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Leitura, escrita e cultura

A escrita surgiu na Antiguidade para solucionar problemas práticos relacionados à memória,


como em situações em que se deveria guardar informações sobre quantas sacas de grãos havia nos
celeiros dos reis; passando depois a ser utilizada com diferentes finalidades, como para marcar
datas importantes, narrar feitos heroicos, descrever genealogias, etc.
Desde o seu surgimento, o tempo passou, a humanidade acumulou conhecimentos,
transformou-os, as sociedades se desenvolveram e, como tudo que é cultural, a relação entre
acontecimentos, comunicação e escrita também foi se modificando.
Desde sua criação, a escrita passou a desempenhar funções diferentes da oralidade e
transformou a forma de nos comunicarmos e aprendermos em três instancias básicas:
1- Ampliou a potencialidade de nossa memória
A escrita possibilita que nossa memória seja modificada e ampliada. Ampliada porque, antes
da escrita, para aprendermos e mantermos nossas tradições, tínhamos que decorar as informações,
utilizando ritmos, rimas e repetições (redundâncias de palavras, de sentidos, de morfemas e
fonemas), tendo como exemplos clássicos os poemas escritos a partir da prática oral de povos como
a Ilíada de Homero. Podemos também observar nas pinturas que retratam os filósofos gregos
ensinando que estes se aproveitavam do ritmo da caminhada como instrumento de ensino e
aprendizado: andavam em círculos com seus aprendizes, que iam crescendo ao seu lado,
ouvindo-os e discutindo com eles. O andar e a cadência da fala ajudavam a memorização das
informações
A memória foi modificada porque, com o advento da escrita, passou a ser utilizada de outras
formas, diferentes das conhecidas até então: ampliamos nossos potenciais de criar e imaginar novos
mundos e refletir sobre tudo o que está na natureza e a nossa disposição como obras culturais. Com
a escrita, passamos a ter uma ferramenta que possibilita que registremos os acontecimentos, os
eventos, o que não gostaríamos de esquecer, nossos compromissos, anotações de todos os tipos e
os guardemos para serem lidos e modificados, posteriormente, por nós ou pelos outros.
2- Possibilitou a comunicação a distância
Na medida em que as sociedades se tornaram mais complexas, o domínio desta ferramenta
para possibilitar a comunicação a distância com os mais diferentes fins e com diferentes formas
tornou-se imprescindível: pessoas que mudavam para lugares muito distantes e deixavam amigos e
parentes; mercadorias comercializadas pelos diferentes povos; trocas de informações entre os
estudiosos e governos do mundo e textos produzi dos pelos viajantes, são alguns tipos de situações
sociocomunicativas que podemos pensar como exemplos. Com o tempo, passamos a nos comunicar
de forma complexa com nossos interlocutores onde quer que estejam, por meio da internet,
permitindo a modificação mais rápida do nosso pensar e do de nossos interlocutores à medida que
trocamos informações.
3- Tomou-se um instrumento de poder
Apesar de ser aprendida por muitos ainda é pouco democratizada. Quem domina a escrita
domina um código complexo que compõe formas de comunicação diferentes com funções diferentes
daquelas utilizadas na oralidade. Assim, como vimos anteriormente, a pessoa passa a não depender,
necessariamente, ao menos na maioria das situações de nossa cultura, de um interlocutor
fisicamente presente. Não depende também de um mediador que ajude em situações em que o leitor
precise utilizar ou encontrar informações que estejam codificadas em sistema gráfico, mediando,
portanto, o aprendizado autônomo,
Quando foram iniciados estudos sobre a leitura e a escrita, o letramento (palavra traduzida do
inglês literacy, por Mary Kato, para o português na década de 1980) designava as habilidades de ler
e escrever de um ponto de vista muito mais dos processos psicológicos que subsidiavam os atos de
ler e escrever do que de processos linguísticos. Mas, na década de 1980, alguns sociolinguistas,
cientes da importância comunicativa da leitura e da escrita, da variação de função e uso nas diversas
comunidades e dos diferentes níveis de dificuldade em seu aprendizado, ampliaram o significado do
conceito de letramento, passando a utilizá-lo para indicar as funções e usos sociais da leitura e da
escrita.
As práticas e necessidades de diferentes culturas e as funções e os usos da leitura e escrita
estão interligadas. Para entendermos essa relação, é importante refletirmos sobre como se
desenvolvem as práticas na escola e os usos que se faz da escrita na sociedade, no nosso dia a dia
no trabalho, no lazer, na religião, nas festas, etc.
Quando trabalhamos a leitura e escrita a partir de uma perspectiva do letramento, temos em
vista um processo de ensino e aprendizado que busca as questões culturais, as situações
sociocomunicativas variadas e a necessidade de interação entre o conhecimento trazido por cada
aluno (conhecimento prévio) e o conhecimento novo apresentado na escola e em outros lugares em
que aprendemos a ler o mundo. Os processos de leitura e escrita se desenvolvem e resultam dessa
interação. Atualmente valorizamos muito o aprendizado da leitura e da escrita como experiência
letrada. Pensamos que uma pessoa participa ativamente da cultura letrada quanto mais experiências
ela tem com diferentes materiais escritos em gêneros textuais diversos.
Nossas práticas de leitura-escrita no cotidiano geralmente são baseadas em uma boa
intuição, ou seja, tomamos decisões rápidas porque nos baseamos nas experiências anteriores em
que utilizamos a escrita. Variamos a forma com que entendemos a função que os diferentes textos
exercem, de acordo com a situação sociocomunicativa, e procuramos terminar a tarefa fazendo uso
de diversos elementos e processos que se tornam necessários.
Escrever é uma atividade importante tanto dentro como fora da escola. A escrita ocorre
porