seja tão ruim assim, e até que a conversa está fluindo. Um não está
alfinetando o outro como imaginei que ficariam. Principalmente Felipe. Ele
não consegue segurar as piadas. Estamos conversando tranquilamente, às
vezes esqueço que somos adultos. Lipe parece até outra pessoa, será que
está querendo me impressionar? Ele tosse no momento em que Bruno tenta
segurar minha mão, que está sobre a mesa. Me forço a não rir. Está
parecendo um irmão protetor.

Meu coração se aperta. Será que ele... Não, Felipe ia me beijar. Se


me visse com esses olhos, jamais tentaria me beijar. Eu nunca tive tanta
certeza de que ele me queria como naquele momento. Se Bruno não tivesse
chegado, eu teria sentido o gosto de seus lábios mais uma vez. Suspiro ao
me lembrar de que isso não aconteceu.
— Não gostou da sobremesa? — pergunta Bruno.

— Não é isso. — Tenho que arrumar alguma desculpa. E rápido. —


Essa semana foi cansativa.

— Nem me diga. — Bruno baixa os ombros. Seja lá o que tenha


acontecido na loja, deve ter sido grave.

— Quer conversar sobre o que aconteceu?

— Não aqui. Preferia conversar com você a sós. — Seu olhar vai até
Lipe. Só então reparo que ele está nos encarando enquanto come seu
sorvete. Bruno volta sua atenção a mim. — Podemos dar uma volta na
praia. O que acha? A noite está gostosa.

— Ana está cansada e não está usando um calçado apropriado para


uma caminhada noturna. Acho melhor irmos para casa.

Eu preciso conversar com Bruno a sós. Mesmo que Lipe não goste,
e que eu goste menos ainda, terei que dispensá-lo. Coloco um sorriso no
rosto e seguro a mão do meu amigo. É incrível como só um toque em sua
pele me faz tão bem.

— Acho que darei uma voltinha com ele. Não se preocupe, pode ir
pra casa descansar. Amanhã você trabalha, eu não.

Felipe olha para Bruno. Segundos se passam e tenho medo que seja
agora que as coisas saiam de controle.

— Tudo bem, se é assim que quer. — Ele se levanta, pega a carteira


e entrega duas notas de 100 reais a Bruno. — Pra ajudar a pagar a conta. —
Não gosto do seu tom de voz. Ele ficou chateado. Sem olhar para mim,
começa a caminhar rapidamente até a saída.

— Seu amigo é esquentadinho — comenta Bruno.


Eu me levanto.

— Já volto, não quero que ele fique chateado. Não demoro.

Bruno assente. Vou até Felipe e o encontro no lado de fora um


pouco mais a frente do restaurante. Ele está com o celular na mão.

— Não acredito que tenho um carro e uma moto e vim de carona


com vocês. Já estou pedindo um Uber. Não se preocupe, não vou atrapalhar
seu encontro romântico — diz tudo encarando o celular. Eu o pego de sua
mão. — Ana, não é hora pra brincadeira.

— Felipe, eu não estou te dispensando pra ficar com ele — digo


calmamente.

— Não precisa mentir, Ana, sempre fomos sinceros um com o outro.


— Nem tanto, Felipe. — Eu não vou atrapalhar. Só quero ir pra casa. Eu já
entendi, você já escolheu.

Felipe não entendeu foi nada. Ele tenta pegar o celular e desvio. Seu
braço se envolve em minha cintura e ele me pressiona contra a parede. Me
sinto quente só de tê-lo assim tão perto. Será que consegue ouvir as batidas
do meu coração gritando seu nome?
— Lipe... — eu sussurro.

Seus olhos estão nos meus. Sua mão livre segura meu rosto e então
ele me beija.

Sim, Felipe Martins está me beijando mais uma vez e não está
bêbado. Não é efeito de álcool. Seus lábios estão nos meus e nosso beijo é
intenso. E gostoso. Exatamente como me lembrava.
— Vão para um motel — alguém grita ao passar de carro.
Paramos de nos beijar, mas não nos afastamos.

— Dispensa ele, Ana — sussurra com seus lábios próximos aos


meus. — Não quero você com ele. Quero comigo.

Será que morri do coração quando ele me beijou e agora estou no


céu? Isso é tudo o que quero da vida. Balanço a cabeça.

— Eu vou sair pra conversar com ele e explicar tudo. — Coloco o


celular em seu bolso. — Me espera na sua casa. Eu não demoro.

Felipe assente sorrindo e beija minha testa. Com o coração quase


explodindo de felicidade, me afasto dele e volto para dentro do restaurante.
Bruno está no mesmo lugar me esperando pacientemente. Fico feliz por
meu batom ser do que não borra ou estaria parecendo o coringa.

— Está tudo bem? — pergunta ao se levantar.

— Está sim, eu expliquei a ele a situação. — Estou com o coração


apertado por Bruno. Eu vou direto para o inferno. — Podemos ir?

Ele assente e paga a conta. Vamos até seu carro, e assim que
entramos, me viro para ele.

— Podemos conversar em um lugar mais reservado?

— Meu apartamento não é longe daqui. Se não tiver problema para


você. Moro no mesmo prédio que Lucas.

— Sem problema. — Bruno sorri.

Sei que em sua cabeça deve estar se passando uma ideia bem
diferente da realidade.

Não demora para chegarmos em frente ao seu prédio. Ele estaciona


ali mesmo. Ao desembarcar, acabo enroscando o salto na saia do vestido e
caio de bunda no chão. Sinto algo quente e não gosto nada disso. Bruno dá
a volta correndo e me ajuda a levantar. Um cheiro nada agradável se
espalha pelo ar. Toco minha bunda e ao ver do que se trata, quase coloco o
jantar para fora.

— É...? — Bruno aponta para minha mão com uma careta.

— Sim, cocô de cachorro.

Isso só acontece comigo. Como vou encontrar Felipe fedendo a


merda? Poxa, destino, poderia ajudar de vez em quando.

— Querida, mil perdões — uma senhorinha diz, descendo as


escadas. Em uma mão está uma sacola e em seu braço um York Shire.
Como um cachorro tão pequeno consegue fazer toda essa sujeira? — Eu me
esqueci de trazer a sacolinha pra recolher a sujeira, então fui lá dentro pedir
uma ao porteiro. Mil desculpas. — Ela parece realmente envergonhada.

— Tudo bem, dona Vanusa. Ana toma banho lá em casa. Mantenha


a calma, faz pouco tempo que fez a cirurgia do coração.

— Sim, eu ficarei bem. Só preciso de um banho e roupa limpa. —


Deus me livre ela ter um troço por minha causa. — Bruno vai me ajudar.

— Eu posso pagar pelo vestido.

— Não — digo de imediato. — É só lavar. Agora vou indo antes


que impregne e não saia mais. — Sorrio para a senhora, que assente.

Entro no elevador ainda me sentindo envergonhada. Nunca imaginei


que isso aconteceria. Devia ter ido à praia. Bruno abre a porta do
apartamento e me leva diretamente até o banheiro, onde lavo minha mão.

— Vou separar uma camiseta e uma calça de moletom. Também


trarei um chinelo. Sinta-se em casa, Ana.
— Obrigada.

Ele sorri e se retira, e volta logo depois com a muda de roupa.


Quando sai novamente, eu tranco a porta.

Tento abrir o zíper do vestido, mas não consigo. Nem ferrando


chamo Bruno para abrir para mim. Vai que pensa que estou dando brecha.
Que quero pegação debaixo do chuveiro. O único jeito será tirar pela
cabeça. Mas irá sujar todo meu cabelo. Irritada, apoio os braços na pia e
gemo. Deveria ter trazido minha bolsa, mas acabei esquecendo no carro.
Como vou mandar mensagem para Lipe dizendo que irei demorar um
pouco? Espero que tenha paciência e não pense besteira. Vou até o box e
confiro se tem shampoo e condicionador. Felizmente sim, e dos bons.
Voltarei para casa cheirosa. Tiro a sandália, o vestido e em seguida minha
roupa íntima e vou rapidamente para debaixo do chuveiro. Estou fedendo
demais. Esfrego meu cabelo como se não houvesse amanhã. Não quero um
resquício sequer. Já limpa e vestindo roupas de Bruno, saio do banheiro
com o cabelo enrolado na toalha.

Ele está na sala, e se levanta sorrindo quando me vê.

— Não ficou nada mal com minhas roupas.

Sorrio para ele.

— Obrigada. Você tem uma sacola onde possa colocar o vestido?

— Não quer colocar na máquina de lavar enquanto conversamos?


Ela lava e seca.

— O tecido desse vestido é muito delicado. Prefiro lavar à mão, mas


agradeço.
Bruno faz sinal para que espere. Ele sai do cômodo e logo retorna
com uma sacola. Agradeço e vou até o banheiro e coloco a roupa suja. Volto
para a sala e me sento ao seu lado, deixando a sacola no cantinho no chão.

Ele toca meu rosto, e percebo que está tentando me beijar.


Sutilmente me afasto.

— Desculpa, eu pensei... Que vergonha.

— Ei. — Seguro sua mão. — Você é um cara muito legal, Bruno.


Muito mesmo. Mas pedi pra conversar com você pra me abrir, e não nesse
sentido. — Rio, meio sem graça, e ele sorri. Isso ajuda aliviar um pouco o
clima. — Eu gostei de ficar com você aquela noite. Mas meu coração
pertence a outra pessoa. Não quero que perca seu tempo comigo.

— É Felipe? — Assinto. Não tenho por que mentir. — Eu já sabia,


só não queria aceitar. Desde aquela noite, eu percebi que havia algo a mais
entre vocês. Não era só amizade. O jeito que ele ficou com ciúmes, até
mesmo a maneira de te olhar... Mas tudo o que aconteceu hoje foi o divisor
de águas. Eu cheguei a pensar que tinha uma chance. — Ele ri sem jeito.
— Eu aceitei sair com você pra conversar sobre isso. Não imaginei
que ele viria antes e que minha mãe o ajudaria nessa confusão toda. Mas eu
quero que saiba que eu quero muito ser sua amiga, se você quiser. Afinal,
nossos melhores amigos estão ficando. Querendo ou não, iremos nos
esbarrar por aí. — Olho em seus olhos. Quero que veja que estou sendo
sincera. — Eu não quero que fique um clima estranho entre nós. E espero
de todo coração que encontre alguém especial, assim como você.

— Obrigado por ser sincera comigo. — Bruno beija minha


bochecha. — Eu me fiz de cego. A culpa não foi sua. É que seu jeito me
conquistou e eu tinha que arriscar. Mas tudo bem ser apenas seu amigo.
Eu o abraço.

— Obrigada por me entender. — Nos afastamos sorrindo. — Quer


falar sobre o problema na loja?

— Não, só usei aquilo como desculpa pra ficarmos sozinhos. Você


deve estar com saudade dele. — E eu realmente estou. — Quer que te leve
pra casa?

— Se não for problema pra você.

— Problema algum. Vamos. — Ele se levanta e faço o mesmo.

Não demora para estarmos em frente a casa de Lipe. Me despeço de


Bruno com um beijo no rosto.

— Espero que ele lhe faça feliz — é o que diz antes de dar a partida
e sumir na estrada.

Eu sei que fará. Se Lipe já me faz feliz sendo meu amigo, imagina
sendo meu namorado? Será que ele irá me pedir em namoro? Sinto meu
coração acelerar. Com a sacola e a sandália em mãos, vou até sua casa. Bato
à porta e não demora para abrir. Ele está sério.

— O que foi? — Toco sua testa franzida. — Por que essa carranca?
— Lipe se vira e entra na casa. Fecho a porta e o sigo até o sofá. Ele se joga
nele e me olha dos pés a cabeça. Ele está pensando... — Pode tirar essa
ideia da sua cabeça.
— Tem que concordar comigo que é estranho você demorar na casa
de um cara e ainda voltar de banho tomado e com as roupas dele.
Não acredito que ele está me dizendo isso. Jogo a sacola com o
vestido nele.
— Eu caí de bunda em cima de um cocô. Queria que voltasse
fedendo pra casa? Aí está o vestido sujo. — Meu coração se aperta. — Você
acha que eu beijaria você e minutos depois iria transar com outro? — Sinto
meus olhos arderem. — E pior... Que depois disso ainda viria bater na sua
porta? Acha que sou o quê? Uma garota da vida?
Seu olhar muda. Ele parece envergonhado.

Mas agora já é tarde demais.

Me viro e caminho até a porta. Seguro a maçaneta. Seus braços me


envolvem. Eu quero afastá-lo, mas não consigo. Eu quero que me abrace.

— Me perdoa, eu fiquei com muito ciúme. — Lágrimas rolam em


meu rosto. Felipe me vira para ele e seus polegares as secam. — Eu sei que
não é assim, Ana. Eu estou sentindo coisas novas e isso me deixa confuso.
Eu nunca me senti inseguro, mas agora me sinto, pois acho você uma
mulher incrível. Te acho demais até pra mim.
— Você me magoou — digo baixinho.

Felipe me aperta em seus braços.


— Eu sinto muito. — Ele beija minha testa. Suas mãos seguram
meu rosto e ele me olha nos olhos. — Estou muito envergonhado. Não
raciocinei direito. Dou minha palavra que isso nunca mais vai acontecer. Eu
só preciso que tenha paciência comigo, Ana. Sempre fui adepto ao pego e
não me apego. Você é a única que me deixa sem saber como agir. Esse
Felipe que está aqui na sua frente é uma versão totalmente nova. Estou
aprendendo a lidar com ele. Eu quero você, Ana. Quero você só pra mim. E,
principalmente, quero ser merecedor de ter você ao meu lado.
Eu sei que sou vulnerável a Felipe. Sempre soube. Ouvi-lo dizer
essas palavras me enche de felicidade, pois é isso que quero, é com isso que
sonho há anos. Quero ser de Felipe, quero que ele seja meu. Eu só não
quero que volte a pensar aquilo de mim. Felipe sabe como sou, sabe que
não saio ficando com qualquer um, me deitando em qualquer cama. Ele
ainda me mantém em seus braços. Estamos em silêncio já faz alguns
segundos.

— Ana, por favor, me perdoa. — Sua voz carregada de dor me


aperta o peito.

— Promete pra mim nunca mais falar ou pensar algo daquele tipo?

Ele se afasta balançando a cabeça. Segurando minha mão, me leva


até o sofá e nos sentamos. Felipe me puxa para seus braços e deito minha
cabeça em seu peito.
— Lembra que temos que ficar meia hora abraçados — ele diz, e eu
rio. — Nem perguntei como está se sentindo em relação ao seu pai.

— Depois da conversa que tivemos, estou melhor. Também


conversei com Bia. Vocês me ajudaram muito, como sempre.

— Fico feliz em saber disso. — Felipe entrelaça nossos dedos.

Fico encarando a cena sem acreditar que isso enfim está


acontecendo. Não é um sonho, nem uma fantasia da minha cabeça.

— Como serão as coisas entre nós a partir de agora?

— Eu topo o que você quiser.

Levanto meu rosto e olho para ele sorrindo. Sua mão acaricia minha
bochecha.

Apesar do que aconteceu minutos atrás, eu queria era levá-lo agora


mesmo para um cartório e adicionar seu sobrenome ao meu. Volto a me
sentar e cruzo as pernas. Mesmo querendo ser sua namorada logo, acho que
podemos ir com calma. Felipe nunca namorou sério, e darei o tempo de se
acostumar. Eu esperei anos por isso, não quero que nada estrague nosso
momento.

— Podemos começar devagar. Vamos ficar.

— Ficar — ele repete, balançando a cabeça. — Podemos começar


assim.

— E se tudo der certo — tenho fé que dará; fomos feitos um para o


outro —, você me pede em namoro. Tem que ser um pedido especial. —
Sorrindo, Felipe assente. — E com o tempo de relacionamento, me pedirá
em noivado, e então em casamento. Aí nos casaremos na praia cheia de
girassóis e passaremos nossa lua de mel em um lugar bem bonito. E
também teremos dois filhos, um menino e uma menina. Não precisa ser
necessariamente nessa ordem.

Felipe ri e esse som me aquece o coração. Gosto de vê-lo assim e


não com aquela cara azeda.

— Você já planejou a nossa vida toda? — Assinto. — Parece muito


bom pra mim.

— Mas — levanto meu dedo indicador — você não poderá ficar


com mais ninguém. Apesar de não ser um compromisso formal, ainda,
seremos exclusivos um do outro. Chega de pego e não me apego. Agora
você vai me pegar e se apegar também.

— Totalmente de acordo. — Ele balança as sobrancelhas. Seus


dedos percorrem a lateral do meu braço direito, me deixando arrepiada. —
Sabia que já faz uns dias que não fico com ninguém?

— Vai me dizer que não pegou ninguém durante a viagem?

— Ninguém. Nem um simples beijo.

— Não consigo acreditar. Você não pode ver uma mulher bonita.

— É sério, Ana. — Sua mão segura a minha e Lipe a acaricia com o


polegar. — Podemos até adicionar mais uma coisa a nossa lista.

— O que seria?

— Nenhuma outra garota subiu na garupa da minha moto. Você foi


a única. — Lipe se aproxima e me dá um selinho demorado. — Eu não
conseguia parar de pensar em você. — É tão bom ouvi-lo confessar isso. —
Toda vez que tentava chegar em alguma mulher pra te tirar da minha
cabeça, nem que fosse por alguns minutos, não conseguia. Gaguejava,
achava algum defeito mesmo que superficial... A maioria era coisa da
minha cabeça. Vou te dar um exemplo: na quarta-feira fui a um barzinho
depois do trabalho e não fiquei com uma garota porque não gostava do jeito
como ela falava meu nome. — Não consigo conter o riso. — Isso, ria da
minha cara.

— Desculpa, mas não tem como. Ela tinha sotaque de algum lugar
ou coisa assim?

— Na verdade nem lembro. — Dá de ombros. — Acho que meu


subconsciente só fazia isso pra ter uma desculpa. Nenhuma delas tinha esse
sorriso que me faz sorrir, nem esses olhos que brilham sempre que come um
sorvete ou ganha um chocolate. — Lipe me conhece melhor que qualquer
pessoa. Seu polegar toca meu lábio inferior. — E muito menos esses lábios
vermelhos que gritam “me beija” sempre que o olho. Resumindo: nenhuma
delas era você.

Sem pensar em mais nada, me ajoelho sobre o sofá e o beijo.


Segurando em minha cintura, Felipe me coloca em seu colo com uma perna
de cada lado. Me sinto ferver em seus braços. Sou como um vulcão prestes
a entrar em erupção. Meus braços se envolvem em seu pescoço e suas mãos
tocam minhas costas por dentro da camisa. Seus lábios descem até meu
pescoço enquanto meus dedos sentem a maciez de seus cabelos. O cheiro
gostoso de seu shampoo se espalha no ar. Estou ofegante e com o coração
batendo rápido demais.

— Sabe o que precisamos? — pergunta com a voz rouca próximo ao


meu ouvido.
— Fazer amor agora mesmo? — Não reconheço minha própria voz.
Ouvi-lo rir em meu ouvido é tão gostoso quanto seus beijos.
— Isso também, mas eu ia dizer para nos livrar dessas roupas. —
Felipe morde a ponta da minha orelha e arfo. — Você pode usar as minhas
se quiser. Ou pode ficar sem nada enquanto estiver aqui em casa. Você
escolhe, docinho. Se puder votar, eu prefiro a segunda opção.

Me abaixo e beijo de seu pescoço até seu ouvido. Lipe força a


cabeça no sofá e suas mãos apertam minha cintura. É bom saber que gosta
de beijos no pescoço, parece que achei seu ponto fraco.

— Acho que a segunda opção parece uma boa. — Felipe sorri. Ele
segura a bainha da camisa e levanto os braços. Seu olhar percorre cada
pedacinho de pele que agora está à mostra.

— Você é tão linda.

— Não é como se nunca houvesse me visto de biquíni na praia.

— Agora é diferente. — As pontas de seus dedos deslizam entre


meus seios e tocam a renda do sutiã. — Tenho vontade de ficar aqui parado
te admirando. — Sua mão desce por minha barriga e começa a subir por
minhas costas. Felipe cola seu peito no meu e sentir sua respiração em meu
ouvido me faz fechar os olhos. Eu quero que isso nunca acabe. — Mas te
tocar tenho certeza que será ainda mais prazeroso. – Em um único
movimento de seus dedos, ele abre o fecho do sutiã.

Estou nervosa. É como se fosse nossa primeira vez de novo. Ele não
se lembra, acha que foi um simples sonho. Aquela noite foi muito boa, mas
agora, pensando bem, não sei se fiz o certo deixando as coisas saírem de
controle. Mesmo sabendo que tinha uma pequena chance de ele não se
lembrar, eu me deixei levar pelo desejo. Eu realmente acreditei que a
porcentagem de álcool em seu sangue não estava tão alta. Que ele se
lembraria. Se fosse o contrário, eu ficaria muito magoada se ele não me
dissesse que algo rolou entre nós. E prometi a mim mesma que contaria a
Felipe quando retornasse. Só não imaginei que tudo isso iria acontecer.
Estou sentindo algo apertar meu peito. Eu queria que essa fosse mesmo a
nossa primeira vez.

— Lipe, eu tenho que te contar uma coisa... — Seu dedo encosta em


meus lábios, me calando.

— Depois, Ana. — Beija meus lábios com carinho e sorri. —


Depois podemos conversar sobre o que você quiser.

— Mas é uma coisa importante.

— Eu prometo que conversaremos depois. Só me deixe continuar,


eu não aguento esperar mais. Preciso de você nesse exato momento.

Assinto.

Com todo cuidado, Felipe abaixa uma alça do sutiã e beija meu
ombro e então faz o mesmo do outro lado. Ele retira a peça e a coloca ao
seu lado no sofá. Lipe me olha como se eu fosse uma verdadeira obra
prima. Aquela noite foi boa, mas esse momento está sendo mil vezes
melhor. Nunca imaginei que ele seria assim tão calmo e paciente. Ele está
aproveitando o momento. Suas mãos seguram minha cintura e vão subindo
lentamente, deixando meu corpo ainda mais quente. Elas seguram meus
seios. Lipe encosta a testa na minha. Estamos os dois respirando
pesadamente.

— Você terá minhas digitais marcadas em seu corpo, docinho. A


partir de agora você será somente minha. — Felipe morde levemente meu
lábio inferior. — Ana será somente de Felipe — sussurra contra meus
lábios.

— Lipe.
— Sim, docinho.

Meu Deus do céu, como eu adoro ouvir sua voz nesse tom.

— Eu preciso de você. Preciso que me toque, que me beije e que me


ame.

Uma de suas mãos segura meu rosto. Estamos olhando


profundamente nos olhos um do outro. Amo esse azul. Os olhos de Felipe
são meu pedacinho do céu.

— Você terá tudo o que quiser de mim, Ana. Tudo. — E para firmar
essa promessa, ele me beija intensamente.
Ainda nos beijando, Felipe se levanta e me deita sobre o sofá,
ficando por cima de mim. Sentir sua ereção em minha barriga me faz querer
suplicar a ele que tire o restante de nossas roupas e me tome mais uma vez.
Ele se ajoelha e tira sua camisa. Minhas mãos tocam seu abdômen. Sorrio
ao saber que tudo isso agora é meu. Posso encarar, tocar e fazer tudo o que
sempre sonhei.

— Eu sei que você gosta — ele diz com um sorriso travesso. Felipe
volta a ficar sobre mim, se apoiando nos cotovelos. — Já perdi a conta de
quantas vezes já te vi encarando meu peito.

— Não sei do que está falando. — Me faço de desentendida.

— Você sabe, Ana. Pode ter certeza que sabe. —


Seus lábios estão em meu pescoço enquanto sua mão percorre meu corpo.
Quando ela se encaixa por dentro da calcinha, suspiro alto. Seus dedos se
movimentam suavemente em círculo. — Você gosta assim, docinho? Quero
que nossa primeira vez seja inesquecível. Então me diga se gosta ou se quer
que eu faça diferente, ok? – Assinto sentindo uma pontadinha no peito por
saber que ele realmente acha que essa é nossa primeira vez. — Você não
respondeu minha pergunta. Está bom assim?

— Está. — É a única palavra que sai da minha boca.

Felipe me beija com vontade. É tudo tão intenso. Seus lábios vão
descendo até meus seios. Nesse momento meu quadril já se move no ritmo
de seus dedos. Fecho os olhos e aperto seus braços quando sinto que estou
perto. Me sinto frustrada quando seu movimento para. Encaro Felipe sem
entender. Ele volta a se ajoelhar na minha frente.
— Não quero que a primeira vez que goze pra mim seja em meus
dedos. — Segurando com uma mão de cada lado no cós da calça de
moletom, ele começa a tirá-la junto com a calcinha. Levanto minha cintura
e logo estou como cheguei ao mundo. Me sinto um pouco constrangida
quando ele segura minha perna e a coloca sobre o encosto do sofá. Estou
totalmente exposta a Felipe. — Você está vermelha. Não precisa ter
vergonha de mim. Lembre-se quem eu sou. — Ele começa a espalhar beijos
por minha coxa. Ao parar bem entre minhas pernas, ele me olha sorrindo. É
como se ele estivesse prestes a experimentar algo que já queria há muito
tempo. — Relaxa e aproveita Ana.

Forço a cabeça para trás ao sentir sua língua me invadir. Seu dedo
se junta a seus lábios e sua língua. Cada vez mais meus gemidos se
intensificam e ele parece gostar, pois toda vez que os ouve fecha os olhos
como se estivesse ouvindo a melhor melodia do mundo. Aperto o estofado e
espasmos tomam meu corpo. Felipe sobe beijando cada pedacinho de pele.

— Teremos que ir para o quarto docinho. Minha carteira está lá. —


Lipe me dá um selinho e se levanta. — Não podemos arriscar. Nossos filhos
terão que esperar alguns anos. — Sorrio para ele e assinto. Me sento e pego
a camisa de Bruno, mas no mesmo instante Lipe a tira da minha mão e me
entrega a dele. Assim que a visto, ele me pega em seus braços como se
fosse uma noiva e começa a caminhar em direção ao seu quarto. Ao chegar
lá, me coloca sentada na cama e tira a camisa que acabei de vestir. —
Vamos terminar o que começamos. Você é linda demais pra ficar coberta.

Ele se livra do restante das roupas, segura meu rosto e me deita


sobre a cama enquanto me beija. Lipe pega a camisinha na carteira e a
veste. A sensação de tê-lo me preenchendo novamente é tão boa. Sua mão
me toca enquanto nos movemos no mesmo ritmo. Eu queria tanto dizer a
ele que o amo. Mas preciso ir com calma. O jeito que me beija é tão intenso
e ao mesmo tempo carinhoso, não sei como faz isso. Só sei que é bom
demais.

— Tão maravilhosa — sussurra em meu ouvido. — Minha Ana.


Minha linda e perfeita Ana. — Ele está olhando em meus olhos. Nesse
momento somos um.

Felipe e Ana enfim são um casal.


Será que estou sonhando? Eu espero que não. Nesse momento
estamos deitados de conchinha. Sua mão está em meus cabelos. Seus dedos
se movimentam suavemente em um cafuné gostoso. Fecho meus olhos e
sorrio.

— Você está feliz? — pergunta em um sussurro próximo ao meu


ouvido.

Felipe não tem noção de como me deixa quando faz isso. Todos os
pelos do meu corpo estão arrepiados.
— Sim. Estou muito feliz.

— Foi o que imaginei. — Beija meu ombro. — Que mulher não


ficaria feliz estando com um deus grego como eu?

Rindo, me viro para ele. Felipe está sorrindo, aquele sorriso


convencido; o sorriso de quem sabe que realmente é uma tentação
ambulante.

— Estamos nós três na cama agora, senhor Felipe Martins? — Ele


arqueia a sobrancelha e me olha confuso. — Eu, você e o seu ego —
explico.

— Muito engraçadinha. — Sua mão vai até minha bunda, e ele a


aperta forte. O gemido que era pra ser de dor saiu exatamente o contrário.
Levo a mão à boca, não acreditando que gemi desse jeito por causa de um
aperto em minha bunda. — Para, Ana. — Ele segura meu pulso e leva
minha mão até seu rosto. — Não deve se envergonhar de nada. Você
gostou, só isso. — Segurando meu rosto, ele me beija. Um beijo calmo e
suave. Felipe afasta nossos lábios e encosta sua testa na minha. — Acha que
é cedo demais pra dizer que já amo seus gemidos? — Sinto minhas
bochechas queimarem. Seu polegar acaricia minha pele. — E essas
bochechas rosadas me fascinam.

Eu o abraço e forço minha cabeça em seu peito.

— Estou ficando com vergonha — sussurro.

— Terá que se acostumar. Agora você tem a mim pra te elogiar, pra
te fazer sentir coisas que sei que não havia sentido antes.

— Você é tão convencido. — Me afasto de seu peito pra conseguir


ver seu rosto. — Como sabe que me faz sentir coisas que nunca senti antes?

Felipe aproxima seu rosto do meu. Ele olha profundamente em meus


olhos, e então morde sensualmente meu lábio inferior, me arrancando um
suspiro.

— Algum outro homem já te deixou assim? — Seus dedos


começam a subir por minhas costas e meu corpo todo se arrepia no mesmo
instante. Eu sei que não tenho mais controle de nada. — Seu corpo
corresponde ao meu toque, docinho, e isso é muito bom. — Seus dedos
agora deslizam por minha barriga. Com a ponta do indicador, Lipe circula
meu mamilo. Mordo meu lábio inferior. Esse homem com certeza sabe o
que faz. — Pode dizer a verdade, Ana.

— Se eu disser o que quer ouvir, seu ego não caberá nessa cama. —
Nem minha voz quer sair direito. Ele sorri, com certeza está satisfeito em
como me deixou com um simples toque.

— Essa já é minha resposta. — Beija meus lábios. — O que acha


de fazermos uma nova lista?

— Como assim?

— Uma lista de coisas que você quer fazer. Coisas que tem vontade
e nunca fez.
— Está se referindo a sexo? — Pensar nisso me deixa
envergonhada.

— Também, com você eu topo fazer qualquer coisa. Até aqueles


negócios de casais.

Me apoio no cotovelo. Quero olhar bem em seus olhos.

— Cinema, jantar, caminhar na praia de mãos dadas e tudo mais? —


Não consigo conter a empolgação. Eu quero fazer tudo ao seu lado. Não
mais como melhores amigos e sim um casal.

— Sim, farei tudo isso se você quiser. — Sua mão segura meu rosto.
— Me conte quais são suas fantasias, Ana. Fiquei curioso.

Desvio o olhar. Nunca falei sobre isso com ninguém.

— Eu tenho vergonha.
— Docinho, você precisa perder essa vergonha. — Lipe segura meu
queixo, me fazendo encará-lo. — Sou eu, o homem que cresceu ao seu lado,
que te conhece como a palma de sua mão. Eu quero ser tudo o que você
merece, em todos os sentidos. Pode me dizer, não importa o que seja.

— E se eu disser algo e você rir?

— Eu não vou. Dou minha palavra. — Me viro de barriga para


cima. Parece que ele entende, pois faz o mesmo. Sua mão segura a minha e
Lipe entrelaça nossos dedos. — Só não vale sexo a três. Não quero ninguém
te tocando além de mim.

— Eu não tenho essa fantasia, pode ficar tranquilo. — Estou me


sentindo nervosa. E se ele não cumprir a promessa e rir da minha cara? Se
as minhas fantasias forem coisas bobas? Tenho que ter coragem. — Acho
que ao ar livre seria o primeiro.

— Então o primeiro é ao ar livre — ele repete, como se isso o


ajudasse a gravar a informação na mente. — E o segundo?

— Com certeza seria um strip-tease. E tem que estar de terno todo


arrumadinho. — Felipe me olha e vejo a confusão estampada no rosto. —
Você fica gostoso de terno. E são raras as vezes que usa.

— Eu fico gostoso de qualquer jeito. Pelado, então... Mato uma do


coração. — Rio. Não tenho como discordar dessa informação. — Eu farei
pra você, mas terá que fazer um pra mim também. — Já me arrependi.
Felipe me olha e sorri. — Não precisa de uma fantasia, somente uma bela
lingerie vermelha.
— Por você eu posso tentar. Mas saiba que nunca fiz antes. — Sou
sincera. — Comparada a você e Bia, sou praticamente uma virgem.
— Então sou o pecador que vai te levar pro mau caminho? — Sua
voz muda de tom. Gosto quando fica rouca assim.

— Com certeza você é. — Felipe me olha com um sorrisinho de


lado. Fico mole quando sorri assim para mim. Em um movimento rápido,
ele sobe em cima de mim. — O que está fazendo?

Felipe segura minha mão direita e leva até sua ereção. Nem consigo
acreditar que tudo isso é só meu a partir de hoje. Com sua mão segurando a
minha, ele começa a subir e descer. Sem parar o movimento, ele se
aproxima do meu ouvido e diz:

— Estou sendo o pecador indecente que irá tirar toda a sua pureza.

— Meu Deus, Felipe — gemo essas palavras quando morde minha


orelha. O som de seu riso me faz fechar os olhos sorrindo. Sua cintura se
movimenta para frente e para trás enquanto continuo o segurando com
firmeza. — Precisamos de outra camisinha.

— Ainda não — responde em um sussurro.

Olho em seus olhos.

— Mas eu quero. — Pareço uma criança pedindo o doce que tanto


deseja.

— Paciência, minha Ana. — Felipe toma meus lábios em um beijo


intenso e isso me deixa ainda mais sedenta em tê-lo dentro de mim. —
Coloque as duas mãos acima da cabeça — diz ao afastar centímetros de
nossos lábios. Faço o que pede. Felipe as segura com uma mão. Estremeço
ao sentir só a cabecinha estimular meu clitóris. Ele está deslizando com
tanta facilidade. — Olha pra mim, Ana. — Ver o desejo transbordar daquele
lago azul é ainda mais prazeroso. Felipe intensifica o movimento e minha
respiração segue o ritmo. — Está gostoso assim? — Assinto. — Quer que
pare pra poder colocar a camisinha?
— Não — respondo rapidamente. — Só continua assim.

Com um sorriso safado, ele assente. Fecho meus olhos ao sentir todo
o meu corpo ser tomado pelo prazer. Seu nome sai baixinho de minha boca.
Felipe para e solta minhas mãos. Ele se apoia na cama e me beija. Sinto-o
pulsar contra minha barriga e logo o líquido quente se derramar sobre ela.
Estamos ofegantes olhando nos olhos um do outro.

— Você me sujou toda — digo e sorrio.

— É só uma desculpa pra poder levar você para o banheiro. — Ele


beija a ponta do meu nariz e se levanta. Felipe me pega em seus braços e
começa a caminhar, e deito minha cabeça em seu peito. Agora eu sei que
não serei mais uma “virgem”.

Estou na cozinha preparando um sanduíche. O dia já amanheceu.


Não imaginei que fazer sexo várias vezes daria tanta fome desse jeito. Até
tentei deixar para comer depois, mas minha barriga está roncando tanto que
tive medo de acordar Felipe. Sorrio ao me lembrar de tudo o que fizemos
essa noite. Foi tão perfeita. Quando enviei mensagem para minha mãe
avisando que não iria dormir em casa, ela disse que já imaginava isso.

Com meu lanche pronto, caminho até o sofá. Enquanto como, penso
em nossa primeira noite juntos. Eu preciso contar a Felipe, dizer que essa
não foi nossa primeira vez. Irei pedir desculpas. Ele estava bêbado e eu não
deveria ter deixado as coisas saírem do controle. Sei que se dissesse para
ele parar, aquela noite, ele teria se segurado. Me assusto ao sentir um beijo
em meu pescoço.

— Não queria te assustar. — Ele pula sobre o sofá e se senta ao meu


lado. Quase me engasgo com a cena.

— Pensei que teria colocado uma cueca.

Felipe morde meu sanduíche e se encosta no sofá com as mãos atrás


da cabeça.

— Gosto de ficar pelado. E não tenho do que me envergonhar. —


Ele sorri de um jeito travesso. — Pra ver como já temos intimidade. Está
me vendo andar por aí de pau mole.
Rio.

— Você é impossível!
Ele dá de ombros rindo.

— Isso também é coisa de casal. — Seu comentário me faz abrir um


grande sorriso. Ele se inclina para frente e morde meu sanduíche mais uma
vez. — Isso está muito bom. Sabe que amo sua comida. Tudo o que faz é
gostoso. — Sinto malícia em sua voz e isso me envergonha um pouco. —
Ana. — Eu amo ouvi-lo dizer meu nome. Sua mão toca meu rosto com
delicadeza. — Já falei que você é muito linda? Nem acredito que agora é só
minha. Ana é de Felipe. — Ele aproxima seu rosto do meu e, me olhando
nos olhos, diz: — E Felipe é só de Ana. — Seus lábios estão a poucos
centímetros dos meus. Ao ouvir seu celular despertar, toda a felicidade se
vai. Lipe me dá um selinho rápido e geme. — Preciso tomar um banho e
me arrumar pra trabalhar. — Ele beija meus lábios e se levanta.
— Quer que eu prepare um sanduíche pra comer antes de sair? —
pergunto antes que saia da sala.

— Se não for incômodo pra você, eu aceito, docinho.

Assinto. Fico encarando Felipe subir as escadas. Até sua bundinha


branca é perfeita. Me deito no sofá com um grande sorriso estampado em
meu rosto. Eu devo estar vivendo em algum dos meus sonhos. Me levanto e
sigo para a cozinha. Preparo o melhor sanduíche da minha vida. Não
demora para Lipe entrar todo arrumado. O cheiro de seu perfume cítrico se
espalha pelo cômodo. Ele se senta à mesa, e eu empurro o prato em sua
direção. Sorrindo, ele começa a comer.
— Quer suco? — pergunto. Ele assente. Pego a caixinha na
geladeira, encho um copo, vou até ele e lhe entrego. Lipe coloca o copo ao
lado do prato e afasta um pouco sua cadeira. Ele segura minha cintura e me
faz sentar em seu colo. — Está gostoso?

— Perfeito, assim como você. — Ele me dá um selinho com a boca


suja de maionese. Toco meus lábios e começo a limpar a sujeira que deixou.
— Por Deus, Ana. Não faça isso.

— Não faça o quê? — pergunto, me sentindo confusa.

— Não limpe seus lábios desse jeito sensual.

— Não estou fazendo nada sensual. Só estou me limpando.

Lipe balança a cabeça.

— Pra mim, não. Cada gesto seu me faz pensar várias besteiras. —
Ele aproxima seu rosto do meu e a ponta de sua língua toca o canto
esquerdo da minha boca. Meu coração dispara. Fecho os meus olhos por um
breve momento. Quando os abro, ele está sorrindo. Não sei se amo ou se
odeio esse poder que tem sobre mim. Talvez as duas coisas. — Ainda
estava sujo. Agora está limpinha.

— Temos tempo antes de ir?

Rindo ele balança a cabeça.


— Infelizmente, não. — Lipe beija meu ombro. — Não gosto de
chegar atrasado.

— Eu sei da sua incrível pontualidade. — Beijo a ponta de seu


nariz. — Vou sentir sua falta.
— Eu também vou. Mas prometo que ficaremos o restante do fim de
semana juntinhos quando chegar. Agora preciso escovar meus dentes e
partir.

Me levanto de seu colo.


Quando ele já está pronto, o acompanho até a porta. Estamos
parecendo marido e mulher. Ele está saindo cedo para trabalhar enquanto eu
vou ficar aqui na sua casa vestida com sua camisa.

— Até mais tarde, docinho. — Me beija. — Sabe que pode ficar à


vontade, né?

— Eu sei. Até mais tarde. E quando chegar, podemos conversar


sobre aquele assunto que mencionei ontem?
— Conversaremos sobre o que você quiser.

Lipe me dá um último beijo e se vai. Fecho a porta e me encosto


nela. Não sei como irá reagir ao saber que tudo aquilo não foi sonho. Mas
eu preciso contar a ele. Não posso guardar esse segredo por mais tempo.
— Então vocês dois...? — Bia faz um gesto obsceno com a mão.
Não consigo segurar o riso.

— Sim, nós fizemos. — Me jogo para trás e suspiro enquanto sorrio.


— Felipe é incrivelmente perfeito!

— Vocês usaram camisinha? — Ela leva as mãos à cintura.

Apesar de sempre sair pegando geral, nisso ela e Felipe são


parecidos. Ambos se preocupam com proteção.

— Sim, senhora. — Só não nos protegemos aquela noite. Não tive


coragem de contar a Bia. Quero conversar com Felipe primeiro. Esse é o
único segredo que ainda não compartilhei com nenhum dos dois. — Para o
seu conhecimento, Felipe tem um estoque imenso de camisinhas. — Eu só
não gosto de pensar em quantas mulheres já passaram por sua cama. Mas a
partir de agora, será diferente. Estamos juntos e eu serei a única a frequentar
aquela casa, a única a fazer amor com Felipe em cada canto.

— Ana, você está me ouvindo? — Bia cutuca minha costela, me


fazendo rir. Ela sabe muito bem que tenho cócegas. — Eu pensei que agora
que enfim está com Felipe iria parar com essa mania de ficar perdida em
pensamentos. — Ela se deita ao meu lado. — Eu estava dizendo que... —
Bia hesita.

— Que...? — a incentivo a continuar.

— Acho que estou apaixonada por Lucas — diz tudo de uma vez.
Quase não entendo.

— Você já se apaixonou muitas vezes, e essas paixões duram no


máximo duas semanas. Por que agora você hesitou em me contar? — Me
apoio no cotovelo para conseguir ver bem seu rosto.

— Não sei, quer dizer, eu sinto que com ele é diferente.

— Diferente, tipo, você pensa nele quando acorda e também antes


de dormir? Ou quando está com ele sente que seu mundo fica ainda mais
colorido? Ou melhor... Quando está sem ele sente que falta um pedacinho
de você? — Seus olhos se arregalam. Bia se senta e me encara. — A
resposta é sim para todas as perguntas, não é?
— Eu... Eu estou... — ela gagueja.

— Você está aman... — Gesticulo com a mão para que termine a


frase.

— Não direi isso. — Ela se levanta emburrada. Beatriz para em


frente ao espelho e começa a mexer no cabelo. — Amor deixa as pessoas
muito vulneráveis. Eu estou apaixonada, só isso! — Não sei se está
tentando me convencer ou se convencer disso. Me sento na cama e a encaro
no espelho. — É um fogo no rabo que logo irá passar.

Eu rio e Bia me olha com as sobrancelhas franzidas.

— É engraçado ver uma garota como você que cresceu em uma boa
família falando esse tipo de coisa.
Sorrindo Bia vem até a cama e se senta ao meu lado.

— Vamos deixar claro que não estou ama... Aquela palavra com
“A”.

— Eu não acredito, mas... — Dou de ombros.

— Vamos voltar ao assunto principal. Você e Felipe agora estão


namorando? — Bia faz um gesto com a mão, me pedindo para virar e assim
faço. Logo ela está fazendo tranças em meu cabelo. Ela tem essa mania
quando está nervosa ou ansiosa.

— Na verdade eu decidi ir com calma. Felipe nunca namorou, não


quero assustá-lo. — Se bem que falei demais e contei os planos que já tenho
para nossas vidas. Já foi.

— Então estão em um relacionamento aberto? Você pode ficar com


outros carinhas?

— Claro que não. — Nos viramos para a porta. E lá está meu


gatinho. Me levanto rapidamente e Bia resmunga por não conseguir
finalizar o penteado. — Oi, docinho — diz ao envolver os braços em minha
cintura. Eu faço o mesmo. Seu nariz toca o meu. Aperto Felipe em meus
braços. — Eu sei que sentiu minha falta.
— Ana, como consegue ficar com um cara que deve passar horas
em frente ao espelho se admirando? Você beija seu reflexo? Tem cara de
que beija. — Bia cai na gargalhada. Me forço a não rir.

— Muito engraçadinha. — Felipe força um sorriso. Bia para na


nossa frente e cruza os braços. — Você tem muita sorte de ter essa mulher
ao seu lado. — Ela aponta para mim. — Nós somos amigos, mas nada me
impede de cortar seu pau fora se machucá-la. — Bia faz um movimento de
tesoura com os dedos.

— Precisará de uma tesoura de poda, aquelas bem grande.

Bia e eu reviramos os olhos.

— Agora vou indo, não quero ficar de vela. E ele beija sim. Se
duvidar rola até beijo de língua. — Ela acena e se vai.

Minha mente fértil está imaginando a cena. Até consigo ver Felipe
sem camisa flexionando os braços como aqueles caras de competição de
musculação. Ou com o rosto colado no espelho beijando seu reflexo. Dessa
vez não consigo segurar o riso.

— Do que a senhorita está rindo?

— Nada. — Mordo meu lábio inferior.

— Ana, você sabe que te conheço muito bem. Se não me disser, irei
fazer cócegas em você. — Suas mãos sobem até minha costela.

— Não se atreva, Felipe Martins. — Seus olhos azuis brilham como


se eu o tivesse desafiado. Em um movimento inesperado, Felipe me levanta
e me carrega até a cama. Ele fica sobre mim. Meu corpo já desperta só com
essa aproximação. Seu rosto se aproxima do meu tão lentamente. Fecho
meus olhos e me preparo para receber seu beijo. Mas o que sinto são seus
dedos me fazendo cócegas. — Para com isso — digo em meio ao riso, mas
ele simplesmente me ignora. — Para, por favor.
— Diga a frase mágica. — Não acredito que vai me fazer dizer
aquela bobagem mais uma vez. — Diga, Ana.

— Por favor, tenha piedade, todo poderoso Felipe Martins. — Ele


para sorrindo. Suas mãos agora estão apoiadas uma de cada lado da minha
cabeça. — Sabe que eu odeio falar essa frase idiota. — Cruzo meus braços.

— Está brava?

— Estou!

Seu rosto se aproxima do meu.

— Muito brava? — Sua voz agora não passa de um sussurro. Seus


lábios vão até meu pescoço e Felipe espalha vários beijos. Me forço a não
ceder, mesmo querendo muito. — Isso te deixa mais calma? — Balanço a
cabeça negando. — E isso? — Com sua testa colada na minha, ele move a
cintura e consigo sentir sua ereção roçar entre minhas pernas. — Lembra o
tanto de prazer que ele te deu essa noite? Quantas vezes disse pra mim que
estava gostoso?

Não vou gemer. Fecho meus punhos com força. Controle, Ana.

— Isso é golpe baixo. — Minha voz já está diferente.

Felipe sorri satisfeito com sua vitória.

— Quer gozar mais uma vez, Ana? — Felipe se aproxima do meu


ouvido e com uma voz capaz de me fazer subir pelas paredes diz: — Na
minha boca, nos meus dedos ou no meu pau?

— Ana, já cheguei! — A voz de minha mãe vem do corredor. Felipe


me olha assustado. Nos sentamos rapidamente na cama. Ele pega algumas
revistas de moda que Bia deixou espalhadas e coloca sobre seu colo para
disfarçar o volume. — Trouxe pãezinhos fresquinhos. — Minha mãe entra
no quarto. Ela olha para nós dois. — Oi, Felipe.
— Tudo bem, Carla? — Ele abre um grande sorriso. Felipe não
consegue disfarçar a cara de quem estava aprontando.

— Comigo está tudo ótimo e percebo que com vocês também. —


Ela sorri. Momento constrangedor. — Vou esperar lá em baixo pra
tomarmos um café juntos, não demorem.

— Não vamos — digo assim que se vira. — Você não sabe


disfarçar. — Dou um tapinha em seu braço e Felipe ri.

— É porque não viu a sua cara de quem quer transar.

— Nem sabe o que está falando. — Me levanto rindo.

— Sei sim. É uma cara de quem quer gritar: Felipe, por favor, tire
minha roupa. — Rindo ele se levanta e me abraça por trás. — Mais tarde
continuamos. — Beija meu ombro. — Agora preciso me afastar de você ou
esse volume não vai diminuir.

Com ele mais calmo, descemos para tomar café com minha mãe.

O vento gela minhas bochechas. Acho que não foi uma boa ideia
ficar com a viseira do capacete aberta. Já anoiteceu e o vento que vem do
mar está forte. Fecho-a rapidinho e volto a envolver meus braços em sua
cintura. Lipe me chamou para acompanhá-lo na festa de um amigo do
trabalho. Dei uma bronca nele por me avisar em cima da hora, mas
felizmente deu tempo de me arrumar. E como Bia já tem planos com Lucas,
cada uma está com seu par essa noite de sábado. Minha amiga pode dizer
que não, mas sei que está amando aquele homem. Ele conseguiu um
verdadeiro milagre. Lucas, assim como eu, conseguiu parar alguém que é
adepto ao pego e não me apego. Eu sei que ela não ficou com nenhum outro
desde que começou a sair com ele.

Nem chegamos na casa e já consigo ouvir o som alto. Ela fica em


frente a praia. Sei que essa residência é muito requisitada; várias pessoas
alugam para fazer festas. Lipe estaciona na única vaga livre. Tiro o capacete
e dou uma arrumada em meu cabelo. Eu preferia vir de carro, mas ele diz
que se acostumou com a moto. Cumprimentamos as pessoas que
conhecemos. A casa, apesar de ser grande, parece minúscula de tão cheia
que está. Embora tecnicamente ainda esteja cedo, já vejo que muita gente
está bêbada.

Tentei conversar sobre aquela noite com Lipe, mas toda vez que ia
entrar no assunto, algo acontecia. Será que é um sinal para deixar isso
quieto? Tentarei essa noite após a festa. Claro que se ainda estiver em
ótimas condições. Não quero falar de algo tão importante estando bêbada.

— Ana. — Ouço uma voz familiar. Lavínia se aproxima com um


sorriso no rosto. Já faz tanto tempo que não a vejo. — Como você está
linda! — Ela me abraça forte.

— Você também está divina. Seu cabelo ficou lindo com essas
tranças.
Seu sorriso fica ainda maior.

— Tenho tanta coisa pra te contar. — Seu olhar vai até Felipe, que
está atrás de mim. — Onde estaria Ana sem seu fiel guarda-costas? — Os
dois se abraçam. — Como anda a vida?

— Não tinha como ficar melhor.

Sorrio com sua resposta.


— Está bonitão. —Ela toca seu peito, e não consigo evitar sentir
ciúmes. Felipe dá um passo para trás.

— Esse bonitão aqui já está saindo com alguém. — Lipe olha para
mim e sorri.
— E ela não tem ciúmes de Ana? — Aponta para mim. — Vocês
dois parecem um carrapato.

Fico encarando Felipe. Estou muito curiosa para saber o que vai
dizer.

— Ela morre de ciúmes dela. — Lipe pisca quando Lavínia se vira


para mim.

— Eu imaginei. Vou roubar Ana um pouco. Depois te devolvo. —


Sem esperar uma resposta, ela começa a me arrastar para longe de Lipe.
Apenas aceno para ele.

Não gosto de ficar longe de Ana. Ainda mais em uma festa como
essa. Meu docinho é linda demais e os homens dão em cima dela na cara
dura. Se ela não pegava geral era porque não queria, e não por falta de
oportunidade. Mas sei que as duas precisam colocar o papo em dia. E Ana
sabe como dispensar um homem, ela já é craque nisso. Não quero que se
sinta sufocada ao meu lado, não posso vacilar como fiz ontem. Eu confio
nela assim como confia em mim. Mesmo com meu histórico.

É estranho pensar que assumi para uma garota que estou saindo com
alguém e não fiz isso porque Ana estava perto. Eu faria até se estivéssemos
em cidades diferentes. Olho em volta e tento encontrar o aniversariante.
Raul está no canto com uma garrafa de tequila já na metade. Por seus
movimentos desajeitados, dá para perceber que já está alegrinho. Me
aproximo e cumprimento todos.

— Preparem as mulheres que o garanhão chegou! — grita quase me


deixando surdo. Sim, ele está muito bêbado.
— Você não acha que já bebeu demais?

— É meu aniversário, cara. — Envolve seu braço em meu pescoço.


— Vamos aproveitar, juntei dinheiro o ano todo pra isso. Tragam uma
garrafa pra Felipe.
Logo uma garrafa de cerveja me é entregue por sua irmã. Agradeço
Jayne, que sorri largamente. Raul não economizou nessa festa. Todos estão
com bebidas na mão e de marca boa. E sei que para alugar essa casa tem
que desembolsar um bom dinheiro. Eu gosto de curtir e tudo mais, mas
prefiro gastar meu dinheiro com outra coisa. Ficamos um tempo
conversando. Sorrio ao ver Ana vindo em minha direção. Ela para ao meu
lado e bate a ponta de sua garrafa na minha.

— Já dispensou quantos? — pergunto.

— Quer mesmo saber? — Por seu tom, sei que está querendo me
provocar. Dou de ombros. — Quatro.

Me engasgo com a cerveja e Ana ri.


— Sério? — Ela assente. — Mas não ficou nem meia hora longe de
mim.
— Você percebeu o teor de álcool que os homens estão? Eles ficam
mais atirados. Não que as mulheres também não estejam bêbadas.

— Algum deles lhe faltou com o respeito? — pergunto já


preocupado.
— Tão lindo cuidando da irmãzinha. — Raul aparece ao lado de
Ana. Seu braço envolve seu pescoço. Eu o tiro na mesma hora e puxo Ana
para o outro lado. — Calma. — Ele ri.

— Você está bêbado. É melhor tomar cuidado com a mão boba —


falo com calma, não quero brigar com ele. Sei que é um cara legal. Mas não
vou arriscar. Ele é fraco para bebida e hoje extrapolou. — E Ana não é
minha irmã.

Ela me olha com expectativa. Ana quer que eu assuma que estamos
juntos. Mas quando abro a boca, Lavínia aparece chamando seu nome com
uma garrafa de tequila na mão e cinco copos.

— Vamos jogar eu nunca? — pergunta animada.


— Eu vou pilotar, só ficarei nessa cerveja. — Levanto a garrafa em
minha mão.

— Eu aceito!

Olho surpreso para Ana. Eu sei que também não é muito forte para
bebida. Só quero ver no que isso vai dar.
Já é a terceira rodada. Até agora está tranquilo. Não foi nada
comprometedor. Estamos revezando para cada participante fazer a pergunta.
Agora é a vez de Lavínia e o jeito suspeito que está me olhando me diz que
irá aprontar. Os anos se passaram, mas esse jeitinho não muda. Seus olhos
castanhos estão brilhando e sua testa está franzida. Quando contar a Bia que
ela está de volta, ficará com ciúmes. Elas não chegaram a se ver
pessoalmente, só em chamada de vídeo. Quero apresentar as duas. Tenho
certeza que se darão muito bem.

Felipe está encostado na bancada com os braços apoiados nela


enquanto me olha fixamente. Sinto uma vontade enorme de ir até ele e
beijá-lo, mas quero que seja ele a assumir isso na frente de todos. Gostei da
brincadeira com Lavínia, mas gostaria bem mais se dissesse que nós dois
estamos ficando. Que fui eu a mulher que conseguiu esse grande feito. Que
é só a mim que quer beijar.
— Eu nunca me senti atraída por meu melhor amigo ou amiga —
ela diz. Isso realmente não me surpreende. Sabia que iria dizer algo do tipo.

Viro o copo no mesmo instante, o encho novamente e viro o líquido


pela segunda vez. Se fosse para medir a atração que sinto por Felipe, nem
essa garrafa cheia bastaria. Olho para ele, que está rindo enquanto balança a
cabeça. Agora eu não preciso esconder mais nada mesmo. Mas eu não fui a
única a beber. Todos também tomaram. Será que é como um fetiche?

— Eu nunca tive sonhos eróticos com meu melhor amigo ou amiga.


— Meu Deus, Raul foi além.
Todos estão olhando para mim com expectativa. Levo o copo até a
boca e tomo de uma vez. Rindo, o restante do pessoal faz o mesmo.

— Eu sabia que isso não era só amizade — Lavínia diz. — Não


julgo. Quem aguentaria ter um deus grego desse ao lado e não pensar
besteira?

Não consigo segurar o riso. Felipe se chama de deus grego.

— Preciso dessa dose. — Nem o vi se aproximar. Sua voz está


próxima demais do meu ouvido. Lavínia lhe serve e Lipe toma a bebida e
beija minha bochecha. Sorrio.

— Você está vermelha — comenta Lavínia. Se ela soubesse como


estou me sentindo quente nesse exato momento. — Espera! — É como se
uma luz se acendesse em sua cabeça. — Vocês dois acabaram de assumir
que sonham safadezas um com o outro. É você a garota que ele está
ficando, Ana?

— Talvez sim, talvez não. — Dou de ombros. Não irei assumir para
ninguém além de Bia.
— Ana, Felipe é o maior galinha que conheço e ele está com você!
— Rio alto. Ela também já está com álcool a mais no sangue. — Tinha que
ser você a mulher a colocar um fim na pegação dele.

— Eu não disse que estamos juntos. — Olho para Felipe, que sorri e
pisca. Tão lindo, e agora é exclusivamente meu.

— Querida, nem é necessário. — Lavínia toma mais uma dose. — A


tensão sexual de vocês se sente de longe. — Ela se abana e nós rimos.

— Pare de criar teorias. — Seguro sua mão. — Quero dançar. —


Começo a arrastá-la para o centro da sala.

Estamos rindo e dançando. Gosto de me divertir assim com ela. Não


demora para alguns rapazes se aproximarem. Não estamos dançando
colados, mas estamos juntos. Eu os conheço, a maioria do pessoal que está
aqui é colega de Lipe. E por falar nele... Olho por cima do ombro do rapaz
loiro e vejo Felipe me observando enquanto dança com outra garota. Sim,
ele está com outra garota. E pelo sorriso em seu rosto, ela está gostando de
sua companhia. Estou com ciúmes mesmo que eles nem estejam se tocando.
Será que era isso que queria? Me fazer sentir o que ele está sentindo ao me
ver dançar com outro. Não gostei.

— Eu preciso ir ao banheiro, Ana — Lavínia diz. — Você sabe onde


fica?

Eu nego. É a primeira vez que viemos a essa casa.

— Tudo bem, eu procuro. Não demoro.

Assinto.

Felipe e eu continuamos a nos encarar enquanto dançamos com


outras pessoas. Chega um ponto em que não aguento mais. Eu quero é
dançar com ele, e parece que Felipe também sente o mesmo. Peço licença
aos rapazes e agora estamos caminhando um em direção do outro. Paramos
a poucos centímetros. Meu coração está disparado. Daquele jeito que só ele
consegue deixar.

— Oi, docinho. — Sorri com malícia, o que deixa minhas pernas


fracas.

— Oi, deus grego — provoco. Felipe arqueia a sobrancelha e ri. —


Quer dançar com essa mortal?

— Não há outra coisa que eu queira mais. — Sua resposta é


exatamente o que queria ouvir.

Nossos corpos se movem ao som da música eletrônica. Eu amo


minhas amigas, mas a companhia de Felipe é diferente. Nos divertimos
tanto juntos. Ele segura minha mão e entrelaça nossos dedos. Estou sorrindo
igual uma idiota. É totalmente automático. Não consigo controlar.

Não sei onde Lavínia foi parar, mas o rapaz que estava dançando
com ela também sumiu. Felipe se aproxima um pouco mais, e sua mão livre
segura meu rosto com carinho. Seu polegar se move lentamente sobre
minha bochecha. É como se o mundo estivesse em silêncio. Só consigo
ouvir a minha respiração acelerada. Fecho meus olhos e o que eu mais
esperava finalmente acontece. Na frente de todos, ele me beija. Um beijo
calmo. Um beijo que transborda carinho. Eu não sou só mais uma na sua
enorme lista. Esse beijo demostra isso.

Estamos mostrando a todos que não somos mais Felipe e Ana,


melhores amigos. Agora somos algo mais. Tenho certeza que nesse
momento meu coração calçou um salto 15 e está sambando igual uma
passista de escola de samba no desfile de carnaval. Quando dou por mim,
estou sorrindo em meio ao beijo. Mesmo com a confusão estampada em seu
rosto, ele também sorri. É como se um estivesse conectado ao outro.

— Gosto de te ver sorrindo assim. — Ele me dá um selinho. — Faz


tempo que estou com vontade de te beijar.

— E por que demorou tanto? — Cutuco sua costela. — Estava com


vergonha de mim? — Faço bico e Felipe ri. Seus braços me envolvem e ele
me aperta.

— Somente um louco teria vergonha de mostrar a todos os


marmanjos dessa festa que a mulher mais linda está com ele. — Felipe
encosta nossos lábios e balança a cabeça. — Sabe o que é melhor, Ana? —
Ele me desestrutura quando fala desse jeito. Seu olhar está tão intenso. —
Só eu posso beijar você, docinho. — Me dá um selinho. — Só eu posso te
tocar. — Sua mão desce lentamente por minhas costas, me arrepiando dos
pés a cabeça. — Gosto quando usa essas blusinhas que faltam um pedaço.

Encosto minha cabeça em seu peito e rio.

— É croped, Lipe.

— Eu pesquisei no Google e quer dizer a mesma coisa. Uma blusa


que falta um pedaço. — Ele ri e beija minha testa. — O que acha de
sairmos daqui?

— Tenho que me despedir de Lavínia. — Olho em volta e não a


encontro.

— Ana, enquanto está preocupada procurando por ela, Lavínia deve


estar sentando em alguma piroca por aí.

— Meu Deus, Felipe! — Eu rio. — Esqueço que você não tem


filtro. — Lhe dou um selinho. — Mas tem razão. Ela nem deve se lembrar
da minha existência.

— Então vamos?

Assinto.

Segurando minha mão, começamos a passar pela multidão. Percebo


olhares surpresos. Felipe me olha e sorri. Parece também estar feliz em
mostrar a todos que nosso relacionamento vai além de uma linda e sincera
amizade. Desamarro a jaqueta da cintura e a visto. Lipe arruma meu
capacete e coloca o seu. Envolvo meus braços em sua cintura. Essa é a parte
boa de estarmos de moto e não de carro. Gosto de ficar grudadinha nele.

— Não me solte — ele diz em voz alta. — Não quero passar em


uma lombada e você sair voando. — Escuto seu riso.

— Seu bobo. — Cutuco suas costelas com o indicador. — Eu não


estou tão bêbada. Ainda sei muito bem o que estou fazendo. E não sou tão
leve pra chegar ao ponto de voar.

— É melhor prevenir do que remediar. — Eu o aperto em meus


braços com toda força. — Ai, Ana, assim eu me apaixono.

Nós rimos.

Felipe segue pela estrada. Paramos em frente a uma barraca de


cachorro-quente. Levanto a viseira e me preparo para descer.

— Não precisa — ele diz ao tocar meu joelho. — Só vou pegar um


lanchinho pra nós.

— E aí, Felipe — diz o rapaz, dono da barraquinha, vindo em nossa


direção. Os dois se cumprimentam. — Boa noite, moça.
— Boa noite. — A idiota aqui sorri, esquecendo que está de
capacete. Ainda bem que só eu e Deus sabemos dessa vergonha.

— Tião, quero dois no capricho e dois refrigerantes. Pode exagerar


no purê que meu docinho adora. — Aponta para mim.

O rapaz assente com um sorriso e vai preparar nosso pedido.

Meu docinho. Essas palavras se repetem em minha cabeça. Se já


fico boba com ele me chamando desse jeito, nem imagino quando ouvir de
sua boca a palavra namorada, noiva e esposa. Felipe vai me beijar após o
sim e vou cair durinha logo em seguida. Nem conseguirei aproveitar a lua
de mel.

— Vamos comer onde? — pergunto.


— Em nosso lugar especial. — Sorrio ao me lembrar de onde me
levou um dia antes do meu aniversário. Não sabia que lá se tornou nosso
lugar especial. Após pagar, ele me entrega a sacola e seguimos nosso
caminho. Lipe estaciona e felizmente não está ventando muito. — Vamos
nos sentar ali. — Ele aponta para o lugar exato onde ficamos aquele dia.

A lua está cheia, o que deixa o lugar bem iluminado. Felipe tira a
jaqueta e a estende no chão. Ele gesticula para que eu me sente.

— Quanto cavalheirismo, senhor Felipe Martins. — Me sento e ele


faz o mesmo. Lipe me entrega o cachorro-quente e o refrigerante.

— Só o melhor para o meu docinho. — Ele segura meu queixo e


beija meus lábios. Dou a primeira mordida e fecho meus olhos ao sentir o
amanteigado do purê. Ao abri-los, vejo que Lipe está sorrindo para mim. —
Eu sabia que iria gostar.
— Eu te conheço como a palma de minha mão — digo a frase que
ele tanto gosta de repetir.

Como está de boca cheia, apenas balança a cabeça concordando.


Levo minha mão até seu rosto. Sua barba está por fazer. É a primeira vez
que a deixa assim, e eu gostei. Ele está olhando em meus olhos. Sinto tanto
carinho vindo dele. As palavras “eu te amo” vem à ponta da língua. Dou
uma grande mordida no lanche para manter minha boca ocupada. Não sei se
esse é o momento.

Assim que terminamos, nos deitamos no chão e encaramos o céu.


Ele segura minha mão. Nem acredito que isso realmente está acontecendo.
Ele se vira para mim e sorri.

— Vinte e duas — diz. Olho para ele confusa. — No céu tem vinte e
duas estrelas, docinho — explica.

— Esqueci que gosta de contar e achar a mais brilhante. Sempre


quis saber o motivo de fazer isso. Vai enfim me contar?

— Não sei se está preparada. — Seu tom de voz tem um quê de


provocação.

— Conta, Lipe. Você faz isso desde os meus catorze anos. Sempre
que pergunto você desconversa. Por favor. — Lhe dou vários selinhos.

— Tá bom. — Ele levanta o dedo indicador. — Mas saiba que


acabou de usar um golpe muito baixo. — Dou de ombros sorrindo. — Eu te
conto o motivo, mas não pode rir.

— Eu prometo. — Felipe fica um tempo em silêncio. — Vamos,


Lipe.
— Eu procuro a mais brilhante porque... — Ele desvia o olhar e
volta a encarar o céu. Faço o mesmo. Estou ansiosa para saber o motivo.
Deve ser algo realmente importante. — Sabe, Ana, nenhuma delas brilha
mais do que seus olhos quando me olha. — Ele compara com o brilho dos
meus olhos? Um sorriso se forma em meu rosto. Nem sei o que dizer. Ele se
apoia no cotovelo e me encara. Tento me livrar do sorriso, mas não consigo.
Felipe contorna meus lábios com o polegar. — E nenhuma delas me encanta
como seu sorriso, Ana. Acho que posso continuar procurando pelo resto da
minha vida que não irei encontrar. É completamente impossível.

— Se sua intenção era me deixar toda boba com essas palavras,


saiba que conseguiu com muito êxito.

Sorrindo, ele se aproxima e me beija.


Quero passar o resto da minha vida em nosso lugar especial com os
lábios de Lipe sobre os meus.
A saudade que sinto de Felipe e de minha mãe está apertando meu
peito. Apesar de termos passado apenas dois dias distantes, não vejo a hora
de abraçá-los novamente. Mas não poderia dizer não ao convite do senhor
Carlos para acompanhá-lo a uma conferência. Apesar de ser sua secretária,
ele sempre preferiu levar Sabrina, a secretária de seu sócio, Alex. Dizia que
ela já tem mais experiência. Mas dessa vez foi diferente e fiquei tão feliz.
Isso quer dizer que ele confia em meu trabalho, que estou conseguindo
mostrar meu valor.

Foi a primeira vez que saí da minha cidade sem minha mãe ou
algum amigo. E também a primeira vez que viajei de helicóptero. Eu gostei
bastante. Apesar de minha relação com meu chefe ainda estar estranha, fiz o
meu trabalho da melhor maneira possível. E mesmo não dizendo nada, pude
ver nos olhos do senhor Carlos que estava satisfeito com meu desempenho.
Agora tudo o que quero é aproveitar o restinho do final de semana
com meu deus grego, abraçar minha mãe e sentir seu cheirinho de amor. Já
faz quase dois meses que Lipe e eu estamos juntos. E a cada dia ele me
surpreende mais. Eu não sei se fiz o certo, mas decidi deixar aquela noite só
em minha memória. Só eu e Deus sabemos do que realmente aconteceu. Eu
estava disposta a contar, mas tudo conspirava contra. E no dia em que
decidi enfim tirar esse peso das costas, ele me procurou nervoso pois tinha
discutido com um dos funcionários da loja. Eu não entendi muito bem, só
sei que esse funcionário mentiu e escondeu algo muito importante dele; que
por ser o gerente acabou recebendo as consequências por algo que não foi
ele que fez. Felipe só repetia que eu era a única pessoa em quem podia
confiar, que nunca esconderia algo dele. E isso pesou de um jeito que nunca
imaginei. Fui fraca e covarde. Sei disso, mas agora já é tarde para voltar
atrás.

Durante esses dois dias, conversamos por telefone até um dos dois
acabar dormindo. Na primeira noite fui eu e na segunda ele. Estamos
empatados. Nós dois juntos somos tão perfeitos. Queria que isso já tivesse
acontecido há mais tempo. Se bem que tudo tem o seu momento certo, e
esse é o meu. Quer dizer, o nosso.

Assim que o helicóptero pousa, um dos funcionários me ajuda a


descer. Me despeço do meu chefe, agradeço a oportunidade e desejo um
ótimo final de semana. Ao ver o meu motoqueiro favorito ali me esperando
com o capacete rosa na mão, começo a caminhar mais rápido até ele. Não
demora para Lipe me ver e, com aquele sorriso que me desestabiliza, se pôr
de pé. Meu coração parece estar gritando descontroladamente o seu nome.
Sem dizer uma só palavra, deixo minha pequena mala cair no chão e pulo
em seus braços. Estamos os dois sorrindo. Seguro seu rosto e o beijo. Esses
dois dias pareceram dois anos. Ao finalizarmos o beijo, ele me coloca com
cuidado no chão, mas continua com seus braços em volta da minha cintura.

— Sentiu minha falta? — ele pergunta, me apertando forte.

— Só um pouquinho. — Gesticulo com o polegar e indicador.

Suas sobrancelhas se erguem.

— Eu também não senti muito a sua. — Ele me solta e se senta na


moto.

Cruzo meus braços e o encaro.

— É mesmo? — Ele concorda sorrindo. — Então posso dizer a ele


que irei na próxima que terá duração de uma semana?

— Pode. — Ele dá de ombros. — Não me importo.

— Mentiroso! — Pego meu capacete de sua mão. — Você me disse


minutos atrás que estava contando os segundos pra me ver novamente.

— Meu celular foi roubado. — Rio. Seus braços voltam a me


envolver. Felipe me puxa para perto. — Você estava conversando com
alguém que não era eu. — Levo minha mão livre até seu cabelo. Ele fecha
brevemente os olhos ao receber um cafuné.

— E a chamada de vídeo de ontem? Você disse que se não voltasse


hoje, pegaria a moto e iria atrás de mim lá em São Paulo.

Lipe deita a cabeça em meu peito e ri. Amo tanto esse som.

— Tá bom. Estou mentindo. — Ele levanta o rosto e me olha nos


olhos. — Eu senti muito a sua falta, Ana Orsini. A cada vez que o ponteiro
do relógio se movia, ela aumentava mais e mais. — Lipe coloca uma mecha
do meu cabelo atrás da minha orelha. — Eu senti falta de te abraçar. De
tocar sua pele. — Sua mão acaricia meu rosto. — De sentir seu cheiro. —
Ele se aproxima e a ponta do seu nariz toca meu pescoço e vai subindo até
minha orelha. Nesse momento não tem um pelinho em meu corpo que não
esteja arrepiado. — De fazer amor com você, docinho. — Me forço a não
fazer nenhum barulho constrangedor. Mesmo que já esteja começando a
anoitecer, ainda tem bastante gente na rua. Lipe se afasta. — Essa confissão
é o suficiente?

— Com certeza é. — Lhe dou um selinho e com meus lábios bem


próximos aos dele digo: — Agora me leve pra sua casa e me mostre em
ações o quanto sentiu minha falta.

— Eu lhe mostrarei. Mas não lá em casa. — Olho para ele confusa.


— Só confia em mim, Ana. Iremos fazer algo especial hoje. — Lipe pega o
celular e não demora para um carro estacionar ao nosso lado. Ele lhe
entrega minha mala e logo o veículo some. O que esse homem está
tramando? — Ele vai deixar na sua casa. Sua mãe já está ciente. Me deixe
colocar o capacete em você. — Ele o pega de minha mão.

Eu já sei para onde estamos indo. Já conheço muito bem esse


caminho. Nosso lugar especial está a poucos minutos de distância. Ao
estacionar, parece que enfim me dou conta do que está prestes a acontecer
nesse lugar. E se alguém aparecer? Tudo bem que não vi ninguém por aqui
e fica bem afastado, mas sempre tem o risco. Sinto um frio na barriga.

— Não desça — ele pede, e me mantenho ali sentada. Felipe se vira


e agora estamos frente a frente em cima da moto. Sua mão segura minha
nuca. — Agora lhe mostrarei o tamanho da minha saudade. — Sem me
permitir sequer pensar em mais nada, ele me beija intensamente. Seus
lábios descem por meu pescoço. Meu corpo já está entregue a ele. Tudo que
quero é que ele me faça sua. Que me faça tocar o céu mais uma vez.
— Você é louco — sussurro.

— Sou louco por você, Ana — diz com a voz baixa em meu ouvido.
Felipe encosta sua testa na minha e em completo silêncio abre o botão da
calça jeans. Meu corpo se contrai ao sentir seus dedos gelados em minha
intimidade quente. — Daqui a pouco eles estarão quentes como você. —
Seus lábios voltam a tomar os meus. Seus dedos se movimentam
lentamente subindo e descendo. Aperto as costas de Lipe ao sentir um se
encaixar dentro de mim. Seu ritmo é delicioso. — Diz pra mim que está
gostando. — Sua voz não passa de um sussurro rouco. — Diz, docinho. —
Seu dedo acelera o ritmo.

— Está gostoso. — Minha voz sai manhosa e Felipe sorri satisfeito.


— Está muito gostoso, Felipe. — Curvo minhas costas ao sentir o prazer se
espalhar por todo o meu corpo.

— Essa visão nunca me cansa. — Ele retira seu dedo de mim. —


Sabe o que iremos fazer agora? — Balanço a cabeça completamente
perdida na visão desses olhos cheios de desejo banhados pela luz da lua. —
Realizar a sua fantasia. Você quer?

— E se alguém aparecer?

— Eu cuido de tudo, Ana. Só confia em mim, não vai se arrepender.


Isso eu garanto. — A firmeza em sua voz me afirma que se eu aceitar isso,
será um dos melhores sexos da minha vida.

— Ok.

Ele sorri largamente.

Nos levantamos. Felipe se livra da minha calça junto com a


calcinha. Nem acredito que estou fazendo mesmo isso. Agora estamos os
dois como viemos ao mundo. O vento arrepia meu corpo, mas logo não
sinto mais frio, pois suas mãos estão me tocando tão intensamente que é
impossível não queimar de desejo. Ele me faz sentar de lado na moto, e
segurando meus joelhos, abre minhas pernas e se ajoelha diante de mim.
Sorrindo, ele se aproxima ainda mais.

— Quero que acaricie seus seios enquanto te chupo, tudo bem? —


Eu assinto. Sei que faria qualquer coisa que me pedisse. — Minha Ana. —
É tudo o que diz antes de seus lábios quentes estarem onde mais preciso.
Seu olhar encontra o meu e faço o que me pediu. Minhas mãos apertam
meus seios enquanto Felipe se delicia em mim. Meus gemidos aumentam
ao ver que levou uma de suas mãos até sua ereção. Ela sobe e desce
rapidamente. — Felipe... — chamo seu nome ao me desmanchar em sua
boca.

Em um movimento rápido, ele se levanta e me posiciona deitada


sobre a moto. Meu peito encosta no metal frio do tanque. Ouço o barulho
dele abrindo a embalagem da camisinha e logo o sinto se encaixar em mim.

— Deliciosa — ele geme. — Somente minha! — Seus movimentos


precisos me fazem esquecer até meu nome. — Goza comigo, docinho. Me
dá esse prazer.

E como se meu corpo fosse conectado ao seu, nos entregamos ao


prazer. Agora estamos os dois com a respiração acelerada, mas
completamente satisfeitos. Começamos a nos vestir. Balanço a cabeça
rindo.

— Não acredito que fizemos isso.

— Pois acredite. — Lipe me dá um selinho. — Eu falei que iria


realizar suas fantasias. Lembra que tenho que tirar sua pureza.

— Você já tirou, pode ter certeza.


Nós rimos.

De longe consigo ver minha mãe conversando com alguém em


frente a nossa casa. Ela parece nervosa. Eu a conheço muito bem. A
pergunta é por quê? Dona Carla raramente perde a paciência. Assim que
Lipe estaciona, tiro o capacete e vou até ela. Minha mãe olha para mim e
então com a palma da mão tenta empurrar o homem.
— Está tudo bem, mãe? — Paro ao seu lado. O cara se vira para
mim, e segundos se passam com ele me encarando. Tanto que até começo a
me sentir desconfortável.

— Precisa de alguma ajuda? — pergunta Felipe com uma voz firme.


— Está tudo bem. — Minha mãe força um sorriso. — Ele já está
indo embora. Não é mesmo Alessandro?

— Você é a Ana? — Ele olha para mim. Seus olhos verdes


levemente enrugados me analisam.
Será que ele e minha mãe têm algo? É briga de namorados? Ele é
um homem muito bonito, alto, moreno e charmoso. É do tipo que minha
mãe gosta.
— Sim, essa é a minha filha. — Minha mãe se põe na minha frente,
impedindo que continue com seu contato visual.

— O que está acontecendo? — pergunto baixinho.


Mas ela não responde. Continua a encarar o tal de Alessandro.
— Acho que é melhor o senhor ir — sugere Felipe. — Talvez
possam conversar depois com a cabeça fria.

— Você tem razão. Continuamos depois, Carla. — Ele dá um passo


para o lado. O homem abre um sorriso fraco. Não sei se é impressão minha
ou se seu sorriso realmente lembra o meu. Será...? Não é impossível. — Foi
um prazer enfim conhecê-la, Ana.

Não sei o que responder, então apenas aceno com a cabeça.


— Adeus, Alessandro. — O tom de voz de minha mãe já deixa claro
que se depender dela, os dois não irão conversar nunca mais. Assim que ele
entra no carro, ela me abraça forte e retribuo. — Estava com saudade,
minha filha.

— Eu também estava. A senhora quer conversar sobre o que


aconteceu aqui?
Ela se afasta balançando a cabeça.

— Vamos fingir que isso nem aconteceu. Está tudo bem, pode ficar
tranquila. Ele é só um cara insistente que quer ficar comigo. — Ela segura
minha mão e a de Felipe. — Vamos entrar. Estou preparando um jantar
delicioso pra nós. — Agora sorrindo ela nos leva para dentro de casa.

Algo dentro de mim me diz que essa não é a real história. E que não
foi a última vez que vimos esse tal de Alessandro.
Bia está andando de um lado para o outro dentro do meu quarto.
Daqui a pouco ela vai abrir um buraco no chão e cair no andar inferior. Seja
lá a novidade que irá nos contar, é algo muito importante.

— Diga logo! Não aguento mais esperar.

— Estou criando coragem, Ana. — Ela para em frente a janela. —


Lucas me pediu em namoro ontem à noite. E eu aceitei.

Meu queixo literalmente cai. Olho para Lipe, que está do mesmo
jeito.

— Sério que está namorando? — Eu conheço esse tom de voz. Me


preparo para sua piada. — Beatriz Marinho, a rainha da sentada sossegou
em uma piroca?

Não consigo conter o riso. Bia cruza os braços e o fuzila com o


olhar. Esses dois amam se provocar.
— Ana, eu vou jogar Felipe por essa janela.

— Não faça isso. — Abraço Lipe. — Preciso dele inteiro. Mas


temos que concordar que você estar namorando é algo muito incomum.
Felipe só se expressou da maneira errada.

— Muito errada — ela diz se virando de volta para a janela.

— Mas você gostou — ele cochicha em meu ouvido.

— Só não conte a ela — cochicho de volta, sorrindo.

Felipe começa a me dar vários selinhos.

— Ei, eu ainda estou aqui! — Bia caminha até a cama e nos separa,
sentando-se entre nós dois. — Será que já estamos assim tão melosos como
vocês?

— Você não se lembra da última vez que saímos pra jantar os


quatro? — pergunto.

— Lucas te deu comida na boca — comenta Felipe. — E ainda fez


uma voz estranha. Quer ver o vídeo? Eu gravei no meu celular sem que
vocês vissem.

— Você o quê?! — perguntamos ao mesmo tempo.

Rindo ele tira o celular do bolso, passa o dedo pela tela e nos mostra
o vídeo. Eu nem percebi que ele estava gravando. Estava mais preocupada
com minha refeição.

— Meu Deus, como isso é vergonhoso. — Bia cobre o rosto com as


mãos.

— Realmente é — Felipe diz, e eu o belisco. — Quer dizer, cada


casal tem um jeito de ser. Não precisa ficar com vergonha.
— Concordo. Você está namorando, e isso é incrível. — Aperto Bia
em meus braços. — Estou muito feliz por vocês, e Felipe vai apagar o
vídeo.

Olho para ele, que balança a cabeça sem parar. Movo os lábios
dizendo que vai apagar sim. Felipe sabe que mesmo resistindo, sempre faz
o que peço. Sempre foi assim.

— Não. — Percebo que ele não queria dizer isso em voz alta. Bia se
vira para ele. — Não se preocupe que vou apagar sim. — Sorri na maior
cara de pau. — Nós somos amigos, eu nem sei porque gravei. Vou apagar
aqui na frente de vocês. – E assim ele faz.

— Agora vai lá na lixeira e exclui também — peço.

O celular de Bia, que está em minha cama, começa a tocar. A foto


de Lucas aparece.

— Ele chegou. — Ela se levanta animada. — Vamos jantar com os


pais dele. — Bia beija minha bochecha e depois a de Felipe. — Ana, faça
ele apagar mesmo esse vídeo. Eu confio em você. — Ela aponta para Lipe.
— Em você não. Só te suporto porque minha melhor amiga te ama muito.

— Você também me ama que sei. — Rindo, ela mostra o dedo do


meio e sai do quarto. Rapidamente Lipe se deita na cama com a cabeça em
meu colo. Ele parece um garotinho. — Então você me ama muito?

— Como se você não soubesse. — Me abaixo e beijo seus lábios.

— Não estou dizendo como amigo. Eu quero saber se me ama como


homem. Porque eu amo você, Ana. E não apenas como minha melhor
amiga. — Ele disse que me ama? Ele foi o primeiro a assumir isso. — Não
vai dizer nada? — Só então percebo que o estou encarando em completo
silêncio. — Acha que ainda está cedo pra isso?
— Não. — Sinto meus olhos arderem. — Eu amo você, Felipe.
Amo tanto que não dá pra resumir em palavras. — Lhe dou vários selinhos.

— Eu preciso pegar uma coisa que esqueci lá em casa. Você espera


só um pouquinho?

— Precisa ir agora?

— É rápido. — Ele se levanta e me dá um beijo antes de sair.

Me jogo para trás na cama e um enorme sorriso se forma em meu


rosto.

— Ele disse que me ama — digo a mim mesma. — Felipe me ama.

— Ana! — Escuto a voz de Lipe vindo do lado de fora.

Me levanto e caminho até a janela, e quase caio para trás ao vê-lo


com um violão na mão. Minha mãe está ao seu lado segurando um lindo
buquê de morangos cobertos com chocolate na cor rosa. Me apoio na janela
e coloco a metade do corpo para fora.

— O que está fazendo?

— Você disse que queria um pedido de namoro especial, então aqui


estou eu.

— Isso é loucura. — Balanço a cabeça rindo.

— Não, minha filha, isso é amor. — Minha mãe sorri.

Felipe começa a tocar, e quando reconheço a melodia, percebo que


se trata de uma das minhas músicas favoritas. De janeiro a janeiro, de
Roberta Campos.

“Olhe bem no fundo dos meus olhos


E sinta a emoção que nascerá quando você me olhar

O universo conspira a nosso favor

A consequência do destino é o amor

Pra sempre vou te amar

Mas talvez, você não entenda

Essa coisa de fazer o mundo acreditar

Que o meu amor

Não será passageiro

Te amarei de janeiro a janeiro

Até o mundo acabar

Até o mundo acabar

Até o mundo acabar

Até o mundo acabar”

Quando finaliza, eu já sou um mar de lágrimas. Ele não me contou


que já estava fazendo aulas de violão. Felipe tocou tão bem. Ele acabou de
fazer uma serenata para mim. Minha mãe, assim como eu, está enxugando
as lágrimas. Felipe entrega a ela o violão e pega o buquê. Ele caminha para
mais perto da janela.

— Senhorita Ana Orsini, gostaria muito de saber se aceitaria ser


minha namorada.

Não respondo Felipe, apenas me afasto da janela e começo a descer


as escadas correndo. Tropeço nos últimos degraus e caio sentada. Sorte de
estar sozinha. Ignoro a dor e continuo a caminhar ao seu encontro. Ele me
encara sorrindo.
— Sim — repito a pequena palavra várias vezes enquanto caminho
até ele. Seguro seu rosto e o beijo. Estou beijando meu namorado, meu
melhor amigo e também o grande amor da minha vida. — Não consigo
acreditar que fez tudo isso por mim.

— Lembre-se: só o melhor para o meu docinho. — Me entrega o


buquê. — Achei que iria gostar mais do que flores.

— E você acertou em cheio. Vou adorar devorar tudo isso. — Lhe


dou mais um selinho.

— Nem acredito que depois de tantos anos vocês enfim estão


namorando. Sua mãe vai surtar quando souber. — A empolgação de minha
mãe é notável. Ela com certeza poderia alugar um carro com autofalante e
sair espalhando a novidade por todo o Guarujá. — Vou ligar pra ela agora.
— Ela se vira e começa a caminhar, e então para. — Meu Deus, já ia me
esquecendo de parabenizar o casal. — Ela volta até nós, nos abraça e corre
para dentro da casa.

Nós rimos da cena. Minha atenção volta ao meu namorado.

— Vamos entrar. — Segurando sua mão, vamos até a sala e nos


sentamos no sofá. — Então nós estamos namorando.

Arranco um morango e levo até a boca. E ao sentir que não é apenas


morango coberto com chocolate, mas que tem brigadeiro em volta da fruta,
eu gemo e me afundo no sofá. Felipe ri.

— Eu tenho quase certeza de que você disse sim ao meu pedido. —


Ele morde o pedaço que está em minha mão. — Meu Deus, isso está bom
demais. — Balanço a cabeça concordando. — Carminha tem mãos de
fadas. Foi ela quem fez aquele brigadeiro gigante no seu aniversário.
Quando nos casarmos, ela fará os docinhos do nosso casamento. — Me
engasgo no mesmo instante. — Já entendi, está cedo pra falar de casamento.

Eu quero dizer que não. Que se pudesse já teria me casado com ele
faz tempo. Mas agora, vendo como as coisas estão caminhando bem entre
nós, para que apressar?

— Vamos deixar rolar. Quero que faça o pedido quando sentir em


seu coração que deve. Tudo bem?

Felipe assente. Ele olha em volta e se aproxima mais.

— Conseguiu alguma informação de sua mãe sobre o cara de


ontem?
— Nada. Até tentei entrar no assunto, mas ela desconversa. Eu
cheguei a pensar... Não, deixa pra lá. — Mordo outro morango.

— Sabe que pode me contar qualquer coisa. No que pensou?


— Será que aquele homem pode ser meu pai? Sei que pode parecer
loucura, mas achei o sorriso dele parecido com o meu. E não teria outra
explicação para a atitude de minha mãe. Aquele nervosismo todo não é
comum. — Solto um longo suspiro.

— E se for? — Essa simples pergunta me abala por completo.


— Não sei o que iria fazer. Ele nos abandonou assim que soube de
minha existência. Não me viu crescer, não se importou com as dificuldades
que minha mãe iria enfrentar. — Quando dou por mim, as lágrimas já
molham meu rosto. — Estou confusa.
Lipe coloca o buquê sobre a mesa de centro e me puxa para seus
braços.
— Sabe que não importa o que aconteça, eu estarei aqui com você.
Terá que me aguentar até o fim de nossas vidas.

— Isso é tudo o que mais quero. — Fecho meus olhos e me


aconchego em seu peito.

Gosto de ver Ana andando pela casa vestida com uma camisa
minha. Ela parece um vestido nesse corpo pequeno e simplesmente perfeito.
Ainda nem consigo acreditar que estamos namorando. Sim, Felipe Martins
sossegou de vez, e graças a ela. Era Ana que eu procurava em outras
mulheres. Eu poderia ter ficado com todas as mulheres do mundo, mas
nenhuma delas iria me conquistar. Ana é única. Esse tempo que já estamos
juntos como um casal me mostrou o quanto posso ser feliz com ela ao meu
lado. Com Ana estou vivendo tantas coisas novas, e estou amando cada
uma delas. Por muitos anos tentei me enganar, me convencer que a via
somente como a garotinha que precisava da minha proteção. A menina doce
e meiga que via em mim o seu herói. Mas sempre senti por ela um amor tão
puro e verdadeiro que me confundia. Mas agora as coisas estão claras. É
com ela que quero ficar.

Agora estamos na cozinha guardando os morangos que sobraram do


enorme buquê. Ana é pequena, mas tem um apetite monstruoso quando se
trata de doces. Ela para próximo a bancada e se apoia nela. Percebo que
parece um pouco desequilibrada e corro para impedir que caia.
— Está bem, Ana? — A preocupação já se espalha por meu corpo
quando toco seu rosto e sinto que está fria. — O que está sentindo?

— Minha barriga está doendo.

Eu a pego nos braços e a levo até o sofá, e assim que a coloco


deitada, meu coração erra a batida. Vejo um fino fio de sangue descer por
suas pernas. Algo não está certo.

— Vou te levar para o hospital. — Me levanto e tento encontrar as


chaves do carro. — Você quer que eu avise sua mãe?

Ana não responde. Quando encontro a chave na cozinha, volto até


ela e me desespero ao notar que desmaiou. A pego no colo e corro para o
carro. Avisarei Carla no caminho.

Ao chegar no hospital, ela é levada às pressas. Caminho de um lado


para o outro sem entender nada. Ela estava bem. Como tudo isso pode ter
acontecido de uma hora para a outra?

— Cadê minha filha? — pergunta Carla desesperada.

— Estão examinando ela agora. Infelizmente temos que esperar.

Minutos se passam até uma enfermeira chamar os acompanhantes de


Ana. Saber que ela está bem me tira um peso das costas. A moça nos leva
até seu quarto e ver meu docinho em uma cama de hospital com um acesso
no braço me aperta o peito. Ela está com os olhos vermelhos. Caminho
rápido até ela e beijo seus lábios.
— Que susto você me deu, Ana. — Suspiro com minha testa colada
na dela. — Não faça mais isso, por favor.

— Como está se sentindo, minha princesa? — pergunta Carla,


acariciando seus cabelos.
— Agora estou bem. — Sorri fracamente. — Eu não sei direito o
que aconteceu...
— Que bom que já está acordada — diz a doutora ao entrar no
quarto. — Eu sou a doutora Patrícia.

— Eu sou Carla, a mãe de Ana.


As duas se cumprimentam.

— Eu sou Felipe, o namorado. — Aperto sua mão. — O que


aconteceu com ela, doutora? Foi tudo tão rápido e repentino.
— Eu só preciso confirmar uma informação com ela primeiro, tudo
bem? — Eu assinto. Agora estamos os três olhando para Ana. — Você
sofreu alguma queda recentemente?

— Sim, caí da escada agora à noite. — Olho para Ana surpreso. Ela
não me contou que caiu. — O que tudo isso tem a ver?
— Você teve algumas complicações devido à queda — explica a
doutora.

— Mas complicação no quê? Não estou entendendo. — Nada faz


sentido.
— Ana está grávida. — Essa informação gira dentro da minha
cabeça. — Ainda está no início da gestação, então qualquer impacto é
muito perigoso. Tivemos sorte do pior não ter acontecido. Ela e o bebê
estão bem agora. Mas terá que ficar alguns dias de repouso.
Olho para Ana, que encara a médica em total silêncio. Ela parece
estar em choque. Carla olha de Ana para mim com um sorriso no rosto. Mas
não tem como ser meu. Como ela pode estar grávida se sempre nos
prevenimos?
A voz da médica dizendo que estou grávida se repete dentro da
minha cabeça. É como se estivesse presa em um loop infinito. Esse
resultado deve estar errado. Eu não posso estar grávida. Não nos
protegemos apenas aquela noite e no dia seguinte tomei o remédio. Eu só
senti uma dorzinha na barriga agora à noite, mas achei que iria passar. Por
isso decidi guardar os doces. Pensei que havia exagerado. Já aconteceu isso
antes.

Como vou explicar para Felipe que esse bebê é dele se ele acha que
aquela noite não passou de um sonho? A confusão está estampada em seu
rosto. Ele não precisa dizer nada, seus olhos gritam: como isso é possível?
O arrependimento toma todo o meu corpo. Se tivesse contado o que
aconteceu, Lipe não estaria assim. É como se visse tudo o que construímos
até agora se desmoronar no chão. Uma simples frase faz minha vida que
parecia estar perfeita virar de cabeça para baixo. Agora terei que dar um
jeito de colocar tudo de volta no lugar.

— Parabéns, minha princesa. — Minha mãe me abraça. Eu não


consigo reagir, meu corpo parece estar petrificado. Meu olhar está fixo no
de Lipe. Ela se afasta e toca meu rosto com carinho. — Ana, minha filha.
— Sua voz carregada de compaixão revela que ela sabe que essa notícia me
abalou demais. Que esperava qualquer outra coisa, menos estar grávida. —
Vai ficar tudo bem. Você não está sozinha. Vamos cuidar do bebê juntas.

— Acho melhor deixar vocês sozinhos pra conversarem. — A


médica sorri. — Daqui a uns minutos eu volto pra termos uma conversa,
Ana. Tudo bem? — Assinto. Sua atenção se volta para minha mãe. — Ela
ficará essa noite em observação, só para acompanharmos.

— Tudo bem. Obrigada doutora.

As duas sorriem.

Agora estamos só nós três no quarto. Sorrindo em meio às lágrimas,


ela vai até Felipe e o abraça.

— Parabéns, Felipe. Tenho certeza de que será um ótimo pai. Estou


tão feliz por vocês. Sei que cuidará com muito amor e carinho dos dois. —
Ela se afasta e Lipe sorri sem mostrar os dentes. — Entendo que deve estar
assustado com a notícia, mas vai dar tudo certo. Vocês terão todo o meu
apoio e tenho certeza que o de seus pais também. Eles vão ficar tão felizes
quanto eu.

— Obrigado, Carla. — Ele me olha rapidamente. — Essa notícia


realmente me pegou de surpresa.

— Eu imagino. — Minha mãe segura sua mão. — Mas saiba que


um filho é um presente de Deus. Vocês dois se amam e tenho certeza que
irão amar ainda mais esse presentinho. Já sei que esse bebê será lindo.

E pela primeira vez eu imagino um bebê nosso. Será que terá os


olhos azuis do pai? O cabelo castanho escuro? O sorriso capaz de derreter
meu coração? Levo minha mão até a barriga. Seu olhar vai direto para onde
minha mão repousa. Preciso conversar com Felipe a sós. Tirar todas essas
dúvidas de sua cabeça.

— Mãe... — a chamo e no mesmo instante seu celular começa a


tocar. — Pode atender, eu espero.

Ela assente e vai até o canto do quarto. Lipe se aproxima da cama.

— Você sabia? — Apesar de baixa, sua voz está séria.

— Não tinha ideia.

— Nós precisamos conversar.

— Eu sei. E nós vamos. — Seguro sua mão, mas Lipe logo se


afasta. Ele está na defensiva. — Eu vou te explicar tudo. — Sinto uma
lágrima rolar em meu rosto. Ele deve estar pensando o pior de mim.

— Com licença. — Uma enfermeira entra no quarto. — A paciente


precisa descansar.
— Eu não posso conversar com eles só mais um pouquinho? — Não
quero que Lipe vá com essas dúvidas martelando sua cabeça.

— Infelizmente não é possível, senhorita.

— Tudo bem, nós já vamos — diz minha mãe. A enfermeira assente


e se retira. Ela vem até a cama e me abraça. — Vai ficar tudo bem, você vai
ver. Estou aqui pra apoiar vocês no que precisarem.
— Muito obrigada, mãe. Não sei o que faria da minha vida sem
você. — Com um sorriso, ela se afasta e beija minha testa. — Eu te amo.

— Eu também, minha princesa. Vou arrumar uma bolsa com o que


irá precisar e voltarei ainda hoje.

— Não sei se vão te deixar me ver novamente.

— Não se preocupe. Sabe que sempre dou um jeito. — Ela pisca.


Minha mãe tem razão, não tem nada nesse mundo que ela não encontre uma
solução.

Lipe beija minha testa. Meu coração se aperta por saber que terei
que esperar até amanhã para poder conversar com ele a sós.

— Nos vemos amanhã.

— Até amanhã.

Aceno para os dois. Sozinha no quarto, me deito e toco minha


barriga sem acreditar que ali dentro tem um pedacinho de nós dois. Eu
preciso desfazer essa confusão. Até horas atrás tudo estava parecendo um
lindo conto de fadas, mas a vida fez questão de lembrar que não vivo em
um. Nós vamos ter um bebê. Lipe é o pai do meu bebê. Eu não quero
acreditar que o ciclo irá se repetir. Ele não é como meu pai. Felipe é um
homem decente. Ele me ama e não irá nos abandonar. Não deixará nosso
filho crescer sem a presença do pai.

Fecho meus olhos e sinto as lágrimas molharem minha face. Me


lembro das vezes em que chorei escondida de todos. Eu não queria que
minha mãe visse ou que Lipe ficasse preocupado, mas quando era pequena
e via o pai de alguma amiga indo buscá-la na escola, sentia inveja. Quando
os via cheios de sorrisos com as filhas nos aniversários que ia, eu
perguntava a Deus porque não poderia também ter um pai. O que teria feito
de errado sendo tão pequena.

Minha mãe nunca me deixou faltar amor. Mas eu queria ser como a
maioria das minhas amigas. O único exemplo de pai que tive foi Fernando,
meu sogro. Sempre achei tão lindo a relação dele com o filho. Eu gostava
de ficar na casa de Lipe quando ele chegava do trabalho. Fernando sempre
brincava com nós dois. Eu me sentia muito feliz. Eu tinha um pai postiço
por alguns minutos do dia.

Crianças são tão inocentes que um dia eu até cheguei a pensar que
meu pai não sabia da minha existência. Ou que não gostou de saber que era
uma menina, por isso não quis me conhecer. Talvez seu sonho fosse ter um
menino. Eu criei tantas desculpas durante a vida para tentar entender a
razão de não tê-lo por perto. Mas no fim a verdade foi a mais dolorosa
possível. Ele nos abandonou porque quis. Me deixou para trás como se não
significasse nada. Era como se minha mãe fosse uma peça de roupa velha
que ele havia cansado de usar.

Me encolho em cima da cama e deixo as lágrimas caírem uma a


uma. Na esperança de que elas levem um pouco de todas as coisas ruins
embora.

— Ana. — Olho para a porta e a médica entra no quarto com


cautela. — Vamos conversar? — Me sento e limpo as lágrimas. — Pelo
visto está precisando desabafar.
Tudo dentro de mim está uma verdadeira bagunça. Ana está grávida
e não faço ideia de quem é o pai do bebê. Ela estava tomando remédio e
sempre usamos camisinha. Estou com medo do que irei descobrir quando
conversarmos. Eu mergulhei de cabeça em tudo isso, me entreguei para Ana
de corpo e alma. Pensar que ela terá um bebê de outro homem me
desestabiliza completamente, pois lá no fundo queria que esse filho fosse
meu.

Não que estivesse planejando termos um bebê agora. Já havíamos


combinado de esperar um pouco para formarmos nossa família. Suspiro.
Não sei o que pensar ou fazer. Me sinto perdido no meio dessa confusão. Eu
imaginei que o primeiro filho que ela teria seria o nosso. Que carregaria em
seu ventre um pedaço de nosso amor e não de uma aventura — pois
acredito que seja lá quem for o pai, foi apenas um sexo casual. Essa é a
única explicação para não ter me contado que ficou com alguém. Ou... Não.
Tenho que tirar essa ideia da minha cabeça. Ana não me trairia. Ela não é
assim. Eu a conheço, só preciso conversar com ela a sós e esclarecer tudo.
Não quero ficar criando mil teorias. Essa será uma das noites mais difíceis
da minha vida.

Deito minha cabeça sobre o volante assim que estaciono na garagem


de casa. Após alguns minutos, decido entrar. Quando piso no primeiro
degrau da escada, ouço batidas na porta. Eu a abro e me surpreendo ao ver
meus pais. Eles estão com os olhos marejados.

— Entrem.

No mesmo instante em que fecho a porta, minha mãe pula em meus


braços e me abraça.

— Como está se sentindo ao descobrir que será pai? — meu pai


pergunta, com a voz um pouco mais grave pela emoção.
Sim, eles já estão sabendo da gravidez. Então era com eles que
Carla estava conversando no hospital? Ela não comentou nada no caminho
de volta para casa.

— Ainda não sei ao certo, pai. Parece que a ficha não caiu.

— Eu sei que será um ótimo pai — diz minha mãe ao se afastar. —


Você sempre foi um ótimo filho. — E pela primeira vez desde que tudo
aconteceu, sorrio de verdade. — Só estou surpresa por isso não ter
acontecido antes.

— Verdade — concorda meu pai rindo. — Filho, você é


maravilhoso, mas temos que concordar que já deve ter saído com quase
todas as garotas da cidade.

— Nem é pra tanto.


Nós três rimos. Eles sabem que é mentira.

— Mas aconteceu com a garota certa — diz minha mãe ao se sentar


no sofá. Meu pai se senta ao seu lado. — Você a pediu em namoro hoje e
descobriu que será pai.

— Eu não poderia escolher nora melhor.

Minha mãe assente, concordando com meu pai.


Me sinto culpado. Meus pais estão tão radiantes por um bebê que
não tem como ser meu. Será que o pai é Bruno? Não. Eles só saíram aquela
noite e Ana jurou que não rolou nada. Que foi tudo um mal-entendido.
Sinto que vou enlouquecer. Minha mente vai continuar a mil até conversar
com ela e esclarecer as coisas.
— Sente-se, filho. — Meu pai aponta para a poltrona. Assim o faço.
— Não acha que agora está na hora de assumir os negócios da família?
— Não quero entrar nesse assunto novamente, pai. — Me jogo para
trás. Minha cabeça já está atordoada demais. — Eu gosto de ser
independente.

— Uma hora ou outra terá que cuidar da fábrica de pneus, Felipe —


diz minha mãe com firmeza. — Você está a ponto de construir sua família.
Precisará se preparar financeiramente. Um bebê gasta.

— Sim — concorda meu pai. — Você está quitando a moto.


— Eu não quero trabalhar em um escritório de terno e gravata.
Vocês sabem disso. — Me forço a não me alterar. Já perdi as contas de
quantas vezes tivemos essa conversa desde que terminei a faculdade. —
Esse mundo não é pra mim. Sabem que eu tentei. Estou indo bem na loja,
fui promovido e tudo.

— Eu sei filho. Mas agora tudo mudou. Está na hora de deixar a loja
de carros esportivos. — O tom do meu pai me diz que ele está disposto a
me fazer mudar de ideia. Mas isso não vai acontecer. — Você pode tentar
mais uma vez. Lhe darei total auxílio para aprender a rotina e tudo mais. Eu
sei do seu potencial, por isso mesmo acho que deve pensar bem.
Gerenciando a empresa vai conseguir proporcionar a melhor vida para o seu
filho.
— E sua mulher — complementa minha mãe.

Me afundo na poltrona, sabendo que mais uma vez teremos essa


longa conversa.
Minha mãe realmente é a melhor do mundo. Ela conseguiu que uma
enfermeira me entregasse a bolsa ontem. Dentro tinha roupa limpa, minha
escova e pasta de dente. E, bem escondidinho, o meu celular. Eu não
consegui dormir direito. Passei a maior parte da noite encarando o papel de
parede. Uma foto minha e de Lipe que tiramos em nosso lugar especial.
Estávamos de costas para o penhasco e o pôr do sol deixou a foto ainda
mais linda. Felipe sorria enquanto eu beijava sua bochecha. É a minha foto
favorita. Fiquei tentada em enviar uma mensagem, mas não tive coragem.

Eu conversei um bom tempo com a doutora, e ela foi tão gentil. Me


receitou algumas vitaminas e dois dias de repouso, então não irei trabalhar
hoje e amanhã. Já enviei uma mensagem para o senhor Carlos explicando,
assim ele poderá providenciar outra secretária para me substituir. Minha
mãe queria faltar para vir me buscar, mas expliquei que não era preciso.
Posso muito bem chamar um Uber. Eu e o bebê estamos bem.
Quando estou saindo do hospital, acabo esbarrando em quem menos
esperava. Alessandro está mais uma vez me encarando. E eu realmente não
gosto disso. Esse homem poderia fazer o favor de sumir de nossas vidas.
— Que coincidência — ele diz e sorri.

— Muita. — Forço um sorriso. — Eu já estou indo. Bom dia. —


Desvio de Alessandro e aperto o passo. Não quero ficar perto dele. Só de
pensar na hipótese dele ser o sem coração... Meu peito dói.

— Espera, Ana — ele grita e o vejo caminhar rapidamente em


minha direção. — Você está bem? — Apenas balanço a cabeça. — Veio
visitar alguém?

— Sim — minto. Ele não precisa saber nada sobre minha vida. —
Agora preciso mesmo ir. — Olho para o celular. Que demora para encontrar
um motorista.

— Quer uma carona para casa?

Levanto meu rosto e encaro o homem, tentando decifrar o que se


passa em sua mente para achar que eu entraria em seu carro.

— Alessandro, me desculpe se parecer rude, mas você é um


completo desconhecido.

— O motorista do Uber também é um. — Ele aponta para o celular


e sorri.

Não gosto de vê-lo sorrir. Toda vez que faz isso, noto a semelhança.
Isso me deixa ainda mais irritada.

— Um desconhecido que teve sua identidade verificada e está


trabalhando para uma empresa. — Não consigo evitar que as palavras saiam
rudes. Seu sorriso se desfaz. — Se sua intenção foi fazer uma piada, ela não
deu muito certo.

— Desculpe — murmura.

Por um momento me sinto culpada, eu não trato ninguém desse


jeito. Mas não consigo evitar. Fico aliviada quando o carro para ao nosso
lado da calçada. Confiro a placa antes de entrar.

— Tchau, Alessandro.

Ele apenas acena com a cabeça. Enquanto nos afastamos, olho para
trás e vejo que continua ali parado encarando o veículo.

Assim que o motorista estaciona em frente a minha casa, vejo Lipe


passando de carro. Deve estar indo trabalhar. Encaro o celular em minha
mão e penso em enviar uma mensagem. Desejar um bom dia. Mas logo
desisto. Vamos conversar pessoalmente quando voltar do trabalho. Entro e
vou direto para o banho. Tudo o que quero é minha cama. A única pessoa
que aviso que já estou em casa é minha mãe.

Já limpinha, pego meu edredom e me cubro até meu rosto. Aqui é


minha fortaleza. É como se nenhum mal pudesse me atingir. Minutos se
passam e meu celular vibra. Vejo uma mensagem de Sônia. Ela me pergunta
por que não avisei que já havia recebido alta, pois iria me buscar. É aí que
me toco que meus sogros já sabem do bebê. Assim que respondo, ela me
liga por chamada de voz. E sim, eles estão felizes com a notícia. Espero que
Lipe também fique quando souber que o bebê é realmente dele. Após uma
conversa rápida, volto a bloquear o aparelho e fecho meus olhos.

— Ana — ouço a voz de Lipe. Devo estar sonhando. — Ana, está


me ouvindo? — Descubro minha cabeça e o vejo ali de pé ao lado da cama
com as mãos enfiadas nos bolsos. Ele sempre faz isso quando está nervoso.
— Bom dia.

— Bom dia. — Me sento. — Pensei que já estava trabalhando.

Felipe se senta a uma boa distância e isso me entristece. Ontem ele


estava fazendo uma serenata para mim, e hoje estamos assim.

— Eu fui até o hospital pra ver como estava e se já podia te trazer


pra casa. — Naquele momento ele estava indo atrás de mim? — Fiquei
surpreso ao saber que já tinha sido liberada. Por que não me avisou? Sua
mãe me disse que levou seu celular. Eu teria te trazido antes de ir trabalhar.
Já avisei que entraria um pouco mais tarde.

— Não quis te incomodar. — Dou de ombros. Encaro minhas mãos,


que estão em meu colo. Meu coração está batendo rápido demais. — Você
também não me enviou nenhuma mensagem. Mesmo sabendo que estava
com o celular.

— Eu não iria conseguir trabalhar sem saber como estava. Não


mandei mensagem por... — ele hesita. Meu olhar encontra o seu. Felipe
parece tão confuso e perdido. Eu o deixei assim. — Realmente não sei.
Peguei o celular na mão várias vezes, acho que me faltou coragem.
Desculpa. — Assinto. Respiro fundo tomando coragem de contar a ele toda
a verdade. — Ana, eu preciso te perguntar uma coisa.

— Pergunte — minha voz quase não sai.

— Quem é o pai do seu bebê? — Lipe olha no fundo dos meus


olhos. — Não precisa me esconder nada. Lembre-se que antes de ser seu
namorado, eu sou o seu melhor amigo. Eu achei que éramos confidentes um
do outro. — Sinto a decepção em sua voz. — Só quero entender o que está
acontecendo.
— Desculpa, Lipe. — Sinto a primeira lágrima rolar. — Antes de
responder a pergunta, eu preciso te contar uma coisa muito importante.
Tudo bem? — Ele assente. — Se lembra da noite anterior ao meu
aniversário? Quando lhe entreguei a lista e tudo mais?

— Sim, só não sei o que uma coisa tem a ver com a outra. Eu te
deixei em casa aquela noite e fui pra minha.

— No dia do meu aniversário você me disse que sonhou comigo,


não foi? — Felipe concorda. — E se eu te disser que não foi sonho, que
passamos aquela noite juntos?

Seus olhos se arregalam.

— Como?! — Ele uniu as sobrancelhas em confusão. — Eu me


lembro de pegar uma garrafa de bebida... E depois...

— O sonho com nós dois?

— Sim. Me explica, Ana. Estou completamente perdido.

— Você me ligou e estava bêbado. Me perguntou por que não podia


ser uma opção daquela lista maluca que inventei. — Felipe me olha como
se não acreditasse que fez aquilo. — Durante a ligação, o barulho de algo se
quebrando me assustou, mas você desligou e não deu tempo de perguntar o
que aconteceu. Se estava bem. Então decidi ir até lá. — Seguro sua mão e
toco a pequena cicatriz que ficou do corte.

— Foi você que fez aquele curativo? — Balanço a cabeça


concordando. — Por isso ficou tão perfeito. O que mais aconteceu?

Sinto minhas bochechas queimarem.

— Você me segurou pela cintura e me fez sentar em seu colo... O


resto já imagina.
— Você não quis ficar lá? Acordar do meu lado no outro dia? Assim
não teria como sequer pensar que havia sido um sonho.
— Eu não imaginei que não se lembraria. Pra mim não estava tão
bêbado. E sabe que minha mãe e eu temos uma tradição. — Lipe passa a
mão no cabelo. — Naquela noite nós não nos protegemos. — Parece que
enfim está ligando os pontos. — Eu comprei uma pílula do dia seguinte,
mas agora sei que tomei tarde demais.

— Esse bebê... — Ele aponta para minha barriga.

— É seu, Felipe. É nosso. — Lipe se levanta e meu coração dispara.


Lágrimas começam a cair. — Eu sei que deveria ter contado. Me desculpa.

— Como conseguiu me esconder algo tão importante por tanto


tempo? — Essa é a única vez que não consigo decifrar por seu tom de voz o
que está sentindo. Me levanto e caminho até ele. — Ana...

— Eu sei que errei. Não dá mais pra voltar atrás. Me desculpa. —


Tento segurar sua mão e ele dá um passo para trás e enfia as mãos no bolso.
— Lipe... — Agora sou eu que recuo. Cruzo meus braços. — Você vai nos
deixar? Você vai fazer o que ele fez com minha mãe?

Felipe me olha como se tivesse dito o maior absurdo do mundo.

— Eu não sou o seu pai, Ana — diz com firmeza. — Eu não sei o
que me magoa mais, você ter escondido algo tão importante pra mim, como
a nossa primeira vez, ou ter acabado de dizer que eu sou como ele. —
Felipe suspira, visivelmente frustrado. Sei que mesmo não querendo, acabei
de ferir seu coração. — Você é a pessoa que mais me conhece, sabe do meu
caráter. Nunca abandonaria um filho. Jamais abandonaria você. — Ouvir
isso é como receber um tapa. Apesar de ele ter razão, não consegui evitar.
— Eu estava disposto a te ajudar, a estar do seu lado mesmo esse bebê não
sendo meu. Eu só precisava saber da verdade. Com quem ficou antes de
mim. Eu confesso que por um momento cheguei a pensar que havia ficado
com outro enquanto estávamos juntos, mas aí me lembrei de que minha Ana
jamais faria uma coisa dessas comigo.

— Desculpa — só consigo repetir essa pequena palavra enquanto


sinto a culpa e o remorso me corroerem.

— Agora preciso ir trabalhar. Mais tarde terminamos essa conversa.


Sem esperar que eu responda, ele se vai.

Volto para a cama me sentindo a pior pessoa do universo. Eu acabei


de ferir o coração do homem mais incrível desse mundo.

Estou deitada no colo de Bia. Sua mão faz um cafuné em minha


cabeça. Já faz um tempo que está em silêncio. Acho que está tentando
assimilar tudo isso. Ela me enviou uma mensagem agora na hora do almoço
perguntando se podíamos almoçar juntas em um restaurante próximo ao
escritório. Foi então que contei que ficarei afastada por dois dias. Não disse
o motivo por telefone, preferi contar pessoalmente, e não demorou muito
para estar aqui em casa. Deixou sua funcionária cuidando de tudo na loja.

— Um bebê — ela diz baixinho. Parece que a ficha está caindo. —


Você vai ter um bebê, Ana.

— Vou — respondo no mesmo tom.

— E Lipe é o pai.
— Sim.

— E você o comparou com seu pai.

— Infelizmente, sim. — Me lembrar de tudo o que ele me disse


naquele momento dói demais.

— Ele deve ter ficado arrasado.

— Eu sei que não deveria ter feito isso, mas foi sem pensar. Quando
me dei conta, as palavras já tinham saído. — Me sento. — Bia, você
cresceu com seu pai ao seu lado te dando amor e carinho. Mesmo que fosse
ausente em alguns momentos, devido ao trabalho, mas ele estava ali por
você. — Encaro a pulseira de ouro em seu pulso. Sei que foi seu pai que a
presenteou em seu último aniversário. — Em todos os dias dos pais você
procurava ele na plateia durante as apresentações. — Toco a joia para que
saiba de quem estou me referindo. — Era para ele que você entregava os
cartões que fazia.

— Sua mãe sempre fez o papel dos dois. Não sente orgulho por
isso?

Levanto meu rosto e vejo seus olhos marejados.


— Claro que sinto, não tenha dúvidas disso. Mas toda criança
deveria crescer com um pai e uma mãe ao seu lado. — Volto a me deitar em
seu colo. — Eu sei o quanto tudo isso também foi pesado para ela. É um
fardo que não precisaria carregar se aquele homem tivesse tido coragem de
assumir o que fez. — Bia limpa minhas lágrimas. — Se ele tivesse nos
amado de verdade tudo seria diferente. Sabe o que as crianças mais me
perguntavam quando era pequena?

— Não faço ideia. — Sua voz sai embargada.


— Cadê seu pai? Seu pai sumiu? Ele morreu? Ele foi embora? —
Eu tentei apagar essas lembranças e não consegui. Elas só estavam bem
guardadas, mas agora voltaram com tudo. — Eu não quero que meu filho
passe por isso, Bia. Porque, querendo ou não, o que aquele homem fez
deixou marcas em meu coração. E tive medo. Mesmo sabendo que Lipe não
teria coragem de fazer o mesmo, na hora entrei em pânico. É tudo tão
complicado. Você não entende.
— Você tem razão. — Bia se abaixa e me abraça forte. — Eu não
sei o que passou, tudo o que sofreu, mas saiba que mesmo não tendo um
pai, você se tornou uma mulher incrível. Felipe é um homem bom e te ama
demais, ele vai te perdoar. Só precisa de um tempo.

— Tudo o que mais quero é que as coisas voltem ao normal. Nosso


relacionamento estava perfeito.

— E o tal de Alessandro que me falou? Acha mesmo que ele é o


doador de sêmen? Porque não dá pra chamar de pai um ser que fez o que
fez com vocês.

Realmente não sei qual dos dois assuntos me deixa mais


desnorteada. Parece que o mundo está caindo sobre minha cabeça.

— Eu acho que sim. Não tenho certeza.

— Não está curiosa pra saber se é realmente ele? Eu estaria.


Adoraria olhar nos olhos do covarde e dizer tudo o que está entalado.

— Bia, pra ser sincera, eu nem sei mais o que sentir. — Volto a me
sentar. Seco meu rosto. Chega de chorar por hoje. — Quando eu o vi essa
manhã, percebi que queria puxar assunto comigo e não consegui evitar ser
grosseira com ele.
— Sabe o que seria uma boa? — Balanço a cabeça confusa com sua
pergunta repentina. — Contratarmos um detetive pra investigar esse
homem. Meu pai conhece um muito bom. O que acha?
— Não sei.

— Você tem que pôr na balança o que é melhor pra você. Prefere
viver com essa dúvida ou saber de uma vez se é ele? Eu com certeza
escolheria a segunda opção.

Suspiro.

— Por que tudo isso tinha que acontecer de uma vez?


Seu olhar transborda compaixão. Bia segura minhas mãos.

— Eu realmente não sei, Ana, mas saiba que nunca estará sozinha.
Você tem sua mãe, Lipe e eu. E mesmo que agora tudo pareça estar fora do
lugar, mais cedo ou mais tarde as coisas vão se resolver. — Bia me abraça
forte. Mesmo sentindo um peso no coração, eu sorrio por tê-la em minha
vida. — Agora vamos até a cozinha que irei fazer pipoca de chocolate para
a minha afilhada.

— Sua afilhada? — pergunto ao me afastar.

— Sim, e nem ouse dizer que não serei a madrinha. — Ela se


levanta e estende a mão. — Agora vamos, minha gravidinha.
Os dois dias passaram tão rápido. No primeiro, Bia ficou comigo
durante toda a tarde e a noite Lipe e minha mãe me fizeram companhia.
Não conseguimos ficar sozinhos para continuar nossa conversa, e apesar
das coisas estarem estranhas entre nós, ele tenta não deixar transparecer.
Percebo que está fazendo seu máximo para que todos pensem que as coisas
não poderiam estar melhores.
No segundo dia meus sogros foram lá para casa para jantarmos
juntos em família. Seus pais estão como minha mãe, é uma alegria sem fim.
E eu fico feliz por eles. Só que mais uma vez não consegui ficar a sós com
Felipe. Não quero conversar por mensagem ou ligação. Pensei em me
oferecer para dormir em sua casa só para termos um tempo, mas achei
melhor não. Ele não parecia querer isso e também não me convidou. Acho
que Lipe está precisando de um tempo para pensar em tudo o que está
acontecendo. Se arrependimento matasse, eu já estaria mortinha. Era para
estarmos felizes e não nessa situação.

Ao mesmo tempo em que quero saber o que está se passando em sua


cabeça, também tenho medo de tê-lo magoado de um jeito que não
conseguirei reparar. E o medo de ter estragado tudo não me deixa dormir
direito. Agora Lipe sempre me cumprimenta com um beijo na testa. Sinto
falta de beijar seus lábios, de me aconchegar em seu peito. Sinto falta do
que éramos três dias atrás.

Nunca imaginei que nossa amizade ficaria assim tão abalada. No


mesmo dia em que dissemos um ao outro que nos amávamos, nossa
amizade, nosso relacionamento foi testado dessa maneira. Mas quero
acreditar que tudo vai se resolver. Eu amo Felipe e sei que errei, só preciso
de uma chance para reparar meu erro.

— Ana, está me ouvindo? — Senhor Carlos chama minha atenção.


E por seu olhar, não foi a primeira vez que me chamou. — Conseguiu
anotar tudo? Teremos bastante mudança a partir de agora.

— Desculpe. O senhor pode repetir, por favor?

— Está muito distraída hoje, Ana. Pelo visto os dois dias que ficou
em casa não foram o suficiente para se recompor — diz, com a voz séria.
Me sinto envergonhada e constrangida. Senhor Carlos não precisava falar
isso na frente de outros funcionários. Era só me chamar atenção após a
reunião. — Preste um pouco mais de atenção. Por favor.

— Peço desculpas, não vai se repetir. — Forço um sorriso.

Queria muito sumir nesse exato momento. Quem é que decide fazer
uma reunião faltando apenas alguns minutos para acabar o expediente? O
dia foi tão puxado. Senhor Carlos me fez compensar os dois dias de
atestado. Mesmo tendo ficado outra em meu lugar.

— Assim espero. Sabe que odeio ficar repetindo as coisas.

Percebo que todos os outros funcionários estão tão constrangidos


quanto eu. Senhor Carlos nunca falou comigo desse jeito. Sei que errei, mas
sempre fiz meu trabalho da melhor maneira possível. Foi um deslize. Fico
aliviada quando a reunião enfim acaba. Todos se levantam e começam a se
retirar. Não vejo a hora de chegar em casa.

— Ana — ele me chama antes que possa sair da sala de reuniões. —


Quero conversar com você. É possível?

Apenas assinto. Diana move os lábios me desejando boa sorte. Eu


agradeço, pois sei que irei precisar. Todos se vão e agora estamos só nós
dois na sala. Olho rapidamente para o relógio em meu pulso e falta apenas
três minutos para encerrar o expediente. Espero que não demore. Carlos
aponta para a cadeira e me sento sentindo minhas mãos suarem. Será que o
constrangimento que acabou de me fazer passar não foi o suficiente? Ele
cruza os braços sobre a mesa. O jeito que me olha já diz que não vem coisa
boa por aí. Tudo o que não precisava nesse momento era levar uma bronca
do meu chefe. A vida realmente não está facilitando para mim.

— Isso não vai se repetir — digo já imaginando o que vem por aí.
— Estou com alguns problemas pessoais...

— Os problemas pessoais tem que ser deixados em casa. — Ele se


levanta e caminha em minha direção com passos firmes. Ele diz isso como
se fosse fácil. Não é uma peça de roupa que você tira e deixa dentro do
armário antes de sair. — Você sabe o quanto sou exigente, Ana. — Ele se
senta na ponta da mesa ao meu lado e cruza os braços.
— Serei mais atenciosa. O senhor pode ficar tranquilo.

— Eu gosto do seu trabalho, Ana. — Ele se inclina um pouco para


frente e eu recuo. É automático. Senhor Carlos limpa a garganta, se levanta
e volta para sua cadeira. O que foi isso? — E não quero ter que te transferir
para outro setor. — Será que entendi direito? Isso mais parece uma ameaça.
— Fui informado que está grávida. Então seu trabalho está garantido até o
bebê completar cinco meses.

— Eu já disse ao senhor que isso não irá se repetir. — Pela primeira


vez desde que comecei a trabalhar aqui, sinto raiva dele. — O senhor não
precisa me ameaçar.

— Não estou te ameaçando, Ana. Jamais faria uma coisa dessas —


diz, agora com uma voz calma. — Só estou te alertando, pois realmente não
quero perder você.

— Me perder? — penso em voz alta.

— O seu ótimo trabalho, Ana — se explica. Ele sorri. —


Ultimamente tenho trocado bastante de secretária e isso não me agrada. Ter
uma pessoa que já sabe dos meus gostos é bem mais fácil. Toda vez que a
secretária é substituída tenho que ensinar tudo novamente, e isso cansa. —
Suspira e se encosta na cadeira. — Eu preciso de uma que consiga atender
todas as minhas exigências e necessidades. Que seja proativa, inteligente e,
principalmente, que me ouça e siga minhas ordens.

— Entendi, senhor Carlos. Ficarei mais atenta.

— Ok. Eu só precisava ter certeza que estamos de acordo. Você quer


continuar trabalhando pra mim e eu ainda quero você como minha
secretária. Pode se retirar. — Me levanto, e antes de sair ele diz: — Bom
descanso, Ana.
— Igualmente.

Saio rapidamente. Me sento à mesa e respiro fundo.

Estou com uma sensação ruim. Olho em volta e percebo que só


estamos nós dois nesse andar. Junto minhas coisas e saio o mais rápido
possível. Já do lado de fora, inspiro profundamente. Parece que naquele
prédio estava faltando ar.

— Está tudo bem? — pergunta Lipe, vindo em minha direção. —


Você demorou. Não viu minha mensagem.

— Só estou cansada. O dia foi difícil. — Os últimos três, para ser


mais específica. Tudo está desmoronando e não sei como colocar no lugar
sozinha. — Não vi sua mensagem, estava conversando com meu chefe. —
Uma conversa que a meu ver foi um tanto estranha.

— Tudo bem, fiquei preocupado. — Felipe beija minha testa e


suspiro. — Vamos pra casa. — Ele pega minha bolsa e vamos até seu carro.

O silêncio aqui dentro me aperta o peito. Será que pergunto se quer


continuar a conversa agora? Continuo esperando o seu tempo? Sinto como
se estivesse carregando o mundo em minhas costas. Estou sobrecarregada e
cansada. Nunca pensei que ficaria assim. Me viro para a janela e me lembro
do seu pedido de namoro. Da música linda que cantou para mim. Do sorriso
que iluminou seu rosto. Lágrimas silenciosas caem e eu as limpo
discretamente. Próximo a minha casa, respiro fundo e não deixo mais que a
tristeza banhe meu rosto. Ao estacionar, me viro para ele. Não quero que
seja assim todos os dias. Sei que não irei suportar. Felipe é meu suporte e
sei que preciso dele. Preciso que ao menos nosso relacionamento esteja bem
para conseguir enfrentar tudo o que estiver por vir.

— Lipe?
— Oi. — Levanto meu rosto e encaro seus olhos azuis que me
olham atentamente. — Você precisa de um abraço? — pergunta baixinho.
Ele me conhece tão bem. Um maneio de cabeça é o suficiente. Lipe
solta o cinto e faço o mesmo. Não demora para sentir seus braços me
envolverem. Ali, sentindo seu cheiro e o quentinho de seu abraço, sinto o
meu coração voltar a pulsar.

— Eu sinto sua falta. — O aperto mais forte.

— Mas eu estou aqui, Ana — sussurra em meu ouvido. — Eu


sempre vou estar aqui pra você, com você.

— Mas tudo mudou e por culpa minha. Desculpa, Lipe, eu não


queria magoar você. — Um soluço escapa e dessa vez é ele que me aperta.
O ouço suspirar baixinho. Sei que isso também está sendo difícil pra ele. —
Juro que não queria te comparar a ninguém. Eu errei estou ciente disso.
Mesmo sendo essa pessoa falha, eu amo você Felipe.

— Eu também te amo, Ana. — Lipe se afasta e segura meu rosto.


Seus polegares enxugam minhas lágrimas. — Eu amo você. Isso não mudou
e sei que nunca vai mudar. — No momento em que seus lábios tocam os
meus, sinto que uma parte do peso que estou carregando enfim é tirado de
minhas costas. Ele se afasta, mas continua segurando meu rosto. — Respira
fundo e se acalma. Eu não quero ver você nesse estado. Ficar assim não vai
fazer bem ao bebê. — Assinto. — Sei que tenho me mantido distante, mas
só precisava de um tempo pra pensar. Precisava colocar tudo no lugar. O
que aconteceu mexeu demais comigo. Eu descobri que a nossa primeira vez
eu estava bêbado, que não nos protegemos, e que teremos um filho. Tudo
no mesmo dia. Eu estava desnorteado e você ainda achou que eu era como
seu pai. Que partiria e abandonaria os dois. Acho que isso foi uma das
coisas que mais me magoou na vida, pois eu pouco me importo com o que
os outros pensam de mim, mas você... Com você tudo sempre foi diferente.

— Eu só quero que me perdoe. Minha intenção nunca foi magoar


você. — Seguro sua mão e entrelaço nossos dedos. — Você é uma das
pessoas que não posso viver sem. Lipe, eu sinto falta dos seus beijos, do seu
abraço. De te ouvir cantar pra mim. Até das suas piadas ruins de tiozão.

— Sério que sentiu falta delas? — Ele sorri e eu faço o mesmo.


Levo minha mão até seu rosto e acaricio sua barba.

— Sim, senti falta de cada uma delas. — Lipe segura minha mão
que está em seu rosto e a beija. — Mas posso dizer que de todas as coisas, o
que mais senti falta foi sua amizade. Antes de se tornar o amor da minha
vida, você foi o meu melhor amigo, meu cúmplice e meu herói.
— Se não parar eu vou chorar, estou de TPM. — Nós rimos. Lipe
deita a cabeça em meu ombro e respira fundo. — Eu sei que tem sido dias
difíceis. Mas nós vamos dar um jeito. Vamos consertar as coisas. Tudo
bem?

— Isso é tudo o que mais quero. — E pela primeira vez desde que
descobrimos sobre o bebê, sinto sua mão tocar minha barriga. Meu coração
se aquece quando seus dedos se movem lentamente.

— Docinho?

— Sim.

— Se um dia você ficar trancada do lado de fora, converse com a


fechadura. Pois comunicação é a chave. — Ele ri baixinho.
— Eu sei, Lipe. Agora mais do que nunca, eu sei que a comunicação
é a chave para tudo.
Ele levanta o rosto. Sua mão toca minha bochecha e então Felipe me
beija.
Nem acredito que estamos sentados no sofá de sua sala comendo
pizza e tomando suco de maracujá, o preferido de Lipe, enquanto assistimos
a um romance bem meloso. Parece que as coisas estão voltando ao normal.
Isso era tudo o que precisava depois de um dia conturbado como hoje. Me
aconchego ainda mais em seu peito. Uma de suas mãos está em minha
barriga. Poderia ficar aqui para sempre. Não consigo definir em palavras a
felicidade e a paz que sinto quando estamos juntos. Sempre sonhei em
encontrar o amor da minha vida e viver um lindo romance como nos filmes.
Por isso nunca consegui sair por aí ficando com qualquer um. Mal sabia eu
que o homem dos meus sonhos estava ali ao meu lado. E o que é um
romance sem um pouco de drama? Saber que conseguimos passar por isso
sem deixar nosso amor ser abalado por meus erros me mostra o quanto
nossa relação é forte.

— Como se sente ao saber que está carregando um semideus?


Me afasto e me viro para ele. Felipe está com aquele sorriso
convencido no rosto.

— Um semideus? Não entendi.

— Se eu sou um deus grego e você é uma mortal, nosso bebê se


torna um semideus — explica.

— Tão convencido, senhor Felipe Martins. — Lhe dou um selinho.


— Esqueci completamente que estou ao lado de uma divindade. — Coloco
o prato vazio na mesinha de centro. Me sento no colo de Felipe com uma
perna de cada lado e envolvo meus braços em seu pescoço enquanto suas
mãos seguram firmemente minha cintura. — Agora que tudo foi
esclarecido, posso disser que estou mais tranquila. Apesar de ser uma
surpresa tremenda, não teria como escolher alguém melhor pra ser o pai do
meu bebê. — Lipe arqueia a sobrancelha. — Nosso bebê — me corrijo.
Sorrindo ele balança a cabeça. — E você? — Começo a massagear seu coro
cabeludo. — Como está se sentindo sabendo que daqui a alguns meses terá
um bebezinho em seus braços?

— Não sei ao certo. — Olho para ele confusa. Não era essa a
resposta que estava esperando. — Eu estou feliz, Ana, mas também
assustado. É muita responsabilidade. Teremos uma pessoinha que será cem
por cento dependente de nós. E se eu fizer algo errado?

— Tipo?

— Não sei. Ele será tão pequeno e frágil. Se por algum acidente
acabar ferindo ele? Eu nunca iria me perdoar. E se lhe deixar faltar algo?
Tem tantas perguntas martelando minha cabeça.

— Eu sei que isso preocupa. Já me fiz vários desses


questionamentos. — Deito minha cabeça em seu ombro. Gosto tanto de
sentir seu cheiro. — Mas não podemos sofrer por antecedência Lipe. Nós
dois trabalhamos, vamos dar conta. E sobre fazer algo de errado, eu também
nunca cuidei de um bebê, iremos aprender tudo juntos. E não estamos
sozinhos. Temos o apoio de nossos pais.

— Sabe... Às vezes penso se meus pais não estão certos em me


pedir pra gerenciar a fábrica.

Surpresa com sua confissão, volto a me sentar para poder olhar seu
rosto.

— Vocês conversaram sobre isso? — Lipe assente. — Quando?

— Na noite em que descobrimos a gravidez. Eles vieram aqui e


tivemos uma longa conversa. — Lipe solta uma lufada de ar. Pelo jeito essa
conversa foi um tanto... Cansativa.
— Mas você não gosta de lá. — Lembro-me do tempo que ficou no
escritório. Felipe parecia que ia enlouquecer. Sei que aqueles poucos dias
para ele pareceram anos. — Confesso que fiquei até com medo que
adoecesse. E você está tão feliz na loja.

— Eu sei. Foi isso que repeti várias vezes aquela noite. Gosto do
meu trabalho, lá posso ser eu mesmo. Não preciso me esconder atrás de um
terno e gravata. Ficar preso em um escritório. Tenho minha
responsabilidade, mas é uma loja de carros esportivos, totalmente minha
praia. — Sua mão toca minha barriga. Coloco a minha sobre a dele.
Estamos os dois olhando para ela. — Mas fico na dúvida se não seria
melhor pra você e pra ele que eu aceitasse logo o cargo — diz baixinho.

— Você trabalharia em algo que não gosta só pra garantir o nosso


futuro?
Sua mão livre toca minha bochecha. Lipe encosta sua testa na minha
e me olha profundamente nos olhos enquanto diz:

— Eu faço qualquer coisa por vocês. — Beija meus lábios. Ele se


afasta alguns centímetros. — Qualquer coisa, docinho.

— Você é maravilhoso, deus grego. — Sorrimos um para o outro.

Segurando minha nuca, Felipe começa a beijar delicadamente meu


pescoço. Sua mão sobe um pouco mais. Seus dedos se enroscam em meus
cabelos, puxando levemente minha cabeça para trás.

— Essa é a hora de comemorarmos nossa reconciliação?

Sorrio com sua pergunta.

— Eu acredito que sim.

Aperto seus braços ao sentir sua mão se encaixar por dentro da


calcinha. Seu dedo me toca com calma. Ele sabe que temos todo o tempo
do mundo.

— Sabe no que estou pensando? — Sua voz sai abafada, pois seu
rosto está em meu decote. Fico feliz por ter colocado esse vestido após o
banho. Felipe se afasta e me olha, e só então percebo que não respondi sua
pergunta. Balanço a cabeça. — Como já está grávida, nós podemos fazer
sexo sem camisinha. — Ele se aproxima do meu ouvido e com aquele tom
de voz que tanto amo diz: — Deve ser tão gostoso sentir pele a pele.

— Vai me dizer que nunca esqueceu o preservativo? — Minha voz


quase não sai. Felipe me toca com tanta precisão que parece já conhecer
meu corpo há anos.

— Tirando a nossa primeira vez, acho que algumas vezes quando


era um adolescente irresponsável. Já faz um tempinho. — Gemo baixinho
quando morde a ponta da minha orelha. — Mas tem um problema.

— Qual?

Ele se abaixa e beija meu ombro.

— Se a sensação for tão boa como em meu “sonho”, não vou querer
sair de dentro de você.

— Vamos morrer à míngua. — Escutá-lo rir me arrepia por inteira.


Meu corpo corresponde a qualquer interação de Felipe. É inexplicável. —
Você é muito safado.

— Você gosta — diz com firmeza. Está para nascer um homem tão
confiante como ele. E não tem nem como discordar. Sinto seu dedo deslizar
lentamente para dentro de mim. Agora Felipe está me olhando nos olhos
enquanto se move lentamente de um jeito tão gostoso. — Diga que gosta do
meu jeito safado, Ana. — Eu queria era gravar em meu celular ele falando
desse jeito, nesse tom. Seria meu áudio favorito. — Diga, Ana — insiste.

Balanço a cabeça e no mesmo instante sua outra mão abaixa a alça


do vestido e Lipe abocanha meu seio. Sua língua se delicia em meu mamilo.
Eu gemo enquanto puxo levemente seus cabelos sedosos.

— Eu amo, Felipe — digo com dificuldade. — Amo seu jeito


safado. Não mude nunca, por favor. — Sorrindo ele se afasta. Não demora
para seus lábios tomarem os meus de um jeito desesperado. É como se
tivéssemos ficado meses distantes. Movo minha cintura seguindo seu ritmo.
— Assim, Lipe — sussurro contra seus lábios. O prazer toma meu corpo e
tudo o que consigo fazer é chamar seu nome.

— Levanta um pouco a cintura, docinho — pede com uma voz


baixa.
Felipe abaixa o short junto com a cueca e vê-lo duro desse jeito me
deixa louca. Levanto minha cintura e ele se posiciona. Com calma, vou o
levando o mais fundo possível. Curtindo a sensação. Olhando em seus olhos
começo a me mover para frente e para trás. Suas mãos apertam minha
cintura e a expressão de prazer em seu rosto é gostosa de ver. Abaixo a
outra alça do vestido, deixando-o ficar em volta de minha cintura. Suas
grandes mãos agora tocam meus seios com vontade.

— Ainda fico impressionado com como você é gostosa — diz,


admirando meu corpo.

Sorrindo, aproximo meu rosto e o beijo. Meu corpo se movimenta


sobre o seu. Nossos gemidos se misturam em uma única melodia. Até que o
barulho do meu celular tocando me faz parar.

— Lipe...

— Não! Nem pense em parar. — Segurando minha cintura, ele volta


a me mover. Eu que pensei que não tinha como ficar melhor estava
totalmente enganada. Ele está atingindo o ponto certo. — Seja quem for,
terá que esperar. — Felipe se aproxima do meu ouvido e diz baixinho: —
Eu preciso gozar dentro de você, Ana. Se não fizer isso agora, posso cair
durinho nesse chão.

— Ana! — Escuto a voz de Beatriz. Logo a batida na porta ecoa no


cômodo.

— Só mais um pouco — ele sussurra. — Estou quase. Goza comigo,


docinho.

Nesse momento percebo que nossa ligação não é apenas


sentimental. Nossos corpos realmente parecem um.
Ofegante, me levanto e começo a arrumar minha roupa. Lipe faz o
mesmo.

— Estou apresentável? — pergunto e ele ri balançando a cabeça. —


Terei que ir assim mesmo. — Arrumo meu cabelo. Assim que abro a porta,
a vejo caminhando até o carro. — Bia.

Ela se vira para mim e me preocupo ao ver tristeza em seus olhos.

— Desculpa, não queria atrapalhar vocês.

Sim, algo aconteceu. Sua voz está baixa. Essa não é a minha amiga.

— Você não atrapalhou. Entre. — Abro passagem para ela e a


acompanho até o sofá.

— Oi, Lipe — ela o cumprimenta antes de se sentar.

— Que cara de enterro. O que aconteceu?

Tão surtiu esse meu namorado. Me sento entre os dois.

— Lucas... — Bia suspira. — Cheguei em seu apartamento e vi uma


ruiva nojenta abraçando ele no sofá. — Ela abaixa a cabeça.
— Me explica como tudo aconteceu — peço. — Só assim
conseguirei te ajudar.

— Isso — Lipe concorda. — Explique tudo com detalhes. Darei


meu ponto de vista como homem.
Ela assente.

— Quando cheguei no apartamento, vi os dois abraçados no sofá.


Eles pareciam tão íntimos — ela sussurrou. — Até beijo na cabeça dela
Lucas deu. Ele não me viu. Estavam tão distraídos conversando e rindo. Eu
só fechei a porta e fui embora.
— Você não conversou com ele? — pergunta Felipe.

— Não. Só queria sumir dali. — Ela se joga para trás. — Não pensei
que namorar dava tanto trabalho. Deveria ter dito não ao seu pedido.
Continuado na vida que sempre levei, a que estava acostumada. Amar é
uma bosta! — Olhamos para ela surpresos. Bia tapa a boca com a mão.
Parece enfim ter se tocado do que disse. — Não ousem dizer nada sobre o
que acabaram de ouvir.

— Tá bom. Não vou zoar por ser uma situação delicada — diz
Felipe. — Mas acho que vocês devem conversar. Esclarecer as coisas.
Talvez não seja o que está pensando. Deixe ele se explicar. — Olho para
Lipe surpresa com sua maturidade. — Não me olhe assim, Ana. — Ele sorri
sem jeito e coça a nuca. É tão fofo. Parece que voltou a ter seus dez anos
novamente. — Eu posso ser brincalhão e sem filtro, como você mesma já
disse várias vezes, mas também sei falar sério.
— Eu não disse nada — me defendo.

— Não precisa. Eu consigo ler seu olhar.

Sorrio para ele, e ele devolve o gesto.

— Ei — Bia chama nossa atenção. — Parem com esse romantismo.


Isso não me ajuda em nada.

Nós três rimos e a tensão diminui.

— Desculpa, amiga. — A abraço. — É tudo culpa de Felipe. Ele me


deixa boba. — Pisco para o meu namorado, que me manda um beijo. —
Mas, voltando ao assunto, eu concordo com Lipe. Você deve conversar com
ele.
Batidas na porta soam e voltamos nosso olhar para a entrada da
casa, que hoje está mais movimentada que nunca. Felipe se levanta e vai
atender, e que surpresa a minha quando vejo Lucas entrar. Ele cumprimenta
a todos e quando tenta beijar o rosto de Bia, ela desvia.

— O que aconteceu? — pergunta, visivelmente confuso.

— Já terminou com a ruiva? — A irritação em sua voz é notável.


Quero me levantar e deixá-los a sós, mas Bia está segurando forte minha
mão. — Tem uma morena também pra completar a coleção?

— Não entendo do que está falando. — Lucas parece realmente


perdido. Olho para Lipe, que está prestando bastante atenção nos
acontecimentos. — Pra que iria querer outra mulher se eu tenho você? —
Ela não responde. Após alguns segundos ele da um estalo de língua. —
Você foi lá em casa? — Bia assente e Lucas logo começa a rir. — Beatriz,
aquela é Valéria. Minha irmã veio de surpresa. Ela não avisou que estava
vindo nos visitar. Ficamos te esperando no meu apartamento. Tentei te
ligar, mas só ia para a caixa postal. Ia à casa de Ana, mas logo vi seu carro
aqui na frente.

— Eu desliguei o celular — Bia diz baixinho. — Mas sua irmã não


era loira?
Ela cruza os braços.

— Valéria pinta o cabelo de tantas cores que nem sei como não está
careca. — Lucas ri e Bia, mesmo tentando evitar, esboça um sorriso. É
assim que gosto de ver minha amiga. Lucas se abaixa e segura sua mão
livre. — Eu amo só você, Beatriz Marinho. Você é a única dona do meu
coração. Não seria burro pra te trair e muito menos levaria outra pra minha
casa sabendo que estava próximo do horário de você chegar.
— Nisso ele tem razão — Lipe diz, e todos nós olhamos para ele. —
Foi mal. Pensei alto.
Lucas se levanta.

— Minha irmã está lá no carro. Vamos pra você conhecê-la


pessoalmente. — Ele estende a mão para ela. Bia solta a minha e um pouco
relutante segura a do namorado e se levanta. Lucas olha para mim e para
Felipe. — Quero apresentá-la a vocês também. Pelo menos tiramos essa
história a limpo. O que acham?

— Será um prazer conhecê-la — respondo.


Não foi um prazer conhecer a irmã de Lucas. Passamos um tempo
conversando ontem e eu a achei muito metida. E também não gostei do jeito
que ficou olhando para Lipe. E olha que nos apresentamos como um casal.
Valéria, assim como Bia, também é de uma boa família, mas a diferença
entre as duas é enorme. E eu não fui a única a reparar nisso. Lipe comentou
sobre esse assunto quando estávamos sozinhos. Parecia até que éramos duas
amigas falando sobre a vida alheia. Isso é uma das coisas que amo nele. Só
não gostei de ficar me provocando por causa do ciúmes. Como se ele
também não tivesse ciúmes de mim. Lembro que quase teve um troço
quando Bruno me chamou de docinho. É o sujo falando do mal lavado.
Faltam apenas alguns minutos para o fim do expediente e Bia já
avisou que passará aqui para me buscar. Lipe não ficou muito feliz quando
avisei, mas ele tem que aprender a dividir. Não posso deixar minha melhor
amiga de lado. Feliz e também cansada, começo a arrumar minhas coisas.
Assim que pego minha bolsa debaixo da mesa, vejo um pequeno papel cair
no chão. Curiosa como sou, o pego. Desdobro e leio em voz alta.

— “Está maravilhosa hoje, Ana. Esse conjunto vinho lhe caiu muito
bem”. — Sinto um frio subir por minha espinha. — “Use essa cor mais
vezes”. — Fico encarando o papel, tentando imaginar quem deixou esse
bilhete.

— Tudo bem, Ana? — pergunta Diana. Levanto meu rosto e encaro


a morena de cabelos cacheados que me olha preocupada. — Está sentindo
alguma coisa? Parece tensa. — Ela se aproxima mais da mesa. Enfio o
papel na bolsa.

— Estou bem sim. — Sorrio na tentativa de tranquilizar a mulher


que agora segura minha mão.

— Tem certeza, Ana? Se precisar lhe acompanho até o hospital.

Eu não queria vê-la assim tão preocupada. Faz pouco mais de dois
anos que Diana perdeu o bebê em um aborto espontâneo, e desde então não
conseguiu mais engravidar. Assim que soube que estava grávida, ficou
ainda mais próxima de mim. Ela é uma mulher tão boa e forte. Eu peço a
Deus para que consiga realizar esse seu sonho. Que tenha uma família
grande e feliz.

— Imagina, não é preciso. Pode ficar tranquila. — Me levanto.

Diana me oferece o braço. Olho para a porta do escritório de Carlos.

— Já deu seu horário. Não precisa esperar ele sair. — Ela entrelaça
seu braço no meu.

— É que sempre me despeço ou espero ele sair primeiro. — Sorrio


sem jeito.
— Não se preocupe. Carlos não vai morrer por não te ver aí na sua
mesa. — Talvez Diana tenha razão. Todo o serviço de hoje foi finalizado,
não sei o que ele está esperando para poder partir. — Vamos que você
precisa descansar. Ele tem lhe dado muito trabalho.

Assinto e começamos a caminhar. Já do lado de fora, me despeço


dela. Vejo o carro de Bia estacionado e entro rapidamente.

— Oi. Beijinho na dinda. — Bia toca a própria bochecha. Rindo, lhe


dou um beijo. — Como está? E minha afilhada?

— Nós estamos bem. Mas... — Será que é paranoia da minha


cabeça? Se Bia achar que estou ficando louca?

— O que aconteceu? Pode desabafar enquanto nos levo até minha


casa. Planejei uma noite especial só pra nós duas.
— Acho que tenho um admirador secreto. — Entro no assunto de
uma forma mais leve. — Recebi um bilhete elogiando minha roupa.

— E isso não é bom?

Bia é como Felipe, eles me conhecem muito bem. Mesmo tentando


disfarçar, ela percebeu que não gostei.

— Não acho legal. Se alguém quer me elogiar, eu prefiro que seja


pessoalmente. Não curto muito isso. — Dou de ombros. — Senti algo
estranho quando li.

— Talvez seja coisa da sua cabeça. A pessoa pode ter ficado com
vergonha de falar pessoalmente por saber que você é comprometida.

— Não acho que um elogio seria algo inapropriado. Mas vamos


mudar de assunto. O que achou da irmã de Lucas?
— Chata, irritante e metida. — Nós rimos. — Tenho que lhe contar
umas coisas que aconteceram.

— Por isso quis fazer uma noite de meninas no início da semana? —


Bia assente sorrindo. — Já vi que essa noite vai render.

— Com certeza vai!

Rio ao me lembrar de ontem. Foi divertido passar a noite com Bia.


Desde que descobri sobre o bebê, tenho tentado manter uma alimentação
saudável, mas ontem foi completamente impossível resistir às delícias que
ela comprou no caminho. E hoje posso dizer com toda a certeza que ela
também não gostou de Valéria. A nossa sorte é que a cunhada mora em
outra cidade e raramente aparece por aqui. Felipe fez questão de me buscar
em sua casa. Nós nem vimos a hora passar. Só me dei conta de que já estava
tarde quando falei com Bia e ela não respondeu, e foi quando percebi que
havia adormecido.

Senhor Carlos acabou de sair para almoçar com sua esposa. Ele não
parecia muito feliz, acho que as coisas não estão indo muito bem em seu
casamento. E sinto muito por isso. Sempre achei Luiza uma mulher tão
meiga e delicada. Espero que seja lá o que esteja acontecendo, eles
consigam resolver. Ao terminar de organizar a papelada que Carlos terá que
assinar hoje, pego minha bolsa. Perdi dez minutos do meu almoço aqui.

Quando estou saindo, encontro quem menos esperava. Um enorme


sorriso se forma em meu rosto e quando ele me vê também sorri. Lipe está
de pé ao lado da moto com uma sacola na mão. Caminho rapidamente até
ele e o abraço. Meu coração sempre se derrete quando o sinto beijar minha
cabeça.

— Adorei a surpresa. — Levanto meu rosto e beijo seus lábios. —


Está esperando há muito tempo? Eu me atrasei. Estava organizando uma
papelada. Se soubesse que viria, teria deixado pra depois.

— Não tem problema. Eu acabei de chegar. Quer ver o que tem


aqui? — Ele levanta a sacola. — Você vai adorar ainda mais essa surpresa.
— Ele me entrega. — Abra, estou ansioso. Escolhi sozinho. — A
empolgação em sua voz me diz que é algo muito especial. E sei que é para
nosso bebê devido à marca da loja.

— Meu Deus, Felipe. — Sinto meus olhos arderem. — É tão lindo!


— Admiro o mobile de berço que foi feito de crochê. As estrelas são
amarelinhas e tem vários carneirinhos bem branquinhos.

— Ele ou ela poderá contar carneirinhos se não conseguir dormir. —


Olho para ele e só consigo sorrir em meio às lágrimas. Sua mão toca minha
bochecha com carinho. — Espero que sejam lágrimas de felicidade. Não
tive muito tempo pra ficar escolhendo e quis ser o primeiro a presentear
nosso filho. — Sua mão toca minha barriga, e eu coloco a minha sobre a
dele.

— Eu amei demais. Obrigada. — Seguro sua nuca e o beijo.

— Agora vamos comer. Temos pouco tempo e preciso te contar uma


coisa importante que aconteceu. — Olho para ele confusa. — Já adianto
que estava certa.

— Certa sobre o quê?


— Valéria. — Ele beija minha testa. — Mas vou te contar tudo com
detalhes. Não se preocupe.

Aviso o pessoal que precisarei sair um pouco mais cedo para o


almoço. Pego a chave da moto e sigo para o estacionamento, e pouco tempo
depois já estou em frente a loja. Desço e fico encarando a bela fachada. Não
sei ao certo o que irei comprar, só sei que quero ser o primeiro a presentear
nosso filho. Me surpreende um pouco que nossas famílias ainda não tenham
começado a enchê-la de presentes. Minha mãe eu entendo; ela está
esperando saber o sexo da criança. Mas Ana já disse que ainda vai demorar
um pouquinho. De qualquer maneira, sei que vou adorar acompanhar meu
docinho quando ela decidir comprar o enxoval, só para vê-la toda feliz.

Sorrio ao ver na vitrine um pequeno par de sapatinhos azul. Eu


gostaria muito que fosse um menino, mas se vier uma menininha, também
ficarei feliz. Eu só acho que um menino seria mais fácil de cuidar. E iria
adorar ensiná-lo a jogar bola, andar de bicicleta e tudo mais. Se bem que se
for menina também poderei fazer isso. Não quero que ela pense que jogar
futebol é algo de menino. Nosso filho, independentemente do sexo, será
livre para fazer o que gosta.

Estou tão perdido em pensamento que me assusto ao sentir uma mão


em meu ombro.

— Desculpa, não queria te assustar. — Valéria sorri. Ela beija minha


bochecha, e vejo várias sacolas em suas mãos.
— De boa. Só estava distraído. — Sorrio sem jeito. — Fazendo
compras?

— Gastando um pouco. Você vai comprar algum presente? — Ela


aponta para a loja de bebê.

— Sim. Para uma das pessoas mais importante do mundo. — Sorrio.


É automático. Nosso filho já tem o mesmo efeito que Ana sobre mim. E
gosto muito disso.
— Essa pessoa deve ser importante mesmo. — Valéria toca meu
ombro e com calma dou um passo para trás. — É algum sobrinho ou
afilhado?

— É meu filho. Ou filha. Não sabemos ainda. Pensei que havíamos


comentado isso ontem.
— Não comentaram. Fico feliz por você. Será um ótimo pai.
Parabéns. — Ela me abraça. Um abraço que dura tempo demais para o meu
gosto. Não dei essa intimidade a ela. E como pode afirmar que serei bom
pai se só trocamos algumas palavras? — Você é cheiroso — diz com a voz
baixa antes de se afastar.

Nesse momento entendo o que está acontecendo. Não sou nenhum


menino inocente. Ana tinha razão em ficar com ciúmes. Me afasto ainda
mais dela.
— Eu preciso entrar. — Aponto para dentro da loja. — Estou no
horário de almoço. Logo tenho que retornar. Não gosto de atrasos.

— Quer ajuda? Eu tenho bom gosto. — Valéria enrola uma mecha


de cabelo no dedo. Ela e Lucas são tão diferentes.
— Não quero ser grosseiro, Valéria, mas esse é um momento único
pra mim — digo com calma. — Prefiro fazer sozinho.

— Tem certeza, Felipe? Não será problema nenhum. Estou com


bastante tempo livre. — Seus olhos brilham. Apesar de serem da mesma cor
que os olhos de Lucas, eles transmitem coisas totalmente diferentes.

Tenho que dar um corte nela, mas não quero ser grosseiro. Quer
saber? Foda-se!
— Se fosse pra ter alguém me acompanhando, queria que fosse Ana.
Mas não seria uma surpresa se ela visse o presente. — Ela abre a boca, mas
antes de dizer algo, eu continuo. — Valéria, eu amo Ana como nunca
imaginei amar uma mulher e ela está carregando um filho nosso. Apesar de
ter levado uma vida de garanhão, a palavra “traição” não existe no meu
dicionário. Eu respeito ela, nosso relacionamento e nosso filho. Então se
acha que jogando charme pra cima de mim vai conseguir algo, pode
esquecer.

— Está se achando muito, Felipe. — Sua voz agora não está mais
como antes. Toda a alegria e sensualidade se foram.

— Talvez sim. — Dou de ombros. — Mas não custa deixar as coisas


claras. Não sei se já ouviu algo sobre mim por aí, mas o Felipe de meses
atrás não existe mais. Agora já vou. Foi um prazer vê-la novamente —
minto descaradamente.

Aceno e começo a entrar na loja antes que possa dizer alguma coisa.
Suspiro ao perceber que ela enfim se foi. Tudo aqui dentro é tão lindo que
me sinto perdido, mas darei o meu melhor para achar um presente digno de
nosso primogênito. O sexo de ontem foi tão gostoso que sinto que se não
nos cuidarmos teremos vários filhos. Tenho que preparar meu bolso.
Tudo em nossas vidas está caminhando bem. Já fomos a três
consultas do pré-natal juntos e todas elas são especiais para mim. No dia em
que ouvimos o coração do nosso filho pela primeira vez, era Felipe
chorando de um lado e eu do outro. Aquilo foi inesquecível. Agora que o
período mais crítico da gestação passou, chegou a hora de resolver uma das
pendências em minha vida. Não sei se estou fazendo o certo. Eu realmente
espero que sim.

— Tem certeza que não quer que eu vá com você? — pergunta


Felipe assim que estaciona em frente ao restaurante. Por seu tom de voz, sei
que está preocupado. Mas preciso fazer isso sozinha.
— Tenho sim. — Sorrio, tentando tranquilizar não apenas ele como
eu também. Estou uma pilha de nervos. — Não vou demorar. Assim que
terminar te envio uma mensagem, tudo bem?
Até dei a ideia de vir com seu carro emprestado, mas ele disse ter
medo do rumo da conversa e não quer que eu dirija estando nervosa. E
vendo por esse lado, ele tem razão.
— Ana — diz meu nome com carinho e segura minhas mãos. — Eu
sei que essa conversa vai ser difícil, e o que vou pedir é quase impossível,
mas tenta manter a calma. Independente do que aconteça, do que ele te
diga, eu estarei aqui com você. — Lipe encosta sua testa na minha e suspira
baixinho. — Eu queria tanto ter o poder de te proteger de todo o mal que
existe no mundo.

— Eu sei — digo em um sussurro. — Esse é um dos motivos que


me fazem amar tanto você. — Beijo seus lábios.

— Vou pensar em você a cada segundo. Virei correndo quando me


chamar, tudo bem?

Assinto e lhe dou um último beijo antes de desembarcar.

Aceno para Lipe e adentro o restaurante, sentindo o nervosismo


tomar meu corpo. Já estava nervosa antes, mas agora parece que
multiplicou. Minhas mãos suam e tento sem muito sucesso parecer calma.
No canto, sentado à mesa, próximo a janela, está Alessandro. Ao me ver,
ele sorri e acena. Eu sei que quando minha mãe souber dessa conversa, não
irá gostar nada. Mas preciso fazer isso de uma vez por todas. Respiro fundo
e caminho em sua direção.

— Sente-se, por favor — pede gentilmente.

Me sento com o coração apertado. Sei que essa conversa tem uma
grande chance de me destruir, mas tenho que ser forte.

— Eu não posso demorar muito. — Coloco minha bolsa na cadeira


ao lado.
— Tudo bem. Obrigado por aceitar meu convite. Fiquei surpreso e
feliz quando me ligou. — Ele sorri. Parece ser sincero. Alessandro me
entregou um cartãozinho com seu número em uma das várias vezes que nos
vimos durante esses últimos meses. Ele parecia brotar do chão. — Pode
escolher o que quiser, faço questão de pagar o seu almoço. — Ele me
entrega o cardápio.

Encaro Alessandro sem entender direito o que se passa aqui dentro.


Mesmo tentando se controlar, percebo que ele está empolgado com esse
encontro. Com esse mínimo de interação que estou permitindo. Eu ainda
não tenho cem por cento de certeza de que ele é meu pai – ou finjo não ter
certeza, pois não há outra explicação para tudo o que está acontecendo —,
mas não consigo evitar pensar em quantas vezes quis viver esse momento.
Que filha não gostaria de sair para almoçar com o pai? Balanço a cabeça.
Me nego a pensar mais nisso. Eu vivi sem ele até agora, posso continuar
vivendo. Só preciso da minha mãe. Foco em escolher algo que seja rápido
de preparar e saboroso. Após realizarmos nossos pedidos, um silêncio
desconfortável se instala. Parece que nenhum dos dois sabe o que dizer.

— Como está o bebê? Já sabe se é menino ou menina? Tem tido


muitos enjoos? — Me surpreendo por suas primeiras perguntas serem
relacionadas a meu filho.

— Ele está bem. Ainda não sabemos o sexo do bebê. — Sorrio sem
mostrar os dentes. Não direi que estamos esperando o chá revelação. Ele
não será convidado. — E os enjoos felizmente já passaram.

— Isso é muito bom.


— Alessandro... — Parece que as palavras estão presas em minha
garganta. O homem me olha com atenção. — Por que você quer tanto se
aproximar de mim?
— Porque quero ser seu amigo. Assim como sou de sua mãe.

Não consigo conter o riso.

— Alessandro, me desculpa a sinceridade, mas você e minha mãe


são qualquer coisa menos amigos. — Ele desvia o olhar do meu. — Diga o
real motivo de estar aqui — insisto. — Tem que concordar que tudo isso é
muito estranho. Você aparece do nada e quer forçar uma relação comigo,
uma completa estranha. E fora o fato de minha mãe ficar muito nervosa
quando te vê ou digo seu nome.

— Eu vim para essa cidade porque fui transferido.

— Transferido? — pergunto confusa.

— Sim. Sou delegado e esse tipo de coisa pode acontecer — diz,


com voz mais baixa.

É aí que a última peça se encaixa. Ele é um delegado. Uma das


profissões que meu pai poderia ter seguido. Por que ele não diz logo? Por
que não assume que é o homem sem coração que nos abandonou? Não há
mais dúvidas. É ele. Sinto a raiva aos poucos se apossar de mim. Quando
penso em abrir a boca, o garçom aparece com nossa refeição.

— Coma, Ana. Você vai gostar da comida desse restaurante. O dono


é um antigo colega meu.

Eu tenho que me acalmar. Não posso deixar a raiva me dominar. Me


forço a comer, mesmo sentindo um nó no estômago. Cada vez que engulo,
sinto como se a comida arranhasse minha garganta. Mas eu já não comi
nada direito no café da manhã. Posso acabar passando mal, e isso é tudo o
que não quero. Antes de colocar a salada no prato, tiro as cebolas. Me
esqueci de avisar ao garçom que não gosto. Só então percebo que
Alessandro está fazendo o mesmo. Ele percebe que o estou encarando.
— Você também não gosta de cebola? — Ele arqueia a sobrancelha
com um meio sorriso no rosto. — Eu sempre peço para tirar, mas acabei me
distraindo e esquecendo. O que mais não gosta?

Corto o bife e o levo até a boca. Preciso mantê-la ocupada para não
falar o que não devo. Não vou ter esse tipo de conversa com ele. Não vou
ficar comparando para saber no que mais somos parecidos. Alessandro
percebe e então começa a comer. O garçom retira nossos pratos e diz que
trará a sobremesa. Alessandro apoia os dois cotovelos na mesa e me olha
com carinho. É a primeira vez que me olha desse jeito.

— Pare com isso — peço, sentindo meu coração apertar. — Por que
não fala logo a verdade? — Ele ergue as sobrancelhas. — Diz logo que é
meu pai. — No mesmo instante ele abaixa a cabeça. — Olha pra mim,
Alessandro. — Fico feliz por conseguir controlar a raiva e não elevar o tom
de voz.

— Aqui está a sobremesa. — Olho para o garçom e vejo seu sorriso


ir se desfazendo. Será que meu rosto está revelando como estou me
sentindo aqui dentro? Se for julgar pela compaixão que transborda de seus
olhos negros eu diria que sim. Ele coloca os pratos sobre a mesa — A
senhorita está bem?

— Estou sim. Obrigada por perguntar.

— Qualquer coisa é só chamar — diz as palavras olhando para mim.


— Com licença. — Se retira.

— Eu... Ana. — Ele balança a cabeça. Seus olhos verdes estão


marejados. — Sim. Eu sou seu pai.

Sinto a primeira lágrima rolar em meu rosto e a limpo rapidamente.


— Por que voltou agora? Não poderia continuar fingindo que não
existo? Você pouco se importou em me deixar para trás. Em deixar uma
jovem mulher que carregava um filho seu desamparada. — Dessa vez não
consigo manter o volume baixo. Olho em volta e algumas pessoas estão me
encarando. Respiro fundo e volto minha atenção a Alessandro. — Você teve
mais de vinte anos pra pensar em uma história triste pra me convencer de
que realmente foi preciso nos abandonar. Pode começar com o teatro,
Alessandro.

— Não sei ao certo por onde começar, Ana. — Suspira, e me


pergunto se esses anos longe doeram nele como doeram em mim. Mas
penso que não, ou ele teria voltado antes. — Nada que eu diga vai
conseguir mudar o passado. Estou ciente de que errei demais abandonando
vocês.

— Você não tem noção do mal que fez a mim. Ninguém diria que
um homem bonito, elegante e que fala tão bem como você seria um ser sem
coração. Totalmente vazio. Um dos piores tipos que há nesse mundo. — Bia
tinha razão, é muito bom colocar tudo para fora. Minha vontade é ir embora
e nunca mais dirigir uma palavra a ele, mas preciso ir até o fim. — Por isso
dizem que quem vê cara não vê coração. Você é o exemplo vivo disso,
Alessandro.

— Eu sei que mereço todo esse ódio. — Ele baixa os ombros como
se se sentisse derrotado. Alessandro encara as mãos, que estão sobre a
mesa. — Mereço todos os insultos existentes, Ana.

— Pelo menos essa consciência você tem. Já é alguma coisa. — Ele


levanta o rosto e me forço a não ser tocada por toda a tristeza que vejo. —
Conte logo a sua história.
Alessandro respira fundo. Eu faço o mesmo, pois sei que essa parte
da conversa é a que mais irá me machucar.

— Um pouco antes de sua mãe descobrir que estava grávida, havia


decidido que o que queria para minha vida era ser delegado, e isso requeria
muito empenho, muito estudo. E eu não imaginava que meu relacionamento
com Carla resultaria em um filho. — Alessandro me olha nos olhos. — Sei
que deveria ter usado proteção, mas éramos jovens, e você sabe como é
quando a paixão toma nosso coração e o desejo nosso corpo. — Ele desvia
o olhar e volta a encarar as mãos — Naquela época não queria pensar em
nada além de minha carreira; recebi uma proposta de um amigo em outro
estado… e creio que já imagina o que aconteceu. Que escolha eu fiz.

As lágrimas começam a cair uma após a outra. Eu fui trocada por


uma carreira. Ele preferiu seguir seu sonho a cuidar de mim e de minha
mãe, não a amparou quando mais precisou. Dessa vez não tento conter as
lágrimas. Quero que ele veja o que tudo isso me causou. Quero que cada
lágrima seja como um tapa de realidade. Provavelmente acha que após anos
de abandono as coisas entre nós poderiam dar certo. Mal sabe que em meu
coração não existe espaço para ele.

— Por favor, diga alguma coisa — pede em uma voz baixa. Abro a
boca e fecho várias vezes. A dor em meu coração é tão grande que parece
me roubar o ar. Sem pensar muito, me levanto, pego minha bolsa e saio
rapidamente do restaurante. — Ana — ele chama várias vezes e o ignoro.

Já do lado de fora olho em volta e me surpreendo ao ver a poucos


metros de distância o carro de Lipe. Ele não foi embora, ficou aqui me
esperando. Tudo que preciso nesse momento é abraçá-lo. O único homem
que abriria mão de tudo por mim está ali dentro daquele veículo. Começo a
caminhar em sua direção sentindo meu coração pesar.
— Ana, espera, por favor!

Acelero o passo ao ouvir a voz de Alessandro. Mas infelizmente ele


me alcança. Alessandro para na minha frente com os olhos cheios de
lágrimas.

— Não deveria ter voltado — digo, e me xingo mentalmente por


deixar um soluço escapar.

Alessandro levanta a mão como se quisesse me consolar e dou um


passo para trás. Ele nunca irá me abraçar.

— Mas eu voltei porque quero você em minha vida, Ana. Quero


você, quero meu neto — suplica. — Te digo do fundo do coração que me
culpo por isso; por ter sido fraco, não ter sido homem de verdade. Sei que
fui imaturo e irresponsável, e imploro que não me afaste de vocês. Apesar
de entender se você quiser isso. Peço somente uma chance de lhe mostrar
que estou arrependido e que quero estar ao seu lado pelo resto de minha
vida. — Suas lágrimas molham seu rosto. Sinto um aperto no peito, mesmo
sabendo que ele não merece. — Por anos pensei em voltar aqui, mas me
faltou coragem. Coragem de enfrentar o que deixei para trás, de ver o que
realmente perdi. De enfim ver que fiz a escolha errada.
— Você realmente fez. — Minhas palavras saem rudes.

— Quer ir pra casa?

Só então me dou conta de que Felipe já está parado ao meu lado.


Olho para ele e assinto. Sua mão segura a minha como se quisesse reforçar
que está ali. Que não estou só. Agora com ele ao meu lado me sinto mais
forte. Volto minha atenção a Alessandro.

— Eu sempre quis saber quem era meu pai. Sempre quis ter um pai.
Via minhas amigas comentarem como seus pais eram incríveis, e eu queria
isso pra mim também. Todos os dia dos pais, aniversários, natal, eu
imaginava como seria ter meu pai ao meu lado. — Alessandro abaixa a
cabeça. — Saiba que perdeu a chance de ter uma mulher incrível ao seu
lado. Minha mãe é a melhor desse planeta. A vida é feita de escolhas,
Alessandro, e você fez a errada. — Ele levanta o rosto. As lágrimas
continuam a cair. — Eu vivi sem você até agora e posso continuar vivendo.
Você continua sendo um estranho pra mim. Eu nunca vou te chamar de pai.
Nunca irei te amar como um. Não me procure mais. — Aceno com a cabeça
para Lipe e nos viramos.

Ao darmos o primeiro passo, o ouço dizer:

— Eu abri mão de você uma vez e não farei isso de novo. — Não
me viro. Minha mão aperta a de Felipe. — Vou implorar por seu perdão até
o último dia da minha vida, Ana. Eu amo você.

Ouvir isso é meu fim. Volto a caminhar rapidamente e já dentro do


carro abraço Felipe e me desmancho em lágrimas.

— Pode pôr tudo para fora. Eu estou aqui com você.


Sua mão sobe e desce por minhas costas. Parece que essas lágrimas
nunca chegam ao fim. Eu sabia que iria doer. É como se meu coração
tivesse sido partido em tantos pedaços que levará tempo para colocar tudo
no lugar. Aos poucos vou tentando me acalmar. Me solto dos braços de Lipe
e limpo minhas lágrimas. Queria ser mais forte. Alessandro não merece
nenhuma delas.

— Você vai contar a sua mãe? — Lipe arruma meus cabelos. Ele
sorri para mim, e mesmo ainda sentindo a dor esmagar meu peito, eu sorrio
de volta. Tenho tanta sorte de tê-lo aqui comigo.

— Sim. Não vou conseguir esconder dela algo tão importante.


Conversarei assim que chegar em casa. — Solto um longo suspiro. — Sei
que vai ficar nervosa com isso.
— Com certeza vai. — Sua mão segura a minha. — Não quer deixar
pra contar amanhã? Você já passou por tanto estresse hoje.

— Acho melhor já resolver tudo hoje. Não quero voltar nesse


assunto depois. Colocarei um ponto final de vez.

— Tudo bem. Vou te levar para casa.

Me despeço de Lipe e digo que ao terminar a conversa com minha


mãe enviarei uma mensagem. Assim que entro em casa, a encontro na sala
deitada no sofá mexendo no celular.

— Oi, meu amor. Como foi o almoço com Lipe? — ela pergunta,
distraída, e quando finalmente volta o olhar para mim, se levanta
rapidamente ao ver minha expressão. — O que aconteceu? Por que seus
olhos estão inchados? — Ela toca meu rosto.

— Eu conversei com Alessandro.

Seus olhos se arregalam.


— Você não deveria ter ido conversar com ele, Ana. — Sua voz
muda de tom. A amargura e o ódio que sente por ele é visível, e eu a
compreendo. — Eu pedi tantas vezes para se manter afastada dele, Ana.
Aquele homem não presta.

— Eu sabia que não iria gostar da ideia, mãe. Por isso não contei
que ia encontrá-lo. — As lágrimas voltam a molhar meu rosto. — Mas
agora eu sei que ele é meu pai. Sei o real motivo do abandono.

— Eu não queria ver você sofrendo assim. Por isso pedi pra ficar
longe dele. — Minha mãe me abraça forte.

— Desculpa, mãe, mas eu precisava disso. — Segurando minha mão


ela, me leva até o sofá. Minha mãe bate com a palma em seu colo e eu então
me deito. Logo sua mão acaricia meus cabelos. — Imagino como está
sendo difícil pra você. Eu realmente não esperava que ele voltasse depois de
tantos anos.

— Ele quer tentar se aproximar de mim. Mas já deixei avisado que


isso não vai acontecer. Alessandro nunca será meu pai.

Foi tão difícil me concentrar no trabalho hoje. Aquela voz não sai da
minha cabeça. Ele disse que me ama. Aquele maldito homem que nos
abandonou teve a coragem de dizer que me ama. Eu deveria ter dito que
estava mentindo. Mas ouvir aquelas palavras, mesmo que não querendo,
mexeu comigo de um jeito que nunca imaginei. Alessandro não tinha esse
direito. Ele com certeza é a pessoa que mais me machucou. Meu pai, o
homem que deveria me amar incondicionalmente e proteger, é o causador
de uma dor que carregarei para o resto da vida.

Ao sair do prédio, me surpreendo ao ver Lipe sentado no capô do


carro com uma pequena sacola da minha loja de chocolate favorita na mão.
Ele simplesmente não existe. Não tive um exemplo de homem dentro de
casa e mesmo assim consegui encontrar um perfeito para mim. Se bem que
acredito que Felipe conseguiria fazer qualquer mulher feliz. Quando me
aproximo do veículo, ele se levanta e abre os braços. Com meu coração
transbordando de amor, envolvo meus braços em sua cintura e fecho os
olhos ao senti-lo beijar minha testa.
— Um presentinho para o meu docinho. — Ele me entrega a sacola
e me dá um selinho. — Hoje não vamos direto para casa.

— Não? — pergunto confusa.

— Vamos dar uma voltinha na praia. A noite está linda e sei que
precisa espairecer um pouco.

Aperto Felipe em meus braços.

— Obrigada — sussurro contra seu peito. — Não sei o que faria da


minha vida sem você.

— Eu sei que ela seria muito chata e sem graça se não tivéssemos
nos conhecido. — Sorrindo, me afasto e balanço a cabeça concordando. —
Você não teria um deus grego que conta piadas de tiozão que você tanto
ama.

Não consigo conter o riso.

— Qual foi a pessoa mentirosa que falou que eu gosto das suas
piadas?

— Não precisa fingir. Eu sei que você adora. — Beija a ponta do


meu nariz. — Elas complementam o meu charme, que já não é pouco. —
Lipe se afasta e abre a porta do carro. Eu agradeço e entro.

— Pelo visto está inspirado hoje — digo assim que se acomoda no


banco do motorista.

— Eu preciso. É uma das minhas missões nessa vida. — Olho para


ele confusa. Lipe ri e coloca uma mecha do cabelo atrás da minha orelha.
— Te colocar pra cima. — Seu polegar acaricia minha bochecha. — Eu
sempre juntarei seus pedaços quando se sentir partida. E com todo o meu
amor e bom humor — ele sorri —, colocaremos juntos cada um deles de
volta no lugar. — Com carinho ele enxuga a lágrima que rola.

— Não é justo falar esse tipo de coisa pra uma mulher grávida que
está com o coração machucado. — Faço bico e Lipe começa a me dar
vários selinhos.

— Está melhor agora? — Com um grande sorriso, assinto. — Agora


vamos, docinho. Não quero te levar pra casa muito tarde. — Não demora
muito para o carro ser estacionado em frente a praia. — Espera –– pede
antes que eu possa descer. — Coloque os pezinhos aqui. — Ele bate no
próprio colo com as mãos. — Vou tirar seus saltos. — Faço o que pede e
fico admirada com toda a paciência e cuidado que tem comigo. — No
banco de trás tem um par de chinelos. — Ele se curva entre os bancos, os
pega e me entrega. Eu os calço e desembarcamos.

— Você pensou em tudo, senhor Felipe Martins. — Seu braço


envolve meu pescoço e começamos a caminhar.

— Não sou só um rostinho bonito.

— Com certeza não é.

Ele me olha nos olhos e sinto tanta cumplicidade.

Após alguns minutos de caminhada, decidimos pisar na areia.


Tiramos nossos calçados e os levamos na mão. A areia gelada me faz
pensar se isso foi mesmo uma boa ideia. Olho para o mar e para a lua, que
deixa tudo iluminado. Eu precisava mesmo desse momento de paz.

— A barra da minha calça desdobrou. — Paramos de caminhar. —


Espera só um pouquinho.

— Tudo bem.
Enquanto ele se arruma, olho em volta tentando encontrar um lugar
para podermos sentar um pouco.
— Ana.

— Sim?

Me viro para ele e meu coração dispara. Não acredito no que vejo.
Felipe está ajoelhado diante de mim com uma caixinha na mão e nela um
anel brilha intensamente. Meu Deus, eu não posso ter um troço agora. Eu
esperei tanto por esse momento.

— Ana, eu passei os últimos meses tentando escrever algo bonito


pra lhe dizer nesse momento, mas parece que nada ficava bom. Nada
conseguia expressar o que eu sinto ou o quanto você é importante pra mim.
Estamos ao lado um do outro desde pequenos e ficaremos até nosso último
dia de vida, e mesmo assim pra mim ainda parece pouco. — Acho que tem
mais água banhando meu rosto do que no mar. — Eu peço a Deus todos os
dias para que na eternidade eu ainda possa estar com você, pois meu amor é
grande demais para apenas essa vida. E quero lhe contar um segredo:
durante esses meses eu percebi que eu te amo como mulher já há muitos
anos. Mas fingia que era só um amor de amigo. Meu docinho, você aceita
se casar comigo e me fazer o homem mais feliz de todo esse universo?

— Sim. — Minha voz não passa de um sussurro. Estendo minha


mão trêmula em sua direção e sinto meu coração quase explodir de
felicidade quando o anel é colocado em meu dedo. Felipe beija a joia e se
levanta. — Isso está mesmo acontecendo?

— Está, minha noiva. — Segurando meu rosto, ele se aproxima e


me beija intensamente.

Eu vou me casar!
Nervoso, ando de um lado para o outro. Ela está demorando. Sei que
deveria ter pedido sua ajuda antes de encomendar a joia, mas só pensei
nisso ontem. E se Ana não gostar do modelo? Se preferir uma pedra maior?
Por mim, colocaria um tijolo de diamante em seu dedo. Mas agora teremos
um bebê e tenho que manter as contas em ordem. Não posso e não vou
deixar faltar nada para eles.

— Filho! — Me viro para minha mãe. — Desculpa a demora.


Encontrei uma amiga na entrada do shopping e ela não queria parar de falar.
— Ela me abraça.
— Tudo bem. Vamos entrar? Minha barriga já está até doendo de
nervosismo. Espero não ter um ataque cardíaco no momento em que for
fazer o pedido. Ana vai olhar para trás e vou estar estirado em cima da
areia. Empanado igual um frango. — Minha mãe ri. — É sério, mãe. Tenho
medo de que ela não goste. De que algo dê errado.

— Felipe. — Minha mãe toca meu rosto como se eu ainda fosse um


menino. Ela me olha com tanto carinho. — Eu ainda nem vi e já sei que
Ana vai amar, e sabe por quê? — Balanço a cabeça. — Porque foi você que
comprou. Se desse a ela um daqueles anéis de plástico que vinham nos
chiclete, como quando eram pequenos, ela ainda assim ficaria feliz. —
Sorrio ao me lembrar disso. Já cheguei a comprar dez reais de chiclete
escondido só pra conseguir pegar uma grande variedade de cores e quando
entreguei a Ana, ela ficou radiante. Já Carla não gostou muito de saber que
havíamos comido tanto doce. — Gosto de ver esse sorriso e sei que ele é
exclusivo de quando você pensa nela.

— Você sabe que eu adorava tirar sarro dos caras quando estavam
apaixonados e bobos por causa de uma garota. E que sempre dizia que
comigo isso não iria acontecer. — Minha mãe balança a cabeça
concordando. — E agora eu estou do mesmo jeito. Me sinto tão... Sei lá.
Ana me desperta tantos sentimentos bons que às vezes me pergunto se isso
tudo é mesmo real.

— Se não pararmos, eu vou chorar. — Ela me abraça forte e rio.


Mulheres são tão emotivas. — Meu menino virou homem — sussurra
enquanto ainda me aperta em seus braços.

— Agora vamos entrar, mãe. A moça já está esperando e tenho que


voltar para o trabalho.

— Vamos, meu amor. — Ela entrelaça seu braço no meu. — Estou


animada e lisonjeada por ter me escolhido para essa missão.

— Você é minha mãe. Não conseguiria pensar em outra pessoa pra


me ajudar nisso. — Beijo sua testa.
Minha vida está uma verdadeira bagunça. Em um momento estou
chorando, no outro estou sorrindo. Será que minha gravidez toda será
assim? Meu coração estava doendo tanto devido a toda a situação com
Alessandro, mas Lipe mais uma vez fez sua mágica. Agora só consigo
pensar em tudo o que tenho que preparar para o nosso grande dia. Sei que
terei a ajuda de Bia, de minha mãe e de minha sogra, mas mesmo assim
sinto que não darei conta. Não quero fazer as coisas com pressa. Afinal, só
iremos nos casar uma única vez. Farei tudo no tempo certo. Mesmo que isso
signifique me casar com um barrigão.

— Olá, Ana. Quer almoçar comigo hoje? — Me surpreendo ao ver


Luiza na minha frente. Ela abre um sorriso fraco. Seus olhos estão
vermelhos. Pelo visto ela e meu chefe brigaram mais uma vez. Isso já está
virando rotina. — Estou me sentindo um pouco sozinha e Carlos não quer ir
almoçar, está em um telefonema importante — diz, dando de ombros.
— Eu gastei alguns minutos do meu almoço pesquisando berços na
internet. — Mostro a tela do meu celular e rio sem jeito. — Se não tiver
problema em comermos algo que seja mais rápido.
— Problema algum. Vamos?

Assinto e me levanto. Pego minha bolsa e seguimos para o elevador.


Luiza me surpreende mais uma vez ao sugerir de comermos cachorro-
quente na barraquinha da esquina. Claro que eu aceito, só peço para que
caprichem no purê. A última vez que comi isso foi após aquela festa com
Lipe. Pegamos nossa refeição e nos sentamos à mesa.
— Posso dizer que nunca imaginei estar comendo cachorro-quente
com a esposa do meu chefe — digo antes de dar uma boa mordida no
lanche.

— Eu também gosto de coisas simples. — Ela sorri com os lábios


sujos de ketchup.

Pego um guardanapo e entrego a ela. Sorrimos uma para a outra.

— Sei que não temos tanta intimidade, mas se a senhora estiver


precisando de alguém pra desabafar, estou aqui.

Não quero dizer na cara dura que sei que o casamento dela está em
crise. De longe se percebe isso.

— Eu... — Ela suspira e encara o lanche em sua mão. — Eu acho


que Carlos está se sentindo atraído por outra mulher.

— Sinto muito — digo a primeira coisa que vem à cabeça. —


Imagino o quanto deve estar sofrendo com tudo isso.

— Eu realmente estou. — O tom de sua voz transmite exatamente o


que se passa em seu coração. Queria poder fazer algo para ajudar. Mas
realmente não sei como.

Alguns minutos de silêncio se estendem enquanto comemos. Parece


que nenhuma de nós sabe o que dizer. Até que uma pergunta vem à minha
mente e tomo coragem de colocá-la para fora.

— Desculpa se o que vou perguntar for intromissão demais, mas a


senhora pensa em se separar?

— Não — ela diz de imediato, e tenho que confessar que sua


resposta não é exatamente o que estava esperando. — Vou lutar por nosso
casamento, Ana. Já estamos há dez anos juntos. Não irei deixar a vida que
construímos ser jogada fora por causa de uma atração por alguma mulher
qualquer.

Tento organizar meus pensamentos. Quero expor minha opinião


para ela, mas de um modo que não a ofenda.

— Sei que a senhora pode achar que sou jovem demais pra saber
sobre a vida, sobre os altos e baixos do amor e de uma vida a dois, mas
acredito que todos nós merecemos o melhor de nossos companheiros. —
Com minhas palavras, Luiza abaixa a cabeça. Não sei se ela tem uma amiga
de verdade ou alguém que possa abrir seus olhos, mas posso tentar. — A
senhora é uma mulher linda e inteligente. Não estou dizendo que deve
desistir do relacionamento, mas peço que analise com todo o cuidado se
isso é mesmo o melhor para a sua vida. Muitas vezes um ciclo precisa se
encerrar para um melhor começar.

— Você é muito madura para a sua idade — ela murmura, e eu


sorrio sem jeito. — Mas sabe o que é mais difícil, Ana? Carlos foi o
primeiro e único homem que amei. Ele cresceu ao meu lado. Nos
apaixonamos ainda na escola. Ele me protegia e cuidava de mim. — Uma
lágrima rola em seu rosto e sinto meu peito doer. — Talvez se tivesse
conseguido realizar a vontade dele tudo seria diferente.

Compadecida com sua dor, seguro sua mão sobre a mesa. Seu olhar
vai até minha barriga, e eu enfim a entendo.

— Você não está conseguindo engravidar?

Luiza balança a cabeça.

Lembro-me de Diana e do quanto está sofrendo com a possibilidade


de não conseguir gerar um filho. E se ela optar pela adoção, sei como será
difícil. Tem tantas crianças querendo um lar e tantos casais querendo
alguém para amar, mas a adoção aqui em nosso país é demorada demais.

— Estou fazendo tratamento. Este é o último que iremos tentar. Já


passei por tantos procedimentos e nada parece funcionar. — Luiza limpa as
lágrimas.

— Não pensam em adotar? Vocês têm condições. Podem até tentar


fora do país. Acredito que será mais rápido.

— Estou tentando convencer Carlos disso. Mas ele sempre disse que
queria ter um filho da mulher que ama. Por isso estou fazendo tudo o
possível, mesmo não sabendo se eu sou essa mulher. — Sorri fracamente.
— E também tem o fato dos pais. Carlos tem um certo preconceito. Não
quer adotar uma criança sem saber do histórico dos pais. Doença, vícios e
essas coisas.

— Lá nos Estados Unidos não tem barriga de aluguel ou algo do


tipo? Desculpe se estiver falando algo sem sentido. Eu não entendo muito
desses procedimentos.
— Não se preocupe. — Luiza segura minha mão. — Você é uma
mulher muito especial. Tenho certeza que será uma ótima mãe.

— Assim espero. — Encaro minha barriga. — Eu não esperava um


filho agora, mas já digo com toda a convicção que esse pacotinho de amor
que carrego é o nosso maior tesouro.

O expediente já está acabando e não consigo tirar a conversa que


tive com Luiza da cabeça. Eu nunca imaginei que estavam passando por
isso. Será que essa é a primeira vez que Carlos se interessa por outra
mulher? Não sei. Fiquei com essa dúvida quando perguntei se iria se
divorciar. É como se não fosse a primeira vez que lutaria para manter o
casamento.

Enxugo minhas mãos e confiro se a roupa está no lugar. Assim que


retorno para minha mesa, me surpreendo ao ver uma pequena caixinha preta
sobre ela. Será que é alguma entrega para o senhor Carlos? Não. Se fosse,
teria algum aviso. Ou o entregador iria me esperar para fazer a entrega.

Desconfiada, me sento na cadeira e penso se devo abrir ou não. A


curiosidade fala mais alto. Abro a delicada caixa lentamente e me
surpreendo ao encontrar um delicado par de brincos. Eles brilham tanto que
acredito que sejam de alguma pedra preciosa. Rubi, talvez. Com certeza é
do senhor Carlos. Deve ser um presente para Luiza, para fazer as pazes.
Mas como podem deixar uma coisa cara assim sem supervisão? No canto
noto um bilhete. O pego e começo a ler.
“Vi essa joia em uma loja e pensei em você. Espero que goste,
MINHA linda e perfeita Ana.”
Fecho a caixa rapidamente. É para mim! Receber bilhetes anônimos
elogiando meu trabalho, minha roupa e até me desejando um bom fim de
semana é uma coisa, agora isso é totalmente diferente. A pessoa escreveu
“MINHA”. Isso não é normal. Deixei isso se estender por tempo demais.
Deveria ter seguido meus instintos e acabado assim que começou. Com o
coração batendo forte contra o peito e uma sensação ruim se espalhando por
todo o meu corpo, pego minha bolsa e sigo para o escritório de Carlos. Bato
à porta e não demora para ele autorizar a entrada.

— Está tudo bem, Ana? — pergunta assim que me vê.

Nunca consigo esconder meus sentimentos e sei que nesse momento


o medo deve estar estampado em meu rosto.

— Eu... — Parece até que não sei formular uma frase. — Preciso
falar de um assunto muito sério com o senhor.

— Claro. — Ele se levanta e puxa a cadeira. — Sente-se, vamos


conversar. — Quando eu faço o que sugeriu, o senhor Carlos fecha a porta.
— Quer um copo de água?

— Não precisa, obrigada. — Carlos volta a se sentar e me encara


com atenção. Respiro fundo tomando coragem. — Senhor Carlos, eu
preciso que me ajude.

Ele arqueia a sobrancelha. A confusão está nítida em seus olhos.


Coloco a caixinha sobre a mesa e a empurro em sua direção. Ainda confuso,
ele a abre.

— É uma joia muito bonita. Mas ainda não entendo o que uma coisa
tem a ver com a outra. — Seu olhar volta a encontrar o meu.
Abro o bolso lateral da minha bolsa e coloco sobre a mesa os vários
bilhetes anônimos que venho recebendo nos últimos meses. Carlos começa
a ler cada um deles com atenção.

— Preciso que me ajude a descobrir quem está enviando esses


bilhetes.

— Você está recebendo eles aqui na empresa?

— Sim. Eu não tenho autoridade pra pedir as gravações da câmera


de segurança, mas o senhor tem. — Sinto meu coração se apertar quando
ele chega ao bilhete de hoje. — Como pode ver, os anteriores eram sempre
coisas simples, e mesmo não gostando, tentei deixar pra lá. Mas esse... —
Aponto para o que está em sua mão, e só quando faço isso percebo que
estou tremendo. Respiro fundo na tentativa falha de acalmar meu coração.
— Esse de hoje me deixou em alerta. Estou com medo que seja uma
obsessão. Me ajuda, por favor. — Minha voz falha e me forço a não
derramar nenhuma lágrima.

Carlos rapidamente se levanta e vem ao meu encontro. Ele se abaixa


para ficar na minha altura e me olhando nos olhos diz:
— Eu vou te ajudar, Ana. — Ele segura minha mão e por um
segundo tenho a impressão de estar encarando meu anel, mas deve ser coisa
da minha cabeça. Logo ele volta a me olhar nos olhos. — Fique tranquila.
Vou descobrir ainda hoje, tudo bem?

— Eu agradeço. — Desconfortável com o contato, solto sua mão e


começo a juntar os bilhetes. Ele se levanta.

— Por que não veio me procurar antes?

— Realmente não sei. — Suspiro me sentindo uma idiota. — Eu só


fui acumulando eles na bolsa. Não achei que chegaria a esse ponto.
— O que irá fazer com eles? — Carlos se senta na ponta da mesa à
minha frente.

— Se não conseguir nenhuma informação, irei até a delegacia. —


Eu os coloco de volta no bolso. — Deixarei a joia com o senhor, tudo bem?
Não quero levá-la comigo e nem deixar abandonada lá na mesa.

— Não acha bom levar e guardar como prova? — sua pergunta me


deixa confusa. — Se bem que descobrirei quem está enviando esses
bilhetes. Você não precisará passar por todo o processo de ir até a delegacia
e abrir uma investigação. Agora me deixe acompanhá-la até a saída. — Ele
se levanta e faço o mesmo.
— Não é necessário. Não precisa se incomodar.

— Não é incomodo algum. Vamos? — Ele abre a porta.


Caminhamos em silêncio. Não há mais nenhum funcionário no prédio. Já
próximos a porta de saída, acabo entortando o pé. Carlos me segura
rapidamente. — Acho que seu salto quebrou — ele diz, ainda me
segurando.

— Está tudo bem por aqui? — a voz grave de Lipe me assusta.

Me afasto de Carlos.

— Sim. Ele estava me acompanhando até a saída e meu salto


quebrou. — Aponto para meu pé. Felipe se aproxima rapidamente.

— Obrigado por ajudá-la, mas pode deixar que eu cuido dela agora.
— Felipe envolve o braço em minha cintura. Eu conheço esse tom de voz.
Lipe está com ciúmes. Será que ele sabe que Carlos tem idade para ser meu
pai? Apesar de ser bem conservado, ele não é nenhum garotinho.
— Não precisa agradecer. Vou voltar que tenho uns assuntos pra
resolver. Boa noite, Felipe. — Ele sorri fracamente. — Tenha uma ótima
noite, Ana.

— Boa noite — respondo enquanto Lipe continua em silêncio.

— Tenha uma ótima noite, Ana — Lipe o imita de um jeito bobo.


— Você precisa parar com essa mania de ter ciúmes de todos os
homens ao meu redor. — Lipe me ignora. Ainda de cara fechada, ele tira
seus tênis, se abaixa e começa a abrir o fecho da sandália. — O que está
fazendo?

— Não consigo te levar no colo com esse vestido. Esse tecido não
estica e é muito colado, vai rasgar e mostrar minha bunda.

— Sua bunda? — pergunto confusa. — Não seria a minha?

— Minha, Ana. — Levanto um pé após o outro para que calce seus


tênis em mim. Fica enorme, mas o que vale é a intenção. Lipe se levanta
com minhas sandálias em mãos. — Eu vou parar de ser ciumento no dia em
que você for menos atraente ou eu parar de te amar, e sei que nenhum dos
dois vai acontecer. — Me dá um selinho.
Já dentro do carro, eu devolvo a Felipe seus sapatos e agradeço,
sorrindo um pouco comigo mesma por seu gesto de gentileza. Mas então a
preocupação volta a me perturbar, sendo uma companheira por todo o
caminho de volta para casa. Como vou contar o que está acontecendo a ele
sem que enlouqueça de vez? Eu seguro sua mão ao adentrarmos sua casa e
o acompanho até o sofá.

— Lipe, nós precisamos conversar. — Ele me olha com as


sobrancelhas franzidas. — Se lembra dos bilhetes? — Ele assente. — É
sobre eles.
Lipe me encara com uma expressão séria no rosto. Já faz alguns
minutos que contei o que aconteceu e até agora ele não disse uma palavra.
Nem mesmo seus olhos conseguem me transmitir o que está sentindo, o que
me deixa ainda mais nervosa.

— Lipe, diga alguma coisa — peço com a voz baixa.

— Não acha melhor irmos até a delegacia? — sugere, e eu balanço a


cabeça, negando. Procurar a polícia será a minha última opção. — Ana, isso
é um assunto muito sério.
— Eu sei.

Nervosa, me levanto e sigo para a cozinha. Preciso de água. Abro a


geladeira e pego uma garrafinha.

— Então me diga o que posso fazer pra te ajudar? — A aflição em


sua voz me aperta o peito.
Me viro para ele e o modo como está me olhando me faz questionar
se tomei a decisão certa. Na tentativa de engolir o choro, abro a garrafa e
tomo um longo gole de água.
— Vamos esperar até amanhã, por favor. — O jeito que me olha
deixa evidente que não está de acordo com minha decisão. — Se Carlos não
conseguir nada, eu prometo que iremos até a delegacia. Eu... — Encaro a
garrafa em minha mão. Meu coração se aperta.

Lipe se aproxima rapidamente e segura meu rosto entre as mãos.

— Me diga o que está se passando em sua cabeça — pede com uma


voz calma.

— Eu não quero que Alessandro saiba e sei que seria impossível


isso acontecer se fosse até a delegacia abrir uma ocorrência. Por isso pedi a
ajuda de Carlos primeiro. Pode não ser a opção mais correta — eu sei que
não é —, mas não quero que Alessandro pense que preciso dele, que finja
se preocupar comigo e com meu bem estar. Pois eu sei que ele não se
preocupa, que nunca irá se preocupar. — Sinto uma lágrima rolar no canto
do meu olho.

Lipe me abraça forte e é como se seu amor fosse o escudo que


envolve meu coração e não o deixa se despedaçar novamente. Ele se afasta
e me olha nos olhos.

— Vamos enfrentar isso juntos, Ana.

Eu assinto. Estou lutando para segurar as lágrimas que querem cair.

— Eu só queria que as coisas voltassem ao seu devido lugar — digo


baixinho.
— Tudo vai se resolver, você vai ver. E vamos voltar a focar em
algo feliz, em nosso casamento e na chegada do nosso bebê. — Beija minha
testa com carinho, e esse simples gesto é capaz de acalmar meu coração. —
Vai ficar tudo bem.

Não consegui dormir direito. Carlos me ligou por volta das nove da
noite de ontem dizendo que já sabe quem é a pessoa. Pediu para que
chegasse um pouco mais cedo e o encontrasse na sala de reuniões. E aqui
estou eu adentrando o prédio. Meu estômago está doendo e meu coração
batendo forte contra o peito. Não sei ao certo o que irá acontecer. Lipe
queria me acompanhar, mas sei que ele poderia facilmente perder a cabeça e
acabar fazendo um escândalo, e não quero isso, pois, apesar de tudo,
estamos no meu ambiente de trabalho. Do mesmo jeito que ele é
responsável em seu serviço, eu também sou. Com o coração quase saindo
pela boca, bato à porta e sou autorizada a entrar.

Eu simplesmente não consigo acreditar ao ver que o homem que


está ao lado de Carlos é Caíque, o auxiliar administrativo. Ele já deu em
cima de mim na época que era solteira, mas não dei bola. Ele não faz o meu
tipo e é bem mais velho que eu. Talvez eu esteja entendendo errado e ele
esteja aqui apenas para mostrar as imagens.
— Sente-se, Ana — pede Carlos ao puxar a cadeira para mim. Me
sento ainda sem conseguir parar de encarar o homem que está na outra
ponta da mesa. Ele está com o olhar fixo em suas mãos, que estão sobre o
móvel. Carlos se senta ao meu lado. — Eu não quero acusar ninguém sem
provas, por isso quero lhe mostrar esses vídeos da câmera de segurança. —
Ele aperta o botão no controle e logo o vídeo começa.

Caíque vai até minha mesa olha em volta para se certificar de que
não há testemunha e deixa o bilhete. E isso se repete por vários dias.
Consigo confirmar na data e hora que aparecem no cantinho da tela. Chega
o momento do presente. Ele abre a pequena caixa, confere tudo e sorri. Um
sorriso enorme que nunca vi em seu rosto. Por um momento nossos olhares
se encontram e eu não consigo sentir nada. Ele não me olha como se
gostasse de mim. Não tem sentimento ali. Não é como Lipe, nem mesmo
como Bruno quando ficamos. É diferente.

— Pode começar a se explicar, Caíque — diz Carlos, trazendo-me


de volta para a realidade.

— Eu só estava tentando chamar a atenção de Ana.

— Chamar minha atenção ou me assustar? — Não consigo conter a


irritação. — Pois foi isso que conseguiu, ainda mais após aquele presente e
a frase... O uso das palavras. — Só de me lembrar, sinto uma coisa ruim.

— Em nenhum momento eu te insultei ou disse algo inapropriado.


Foram só elogios. — Caíque abaixa a cabeça. Agora já é tarde para se sentir
envergonhado. — Quando sorriu daquele jeito pra mim ontem quando
chegou, tive uma pequena pontada de esperança.

— Eu estava sorrindo daquele jeito para todos. E sabe o motivo? —


Quando ele levanta o rosto, mostro o anel em meu dedo. — Meu namorado,
pai do meu bebê e o único homem que amo, me pediu em casamento. —
Carlos limpa a garganta. Será que estou me exaltando? Respiro fundo para
me recompor. Agora mais calma, continuo. — Eu ignorei todos os bilhetes
que enviou, mas o de ontem...

— Não sou nenhum louco psicopata, Ana. Não irei lhe fazer mal, só
achei que... — Ele coça a nuca. — Na verdade, acho que não estava
raciocinando direito. Nunca fiz isso antes. Era pra ser só um bilhete
elogiando a roupa, você estava tão bonita, mas as coisas saíram do controle
e ontem... — Caíque suspira. — Desculpa, não queria te assustar. O
presente foi de coração, não precisa me devolver.

Carlos tira a caixinha do bolso e coloca na minha frente sobre a


mesa.

— Eu faço questão. — Me levanto e a empurro em sua direção. —


Sou comprometida e receber presente de um homem que não seja meu
noivo não é do meu feitio. Você pode vender ou trocar por algo pra você na
loja.

Caíque assente e pega de volta o presente. Volto a me sentar. Parece


até que tirei um peso das minhas costas.

— Como ficará minha situação? — pergunta Caíque. Sua atenção


vai até nosso chefe.

— Você decide, Ana.

Agora os dois estão me encarando enquanto esperam a resposta.

Não quero que ele perca o emprego, mas também tenho medo de
que continue alimentando algo por mim.

— Eu preciso que você me prometa que isso nunca mais irá se


repetir. — Caíque rapidamente concorda. — Quero deixar bem claro que
tenho namorado e o amo com todo meu coração. Nenhum bilhete ou o
presente mais caro do mundo conseguiriam mudar isso. Peço que você
respeite a mim, meu relacionamento e a família que estou prestes a formar.
— Eu prometo, Ana. Me manterei afastado. Nada disso irá se
repetir. Peço perdão mais uma vez.

Carlos se inclina em sua direção e apoia os cotovelos na mesa.

— Se isso se repetir, eu mesmo farei questão de chamar a polícia. —


O tom firme em sua voz faz Caíque engolir em seco. — Eu não permito
esse tipo de comportamento dentro da minha empresa. Você tem muita sorte
de Ana lhe dar uma segunda chance, mas saiba que estarei de olho. Um
pequeno deslize seu e te mandarei embora sem nenhum pingo de
ressentimento. Espero estar sendo claro.

— Está senhor. E obrigado por essa segunda chance.

Nos levantamos.

— Está dispensado — diz Carlos. Caíque assente e como um


foguete some da sala. Respiro aliviada e peço a Deus para isso nunca mais
se repetir. — Está bem?

— Sim. — Forço um sorriso. — Espero ter feito a coisa certa. Não


quero me arrepender depois.

— Não se preocupe. Como disse a ele, ficarei de olho. — Carlos


sorri. — Qualquer coisa que possa te incomodar, me procure.

— Muito obrigada, nem sei como agradecer por toda essa ajuda. —
Queria agradecer com um abraço, mas acho muito íntimo, então apenas
estendo minha mão com um sorriso verdadeiro estampado no rosto. Carlos
a aperta e também sorri. Um sorriso que nunca vi em seu rosto antes. —
Agora preciso ligar para Felipe. Avisar que conseguimos resolver tudo, ele
ficou tão preocupado.

— Eu imagino. Se fosse eu no lugar dele, também ficaria. Agora


vou pra minha sala, também preciso falar com Luiza. Se precisar de
qualquer coisa é só me procurar.

— Ok. Obrigada novamente.

Senhor Carlos assente e se vai. Pego meu celular na bolsa e inicio a


chamada, e já no primeiro toque Lipe atende.

— Você está bem, docinho? — é a primeira coisa que pergunta.


Toda essa preocupação comigo só confirma que eu não conseguiria
amar outro homem. Lipe tem o meu coração. O único homem que pode um
dia dividir o lugar com ele seria nosso filho.

— Estou, Lipe. Vou te explicar agora o que aconteceu.


— Me conte tudo com detalhes, por favor.

No horário de almoço, pego minha moto e sigo para o prédio onde


Ana trabalha. Sei que hoje ela levou marmita, então não vai sair para comer.
Pensei em vir aqui no horário que todos estão saindo, mas quero fazer isso
sem Ana saber. Fico de pé próximo a entrada do prédio mexendo no celular
só para disfarçar. Mas estou prestando bastante atenção em cada pessoa que
entra e sai. No momento em que vejo Caíque sair para almoçar, começo a
segui-lo. Sei quem é porque Ana o tem como amigo nas redes sociais e fiz
uma boa pesquisada. Se for para manter minha Ana segura, posso muito
bem me transformar em um agente do FBI.

Ele entra em um restaurante mais humilde que fica no fim da rua e


faço o mesmo. Ficamos em mesas próximas. No momento em que se
levanta e vai em direção ao banheiro, eu o acompanho. Finjo lavar as mãos.

— Oi. Sim. — Ele está falando com alguém no telefone. — Pode


depositar no mesmo e-mail que te enviei ontem. Ok. Foi tenso, mas deu
tudo certo no final.
O rapaz sai e para ao meu lado. Quando seu olhar encontra o meu no
espelho, ele recua até encostar na parede.

— Felipe, eu já conversei com Ana. — Ele levanta as mãos em sinal


de rendição. O infeliz sabe quem sou. — Já pedi desculpas e jurei que não
acontecerá novamente.
Me aproximo com passos firmes e paro bem perto dele.

— Quero entender a sua dificuldade.


— Minha dificuldade? — ele pergunta confuso.

— A dificuldade de entender que ela é comprometida. — Apoio a


mão na parede ao lado de sua cabeça e olhando profundamente em seus
olhos, digo: — Tantas mulheres disponíveis no mundo e você vem fazer
isso com a minha? Não imaginei que era um talarico filho da puta. Um
covarde que precisou se esconder atrás de bilhetinhos anônimos. — Caíque
estufa o peito e me encara com o rosto vermelho. — Se abrir a porra da
boca, eu quebro seus dentes aqui mesmo. — Fecho meu punho com força.
— Achou o quê, Caíque? Que ela iria aceitar seu presente de merda? Que
teria um caso com você nas minhas costas? Ou que terminaria comigo pra
ficar com você?
— Eu... Eu
— Desaprendeu a falar, foi?

— Está tudo bem por aqui? — pergunta um dos funcionários do


restaurante. Me afasto de Caíque. — Me disseram que tinha dois caras
discutindo.
— Está tudo bem sim — digo. — Só estamos conversando.

— Tem certeza?
Assinto.

— Já estou terminando. — Volto minha atenção para Caíque. Esse


homem não vai deixar a gente sozinho outra vez. — A única coisa que você
conseguiu foi deixar ela assustada. E eu odeio isso. Ana é boa demais e não
consegue ver a maldade nas pessoas, mas ela tem a mim. Sempre teve. Vou
te dar um aviso. — Aponto o dedo em seu rosto. —Só dirija a palavra a ela
no trabalho se for realmente preciso. Se ao menos ousar fazer outra
gracinha, eu te caço. Se tocar em um fio de cabelo dela, se considere um
homem morto.
Saio do banheiro rapidamente. Já do lado de fora, respiro fundo
tentando acalmar os nervos. Espero que ele entenda o recado. Com meu
docinho ninguém mexe.
O chá de revelação será realizado daqui a pouco. Minha mão toca
com carinho minha barriga. Ela está tão lindinha. Sempre coloco um
vestido colado para deixá-la em evidência, e Lipe adora admirá-la. Se eu
deixar, ele passa a noite toda fazendo carinho e conversando com nosso
bebê. Se duvidar, ele conhece mais a voz do pai do que a minha.

Desde aquele ocorrido com Caíque, Lipe me manda várias


mensagens durante o horário de trabalho. E se tem que ficar até um pouco
mais tarde, pede para Bia me buscar. Já falei para ele várias vezes que não
precisa se preocupar, mas não adianta muito. Caíque só fala comigo o
indispensável. Tudo coisa do trabalho. Nem para minha cara ele olha. Eu
acredito que vai cumprir o combinado, seu trabalho está em jogo. Minha
relação com Carlos melhorou bastante depois do ocorrido. Não está mais
aquele clima estranho e acho isso muito bom. Felizmente parece que as
coisas estão voltando ao seu lugar.
Finalizo a trança enraizada, a coloco de lado e dou leves puxões
para ficar mais soltinha. Passo a mão por todo o tecido leve do vestido azul
e rosa que estou usando para me certificar de que não há nenhum amassado.
Escuto um assovio e pelo reflexo do espelho vejo Lipe encostado no batente
da porta com as mãos enfiadas no bolso. A calça de algodão é das que ele
gosta de usar, o estilo de tênis também, mas eles têm um diferencial, um pé
é rosa e o outro azul, combinando perfeitamente com a camisa listrada da
mesma cor. Ele está tão fofo. Caminho até ele e dou um beijo em seus
lábios. Com o polegar limpo o brilho labial que ficou nele.
— Obrigado. — Seus braços me envolvem.

— Disponha, deus grego. — Pisco e ele abre um grande sorriso.

— Você está incrivelmente linda, docinho. — Lipe me olha com


admiração. — Você com certeza é a mulher mais linda do mundo. Não só
do mundo, mas da galáxia inteira.

Sinto minhas bochechas queimarem. Sempre fico sem jeito quando


me elogia assim, não importa o tempo que passe.

— Você me deixa sem graça. — Brinco com o pequeno botão rosa


de sua camisa.

— Só estou dizendo a verdade. — Beija a ponta do meu nariz. —


Está ansiosa?

— Muito. Não sei se reparou, mas não consegui dormir direito essa
noite.

— Eu percebi sim, você se remexeu a noite toda. Parecia até um


peixinho fora d’água. — Nós rimos. Já faz um bom tempo que não durmo
aqui nesse quarto. Agora só dormimos juntos em sua casa. Em nossa cama.
— Se já está assim hoje, nem imagino como ficará próximo a data de nosso
casamento.

— Já estou ansiosa demais pra um dia, quer me deixar mais?

Ele balança a cabeça e começa a me dar vários selinhos.

— Quer uma piada de tiozão pra se acalmar? — Ele balança as


sobrancelhas. — Vamos relembrar os velhos tempos. — Querer eu não
quero, mas se isso o fará feliz, eu posso ouvir mais uma de suas piadas
ruins. Na verdade, posso ouvir uma dúzia delas todos os dias. Assinto. — O
que o Batman tem no coração? Bat-mentos.

Sorrio. Lipe não vai mudar nunca, e eu gosto disso.

— Nota 7.

— Só isso?!

— Minha preferida ainda é a dos caipiras. — Sorrio ao me lembrar


dele fazendo aquele sotaque fofo. — É uma pena nós dois sermos filhos
únicos. Você poderia facilmente ser o tiozão do pavê.

— E quem disse que não serei? Bia com certeza terá filhos. Vamos
encher o saco deles. — Rindo, balanço a cabeça concordando. Já até
consigo imaginar a cena de nossos filhos brincando juntos, de Lipe os
ensinando essas piadas catastróficas. Não vejo a hora de isso acontecer. —
Agora vamos, docinho. Preciso saber se é um menino ou menina. Não
aguento esperar mais.

— Vamos. Só preciso fechar as cortinas. Estou muito animada para


ver tudo pronto. Fui lá de manhã e dei uma breve olhada, mas logo me
expulsaram... — Travo no momento em que olho lá para fora. Meu coração
se aperta ao ver Alessandro do outro lado da calçada. Ele está com uma
sacola na mão. Espero que não esteja pensando que irá participar da festa.

— O que foi, Ana? — Lipe se aproxima e para ao meu lado. Sua


mão segura a minha. Lipe sabe que tudo o que diz respeito a Alessandro
mexe demais comigo. — Você vai falar com ele?

— Eu... — Não sei o que responder. Já faz dias que Alessandro está
tentando se aproximar, falar comigo, mas nunca permito. O corto logo de
cara e vou embora. Ele levanta o dedo indicador e move os lábios pedindo
apenas um minuto. — Eu só vou ver o que ele quer. Se não for, ele pode
ficar lá fora esperando e não quero que minha mãe o veja.

Lipe assente.

Sem soltar minha mão, descemos as escadas. Não sei se estou


fazendo o certo. Eu acredito que não. Fico feliz por não ter ninguém na sala.
Todos que já chegaram devem estar no quintal dos fundos. Peço para Lipe
me esperar na sala e saio sozinha. Alessandro atravessa a rua sem nem ao
menos olhar para os lados. E por um segundo sinto meu coração quase sair
pela boca quando um carro quase o atropela.

— O que você quer? — pergunto, não deixando transmitir nenhum


sentimento em minha voz.

— Eu só queria de algum modo fazer parte desse dia especial pra


você. — Ele estende a mão com a sacola. Cruzo meus braços.

— Não preciso de nada que venha de você. Meu bebê também não
precisará. — Por instinto, toco a barriga, e não acredito quando o sinto se
mexer.

— Está bem, Ana? — ele pergunta preocupado.


— Ele ou ela se mexeu. — Sorrio não para ele, mas por sentir meu
coração quase explodir de amor e felicidade. O sorriso em seu rosto parece
sincero. Não posso me deixar enganar por Alessandro. Tenho que me
lembrar de todo mal que já me causou.

— Eu... Eu posso sentir? — Sua voz não passa de um sussurro.

— Não — respondo de imediato e dou um passo para trás. — Você


pode é ir embora.

Ele abaixa a cabeça. Só estou o tratando como ele merece, não


preciso me sentir culpada.

— Aceite o presente que vou. — Ele levanta o rosto e volta a me


encarar. Vejo que seus olhos estão marejados. — Eu imploro. Aceite o
presente, Ana.

— Tudo bem. — Pego a sacola e me viro rapidamente. Não quero


ficar mais nem um segundo em sua presença. Vê-lo assim mexe comigo e
não gosto disso. Entro e jogo a sacola no sofá, pouco me importando com o
conteúdo. Me sento ao lado de Lipe. — Não quero falar sobre isso. — Olho
para minha barriga. — Nosso pacotinho de amor se mexeu. — Sorrio.

— Sério?! — No mesmo instante Felipe toca minha barriga.

— Foi de leve, mas eu senti. — Alguns segundos se passam e nada.


— Acho que esse leve movimento já o deixou exausto e ele voltou a dormir.
Ele será bem preguiçoso. É raro senti-lo se mover, as vezes fico até
preocupada.

— Espero ter mais sorte da próxima vez. — Lipe se abaixa e beija


minha barriga. Eu tenho a absoluta certeza de que ele será o melhor pai
desse mundo.
— Aí estão vocês. — Bia aparece na sala. — Vamos, já estão todos
esperando. — Quando me ponho de pé, Bia me olha com mais atenção e
sorri. – Você está divina. Minha afilhada está te deixando radiante.

— Obrigada, dinda – digo, também sorrindo.

Não vou deixar Alessandro estragar esse dia tão especial. Nem
sequer sei como descobriu que hoje seria o chá de revelação. Eu sei que
estamos um pouco atrasados era pra ter acontecido final do mês passado.

Quando chego, vejo todos os familiares e amigos conversando


animadamente, e a decoração está linda. Balões brancos, rosa e azuis
formam um lindo arco na parede, e a mesa à nossa frente está decorada com
ursinhos e jarros de flores. Tudo tão delicado que faz meus olhos se
encherem de lágrimas. Elas realmente capricharam. Não mudaria
exatamente nada.

— Você está uma verdadeira princesa, filha — minha mãe diz ao me


abraçar. — E como está o bebê mais amado do mundo? — Sua mão toca
minha barriga com carinho.

— Obrigada, mãe. Nosso pacotinho está ótimo, já eu... Estou aqui


muito ansiosa pra saber se é menino ou menina.

— Vamos cumprimentar o pessoal e logo você saberá. — Ela pisca.


— Adorei sua roupa. Está muito bonito, Felipe.

— Obrigado. — Sorri. Seu ego deve ter dado um tapinha em suas


costas.

Cumprimentamos todos os convidados, curtimos um pouco a festa.


Nem sei quantos docinhos já comi. Carminha é um anjo na terra. Todos os
doces dela são divinos. Até o final da gestação, vou estar rolando por aí.
Quando enfim a hora mais esperada chega, sinto meu estômago revirar e
vejo que Lipe está tão ansioso quanto eu. Vamos até o balão preto que está
próximo a mesa e minha mãe nos entrega uma agulha.

— Está pronta? — pergunta Lipe, animado.

Eu assinto e a contagem regressiva começa. Quando o balão é


estourado, confetes azuis voam por toda parte.

— É um menino! — grito, pulando em seus braços. Lipe me tira do


chão.

— Vamos ter um menino. Um menininho! — Estamos os dois


sorrindo. Esse momento mágico vai ficar na minha memória.
— Eu sabia! — diz Lucas, e me viro para ele rindo. — Você está me
devendo cem reais, Beatriz Marinho. — Ele estende a mão para ela, que
revira os olhos.

— Ele vai ser muito lindo — Bia diz enquanto me abraça forte.
— Sim, vai arrasar os corações das menininhas — diz Lucas.

— Se puxar ao pai, está perdida, Ana. Não esqueça que Lipe era um
mulherengo antes de finalmente sossegar. — Bia vai até ele e o abraça, e
Lucas faz o mesmo comigo.
— Eu nunca fui santo, mas sosseguei quando me toquei que o amor
da minha vida estava ali ao meu lado o tempo todo. — Lipe beija minha
testa.
— Sim, meu filho mudou drasticamente, e sou grata a Ana por isso.
— Minha sogra me abraça. — Estou muito feliz em saber que meu primeiro
netinho será um menino, mas confesso que ainda quero uma menininha.

— Eu também — diz meu sogro ao abraçar o filho.


— O primeiro bebê nem nasceu e já estão pensando no segundo? —
digo.

Eles riem. Olho para minha mãe, que está com um olhar distante,
peço licença e vou até ela.

— Está tudo bem, mãe?

— Sim, meu amor. Estou muito feliz por você. — Ela segura minha
mão. — Quando engravidei, seu pai sumiu e fiquei com muito medo de não
conseguir te criar sozinha. Foi difícil, mas valeu muito a pena. Você se
tornou uma mulher maravilhosa, honesta e batalhadora. Eu tenho tanto
orgulho de você, minha menininha. — Suas lágrimas começam a rolar, e eu
as enxugo.

— Mãe, você é a minha inspiração pra ser o que sou. Espero ser pro
meu pequeno Noah uma mãe tão especial assim como você é pra mim. —
Nos abraçamos.

— Meninas, hoje é dia de festejar, não chorar — Lipe diz,


interrompendo nossa choradeira. Ele se aproxima mais e cochicha. — Se
não pararem vou chorar também aí já viu a zoação pro resto da vida.

Nós rimos.

— Você tem razão, vamos festejar. — Minha mãe enxuga minhas


lágrimas e passa a mão em minha barriga. — Vovó te ama, meu pequeno
Noah. Vou buscar uma água pra você minha filha, está muito quente e
precisa se manter hidratada.

Ela sai em busca da água. Olho para Lipe, que está sorrindo para
mim.

— O que foi?
— Eu só estou imaginando nosso filho correndo por aí, brincando,
fazendo bagunça. Imagino eu o ensinando a jogar futebol e videogame.
Estou tão feliz, Ana. Tudo isso graças a você, meu docinho. Muito
obrigado. — Seus lábios tocam os meus. — É tanta felicidade que parece
que vou explodir a qualquer momento.
— Tenho certeza de que vocês serão grandes amigos.

Lipe foi buscar as últimas sacolas com os presentes. Vamos deixar


tudo aqui em sua casa, no quarto do Noah, que já está quase pronto. Só
faltava saber o sexo para finalizar a decoração, e o próximo fim de semana
irei à loja comprar o que falta. Encaro as várias sacolas e uma me chama
atenção. Me levanto da poltrona de amamentação e vou até ela. Encaro o
presente de Alessandro por alguns segundos. O pego e volto a me sentar.
Abro a sacola lentamente e lágrimas começam a cair. Nem sei direito o
motivo, mas elas parecem não ter fim. Há dois bichinhos de pelúcia; uma
ovelhinha branca bem fofa e um elefantinho rosa. Acho que os escolheu por
não saber se era menino ou menina. Reparo que no fundo da sacola há um
envelope. Eu o pego e começo a ler a carta que ele deixou.

“Olá, Ana
Se está lendo isso é porque abriu meu presente, e não sabe como
fico feliz por isso. Comprei a ovelhinha pois não sabia se era menino ou
menina, e a moça da loja disse que é unissex. Espero que tenha gostado
dela, eu achei bem fofa. O elefante rosa é pra você.”
Paro de ler e respiro fundo tentando acalmar meu coração. Não
acredito que ganhei um presente dele. Um pouco mais calma, continuo.
“Eu sei que estou lhe devendo muitos presentes, e também sei que
nenhum deles irá suprir a falta que fiz em sua vida. Mas saiba que peço a
Deus todos os dias para que possa me dar uma chance de reparar o maior
erro que já cometi. Quero que saiba que mesmo sendo esse homem burro
que abriu mão do seu maior tesouro por anos, EU TE AMO.”

Lágrimas e mais lágrimas molham meu rosto. Aperto o maldito


elefante rosa contra o peito. Fecho os meus olhos e só consigo ouvir os
meus soluços.

— Está tudo bem. — Sinto os braços de Lipe me envolverem. —


Não é errado sentir algo por ele, Ana. Por favor, não se culpe.

— Eu odeio Alessandro. — Lipe me aperta mais forte. — Eu o


odeio, Lipe!
Hoje é sábado e estou em uma loja experimentando os vestidos de
noiva. Eu quero muito sentir a emoção. Chorar ao encontrar o vestido
perfeito. Só conseguimos esse feito porque Bia conversou com algumas
amigas e conseguiu que fôssemos atendidas mesmo fora do horário de
expediente. Minha mãe trabalha até tarde e Lipe também só sai do trabalho
quando a loja está fechada. Por isso vir aqui no horário de almoço seria
muito corrido, não daria para viver toda a experiência.

Eu vou me casar apenas uma vez; tem que ser tudo do jeito que
sonhei. Lipe está em outro setor com seu pai e Lucas escolhendo um terno.
Espero que consiga achar um que goste. Ele também é bem exigente com
suas roupas.

Eu sei que a barriga ainda vai crescer mais até o casamento, e é um


risco, se demorar muito, ter que ser levada correndo para o hospital logo
após dizer “sim”. Posso estar exagerando, mas já quero deixar o modelo
escolhido. Separamos vários que modelam bem a parte do busto e são mais
soltos na cintura.

— O que acham desse? — pergunto para as três que me olham com


os olhinhos brilhando.

Elas choram com cada vestido que provo. Eu já esperava isso de


minha mãe e minha sogra, mas Bia está me surpreendendo. Será que está na
TPM? Eu acredito que sim. Ela não é tão emotiva assim.

— Divina, filha — diz ao limpar as lágrimas.

— Mas a senhora disse a mesma coisa dos três últimos. O de


mangas, o frente única e o de renda.

Ela ri.

— É porque todos estão ficando perfeitos em você, querida — diz


minha sogra.

Me viro para o espelho e analiso com atenção cada detalhe.

— Eu gostei muito desse. — Toco a saia de tule. — Ele é leve. Dá


pra dançar e me mover sem problema. E, principalmente, a barriga pode
crescer o quanto quiser que continuará com o mesmo caimento. Essas alças
apesar de finas não parecem ser frágeis. — Toco as duas. — E esse decote
em “v” valorizou meus seios. Tenho que aproveitar que estão maiores.
Abusar do silicone natural.

Nós rimos.

— Parece que você já escolheu o vestido do grande dia. —


Sorrindo, Bia se levanta. — Pode nos trazer um véu, por favor? — A
atendente assente e logo lhe entrega um tão lindo que faz meus olhos
marejarem. — Vamos colocar isso pra dar o toque final. — Com uma
agilidade impressionante, ela faz um coque e o prende em meu cabelo. Bia
o arruma para que fique sobre meus ombros.

Nesse momento não consigo segurar a emoção. Estou sorrindo para


o meu reflexo enquanto lágrimas molham minha face. Estou sentindo. É
esse o vestido. Realmente aconteceu.

— Eu nem sei o que dizer. — Olho para minha mãe no espelho.


Agora estão as quatro chorando e sorrindo ao mesmo tempo. — Você está
tão deslumbrante. — Ela me abraça e logo Sônia e Bia se juntam a nós.
Agora sim estou realmente me sentindo uma noiva.

— Vocês estão chorando? — Me assusto ao ouvir a voz de Lipe.


Levanto meu rosto e o vejo na minha frente me admirando dos pés à
cabeça. Não era para ele me ver. Pedi para me esperar na recepção quando
terminasse. — Meu Deus, Ana. Você... Você está espetacular. Perfeita. Uma
obra prima. Nem sei que palavra usar.

Tenho que confessar que essa enxurrada de elogios me faz sorrir.


Mesmo não devendo.

— Não era pra estar aqui. — Sua mãe segura seus ombros e o faz
virar. — Sabe que não dá sorte ver a noiva antes do casamento. Te falei
várias vezes, filho.

— E você sabe que não acredito nessas coisas, mãe. Ela está tão
perfeita. — Lipe tenta se virar, mas ela não deixa. — Ela está linda, me
deixe admirar só mais um pouco? Cinco minutos.

Escuto Sônia rir.

— Você poderá admirá-la no dia do casamento — diz minha mãe


indo até eles. — Por hoje terá que se contentar com essa lembrança.
— Ana — ele geme, me arrancando um sorriso bobo. — Me ajuda.

— Elas têm razão. Nos espere lá na recepção. Já estamos acabando.

— Tá bom! Mas quero deixar claro que estou indo contra minha
vontade. — Ele para de caminhar, mas não se vira. — Posso tirar uma foto?

— Felipe! — grita Bia.

Ele ri. Sei que essa pergunta foi só pra provocar. Ele é o homem da
minha vida.

— Fui! Não quero apanhar.

— Esse menino não tem jeito. — Sônia balança a cabeça rindo


enquanto caminha em minha direção.

— Felipe é um homem único — diz minha mãe e balanço a cabeça


concordando, pois ele realmente é. Não existe nesse mundo um igual a ele.

— Eu tenho certeza que nossos filhos serão muito felizes. — Sônia


segura sua mão. — Ana e Felipe foram feitos um para o outro. Sempre
soubemos disso. — Elas sorriem. A junção de nossas famílias irá acontecer
como sempre sonharam.

Bia já se foi no carro de Lucas. Minha mãe e meus sogros estão


combinando de jantar juntos em um restaurante aqui perto. Eu queria ir com
Lipe, mas o dia foi tão corrido. Estou cansada demais.
— Tem certeza que não querem ir junto? — pergunta minha sogra
pela terceira vez.

— Ana está cansada, mãe, e pra falar a verdade, eu também. Tudo o


que quero é tomar um banho e cama.

— Mas você precisa alimentá-los. — Sua mão toca a minha barriga.


Gosto de como todos se preocupam com nosso pacotinho. Noah nem
chegou ao mundo e já sei que será muito amado.

— Nós podemos pedir uma pizza — digo. — Uma com bastante


brócolis. Chega minha boca fica cheia d’água.

Lipe faz uma careta e nós rimos. Ele odeia brócolis.

— Pizza de brócolis é ruim demais, docinho. Não pode ser uma com
bastante queijo? — Balanço a cabeça. — Tá. Vamos pedir meio a meio. —
Ele beija minha testa e coloca o capacete em mim.

— Tome cuidado na estrada — diz Fernando ao filho. — Fico


preocupado com vocês andando de moto por aí. Preferia que estivesse de
carro.

— Não se preocupa pai. Eu sempre tomo cuidado. — Felipe sobe na


moto e faço o mesmo. Envolvo meus braços em sua cintura.

— Quando chegar em casa me mande uma mensagem — pede


minha mãe.

— Pode deixar. — Aceno para eles e seguimos nosso caminho.

O vento gelado balança meus cabelos. Fecho meus olhos por um


breve momento e aperto Felipe. Mesmo estando na garupa, gosto da
sensação de liberdade. Sinto meu coração disparar no momento em que faz
uma curva acentuada. O barulho de um carro em alta velocidade ecoa atrás
da gente. A moto tremula um pouco, mas logo ele consegue recuperar o
equilíbrio. Felipe estaciona próximo à calçada e pede para eu descer, e
assim eu faço. Ele desce em seguida e tiramos nossos capacetes.

— Você está bem? — pergunta, visivelmente preocupado. Seu olhar


me analisa dos pés à cabeça.

— Estou. Pode ficar calmo. — Toco seu rosto. Só meu coração que
ainda está batendo rápido demais, mas ele não precisa saber disso. — Estou
bem, Lipe. Foi só um susto. O que aconteceu? Foi tudo muito rápido, eu só
fechei os olhos por alguns segundos.
— Um idiota tentou ultrapassar o carro da frente e quase... — Ele
suspira e passa a mão no cabelo. — Meu pai tem razão. Não vamos mais
sair de moto enquanto estiver grávida. Se você tivesse se machucado, nunca
iria me perdoar. — Seu olhar desce até minha barriga.

— Pare! — digo com a voz firme. Sei o que está se passando em sua
cabeça. — Não quero que pense nisso. Foi um erro do outro motorista, não
seu.

— Eu não consigo. — Ele me abraça forte. — Me desculpa,


docinho.

— Não tem que pedir desculpas. — Me afasto e seguro seu rosto, e


olhando em seus olhos, digo: — Você conseguiu evitar que algo pior
acontecesse. Eu que tenho que agradecer por isso, meu amor. — Encosto
nossos lábios em um beijo calmo. — Você é e sempre será meu herói. Não
tenha dúvidas. Agora vamos para casa que quero comer pizza. Quer que
Noah nasça com cara de brócolis? O legume que você mais odeia.

Um pequeno sorriso se forma em seu rosto. Esse era meu objetivo.


Lipe balança a cabeça e coloca meu capacete de volta.
Lipe está quieto desde que chegamos. Não gosto de vê-lo assim.
Parece distante e pensativo demais. Sei que poderia ter acontecido o pior,
mas não aconteceu, graças a Deus e a ele que agiu rápido e conseguiu
recuperar o controle da moto. Toco minha barriga, e como se quisesse se
comunicar comigo e confirmar que está bem, nosso pequeno Noah se mexe.
Nosso menino já não está tão preguiçoso.

Assim que saio do banheiro, ele entra para o banho. Fico ali
enrolada na toalha sem saber o que fazer. Preciso dar um jeito de fazê-lo
pensar em outra coisa. Eu conheço meu homem, sei muito bem como
distraí-lo. Vou até seu guarda-roupa e pego um belo conjunto de lingerie
vermelha. A calcinha é minúscula. Solto o coque do meu cabelo e o arrumo
como daquela vez na chamada de vídeo. Deixo só a luz do abajur ligada e
me sento na beirada da cama com as pernas cruzadas. Sei que meu corpo
não está mais como antes, a barriga é evidente e já ganhei alguns quilos, e
tive momentos de insegurança, mas Lipe me mostrou que sou linda de
qualquer jeito. Ele abre a porta do banheiro e olha para mim desconfiado.
Sorrio para meu noivo, já deixando evidente as minhas intenções.

— O que está aprontando? — pergunta, com um tom de voz


diferente.

— Só quero te ajudar a relaxar, deus grego. — Não consigo tirar os


olhos do seu abdômen. Ele sempre me fascina.
— Está gostando da vista? — pergunta, com um sorriso malicioso
ao se aproximar.

— Até que dá pro gasto — digo, tocando cada músculo. Subo até
seu peito tatuado. Meus dedos deslizam por seu braço torneado. — Acho
que está precisando reforçar os exercícios na academia.

Felipe ri. É a primeira vez que faz o som que tanto amo desde o
ocorrido.
— Você acha mesmo? — Ele arqueia a sobrancelha. Assinto. Sua
mão segura a minha. Felipe me faz tocar lentamente cada músculo. Peito,
abdômen e bíceps. Forço uma perna na outra, já sentindo o desejo por ele
pulsar dentro de mim. — Pensei que esse tanquinho estava trincado o
suficiente. — Ele leva minha mão até o “v” em sua cintura. Já posso ver
que está ficando duro. É evidente o volume embaixo da toalha branca.
Molho meus lábios. — Porra, Ana. Não faz isso. — Sua voz mostra o
quanto esse simples gesto o afetou.

Com a maior cara de pau, levanto meu rosto e pergunto:

— Não fazer o quê? Isso? — Repito o gesto. Vê-lo morder o lábio


inferior faz todo meu corpo arder de desejo. Seguro a toalha e lentamente
começo a tirá-la de seu corpo. Agora ele está completamente nu na minha
frente. Minhas mãos sobem por suas coxas. Seguro com firmeza sua
cintura. — Você é meu?

— Todo seu, docinho. — Ele sorri. — Cada pedacinho desse corpo


pertence a senhorita Ana Orsini.
Sorrindo me aproximo de sua ereção. A ponta da minha língua
contorna a cabeça rosada e Felipe fecha os olhos. Já sabemos exatamente o
que o outro gosta. O levo o mais fundo possível e me delicio em meu noivo
e futuro marido. Fecho os meus olhos. Os gemidos de prazer que Felipe
solta só me fazem querer ir cada vez mais rápido. Sinto seus dedos se
enroscarem em meus cabelos. Sua cintura se movimenta no mesmo ritmo.

— Que delícia, Ana — ele diz entre os gemidos enquanto seu prazer
quente desce por minha garganta. Me afasto recuperando o fôlego. — Só
tem um probleminha. — Ele se curva e sussurra em meu ouvido: — Estou
em desvantagem. Você está muito vestida.

Sinto meu corpo arrepiar. Lipe abre o fecho do sutiã e beija meu
ombro.
— Deite-se, docinho. Quero admirá-la.

Me deito na cama. Seu olhar percorre meu corpo, e já estou ansiosa


por seu toque. Lipe me admira por um tempo, e com cuidado tira minha
calcinha e vai espalhando beijos da minha coxa até chegar a minha boca.
Nos beijamos com intensidade e amor. Sua mão desce até meu seio e ele o
apalpa enquanto continua a me beijar. Sinto sua ereção roçando no meio de
minhas pernas, e isso só aumenta meu desejo. Levanto meu quadril para
que entenda o que quero. Lipe afasta os lábios dos meus e sorri olhando em
meus olhos.

— Você quer ele dentro de você? — Segurando-o, esfrega-o em


mim. — Peça, Ana. Peça que eu te dou.

Ouvir sua voz cheia de tesão me pedindo para implorar para que
tome meu corpo é provocação demais.

— Eu quero, Lipe... — Sua ereção continua a me torturar. Um


gemido escapa. — Eu te quero agora dentro de mim — sussurro em seu
ouvido e sinto-o se encaixando. Essa sensação é tão boa. Mas não melhor
do que senti-lo se movimentando. — Seu gostoso. — gemo em seu ouvido.
Lipe se movimenta de um jeito intenso. Nossos corpos colados
suados e sua respiração irregular em meu ouvido são com certeza uma das
sete maravilhas do mundo.
— Chegou a sua vez. — Morde meu lábio. — Goza pra mim, Ana.
Quero te sentir tremendo de prazer em meus braços.

Cravo minhas unhas em suas costas e movimento minha cintura


seguindo seu ritmo. Nossos gemidos se misturam. O prazer domina cada
pedacinho do meu corpo. Lipe solta um suspiro, indo mais rápido. Seus
movimentos vão ficando mais lentos até ele parar e beijar minha testa. Ele
se deita ao meu lado. Ficamos em silêncio até a respiração normalizar.
Felipe deita a cabeça em meu peito.
— Você sabe que eu amo ouvir música, não sabe? — Fico sem
entender a pergunta, mas murmuro um sim. — Mas o que não sabe é que
meu som favorito de todo o mundo com certeza é a batida do seu coração.
Os dias se passam em um piscar de olhos. Teve momentos que
realmente achei que não daria conta. São muitas coisas, muitos detalhes.
Ainda bem que tive a ajuda de minha mãe, minha sogra e Bia, senão já teria
pirado. A única coisa que ainda não sei é aonde iremos em nossa lua de
mel. Lipe me disse que é surpresa, e já estou ansiosa. Uma semana atrás
trouxemos todas as minhas coisas que estavam na casa da minha mãe, e
agora esse já é meu novo lar.

Nem consigo acreditar que estou indo comemorar minha despedida


de solteira. Bia e Lavínia fizeram questão de cuidar dessa parte. A única
informação que tenho é que alugaram uma pequena boate e convidaram
todas as minhas amigas mais próximas. Do jeito que Bia é, tenho até medo
do que pode acontecer essa noite. Mas o que é uma despedida de solteira
sem algumas loucuras?
Visto um vestido branco de alcinhas. Queria colocar algo mais
colado e sexy, mas a barriga está tão grande que prefiro me sentir
confortável. Deixo meus cabelos soltos. Faço uma boa maquiagem e calço
uma sandália prata que irá combinar com a carteira. Paro em frente ao
espelho e sorrio. Minha mão acaricia a barriga. Falta pouco pra ver o
rostinho de nosso menino. Tudo isso é novo pra mim. Tenho consciência de
que nem tudo na maternidade será flores, mas darei sempre o meu melhor.
Quero que meu filho sinta orgulho em sua mãe assim como sinto da minha.
Pego minha bolsa que está sobre a cama e estou pronta para curtir a noite ao
lado de minhas amigas. Desço até a sala.
— Está linda, amiga — diz Lavínia ao me ver.

— Vocês também estão perfeitas.

O que não é mentira. Bia veste um vestido estilo tubinho vermelho


que se destaca em sua pele branca. Já Lavínia está deslumbrante em um
vestido curtinho preto que brilha intensamente. Fico feliz por ter as duas
comigo nesse dia tão especial. Minhas amigas são tão lindas por fora quanto
por dentro.

— Cada vez que te olho fico mais apaixonado. E nem sabia que era
possível. — Me viro e vejo Lipe descendo as escadas sorrindo. Seu perfume
inconfundível logo se espalha por todo o cômodo. Queria que ele estivesse
junto na festa, mas sei que essa noite não será possível. Admiro meu
homem. Ele está uma verdadeira perdição. A camiseta preta deixa em
destaque sua correntinha de prata. É difícil vê-lo de calça jeans ele prefere
as de algodão, mas fica gostoso do mesmo jeito. Se Noah for como o pai,
terei cabelos brancos bem cedo. — Eu não posso ir com vocês não? — Ele
me dá um selinho.
— Nem pensar. — Bia entrelaça seu braço no meu. — É noite das
garotas. Você irá aproveitar com Lucas e Beto. Eles já estão lá fora te
esperando. Tchau. — Acena em despedida.

Faz um pouco mais de um mês que Lavínia voltou a morar na


cidade. Ela só voltou por Beto. Tentaram namorar à distância, mas não deu
muito certo. Agora estamos as três comprometidas e nossos namorados se
dão tão bem quanto nós. Isso é maravilhoso.

— Já estou indo, não precisa expulsar. — Lipe segura meu rosto


com carinho e me beija. — Pensarei em você durante toda a noite.

— Eu também. Não beba demais, quero você inteiro pra dizer o sim
amanhã. Juízo, senhor Felipe Martins. Nem pense em tocar em algum peito
por aí. — Ele sabe que estou brincando. Confio plenamente em Lipe.

— Então em bunda pode? — provoca rindo.

— Engraçadinho. — Dou um tapinha em seu braço.

— Até amanhã no altar, docinho. — Beija minha testa. — Eu amo


vocês.

— Até amanhã. — Sorrio só de lembrar que amanhã é o grande dia.


— Também te amo muito.

Lipe vai até a porta, a abre e então para. Ele olha para fora e então
volta sua atenção a nós três.

— Vocês vão de limusine? — Suas sobrancelhas se erguem.

— Sim, meu pai fez questão. — Bia sorri. — Agora vamos que
planejei várias coisas pra essa noite.
Lipe acena antes de entrar no carro de Lucas e partir. Admiro a linda
limusine branca estacionada em frente a nossa casa. Será a primeira vez que
andarei em uma dessas. Assim que entramos, fico ainda mais admirada; o
estofado é todo de couro bege e as luzes que iluminam o teto são rosa, e
uma música eletrônica toca baixinho. Vejo minha sogra e minha mãe lá
dentro conversando enquanto tomam uma taça de champanhe.

— Que vida boa, senhora Carla. — Pisco.

— Tenho que aproveitar as oportunidades. Pena que você não pode


beber. Está delicioso.

— Pra minha mamãe tem suco natural. Eu pensei em tudo. — Bia


começa a servir cada uma, e em seguida nós brindamos. — A uma noite
inesquecível!

A viagem foi rápida; talvez por termos nos divertido tanto. E


quando saímos, Lavínia balança uma venda em frente ao meu rosto.

— Vamos vendá-la. — Põe a venda sobre meus olhos, me


impedindo de enxergar qualquer coisa diante de mim.

— Não me digam que tem homem pelado aí dentro?

Escuto elas rirem.

— Ainda não — Lavínia diz.

Começo a caminhar devagar, com uma pessoa de cada lado


segurando meus braços. Entramos em um ambiente onde toca uma música
sertaneja animada.

— Pode se sentar, amiga — Bia fala, próximo a meu ouvido.


Levo a mão até a cadeira, sentindo onde ela está, e me sento com
cuidado. Minha venda é retirada e vejo várias mulheres espalhadas pelo
salão. Todas parecem bem à vontade. Olho em volta e vejo a decoração
luxuosa. Tudo nos tons de preto e vermelho. As cadeiras estão todas
direcionadas para o pequeno palco que há ali. Lavínia coloca uma tiara com
um pequeno véu e envolve em meu pescoço uma espécie de cachecol de
plumas branca, e as outras recebem um idêntico, só que vermelho.

— Planejamos pro início da noite quatro jogos, Ana — diz Bia. — E


tenho uma surpresa pra você, que envolve um policial, um bombeiro e um
médico. — Bia sorri com malícia. Eu não esperava nada menos que isso
vindo dela.

— Essa noite vai render! — Lavínia levanta a taça de champanhe e


todas as meninas gritam animadas.

Olho em volta e rio ao notar que sou a única a ainda estar sóbria.
Todas estão se divertindo. A noite está melhor que imaginei. Bia está
dançando com Lavínia e minha sogra. Nunca havia visto Sônia assim tão
solta. Já minha mãe está toda animadinha conversando com o dançarino
fantasiado de médico. Dona Carla está aproveitando mais que eu. Gosto de
vê-la assim tão animada. Esses últimos meses foram tão tensos devido à
volta de Alessandro. Balanço a cabeça. Não vou ficar pensando nele agora.
Mesmo contra minha vontade, Alessandro já tem ocupado muito a minha
mente nos últimos dias.
— Aonde vai? — pergunta Bia aos gritos.

— Ao banheiro — respondo no mesmo tom.

— Quer que eu vá com você? — pergunta minha mãe.

— Não, eu já volto. — Não vou atrapalhar os dois. Quem sabe rola


alguma coisa ali. — Não vou sumir, dona Carla. Eu já volto. — Mando um
beijo para ela, que sorri.

Entro no corredor e vejo a plaquinha lá no final. Começo a andar


mais rápido. Noah está esmagando minha bexiga.

— Ana.

Estamos em um barzinho comemorando meu último dia de solteiro.


Amanhã enfim Ana se tornará minha esposa. É tanta felicidade que nem
parece real. Passamos por tantas coisas para chegarmos até aqui. Coisas
boas e ruins, mas todas elas me fizeram amadurecer ainda mais. Meses
atrás, nem sonharia em me casar, construir uma família; tudo que queria era
curtir e arrumar uma bela mulher para passar a noite. E agora terei a minha
mulher, a mais bela de todas, para passar todas as noites ao meu lado. E não
só ela. Logo teremos nosso filho conosco. Tenho certeza que ele será lindo
e inteligente igual a mãe.
Por mim estaria em casa com minha Ana, mas as meninas me
matariam se ela não fosse à festa que prepararam com tanto carinho. Lucas
me falou o quanto Bia se esforçou para dar a melhor festa a amiga, e só de
pensar que só a verei amanhã, no altar, minhas mãos suam de nervosismo.

— Será que terá stripper nessa festa que as meninas estão? —


pergunta Beto.

Eu me engasgo com a cerveja e olho para Lucas, em busca de uma


resposta. Ele abre um sorriso.

— Pelo visto vai — digo, e encosto a testa no balcão. Sinto um


embrulho no estômago só de pensar em um homem tirando a roupa para
Ana, se insinuando para ela. Só eu posso fazer isso. — Mó sacanagem.

Lucas ri.
— Bia queria a experiência completa. — Ele dá de ombros.

— E você fica aí calmo? — Beto parece também não gostar dessa


ideia.
— Eu confio nela. E depois daquela confusão com minha irmã,
nosso relacionamento ficou mais forte. — Lucas toca meu ombro. — E
também preparei uma coisa pra nós. Me sigam. — Ele se levanta e começa
a caminhar.

Olho para Beto, que está tão perdido quanto eu, e seguimos Lucas
até uma salinha pouco iluminada. Há um sofá preto de couro e um pequeno
palco com três cadeiras.

— Sentem-se. — Aponta para o sofá. — É só um show. Ninguém


vai ficar completamente pelado. Nem aqui e nem lá. Bia e eu fizemos um
acordo.
Mesmo Lucas dizendo isso, não me sinto nem um pouco confortável
em saber que vão rebolar para Ana de cueca.
— Isso é muita loucura! — Roberto diz, e eu concordo.

— Vai ser divertido. Parem de ser chatos.

Uma música sensual começa a tocar baixinho e três belas mulheres


vestindo espartilhos vermelhos entram. São duas morenas e uma loira, e as
três usam máscaras bem trabalhadas. Não tem como dizer que são feias ou
desengonçadas, pois não são. Elas mexem o corpo seguindo o toque da
música. Até aí tudo normal. Mas a moça loira não tira os olhos de mim.
Penso que pode ser parte da brincadeira, mas percebo que está se
insinuando muito. Será que Lucas planejou isso também? Será que está
tentando me testar? Já estou ficando incomodado com a situação. A gota
d’água é quando chega perto demais e começa a querer tirar o que está
vestindo. Quando percebo isso, me levanto.

— Passou do limite, Lucas. Tô fora. — Saio da sala o mais rápido


possível e volto para o bar. Logo os dois estão ao meu lado.

— Cara, eu nunca faria isso de propósito. Era só uma brincadeira,


assim como será com as meninas. Acho que a moça se empolgou. — Lucas
parece mesmo envergonhado.

— Ela parecia estar te comendo com os olhos. Sabia que iria sair do
controle. Ainda bem que você se levantou, estava a ponto de fazer isso. Se
Lavínia sonhar com isso ela me capa.

Todos rimos, e minha frustração e raiva se vão. A moça foi além e


não foi culpa de nenhum dos dois.
— Tudo bem. Vamos esquecer isso e curtir o restante da noite —
digo. — Amanhã a essa hora estarei aproveitando minha lua de mel e vendo
a única mulher que quero sem roupa.

Lucas dá uma batidinha em meu ombro.


— Assim que se fala. — Ele se vira para o barman. — Uma rodada
de caipirinha, por favor.

Minha cabeça só está em Ana. Espero do fundo do meu coração que


o cara não passe dos limites com elas também. Ficar sem ela até amanhã
será uma tortura.
Me sinto zonza e uma ânsia sobe em minha garganta. Com muita
luta, forço meus olhos a se abrirem. É aí que percebo estar em um quarto.
Mas não o reconheço. O que aconteceu comigo? Onde estou? Essas
perguntas se repetem em minha cabeça. Tudo o que lembro é de estar em
minha despedida de solteira. Estava indo até o banheiro. Eu toquei a
maçaneta, mas ouvi alguém me chamar, dali em diante não lembro de mais
nada. É como se alguém tivesse apagado uma parte da minha memória.

Atordoada, me sento na cama. Parece que o mundo inteiro está


girando. Tento me levantar, mas no mesmo instante caio para trás. Olho em
volta na tentativa de achar meu celular ou algo do tipo. Será que passei mal
e me trouxeram para casa de alguém? Não. Isso seria muito improvável. Se
tivesse acontecido algo, eu estaria na casa da minha mãe, de Lipe ou até
mesmo em um hospital. Minha mão toca a barriga.
— Mostre pra mim que está tudo bem com você, meu amor — digo
olhando para a barriga. E como se realmente conseguisse me entender,
Noah se movimenta. Respiro fundo, sentindo um misto de alívio e
preocupação. Me levanto mais uma vez.

Caminho devagar até a porta e a abro. O corredor está escuro e uma


energia negativa parece estar espalhada por todo canto. É como se estivesse
dentro de um pesadelo ou um filme de terror. Meu coração está apertado e
algo dentro de mim me diz que estou em perigo. Que nós estamos. Começo
a caminhar lentamente.

— Mãe? Bia? — Silêncio é a minha resposta. — Lavínia? Se isso


for uma brincadeira, se fizer parte da festa, me avisem agora. Eu não estou
gostando. — Anseio para ouvir uma delas gargalhar, para outro homem de
sunga rosa florescente aparecer na minha frente. Para que isso seja uma
ideia maluca de Beatriz. Mas isso não acontece. Paro de caminhar. A partir
daqui, não irei enxergar, e estou com medo de cair. Isso não pode ser real.
— Tem alguém aí?
— Ana.

Me viro para a voz inconfundível. E como em um passe de mágica


as luzes se acendem e me deparo com ele. Carlos está bem ali na minha
frente com as mãos enfiadas nos bolsos da calça social.

— Onde estamos? — pergunto, me sentindo completamente


confusa.

— Em um lugar seguro. — Sua informação não me ajuda em nada.


Continuo sem compreender o que está acontecendo. Estou em uma casa
desconhecida com Carlos. Isso não faz nenhum sentido.
— Como assim? — Recuo quando ele dá um passo à frente. —
Como vim parar aqui?

— Eu te trouxe.

— Eu preciso que me explique o que está acontecendo, Carlos. —


Forço uma calma que não estou sentindo. Ele se mantém calado. — Não me
diga que é o que estou pensando? — Seu olhar está fixo no meu. E a mesma
sensação ruim que senti ao abrir as portas volta a se espalhar por meu
corpo. — Eu me lembro de estar na minha despedida de solteira...

— E ouvir alguém lhe chamar? — Balanço a cabeça, confirmando.


— Ele dá mais um passo à frente e eu um para trás. — Sabia que essa noite
seria o momento perfeito pra... — ele não termina a frase. Mas nem é
preciso, tudo já está claro. Não sou burra.

— Você... Você me sequestrou? — Essas palavras parecem rasgar


meu peito.

Meus olhos se enchem de lágrimas. Carlos volta a se aproximar e,


sem pensar muito, corro. Parece que esse corredor não chega ao fim. É
como se não conseguisse sair do lugar. Sinto seu braço envolver minha
cintura. E com o susto um grito escapa da minha garganta.

— Eu não vou te machucar, Ana. — Carlos me encosta na parede e


me encara sério.

— Por que está fazendo isso comigo? Me deixe ir embora —


imploro enquanto as lágrimas caem sem parar.

— Não posso. — Ele se afasta e passa a mão no cabelo. — Estou


fazendo isso pra lhe manter segura, Ana. Acredite em mim. — Volta a se
aproximar e prendo a respiração. Suas mãos seguram meu rosto enquanto
os polegares enxugam as lágrimas. Sentir seu toque em minha pele me
deixa enjoada. — Eu preciso de vocês ao meu lado, não vou deixar
ninguém nos separar. Viveremos juntos. Você, eu e nosso bebê.

É como se meu coração por um momento parasse de bater. Eu não


posso ter ouvido direito. Isso só pode ser um pesadelo. Eu caí e bati a
cabeça. Não sei.

— Esse bebê é meu e de Felipe — digo com calma para que entenda
cada palavra. — Você está fora de si. Me deixe ir que finjo que isso não
aconteceu. — Claro que é uma grande mentira. Assim que estiver longe de
suas garras, irei direto para a delegacia. — Carlos, isso não é brincadeira.
Estamos falando de um sequestro. Você tem noção disso? Do quão grave é
o que acabou de fazer? — Ele se mantém calado. — Eu tenho uma família,
um noivo. Meu casamento...

— Não vamos falar sobre isso. — Carlos apoia a cabeça em meu


ombro e sinto meu estômago embrulhar. Se continuar assim, irei vomitar a
qualquer momento. Com cuidado, me esquivo e consigo me afastar. Carlos
soca a parede e meu coração gela. Fecho meus punhos com força na
tentativa falha de manter a calma. Preciso pensar, mas tudo está bagunçado
dentro de minha cabeça. — Eu consegui te tirar dele antes que cometesse a
burrice de se casar com um moleque como Felipe.

— Ele não é um moleque! — As palavras saem sem que eu perceba.


Não consigo me conter quando falam mal das pessoas que amo. — Felipe é
muito homem e não faria nada pra me machucar. Diferente de você.

— Você precisa entender que estou fazendo isso para que você se
apaixone por mim. — Me forço a não rir. Esse homem está mais louco do
que imaginei. Como ele pode pensar que me mantendo presa vou me
apaixonar por ele? — Eu amo você, Ana. — Balanço a cabeça negando. —
Eu amo sim. Estou fazendo isso por amor. Eu só quero ter a chance de fazer
você me amar como eu te amo. Juro que serei o melhor homem, o melhor
pai. Vamos recomeçar longe daqui. Teremos uma bela casa. Já era para
estarmos bem longe. — Ele bufa e passa a mão no cabelo. Parece estar a
ponto de arrancar cada fio. — As coisas não saíram como o planejado.

— Me deixe ir embora — repito a mesma frase várias vezes. — Eu


imploro. — Carlos balança a cabeça sem parar. — Por favor, eu preciso de
minha mãe, da minha liberdade. Falta pouco para o meu Noah nascer.

— Eu sei. — Ele sorri. Quem vê toda essa felicidade realmente acha


que estamos falando de nosso filho. — Eu já pensei em tudo — diz
animado. Seu humor está variando demais. — Tem uma clínica próximo de
onde iremos morar, só não posso dizer pra onde vamos, é de um amigo
meu. Você terá do bom e do melhor. Acho até que ele pode ser o padrinho.
— Me sentindo completamente derrotada, apoio o rosto nas mãos. Meu
choro silencioso logo se transforma em soluços audíveis. Eu preciso que
alguém me acorde. — Não chora, meu amor. — Ele tenta me abraçar e
nesse momento acerto o meio de suas pernas com o joelho. — Merda! —
Ele se afasta.

Aproveito seu momento de fraqueza e desço as escadas correndo.


Ao chegar à porta, tento abrir, mas está trancada. Claro que estaria. Tento as
janelas, mas estão do mesmo jeito. Eu não quero ficar presa com esse
homem.

— Alguém me ajuda! — grito com todas as forças enquanto minhas


mãos batem na madeira. — Socorro!

— Você não vai fugir, Ana. — Não me viro para Carlos. Continuo a
gritar e bater na porta sem parar. — A partir de agora, você é minha, e esse
bebê também.
Desesperado, saio do veículo. Olho em volta e vejo duas viaturas da
polícia. Isso faz meu coração acelerar ainda mais. Bia me pediu para vir
aqui urgentemente, e senti em seu tom que algo estava errado. Perguntei
sobre Ana e Noah, e ela só disse que não queria falar por telefone. Naquele
momento soube que algo aconteceu com eles. Corro até Carla, mas
Alessandro chega antes.

— Sequestraram minha filha. — Paro quando ouço essas palavras


saírem de sua boca. Sinto como se alguém tivesse acertado um soco em
meu estômago. Me falta o ar, me falta a maior parte de mim. É como se
meu mundo nesse momento perdesse toda a cor e eu enxergasse tudo em
preto e branco. — Alessandro, você é um delegado, traz minha menina de
volta. — Ver Carla caindo de joelhos chorando é meu fim. Alessandro se
abaixa e a abraça. — Ela é tudo que tenho. Falta pouco pra ela ter o bebê.
Encontre ela, por favor. — cada soluço que escapa de sua boca é como uma
facada em meu peito.

— Eu juro pela minha vida que vou trazer nossa filha e o bebê de
volta pra casa. — Alessandro segura seu rosto e olhando em seus olhos diz:
— Não vou falhar com vocês dessa vez, Carla. É uma promessa. — Ele
beija sua cabeça.

Bia se junta a Alessandro e os dois ajudam Carla a se levantar.


Fecho meus olhos por um momento e só sei pedir a Deus para cuidar de
Ana e de nosso filho. Sinto meus olhos se encherem de lágrimas. Se
acontecer algo com eles, perderei todo o motivo para viver. Uma mão toca
meu ombro e parece que volto à realidade. Lavínia também está aos
prantos.

— Como isso aconteceu? — As lágrimas molham minha face.

— Ela foi ao banheiro e não voltou. Começamos a procurar... —


Lavínia limpa as lágrimas. — Não a encontramos em lugar nenhum.
Pedimos para verificarem na câmera se ela saiu sozinha... E não, Lipe. Dois
homens encapuzados a levaram.
— E como ninguém viu isso? — pergunto, sentindo a raiva se
misturar com o medo. — Não acredito que isso está acontecendo. Eu
deveria ter ficado com ela. — A culpa esmaga o restante do meu coração.

— Não se culpe — me repreende Alessandro. — Nenhum de vocês


tem culpa — diz olhando para Carla. — Já disse e afirmo. Vou trazê-los de
volta nem que isso custe minha vida. — Carla dá um leve aceno de cabeça.
— Eu preciso ver as imagens da câmera de segurança.

— Eu mostro ao senhor — diz um rapaz.

— Carla, fique de olho no telefone. Alguém pode entrar em contato


pedindo resgate ou algo do tipo.

Ela assente.

— Acha que ela foi levada pra pedirem resgate? — pergunto.


— Não podemos descartar essa hipótese. É a mais provável. —
Alessandro se vira para os policiais. Ele aponta para dois. — Quero as
gravações das câmeras mais próximas. Residência ou estabelecimento. —
Os dois assentem e se retiram. — E você. Reporte ao pessoal da balsa. —
Ele enfia a mão no bolso e tira o celular. — Vou enviar pra você uma foto
da vítima do sequestro. — Olho para o aparelho e percebo que o papel de
parede do seu celular é uma foto de Ana no chá revelação. Com certeza
baixou da internet. — Espalhe por aí. Quero revista em cada veículo antes
de deixar a cidade. E também nos helicópteros. — O homem balança a
cabeça concordando. — Agora vamos conferir as gravações desse
estabelecimento.
Seguimos o funcionário até uma pequena sala que fica no fundo da
boate. Me pergunto se ele estava dormindo quando tudo aconteceu. Mesmo
Alessandro dizendo que não devo me culpar, eu não consigo. Se estivesse
com Ana, isso não teria acontecido. Eu a teria mantido segura. Dessa vez eu
não consegui ser seu herói.

Ele dá play no vídeo e consigo ver exatamente o momento em que


um homem chega por trás de Ana e pressiona um pano em seu rosto. Não
demora para o que o está acompanhando a pegue nos braços. Os dois saem
pela porta dos fundos, a de saída de emergência. Ver minha Ana desmaiada
ali nos braços de um completo estranho me dói tanto.
— Essa é a câmera dos fundos — diz o funcionário.

Do lado de fora havia dois carros estacionados. Ana é colocada no


banco de trás do primeiro veículo. E os dois rapazes entram no segundo.
Então ela só foi entregue. Tem uma terceira pessoa envolvida. Fico
encarando o carro em que Ana foi colocada.
— Esse carro... — Aponto para a tela. — Há um tempo Ana e eu
quase sofremos um acidente de moto por causa de um motorista
imprudente, e o carro era no mesmo modelo e cor. Foi rápido demais, não
deu pra ver a placa.

— Sabe se Ana teria algum inimigo? — pergunta Alessandro.


— Não. Ela não faz mal a ninguém. Ana é uma pessoa tão boa e
honesta. — Então eu lembro. É como se uma luz se acendesse em minha
mente. — Mas teve um ocorrido...

— O quê, Felipe? — Consigo sentir uma centelha de esperança em


seu tom de voz.

— Ela recebeu alguns bilhetes ânimos no trabalho. Mas seu chefe


conseguiu identificar quem estava enviando e conversou com o rapaz. Eu
também conversei.

— Deveriam ter me procurado.

— Ana não queria envolver a polícia, pois sabia que você iria ficar
sabendo e não queria que fingisse se importar com ela.

Alessandro suspira.

— Eu preciso que você me conte tudo, Felipe. Qualquer coisa que


possa ajudar. Não me esconda nada. Pode começar.
Minhas mãos doem de tanto bater nessa porta. Toda minha
esperança se vai. Ele não me trancaria em um lugar onde alguém pudesse
ouvir meus gritos de socorro. Me sentindo completamente exausta e
derrotada, me sento no chão e choro sem parar. Só queria estar em casa.
Queria nunca ter aceitado a proposta de emprego. Nunca ter conhecido esse
homem louco. Fui tão ingênua em não perceber que ele é um completo
desequilibrado. Já me senti desconfortável em sua presença algumas vezes.
Isso deveria ter bastado para procurar outro emprego. Mas não. Eu
continuei ali. Meu grande erro foi ignorar os sinais.

— Eu avisei que não iria adiantar. — Carlos se senta próximo a


mim. Nunca pensei que odiaria tanto uma pessoa como estou odiando esse
homem nesse momento. — Estamos em um lugar bem afastado. Pela
manhã partiremos. Em nossa nova casa você vai poder passear por toda a
residência. — Levanto meu rosto e encaro o ser desprezível que está a
poucos centímetros. — Eu quero que você me ame, Ana. Que me deseje
ardentemente como eu a desejo. — Suas palavras, junto com seu olhar que
desce até meu decote, me faz recuar. — Cada dia ao seu lado naquele
escritório foi uma tortura. Você me deixou louco, Ana.

— Isso nunca vai acontecer, Carlos. Não importa o tempo que passe.
— Sou sincera. — Eu amo Felipe, não quero nenhum outro homem. Você
pode me manter presa para sempre e mesmo assim o único homem que terá
meu coração é o que cresceu ao meu lado. O que me acompanhou em cada
fase da minha vida. — Ele se mantém sério. Não sei se falar isso irá abrir
seus olhos ou complicar ainda mais a minha situação. — Por favor, entenda
isso — suplico. — Eu quero voltar pra casa. Quero minha liberdade de
volta.

— Você que não entende, Ana. Estou arriscando tudo por você. Por
vocês. — Sua mão toca minha barriga e rapidamente a afasto. Ele não vai
encostar um dedo sequer em meu filho. Carlos se levanta. Ele vai até um
pequeno bar e se serve de uísque. — Eu já me apaixonei por outras
secretárias. — Olho para ele surpresa. — Tenho que confessar que nos
últimos anos todas chamaram minha atenção de alguma forma.

E então me lembro da conversa com Luiza. Será que era disso que
estava falando? De ter que lutar por seu casamento cada vez que uma nova
secretária era contratada. Será que ela sabia dessa sua obsessão doentia?

— Você já fez isso com outras mulheres?

Ele toma todo o líquido de uma vez.

— Algumas corresponderam minhas investidas, mas outras... —


Carlos não termina a frase. Ele sorri enquanto encara o copo e isso me faz
imaginar o que algumas mulheres já sofreram em suas mãos. Ele enche o
copo novamente e o medo de ficar presa nessa casa com ele bêbado me
sufoca. — Mas posso garantir que nunca senti por nenhuma delas o que
estou sentindo por você, Ana. No começo era só atração. Acho que transar
com minhas secretárias se tornou um tipo de vício. — Ele toma um pouco
mais da bebida. — Mas agora eu vejo claramente que com você é diferente.
— Carlos pega a garrafa novamente. — Tendo você em minha vida, não
precisarei de mais ninguém. Ainda mais que você veio com um brinde. —
Ele olha pra minha barriga. — Carlos Vargas enfim terá uma família de
verdade.

— Eu preciso me deitar. Não estou me sentindo bem. — É a única


ideia que tenho nesse momento. Preciso que me tranque naquele quarto.
Que fique longe.

— Sim. Você precisa descansar. Antes de irmos quer algo pra


comer? — Balanço a cabeça. — Tem certeza? Tem bastante coisa gostosa
na cozinha. — Carlos fala cada palavra com tanta calma e naturalidade que
nem parece estar mantendo uma mulher grávida em cárcere privado. É
completamente louco.

— Tenho. Estou exausta, só quero me deitar. — E me manter o mais


longe possível de você.

O dia já amanheceu, e pela janela de vidro do quarto consigo ver um


homem lá fora. Ele está de costa, mas tenho a sensação de conhecê-lo. Fico
feliz por Carlos não ter aparecido por aqui durante a madrugada. Não
consegui fechar os olhos. Mesmo me sentindo cansada, fiquei em alerta.
Não sei o que faria se tentasse me forçar a algo. Limpo a lágrima do canto
do meu olho. Hoje era para ser um dos dias mais felizes da minha vida.
Nesse momento estaria tomando meu café da manhã junto com minha mãe.
Mais lágrimas começam a cair. Estou me sentindo perdida no meio de uma
escuridão sem fim. Imagino como ela e Lipe devem estar desesperados.
Pode ter se passado poucas horas, mas já sinto saudade deles. Eu quero
minha vida de volta. Quero ser livre.

— Trouxe seu café. — Me viro para Carlos, que está sorrindo


enquanto segura uma grande bandeja. — Tem bastante coisa gostosa. — Ele
levanta o rosto e vejo o seu sorriso se desfazer. Carlos coloca a bandeja na
cama e caminha até mim. — Não quero te ver chorando. — Isso soa mais
como uma ordem. Seus polegares enxugam meu rosto com força. Dou um
passo para trás. — Você dormiu?

— Não consegui. — Vou até a cama e me sento. — Obrigada por


me trazer algo pra comer. — Eu preciso manter o controle. Tenho que fingir
estar calma até conseguir sair daqui. Tenho que pensar em algo.

— Não vou deixar você com fome. — Ele se senta na cama e isso
me incomoda. — Vou ficar aqui até terminar de comer.

— Não precisa. — Pego a faca e começo a passar o requeijão na


torrada. — Você deve ter outras coisas pra fazer. — Carlos balança a
cabeça. Enquanto me forço a comer, me dou conta de que ali só tem coisas
que gosto. Requeijão, torrada, pão com presunto e queijo e um pequeno
pote com frutas picadas e um Danone de morango ao lado. — Como...?

— Eu sei tudo sobre você, Ana. — Sua mão toca minha bochecha e
engulo em seco. — Você gosta de doces. Ama comer um quando retorna do
almoço. Sei que sempre tem um na sua bolsa. — Como ele sabe tudo isso?
— Quando está ansiosa você morde a ponta da caneta e sorri quando deixa
algo cair da mesa sem querer. Eu sempre te observei. É um dos meus
passatempos preferidos.

Durante todos esses meses, ele estava ali me observando. Nutrindo


um sentimento doentio. É como se as peças se encaixassem na minha
cabeça.

— Os bilhetes?

— Sim. Era eu.

— Por quê?

— Queria melhorar as coisas entre nós. O ciúme de Felipe me fazia


ficar irritado com você facilmente. Acabava perdendo o controle. E veja
como funcionou. — Ele pega um pedaço de morango e leva até a boca. —
As coisas estavam melhores. Eu queria mais tempo pra te conquistar. Mas
aí você decidiu se casar. Tive que planejar como impedir que isso
acontecesse. — Ele dá de ombros como se não fosse nada de mais. Como se
não estivesse cometendo um crime. — Paguei Caíque pra me ajudar. Soube
que precisava de dinheiro. Estava devendo a agiotas, então faria qualquer
coisa pra quitar a dívida.

— Tudo isso é uma grande loucura. — E cada vez piora mais.

— Não é loucura, Ana. É amor. — Sinto uma vontade enorme de


dizer que isso é doença, mas consigo me conter. Não quero ficar testando
seus limites. — Tudo o que escrevi ali nos bilhetes era verdade. — Seu
olhar se fixa em meus lábios. O medo faz minha respiração acelerar. Fecho
a mão com força segurando a faca. — Você não tem ideia do quanto anseio
por beijar você. Perdi as contas de quantas vezes sonhei com isso.
— Carlos, pense em Luiza, sua esposa. Ela é uma pessoa boa. —
Seu polegar me cala. Meu coração acelera quando ele se aproxima
lentamente. Sem pensar duas vezes, tento atacá-lo com a faca, mas ele
segura minha mão. Um gemido escapa quando seu aperto se intensifica. —
Está me machucando.

— Não acredito que queria me ferir novamente. — O tom de sua


voz muda drasticamente. Sinto um frio na espinha. Peço a Deus
mentalmente para ele não fazer nada de ruim comigo. — Eu estou sendo
bonzinho com você, Ana. Não teste minha paciência. Você não vai gostar
do que verá se lhe tratar como realmente quero. Como já tratei algumas de
suas colegas de profissão.

— Carlos, solte minha mão, por favor — imploro várias vezes. Com
a mão livre, seguro seu pulso. — Está doendo muito. — Lágrimas molham
meu rosto.

— Me beije que eu solto. — Balanço a cabeça e ele aperta ainda


mais. Ele pode arrancar minha mão fora, mas não irei ceder. Percebendo
isso, Carlos segura minha nuca e mesmo lutando contra, ele consegue
encostar seus lábios nos meus. O nojo e a revolta tomam meu corpo. Ao se
afastar, ele solta minha mão e se levanta. — Não queria que nosso primeiro
beijo fosse assim, mas você não ajudou. — Ele vai até a porta. — Aproveite
o café. Vou ver se está tudo certo pra nossa partida.

Encaro minha mão. Os dedos estão vermelhos. Pego o guardanapo e


começo a limpar meus lábios. A ânsia sobe por minha garganta e corro para
o banheiro, colocando tudo o que comi para fora. Me sento no chão e volto
a desabar.

— Deus, me ajuda a sair daqui — sussurro enquanto as lágrimas


caem sem parar. — Eu não sei o que fazer. Me dê uma luz, senhor.
A nossa visita até a casa de Caíque infelizmente não deu em nada.
Sua mãe disse que faz dois dias que não vê o filho e não faz a mínima ideia
de onde esteja. Os bilhetes e o sumiço o colocam no topo da lista de
suspeitos. Não tem como ter sido outra pessoa. Minha Ana é uma pessoa
maravilhosa, não existe alguém que não se encante por ela. Nem inimigos
na escola ela tinha.

Ninguém entrou em contato até agora para pedir resgate ou algo do


tipo. Cada segundo que passa eu me sinto afundar um pouco mais em um
poço de medo e insegurança. Estou me fazendo de forte, mas no fundo só
queria sair por aí batendo de porta em porta até encontrar meu amor. Até ter
minha família de volta.

Depois de muita luta, conseguimos convencer Carla de que era


melhor esperar em casa. Bia, Lavínia e meus pais estão com ela. Alessandro
também encaminhou uma viatura para lá. Ela não queria ir e eu entendo. Se
estivesse em casa, me sentiria ainda mais inútil do que estou me sentindo. E
olha que estou com Alessandro na delegacia. Ele coloca o telefone de volta
no gancho.

— Até agora não pegaram a balsa. E os helicópteros que deixaram a


cidade também foram revistados. — Alessandro se joga para trás. —
Acredito que ainda estejam aqui na cidade.

— Eu vou pegar a moto e dar uma volta. — Me levanto. — Quem


sabe consigo algo. Não aguento mais ficar esperando.
— Já tem viaturas espalhadas pela cidade. Tente manter a calma,
Felipe. Eu não posso e não vou deixar o meu desespero prejudicar a
investigação. Prometi a Carla que os traria de volta e é isso que farei. Se
deixarmos o desespero falar mais alto, tudo sairá de controle.
Abro a boca para responder, mas ele tem razão.

— Senhor. — Um policial entra rapidamente. — Carlos Vargas não


foi localizado. — Essa informação me deixa confuso. Será que ele está
envolvido nisso? — Mas a esposa dele estava na residência e se prontificou
a prestar depoimento.
— Mande ela entrar.

O rapaz assente.
— Eu posso ficar? — Vejo a dúvida em seus olhos. — Por favor.

— Tudo bem. — Ele aponta para uma cadeira no canto da sala. —


Se sente ali e não chame atenção. — Sigo suas ordens e não demora para a
mulher entrar. — Bom dia, senhora Vargas. — Os dois se cumprimentam.
— Obrigado por cooperar com nossa investigação. Sente-se, por favor.
Os dois se sentam.

— Imagina. — Sorri fracamente. Ela parece abalada. Seus olhos


estão inchados. Isso só aumenta minha desconfiança de Carlos estar
envolvido. — Primeiramente, quero dizer que sinto muito por tudo o que
está acontecendo com Ana. Ela é uma menina muito especial e não merecia
isso.

— A situação é delicada, mas vamos encontrá-la. — A firmeza na


voz de Alessandro renova minhas forças. Ele não vai desistir. Nós não
vamos. — A senhora sabe onde está seu marido?
— Não. Ele passou a noite fora, mas como faz isso com frequência,
não achei estranho. Mas suspeito que esteja envolvido no sequestro.

— Por quê? — pergunto. Não estou com paciência para suspense.

Ela se vira para mim e franze a sobrancelha.


— Você é o noivo dela, isso? — Assinto. — Na última noite que
dormimos juntos, Carlos disse o nome de Ana enquanto dormia. Eu pensei
que poderia ser outra Ana. — Ela abaixa a cabeça. — Acho que me fingi de
cega. E...

— Continue, por favor — pede Alessandro antes que eu possa abrir


a boca.

— Carlos está muito distante. Eu sei que ele estava se apaixonando


por outra, só não fazia ideia que poderia ser ela. Eu achei estranho ter
comprado alguns itens de bebê. — Meu coração dispara. Olho para
Alessandro, e com a mão ele faz um gesto sútil para ter calma. — Carlos
escondeu no fundo do closet. Na parte dele. Quem viu foi nossa governanta.
Ela me parabenizou achando que enfim tínhamos conseguido realizar nosso
sonho. Quando questionei, ele disse que era presente pra um amigo. Carlos
sempre foi louco pra ter um filho. Talvez... — Suas lágrimas caem sem
parar. — Ele pode ter ficado obcecado pelo fato dela estar grávida, pode ter
criado uma teoria louca que esse bebê...

— Não — a palavra sai sem que eu perceba. — Noah é meu filho!


— Me levanto. Não consigo ficar sentado. — Temos que encontrá-la. Esse
homem é completamente louco. Tenho certeza que Carlos e Caíque estão
juntos nessa.
— Você faz alguma ideia de para onde ele pode tê-la levado? —
pergunta Alessandro. — Eles não pegaram a balsa. Acredito que ainda
estejam na cidade.
— Eu... — a mulher parece hesitar. Ela sabe que seu marido irá
parar atrás das grades.

Me ajoelho na sua frente.


— Por favor— suplico olhando em seus olhos levemente inchados.
— Ana e Noah são minha vida. Não sei o que farei se acontecer algo com
eles. Não posso perder nenhum dos dois.

— Eu tenho uma suspeita. Mas terão que ser rápidos.


Sinto que vou enlouquecer se continuar presa. Já vasculhei todo o
quarto na tentativa de achar algo que me ajude a fugir desse lugar, mas
infelizmente não encontrei nada. Envolvo meus braços na barriga. Eu não
sei para onde ele vai me levar. Pode ser outra cidade ou outro país. Eu posso
nunca mais ver minha família. Meu bebê crescerá longe do pai e de todas as
pessoas que nos amam. Limpo as lágrimas e me levanto do chão. Vou até a
janela e tudo o que consigo ver é areia e o mar.

Lipe deve estar lá fora tentando encontrar um jeito de me localizar.


Já minha mãe, tenho certeza que está arrasada. Destruída. É como eu ficaria
se fosse o contrário. Nem consigo imaginar o tamanho do desespero que
devem estar sentindo. Será que Alessandro... Balanço a cabeça. Com
certeza ele já está sabendo, e se estiver me procurando, só está fazendo isso
porque é sua obrigação como delegado. Suspiro alto. Não quero perder a
esperança de que meu amor irá me encontrar.
Fecho meus olhos e a imagem se forma em minha mente. Os vários
girassóis espalhados por toda parte. Lipe vestido em um lindo terno
sorrindo. Seus olhos azuis brilhando emocionado enquanto me ver
caminhar em sua direção. Durante anos sonhei com esse dia, e quando ele
enfim chega, um louco estraga tudo. O barulho da porta se abrindo
lentamente me faz recuar.

— O piloto já está a caminho. Vamos. — Balanço a cabeça. — Ana,


você já esgotou a minha paciência por hoje. Viu o que aconteceu. Não me
faça te ferir novamente. — Seu olhar vai até minha mão. Fecho meus dedos
e me arrependo por isso, pois dói demais.

— Não quero ir. — Dou um passo para trás. — Você não precisa
fazer isso, Carlos. Me levar pra outro lugar e me manter presa é loucura.
Meu filho merece ter uma vida normal. Eu mereço — digo desesperada.
Preciso usar todas as armas que tenho. — Você sempre quis ter um filho.
Pare e pense o que sentiria se ele fosse mulher e um homem fizesse com ela
o que está fazendo comigo agora. Ou se Luiza estivesse no meu lugar. Por
favor, não faça isso.

— Eu preciso tirar você dessa cidade o quanto antes. — Ele ignora


completamente tudo o que disse. Não adianta tentar tocar com palavras o
coração que não existe em seu peito. — Vai dar tudo certo, Ana. Confia em
mim, meu amor. — Eu odeio do fundo da minha alma ouvi-lo me chamar
assim.

— Você entende que está me pedindo pra confiar em um homem


que me sequestrou um dia antes de me casar com o amor da minha vida e
pai do meu bebê? — Carlos resmunga algo que não entendo. Pisando firme,
ele caminha até mim. — Se você realmente sente algo por mim, me deixe
voltar pra casa, por favor.
— Você realmente não entende? — Sua mão toca meu rosto com
uma falsa ternura. — Você foi feita pra mim, Ana. Felipe não saberia cuidar
de uma preciosidade como você. — Seu olhar desce até minha barriga. —
Como vocês.

— Ele saberia sim. — Minha voz quase não sai. — Felipe sempre
soube cuidar de mim. Ele sempre me protegeu.

— Chega! — ele grita, me assustando. — Não quero mais ouvir o


nome desse homem saindo de sua boca. Nós vamos agora, você querendo
ou não. — Carlos segura meu braço com força e começa a me arrastar. Luto
para me soltar, mas de nada adianta. Ele é muito mais forte que eu. — Pare
de se debater ou ficará com o braço roxo, porra — me repreende.

Assim que colocamos o pé para fora da casa, uma ideia vem à


minha cabeça. Mordo seu braço com toda a minha força. Um gemido de dor
escapa de sua boca enquanto o gosto de sangue se espalha na minha.
Aproveito o momento que me solta e começo a correr. Nunca fui boa
correndo, ainda mais na areia. E essa barriga desse tamanho também não
ajuda muito. Mas tenho que tentar. Olho para trás e entro em desespero. Ele
está bem próximo e não está sozinho. Caíque está ao seu lado. Grito quando
Carlos segura meu braço mais uma vez.

— Nunca mais faça uma coisa dessas! — Carlos me sacode. —


Você está querendo me transformar no vilão, Ana.

— Você é o vilão. Será que não percebe isso? — Olho por cima de
seu ombro. E com o olhar suplico em silêncio para que Caíque me ajude.
Consigo ver a confusão em seus olhos. Ele não pode deixar esse louco me
levar daqui.

— Você é minha, Ana! Terá que se acostumar com isso.


Fecho meus olhos quando suas mãos apertam meus braços.

— Eu odeio você! — grito com toda minha força.

Ao abrir os olhos, Caíque faz sinal de silêncio e mesmo sem


entender, uma pontinha de esperança nasce em meu coração. Em um único
movimento, ele ataca Carlos.

— O que está fazendo, seu bosta?! — ele grita enquanto os dois


rolam na areia.

— Corre, Ana! — pede Caíque.

Ao me virar e dar o primeiro passo, escuto o barulho de um disparo


e simplesmente travo. Olho para trás e vejo o corpo de Caíque já sem vida
sobre a areia. A arma de Carlos está direcionada a mim.

— Se correr será pior — ele diz nervoso ao se levantar. — Está


vendo o que você me força a fazer?

— Você o matou. — Só consigo encarar os olhos abertos que agora


já não transmitem mais nada. O sangue se espalha por sua camiseta. Eu nem
sabia que Carlos estava armado, e acredito que Caíque também não.

— Quero que veja de perto o que você causou. — Segurando meu


braço, ele me joga sobre o corpo. Minha roupa se suja de sangue. Minhas
lágrimas caem sem parar. Ele morreu tentando me ajudar. — Não acredito
nisso! — Carlos segura meu braço e me levanta. — Como eles nos
encontraram? — pergunta nervoso e começa a me arrastar em direção a
casa.

Meu coração se enche de esperança ao ver vários policiais se


espalhando pela praia. Meu olhar encontra o de Alessandro. Ele veio me
salvar.
— Você está em desvantagem. É melhor se entregar — fala
Alessandro, com a arma apontada para ele.

— Ana é minha! O bebê é meu! — grita, fazendo meu ouvido doer.

Lipe logo aparece. Eu tive tanto medo de não vê-lo nunca mais.

O olhar de Felipe fixa-se em minhas roupas sujas de sangue. Me


desespero ao perceber o que vai fazer. Antes que possa abrir a boca, Lipe
corre em minha direção sem pensar no perigo. Carlos vira a arma para ele e
atira duas vezes. E nesses poucos segundos um filme de tudo o que já vivi
com Lipe passa em minha mente. E diante dos meus olhos, Alessandro se
joga na frente de Felipe para salvá-lo, sendo acertado pelas balas que
deveriam ser dele. Sinto o ar faltar em meus pulmões. E Mesmo ferido,
Alessandro aproveita o momento e atira na perna de Carlos, que desaba
gritando de dor. Dois policiais vão até ele e o algemam. Lipe me abraça,
mas estou em choque encarando o ferimento de Alessandro.

— Meu amor, você está ferida?

Balanço a cabeça negando. O olhar de Alessandro encontra o meu.

— Vai ficar tudo bem, Ana — ele diz e sorri fracamente. O


ferimento em seu braço continua a sangrar. Olho para o tiro no peito e ele
puxa a jaqueta mostrando que estava com colete. E enfim posso voltar a
respirar direito. — Não se preocupe, eu vou sobreviver. Já passei por coisas
piores.

Lipe segura meu rosto entre as mãos e me faz encará-lo.

— Eu estava tão preocupado com você. Não sei o que faria se


perdesse vocês. — Ele me beija e sinto meu coração voltar a bater. — Me
perdoa por ter demorado tanto pra te encontrar.
— O importante é que você veio e a tempo de nos salvar. — O
aperto em meus braços.
— Eu não teria conseguido sem ele.

Olhamos para Alessandro. Me solto dos braços de Lipe e, sem


pensar muito e com lágrimas nos olhos, abraço Alessandro. Eu estou
abraçando meu pai. As lágrimas que tanto segurei começam a cair.
Alessandro suspira como se já estivesse esperando isso há muito tempo.

— Obrigada por impedir que Felipe se machucasse. Nunca vou


conseguir agradecer o suficiente. — Não imaginei que me sentiria tão bem
abraçando o homem que já machucou tanto o meu coração. Será que isso é
bom? Eu realmente não sei, mas não consigo controlar.

— Não precisa agradecer. Eu sei o quanto ele é importante pra você.


Não suportaria a possibilidade de seu filho nascer sem o pai ao lado.

Me afasto lentamente e vejo que seus olhos estão vermelhos. Lipe se


aproxima e segura minha mão. Sorte de não ser a que está doendo.

— Obrigado. — Lipe estende a mão livre e os dois se


cumprimentam. — Eu não estava pensando direito. Realmente achei que ele
havia ferido Ana. Que Noah... não quero nem pensar nisso. — Fecho meus
olhos brevemente ao senti-lo beijar minha cabeça. — Obrigado também por
manter a calma e conduzir tudo da melhor forma possível.

— Se ele a tivesse levado para outro lugar, ainda assim iríamos


encontrá-la. — Alessandro está me olhando com carinho como daquela vez
no restaurante. — Mas agora precisamos ir para o hospital. Você precisa
fazer uns exames pra saber se está tudo bem.

— E você cuidar desse ferimento. — Aponto para seu braço e ele


assente sorrindo. Não acredito que acabei de demostrar que me preocupo
com ele.

Dentro do carro, só consigo pensar em tudo o que aconteceu nas


últimas 24 horas. Em tudo o que Carlos disse. Preciso conversar com
Alessandro e contar que ele já assediou outras funcionárias. Quem sabe
abrindo uma investigação ele possa ajudar outras mulheres. Não quero que
isso fique impune. Carlos tem que pagar por todo o mal que já fez. Ao
entrar no hospital, não consigo me segurar ao ver minha mãe ali na
recepção. Corro até ela e a abraço forte. Estamos as duas em lágrimas. Tudo
que quero é ficar aqui em seus braços para sempre. Logo Bia, Lavínia e
minha sogra se juntam a esse abraço.

— Você está bem? — pergunta minha mãe ao se afastar. Ela toca o


vestido. — Está cheio de sangue, Ana.

— Eu estou bem, mãe. Esse sangue... Ele não é meu.

— Aquele monstro fez algo com você? — pergunta Sônia,


encarando o roxo que ficou um meu braço.

Me lembro do beijo e sinto meu estômago revirar. Mas fico aliviada


de não ter passado disso.

— Nada que eu não possa superar. — Sorrio para tranquilizar a


todas.

— Eu tive tanto medo de nunca mais te ver.

Olho para minha melhor amiga, que está com lágrimas nos olhos.

Seguro suas mãos.


— Mas eu estou aqui agora. Passaremos o resto de nossas vidas
juntas. — Bia sorri em meio às lágrimas. — É uma promessa.
— Meninas, eu sei como é bom o reencontro, mas Ana precisa ser
examinada — diz Alessandro. E pela primeira vez, eu vejo minha mãe
abraçá-lo. No começo ele hesita, mas logo a envolve em seu braço. —
Desculpa, Carla. Você não merecia o que fiz. Nem você e nem Ana. —
Sinto sinceridade em suas palavras. E fico feliz por enfim estar se
desculpando com uma das pessoas que mais feriu nesse trajeto.
Minha mãe se afasta.

— O passado ficou para trás. Não tem como mudar. — Ela dá de


ombros. — Mas agradeço de coração por ter cumprido sua promessa de
trazer os dois de volta para casa.
Ele prometeu mesmo isso a ela? Lipe toca meu ombro no momento
em que uma enfermeira para ao nosso lado. Alessandro é encaminhado para
o atendimento e eu também.

Já na sala, não gosto muito da cara que o médico faz no exame de


toque. Ele retira as luvas e confere o aparelho sobre minha barriga.

— O que está acontecendo? — pergunto, já não me aguentando de


nervosismo.

— Você está com dilatação e as batidas do coração do bebê estão


fracas. — É como se tudo voltasse a ficar fora do lugar. — Teremos que
induzir o parto.

— Mas o nascimento só estava previsto para o início do próximo


ano — digo, sentindo o desespero se misturar com o medo dentro de mim.
— Eu não senti nada de diferente.

— Você passou por muita coisa nas últimas horas. Vou pedir para
prepararem tudo. Você terá seu filho em seus braços antes do esperado.
Estou na sala de pré-parto com um acesso em meu braço e um soro,
que felizmente já está acabando. Eu não estava sentindo contração nem
qualquer tipo de incômodo, provavelmente devido à adrenalina com tudo o
que estava acontecendo. Mas agora já sinto, e não é nada bom. Lipe está ao
meu lado, e percebo por seu olhar que também está tenso. Ninguém
esperava que Noah nascesse agora. Estamos todos com o coração apertado.
Mesmo o doutor dizendo que não preciso me preocupar, que isso pode
acontecer com qualquer mulher, não consigo não pensar no pior. Faltavam
poucas semanas. Já estamos no meio de dezembro.

— Estou com medo. — Aperto a mão de Lipe. — E se der algo


errado? Não era pra ele nascer agora, Lipe. Eu não deveria ter corrido
tanto...

— Ei — ele me interrompe — Eu também estou com medo, não vou


mentir, mas tenho fé que dará tudo certo. — Beija minha mão com carinho.
— Noah quer conhecer a mãe dele logo. Ele não aguenta mais só ouvir sua
voz. Pense que daqui a algumas horas você terá nosso menino em seus
braços. Poderá tocar sua mãozinha, acariciar sua bochecha e sentir seu
cheirinho.

Falamos tanto sobre isso no último mês. Sorrio para Lipe, que
devolve o gesto.

— Desculpem a demora — diz minha mãe ao entrar no quarto. Ela


coloca as duas bolsas em cima da poltrona. — Como está se sentindo? —
Caminha até a cama e beija minha testa. Sua mão acaricia minha barriga.
— Até agora as contratações estão suportáveis. — Rio de nervoso.
Nem imagino como será quando Noah já estiver prestes a nascer. — Você
sabe se Alessandro está bem?

— Está. Ele passou por uma cirurgia pra retirada da bala. Agora está
em repouso. — Sua atenção vai até Felipe. — Sei que ainda não comeu
nada. Você também passou a noite em claro. Vá se alimentar. Eu fico com
ela.

— Tem certeza?

— Tenho sim. Não quero que deixe meu neto cair de seus braços por
estar fraco demais.
Nós rimos. Lipe me olha. Ele ainda está em dúvida.

— Vá, Lipe. — Na confusão, nem me lembrei de perguntar se ele


havia comido. Ele deve estar morrendo de fome. — Vou estar bem aqui, te
esperando. — Após me dar um beijo e garantir que não irá demorar, ele se
vai.

Minha mãe se senta na cadeira ao lado da cama.


— Eu sinto muito por você ter vivido tudo isso, filha. Eu sempre
tentei te manter segura, longe de perigo.

Limpo a lágrima de seu rosto.

— E você conseguiu, mãe. Nada do que aconteceu foi culpa sua. Eu


devia ter entendido os sinais, ter sido mais esperta.
— Também não é culpa sua, Ana — diz com firmeza. — Aquele
homem é um louco.

— Então vamos combinar de nenhuma das duas se culpar pelo que


aconteceu?

Sorrindo ela assente.

— Agora, falando de outro assunto... Como está se sentindo em


relação a Alessandro?

Essa pergunta me atinge em cheio. Não sei ao certo o que responder.

— Estou confusa. — Sou sincera. — Eu não vou dizer que já o


perdoei, pois estaria mentindo, mas preciso confessar que não o odeio tanto
como meses atrás. Tudo é tão confuso, mãe. — Ela acaricia minha mão. —
Eu não queria sentir nada de bom por ele. Mas não consigo controlar.
— Não vou te julgar, meu amor. O que decidir estarei ao seu lado.
Também não esqueci tudo o que passei por causa dele, mas serei grata a
Alessandro pelo resto da vida por ter te trazido de volta pra mim. — Minha
mãe limpa minhas lágrimas. Estou um verdadeiro caos sentimental. —
Agora vamos pensar em algo bom. — Sorri largamente. Um brilho ilumina
seu olhar. — Estou ansiosa pra segurar meu netinho.
— Eu também estou, só tenho medo de acontecer algo por nascer
antes da hora.
— Ele não será tão prematuro, filha. Vai dar tudo certo, você vai ver.

A dor agora está insuportável. Se piorar, creio que irei apertar a mão
de Deus. Não imaginei que seria assim. Misericórdia.

— Você consegue, docinho. Você é uma mulher forte. Eu estou aqui


com você, é só fazer força. — Lipe dá um beijo na minha testa e segura
minha mão.

— É tão fácil falar. — Eu rio. Apesar de estar sentindo que estão me


dividindo ao meio, fico feliz por estar vivendo esse momento com ele. Isso
poderia não estar acontecendo. — Nem pense em me engravidar
novamente.

Dessa vez até o doutor ri.

— Não prometo nada.

Meu sorriso se desfaz com a contração forte que sinto. Aperto sua
mão com toda a força para empurrar mais uma vez.

— Isso, Ana... Ele está saindo, continua — incentiva o doutor.

Só mais um pouco de esforço e consigo ouvir meu bebê chorando


pela primeira vez. Meu mundo se ilumina e sei que quero ouvir essa voz até
o meu último dia de vida. Vejo que Lipe está sorrindo em meio às lágrimas,
assim como eu. Eu consegui. Não acredito que toda a dor passou.
— Você é uma mulher incrível. — Ele beija minha testa e depois
meus lábios. — Não acredito que estou vivendo isso. É o momento mais
importante da vida de um homem.

Noah é enrolado em uma manta e colocado em meu peito. Aos


poucos ele vai se acalmando. Será que consegue sentir os meus batimentos
cardíacos? Eu fico olhando para ele. Parece um anjinho, tão lindo e
indefeso. Beijo sua testa e faço carinho em sua mãozinha perfeita. Lipe toca
sua bochecha. Queria parar o tempo nesse exato momento. Tudo deu certo.
Ele está bem. Está aqui conosco se sentindo seguro em meu peito. Me
pergunto se Lipe também está conseguindo sentir toda essa felicidade. Se
for contar por seu enorme sorriso, eu diria que sim. Nossa família está
junta. E assim ficaremos.

A enfermeira me orienta em como devo amamentar, e agora Noah


está mamando como se não houvesse amanhã. Esse com certeza vai ter o
apetite da mãe. A felicidade de ter meu bebê em meus braços é
indescritível. Fiquei com tanto medo de que algo de ruim acontecesse com
ele. Pode parecer loucura ou exagero, mas sou mãe de primeira viagem. Ele
nasceu antes do esperado. E já vi tantos relatos por aí. Me nego a ficar
pensando nisso. Tudo está bem e é isso que importa.

— Podemos entrar? — Sorrio ao ouvir a voz de minha mãe.

Olho para a porta e não acredito ao ver todos ali. Assinto e logo o
quarto está lotado. Bia, Lucas, Lavínia e Roberto estão segurando vários
balões azuis. Tem até com o nome de nosso pequeno. Meu sogro está com
um urso branco enorme nos braços. E minha sogra com um jarro de lindas
rosas brancas. Ela a coloca sobre a mesa de cabeceira. Não sei como
conseguiu tudo isso de última hora. Não há um nesse quarto que não esteja
com um sorriso enorme estampado no rosto.

— Amiga, você sabe muito bem que dou um jeitinho em tudo. —


Bia pisca. Devia ter imaginado que ela fez sua mágica.

— Meu netinho, você é tão lindo! — diz minha mãe emocionada. —


Puxou os cabelinhos do pai e os olhos...
— São verdes — digo. — Pelo menos é o que parece.

— Como os meus — diz Fernando.

Balanço a cabeça concordando. Lipe puxou os olhos azuis da mãe.


A voz em minha cabeça diz que também é como os de Alessandro. Meu
menino tem os olhos dos avôs.

— Ele é lindo demais. Não tem cara de joelho. Como isso é


possível?

Todos nós rimos da pergunta de Lavínia.

— Ele realmente não tem — diz Lipe todo orgulhoso. — Acho que
podemos fazer mais uns cinco que nenhum nascerá com cara de joelho. Não
esqueça que eu sou o pai. — Não consigo evitar revirar os olhos. — Mas a
beleza da mãe também ajuda. — Pisca.

Minha mãe é a primeira a pegar nosso menino. Logo ele está no


colo da madrinha e depois do padrinho. Sei que todos estão segurando Noah
com todo cuidado, mas fico com medo, então arrumo uma desculpa
qualquer e peço para me devolverem meu bebê. Ao voltar para meus
braços, ele esboça um sorriso e todos na sala suspiram. Parece até um coral.

— Esse puxou ao pai — diz Bia. — Já está fazendo o povo suspirar.

Apesar de todos estarem aqui sorrindo e felizes, é como se ainda


estivesse faltando algo. Mas não sei o que é. Sinto que tem alguém me
observando. Olho ao redor, mas todos dentro do quarto estão olhando para
Noah. Ele é o centro das atenções. É então que do lado de fora, em frente a
porta, vejo Alessandro. Ele está nas pontas dos pés tentando ver Noah. Seu
braço está enfaixado. Ele deveria estar de repouso.

— Entre. — Ele me encara como se quisesse ter certeza de que


estou falando com ele. Não vou proibir Alessandro de conhecer meu filho.
É graças a ele que pude voltar para casa. Que tive Lipe ao meu lado nesse
momento tão importante. — Não quer conhecê-lo?

— Eu quero muito — ele diz.

Vejo seus olhos ficarem marejados.

— Nós vamos dar um tempinho pra vocês — diz Lipe. Olho para
ele, que dá um leve aceno de cabeça. Fico impressionada em como Felipe
me conhece. Eu não teria coragem de pedir para saírem. Todos se despedem
e começam a se retirar. Lipe fica por último. Ele me dá um beijo na testa. —
Abra o coração, Ana. Não tenha medo de dizer o que está sentindo.
Ninguém irá lhe julgar. — Após dar um beijo na cabeça de Noah, ele se vai,
fechando a porta em seguida.
Agora estamos só Alessandro, Noah e eu. Me sinto nervosa. Não sei
ao certo o que fazer. Como colocar em palavras o que estou sentindo aqui
dentro. Ele se aproxima um pouco mais da cama.
— Ele é lindo, Ana. — As lágrimas banham seu rosto, e mesmo
tentando, não consigo conter as minhas. Querendo ou não, estou
apresentando meu filho a meu pai. Nunca pensei que viveria isso. — Eu não
acredito que perdi um momento tão especial como esse. — Sua voz quase
não sai. Eu sei do que está falando. Ele não estava lá para ver quando
cheguei ao mundo. — Posso tocar? Eu lavei as mãos.
Só consigo balançar a cabeça concordando. Alessandro toca a mão
de Noah com todo cuidado. O jeito carinhoso que olha para meu filho mexe
profundamente comigo.

— O tempo que foi perdido não volta mais, Alessandro. Temos que
aceitar isso.

— Você tem razão. — Ele limpa as lágrimas. — Obrigado por me


deixar fazer parte desse momento tão especial em sua vida. — Alessandro
olha em volta. — Queria ter trazido algo pra vocês.

— Não se preocupe com isso. — Alguns segundos de silêncio se


estendem. Seus olhos não saem de Noah. Seu polegar começa a acariciar
cada pequeno dedinho. — Eu até lhe deixaria segurá-lo um pouco, mas com
o braço assim será difícil. — Ele concorda com um aceno. Respiro fundo e
sigo o conselho de Lipe. Vou abrir meu coração. Não quero me arrepender
de não ter tido coragem de me expressar. — Alessandro, eu sei que não será
fácil superar tudo o que passou, mas não vou mentir dizendo que quero que
vá embora, que não quero vê-lo nunca mais, pois quero você em nossas
vidas. Mesmo não sabendo se esta é a decisão correta a se tomar.
Precisamos ir com calma. — Levanto meu rosto e olho em seus olhos. —
Só prometa pra mim que não vai me abandonar mais. Não aguentaria outra
decepção de sua parte.
— Eu prometo — diz, sua voz sai embargada. — Juro pela minha
vida que nunca mais sairei do seu lado. — Me surpreendo quando
Alessandro se abaixa e beija minha cabeça. Sinto meu coração dar um
pulinho dentro do peito. Ele se afasta sorrindo. — Muito obrigado por me
dar essa chance, Ana. Tudo que quero é estar perto de vocês e tentar
compensar o tempo perdido. Eu te amo muito e vou fazer de tudo pra te
orgulhar. — Sinto sinceridade em cada palavra que sai de sua boca. Tudo o
que quero é que realmente cumpra o que está me prometendo. — Não quero
mudar de assunto, nem mesmo estragar esse momento feliz, mas depois
precisarei recolher seu depoimento sobre tudo o que aconteceu. Tudo bem?

— Sim. Eu acredito que não sou a única vítima de Carlos. E


precisarei de sua ajuda pra fazê-lo pagar por tudo que já fez.

— No que precisar, pode contar comigo. Não vou sossegar enquanto


ele não pagar por todos os crimes que cometeu.

A porta do quarto se abre e uma enfermeira entra.

— Está na hora do remédio. — Ela me entrega o comprimido e a


água. — É melhor o senhor voltar para o quarto. Se a enfermeira Lúcia te
vir, levará uma bronca.

Ele sorri sem jeito. Agora tenho certeza que saiu do quarto
escondido.

— Nos vemos depois, Ana. — Alessandro sorri e retribuo


assentindo.

Ele se vai com a enfermeira. Com cuidado, coloco Noah no


bercinho ao lado da cama. A porta se abre e meu amor sorri para mim. Bato
com a palma da mão ao meu lado e Lipe se senta, envolve o braço em meu
ombro e beija minha testa.
— Como foi a conversa com Alessandro?
— Foi boa. Muito melhor do que imaginei.

Lipe sorri. Eu sei que está feliz por mim. Fecho meus olhos e me
concentro em seu cheiro, que por um momento pensei que nunca mais
sentiria.
— Assim como eu, ele ficou muito preocupado com você. Acredito
de coração que ele se arrependeu. Mas, independentemente do que
aconteça, sempre vou estar ao seu lado pra te apoiar.

— Eu sei, meu amor. — Levanto o rosto e o beijo.


— Posso te perguntar uma coisa?

— Claro.
— Você ainda vai querer se casar comigo?

— E você ainda pergunta? — Seguro seu rosto e lhe dou vários


selinhos. — Claro que sim. Só vamos ter que esperar um pouco. Não quero
sair para a lua de mel com Noah pequeno. Tudo bem pra você?
— Pra poder chamar você de minha esposa, eu espero o tempo que
for preciso.
Enfim o dia do nosso casamento chegou. Estou pronta para dizer o
tão esperado sim. Mas não consigo evitar pensar no que aconteceu aquele
dia. Com a investigação que foi aberta, novas vítimas foram encontradas.
Todas eram suas secretárias ou funcionárias do escritório. Eu fico feliz por
ter conseguido de alguma forma ajudar essas mulheres. Afasto as
lembranças. Não é hora de pensar nisso.

Volto a focar no agora. Vou me casar com meu melhor amigo, o


garoto que cresceu ao meu lado, que nunca imaginei amar assim. Nenhuma
palavra conseguiria descrever o que sinto. Estou louca para ver como ficou
a decoração da cerimônia e do salão de festa.

— Você está tão perfeita, Ana — fala minha mãe, tentando limpar as
lágrimas sem borrar a maquiagem.

— Mãe, não chore ou vou chorar também. — Nos abraçamos.


— Não faça isso, Ana, ou vai estragar a maquiagem — diz Daniela,
a maquiadora.

Minha mãe se afasta.

— Ela tem razão. Você está linda demais, não podemos estragar
nada. Você ficou perfeita nesse vestido. — Ela toca a saia.

— Quem diria que iria me casar sem o barrigão. Quando o escolhi


foi pensando nisso. — Passo a mão em meu ventre e sorrio.

— Mas sabemos que de qualquer jeito você ficaria linda. E agora


temos nosso menino. — Ela acaricia a bochecha de Noah, que está no colo
de minha sogra. Nunca imaginei que teria um filho tão lindo e esperto. Cada
mês que se passa ele me surpreende mais. — Agora vamos que a cerimônia
já vai começar.

Escuto batidas na porta. Após minha mãe autorizar, ela é aberta.


Alessandro está ali todo arrumado em um terno. Desde o nascimento de
Noah, ele nos visita todo santo dia. A nossa relação melhorou muito no
último ano e agora posso dizer para todos que tenho um pai.

— Vamos? — ele pergunta, me oferecendo o braço, e assinto,


entrelaçando o meu.

— Vai dar tudo certo. — Minha mãe beija minha testa e me entrega
o buquê de girassol.

Dou um beijinho em Noah antes de sairmos. Ele adora ficar nos


braços da avó. Começamos a caminhar em direção ao local da cerimônia.
Quanto mais me aproximo, mais sinto um frio na barriga. A marcha nupcial
começa a tocar. Meu coração está batendo tão rápido. Tenho medo de que
pare a qualquer momento. Meus olhos percorrem o local, e vejo nas
cadeiras os pequenos buquês de girassóis; no altar há uma estrutura de
madeira rústica decorada com as mesmas flores, e todas as pessoas
importantes de nossas vidas estão aqui. Meus olhos enfim encontram os de
Lipe. Ele está lindo vestido em um terno preto. Ele sorri e eu também. Cada
passo em direção a Lipe faz minha felicidade aumentar. Noto ele limpar as
lágrimas. Estou me segurando pra não chorar também. É um sonho se
tornando realidade. Alessandro coloca minha mão sobre a dele, aperta de
leve e vai se sentar.

— Nenhuma palavra do mundo descreveria o quão linda você está.


Perfeita, docinho — ele diz.

Sorrio satisfeita. Posso ver a admiração em seus olhos. Nos viramos


para o pastor, que inicia a cerimônia. Chega a hora dos votos. Seguramos as
mãos um do outro e olhamos nos olhos. Estamos ambos emocionados.
— Felipe, eu só tenho a agradecer por tudo o que você fez por mim.
Nunca imaginei ser tão feliz assim como sou com você. Nem todas as
palavras do mundo conseguiriam descrever como eu me sinto quando estou
ao seu lado; quando me olha assim, com tanto carinho; ou quando diz que
me ama. Nossa amizade sempre foi tão sincera. Você esteve ao meu lado
nos melhores e piores momentos da minha vida. Sei que nem tudo foi
flores, mas sou grata a você por me amar. Não me imagino mais sem você.
Cada dia que se passa sinto que te amo mais. Você é e sempre será o amor
da minha vida.

Já não consigo segurar as lágrimas. Deslizo a aliança em seu dedo.

— Ana, você sempre foi a minha melhor amiga, minha confidente, e


agora será a minha mulher. Nosso amor é tão grande que não cabia em dois
corações, e agora temos mais um, o do nosso bebê. Agradeço a Deus todos
os dias por ter você ao meu lado, sempre despertando o melhor de mim.
Ana, quando nossa amizade não tinha mais pra onde crescer, ela virou amor.
Um amor puro e verdadeiro que me dá forças pra seguir em frente todos os
dias. Obrigado por ser exatamente quem você é. Não mudaria nada em
você, pois pra mim você é perfeita. — Lipe desliza a aliança em meu dedo e
a beija.

— Pelos poderes a mim concedidos, eu os declaro marido e mulher.


Pode beijar a noiva — finaliza o pastor.

Olhamos um para o outro com sorrisos de orelha a orelha. Lipe se


aproxima, segura meu rosto e me beija. Nosso beijo é suave e calmo, e sinto
que poderia parar o tempo só para curtir mais essa sensação. Enfim sou a
senhora Martins.

Nos viramos para os convidados que aplaudem. Meu olhar encontra


o de Diana, que está limpando as lágrimas. O seu vestido colado já deixa
em evidência a sua barriguinha. Ao seu lado está Luiza. Pensei que ela não
viria, mas felizmente estava enganada. Tem sido difícil pra ela, mas com a
ajuda da psicóloga está conseguindo seguir em frente. Eu sou muito grata a
ela. E espero de coração que encontre a real felicidade.

Estamos no topo da Torre Eiffel e a visão é maravilhosa. Quase tive


um troço quando Lipe me informou que aqui seria a nossa lua de mel. Foi
um presente de meus sogros. Deito minha cabeça em seu ombro. Acho que
cheguei ao topo na vida. Tenho meu marido, que me ama, me respeita e não
mede esforços para me fazer feliz, um filho maravilhoso que a cada dia está
mais esperto, e minha mãe e meu pai ao meu lado; além de amigos
incríveis.

— No que você está pensando? — Felipe pergunta, ao ver meus


olhos cheios de lágrimas. — Ei, por que está chorando? Não está feliz?

Abraço Lipe.

— Pelo contrário. Estou chorando de felicidade. Quando percebi


que estava apaixonada por você, senti um medo tão grande de estragar
nossa amizade. Mas o que é o amor senão uma amizade que cresceu
demais?

— Você tem toda razão. — Lipe beija minha cabeça e nos viramos e
voltamos a admirar a vista. — Sabia que te amo tanto que poderia gritar
agora pra todo mundo ouvir?

— Você não faria isso. Tem muita gente aqui, e eles vão pensar que
somos loucos. — Ele se afasta. — Lipe, volta aqui!

Me manda um beijo, pisca e se vira para a multidão.

— Eu te amo, Ana! Você é a mulher da minha vida! — grita.

Cubro o rosto com as mãos, sem ter coragem de olhar em volta, e o


sinto afastá-las para me encarar.

— Estão todos olhando pra nós — diz ele, rindo.

— Claro, você fez um escândalo. — Dou um tapinha de leve em seu


braço.

— Docinho... Tapa só na cama. — Pisca. Sinto minhas bochechas


arderem. Lipe ri e segura minha mão. — Vamos para o próximo ponto
turístico.
Visitamos o museu do Louvre, a Catedral de Notre Dame e o Arco
do Triunfo; e, como de costume, tiramos várias fotos para guardar de
recordação. No meio do caminho de volta ao hotel, passamos em uma loja
para comprar lembrancinhas. Compro também um cartão postal, pois quero
fazer uma surpresa para ele mais tarde. Tudo está parecendo um sonho. Não
consigo tirar o sorriso do rosto.

— Vou ligar pra minha mãe pra saber como está tudo por lá — digo
assim que chegamos em nosso quarto do hotel. Inicio uma chamada de
vídeo, que não demora para ser atendida. — Oi, mãe! — Aceno.

Vejo que meu pequeno está em seus braços, e sorrio quando ele
tenta pegar o celular de sua mão. A boca de Noah está toda suja de papinha,
o que o deixa ainda mais fofo.

— Oi, filha. Como está sendo a viagem?

— Ótima! Oi, meu bebê. Mamãe também já está com saudade, meu
amor. — Noah sorri e bate palminhas. Fico toda boba. — E aí, como está?
Esse pequeno está se comportando?

— Ele se comporta muito bem. Não tenho do que reclamar.

Bia aparece atrás deles.

— Ei, amiga — a saúdo. — Não sabia que você estava aí.

— Vim ver meu afilhado e contar a novidade pra sua mãe. Olha. —
Ela mostra a mão e nela posso ver um anel de noivado. — Lucas me pediu
em casamento e eu aceitei.

— Parabéns! — Sorrio feliz com a novidade. — Quando voltarmos


temos muito o que comemorar.

Lipe se senta ao meu lado.


— Parabéns, Bia. Estou muito feliz por vocês. Até que enfim Lucas
criou coragem pra fazer o pedido.

— Nem me fale. — Ela ri. — Vejo vocês segunda. — Acena em


despedida.

— Agora voltem a aproveitar a viagem, filha. Aqui está tudo bem.


Noah está em ótimas mãos, e daqui a pouco seu pai chega e não desgruda
dele. Alessandro faz todas as vontades desse bonitão. Acredita que ontem o
vi dando chocolate a ele um pouco antes do almoço?

Nós rimos. É bem a cara dele. Meu pai é louco pelo neto. Gosto de
ver meus pais se dando bem.

— Fica de olho neles. Tchau, mãe. Amo vocês. Já estou com


saudades. — Mando um beijo.
— Também te amo muito. — Ela encerra a ligação.

Mesmo estando pouco tempo longe de meu menino, já sinto falta até
de seu cheirinho. De vê-lo sorrir para mim enquanto mama. Da bagunça
que fazemos quando vai tomar banho.

— Agora vamos nos arrumar, docinho. — Lipe me tira de meus


pensamentos.

— Vamos, meu marido. — Beijo seus lábios e me levanto.


Após um banho rápido, começamos a separar nossas roupas. Lipe
veste um lindo smoking e eu um vestido vinho de alcinha que possui uma
bela fenda lateral, um par de sandálias nude e grandes brincos de pedraria
que brilham toda vez que a luz é refletida. Capricho na maquiagem e deixo
meu cabelo preso em um coque.
Chegamos vinte minutos antes no cais, e assim que dá o horário,
somos autorizados a embarcar. Fico literalmente de queixo caído ao ver o
lindo barco, com o chão todo em madeira, as paredes e o teto de vidro, que
dão uma ótima vista com o panorama da Cidade-Luz como plano de fundo,
e música ao vivo. As mesas estão perfeitamente organizadas e o garçom nos
leva até uma delas. Fazemos nosso pedido e ele se retira.
— Esse lugar é surreal! — digo, ainda admirada com a vista.

— Só o melhor pro amor da minha vida. — Lipe beija minha mão.


Parece que estou em um dos vários filmes de romance que já assisti.
Esse dia tem sido perfeito, ainda mais por estar nesse lugar com meu
marido. Nosso jantar é maravilhoso. A comida excelente e as sobremesas,
então, nem se fala. Lipe faz questão que eu experimente um pouco de cada.
E eu que não sou boba aproveito bastante.

Assim que terminamos, pego em minha bolsa o cartão postal e uma


caneta, e Lipe me olha sem entender por que estou fazendo isso logo agora.
Começo a falar em voz alta o que estou escrevendo:

— “Querido Noah, mamãe e papai te amam muito. Estamos muito


felizes por ter você em nossas vidas e, futuramente, podemos vir nós quatro.
Vai ser maravilhoso. Beijos, mamãe.”

Vejo Lipe arquear a sobrancelha e me olhar com desconfiança. Será


que já entendeu o que quero dizer?
— Docinho, acho que você errou. Não seria nós três em vez de
quatro?

Olho para ele e sorrio. Ele está desconfiado, só precisa da certeza.


Volto a escrever.
— P.S.: Você foi promovido a irmão mais velho.
Levanto o rosto lentamente e vejo Lipe com os olhos arregalados. É
claro que não esperava por isso. Noah acabou de completar um ano.
Também foi uma surpresa pra mim, mas agora já aceitei a ideia.

— Sério, Ana? — Balanço a cabeça confirmando. — Mas como se


estamos nos protegendo? — Quando abro a boca, ele estala os dedos. — No
intervalo do jogo. — Assinto. Foi a única vez. — Bendita rapidinha foi
aquela.

Nós rimos.

— Está feliz?

— Sim. Você sempre me surpreende de um jeito bom, docinho. —


Seus lábios tocam os meus com suavidade, e sinto que posso me
desmanchar nesse beijo. — Só por esse presente de casamento inesquecível
você irá ganhar um strip-tease mais tarde. — Ele balança as sobrancelhas.
Já não vejo a hora de voltar para o hotel. — Só um minuto. — Ele se
levanta e vai até o pianista.

O que esse homem vai aprontar?


— Por favor, a atenção de todos — O homem se levanta e Lipe olha
para mim sorrindo. — A música que tocarei agora vai especialmente para o
casal Martins, que hoje está comemorando a lua de mel e a espera de mais
um bebê. Parabéns ao casal.

Fico impressionada quando vejo o pianista pronunciar em três


línguas diferentes; português, francês e inglês, para que todos entendam. E
assim que termina, todos aplaudem. Ele começa a tocar “Just The Way You
Are”, do Bruno Mars, e mais uma vez meus olhos se enchem de lágrimas.
— Me concede a honra dessa dança, minha esposa? — pergunta,
estendendo a mão em minha direção.
Aceito, e mesmo não tendo pista de dança, envolvo meus braços em
seu pescoço e deito minha cabeça em seu peito. Vários casais fazem o
mesmo. Esse momento mágico ficará para sempre guardado no meu
coração e na minha memória.

— Eu te amo, meu melhor amigo — digo, olhando em seus olhos.

— Eu também te amo, minha melhor amiga, exatamente como você


é.

Sorrindo, Lipe aproxima seu rosto do meu e me beija. A nossa


família vai crescer, assim como o amor que sentimos um pelo outro.

Fim.
Obrigada a você que leu este livro. Essa é uma nova versão da
primeira história que escrevi em minha vida. Quem já leu a primeira
percebeu que muita coisa mudou. Mas o que não muda de jeito nenhum é o
amor que sinto por ela e por cada personagem. Tenho que assumir que Lipe
é um dos meus personagens favoritos da vida.

Este livro me abriu as portas de um mundo novo, o mundo no qual


encontrei meu lugar. Escrever se tornou meu refúgio e pretendo continuar
até onde Deus permitir. Confesso que os últimos capítulos me deram mais
trabalho, e, graças a minha revisora e companheira de caminhada Juliana
Alves, a história foi concluída. Então, mais uma vez, agradeço a ela por
essa força. Por ser minha luz.

Espero que tenham gostado, pois cada capítulo tem um pedacinho


do meu coração. Em breve trago a história de Noah, o filho do casal.
Preparem os lencinhos e o coração, pois garanto que essa história irá mexer
com suas emoções. Você irá rir, chorar e com certeza se apaixonar pelo
casal Noah e Aline.

Até o próximo livro.

J.S
Quando Matheus Oliveira perdeu sua esposa em um trágico
acidente, três anos atrás, toda a sua vida pareceu perder o sentido e seus
dias agora se resumiam a trabalho e mais trabalho; sem família, sem
amigos, sem ninguém que pudesse remendar seus cacos e torná-lo inteiro
novamente.

Até que em uma entrevista de emprego conhece Isabella, uma


cozinheira linda e talentosa que desperta seu interesse.
Isabella Silva, uma mulher que perdeu os pais ainda criança, luta
com unhas e dentes para se sustentar e conseguir realizar seu sonho de ser
uma chef de cozinha reconhecida. O que ela não esperava era, no meio do
caminho, se apaixonar por Matheus, seu novo chefe. Um homem que vive
imerso na dor do luto.

Juntos eles irão descobrir que o amor pode estar onde menos se
espera.

Filha dos donos de uma das maiores redes farmacêuticas do Brasil,


Olivia Ortiz está acostumada com o padrão de vida elevado e com toda a
mordomia que o dinheiro pode lhe dar, mas, ainda assim, acaba se
apaixonando por um rapaz humilde, um atendente de loja, e com ele
iniciando um relacionamento secreto que já dura quase três anos —
contrariando à vontade de seus pais, que querem para ela sempre o melhor.
No entanto, tudo muda radicalmente quando seu pai decide fazer um
acordo de casamento com a família Morelli, prometendo-a a seu único
herdeiro. Desesperada, Olivia conta o plano a seu amado, em busca de uma
solução, e então planejam fugir juntos e construir uma nova vida em outro
lugar. Ela só não esperava que Benjamin desistisse tão facilmente do
relacionamento. Tomada pela raiva e pela decepção, ela aceita o casamento
arranjado.
Dário Morelli é o solteiro mais cobiçado da Itália. Um típico playboy que
ama uma farra e mulheres. Durante o almoço de noivado, os dois
concordam em manter um casamento de fachada só para agradar os pais.
Mas com a convivência, Olivia conhecerá o verdadeiro Dário e perceberá
que ele é muito mais do que os sites de fofoca mostravam. Ele a fará
conhecer um mundo novo, e nesse mundo ela descobrirá seu verdadeiro
poder. O poder do sobrenome Morelli.

Presa em um casamento sem amor com um homem controlador e


obsessivo, Elena a cada dia se lamenta um pouco mais ao perceber que foi
feita de tola ao acreditar nas promessas de devoção eterna de Heitor
Martinez, o herdeiro da família mais rica e conhecida do estado de São
Paulo e seu marido há quase um ano. Ele a enredou em uma teia de
mentiras e agora a tem em suas mãos, como se fosse seu dono. Como se sua
vida, e não apenas seu corpo, lhe pertencesse.
E logo Leonardo Ribeiro, um ex-fuzileiro naval, é contratado por ele
para vigiá-la diariamente quando não está por perto, até mesmo em seu
próprio quarto.

Mas o que deveria significar o fim da sua liberdade acaba se


tornando sua salvação.

Pouco a pouco seu novo e taciturno guarda-costas lhe mostrará o


que é o amor de verdade, e Elena se verá dividida entre a lealdade ao seu
casamento e a paixão que continua a abrir espaço em seu coração.

Será que Leonardo conseguirá libertá-la desse relacionamento


abusivo?

Sofia é uma humilde garçonete de dezoito anos que conseguiu seu


primeiro emprego em uma cafeteria no centro da cidade de São Paulo. Mais
velha de cinco filhos, trabalha duro para ajudar sua mãe no sustento da casa.
O que ela não imaginava era, em pleno Dia dos Namorados, conhecer Théo
Costa, um lindo e charmoso CEO que despertará seu interesse.
Os dois logo iniciam um namoro, e Théo faz com que ela comece a
acreditar que realmente existe amor à primeira vista. Juntos eles enfrentarão
o preconceito por serem de mundos diferentes. Mas Théo guarda um grande
segredo sobre seu relacionamento passado; e ao ser revelado, colocará o
amor dos dois à prova.

Você acredita em destino, coincidência ou acaso? E amor à primeira


vista, será mesmo que existe?

Lilly vê seu mundo perfeito desmoronar quando, em plena noite de


Natal, seu namorado Natan termina o relacionamento de três anos. Com o
coração partido e se sentindo completamente perdida por não compreender
suas razões, ela decide se mudar para São Paulo e recomeçar. E na tentativa
de esquecer tudo o que sofreu e ainda sofre, toma a decisão de se afastar de
todos; principalmente dos homens. Seu foco agora está em sua carreira
profissional.

Um ano se passa e as festas se aproximam novamente, obrigando-a


a voltar para sua cidade e encarar tudo o que deixou para trás. Contudo, em
uma ligação em que tenta tranquilizar seus pais, ela acaba mentindo ao
dizer que já superou o término e está namorando outro homem. E, com isso,
inicia uma busca por um namorado de mentirinha, e fracassa, pois coloca
defeito em todos os homens ao seu redor. E o que já estava ruim fica ainda
pior quando, na véspera do seu retorno, seu irmão Levi conta que seu ex
está noivo.

Mas uma conversa com seu lindo e misterioso vizinho acompanhada


por uma garrafa de vinho muda totalmente o rumo dessa história.

Liz acredita estar vivendo o melhor momento de sua vida. Com


apenas 22 anos, comprou seu primeiro carro, seu apartamento e tem um
ótimo emprego como secretária em uma das maiores empresas de
publicidade do Brasil. Está tudo indo às mil maravilhas, até que o que
menos espera acontece. Duas pessoas que tinham toda a sua confiança a
traem. Decepcionada e com o coração em pedaços, ela tem uma ideia: ir
atrás do homem que sempre lhe mostrou interesse e viver com ele uma
noite inesquecível.

Apenas uma noite.


Diego Duarte, o CEO dessa empresa, é um homem sedutor que sabe
usar todas as artimanhas possíveis para conquistar uma mulher. Mas nem
todo o seu charme e beleza foram capazes de fazer sua secretária, Liz, a
mulher que por tanto tempo deseja, ceder às suas investidas. No entanto,
tudo muda quando ela aparece em sua porta e lhe faz uma proposta
indecente.

Decidida a passar o dia dos namorados longe do ex traidor e


pegajoso, de última hora Luna embarca em um avião e viaja para Recife, a
cidade que tanto a encantou. E disposta a tirar um tempo para si, longe de
tudo e de todos, ela deixa o celular em casa e se torna incomunicável. Tudo
o que quer é um pouco de paz e tranquilidade em sua vida, que de uma hora
para outra virou de cabeça para baixo.
O que não imaginava nessa viagem era encontrar um homem
charmoso e misterioso caminhando na praia no meio da madrugada.
Tentando ser uma pessoa diferente, pelo menos por

aquele fim de semana, Luna inventa outro nome para si. A conversa
entre os dois é breve, mas o suficiente para perceber que a química é
instantânea. Mas ela não cai em tentação de primeira. Ela quer um sinal do
destino de que é para acontecer algo entre os dois. Então desafia Gustavo a
encontrá-la na manhã seguinte.

Luna embarca em uma aventura que deixará marcas profundas em


seu coração.

Você também pode gostar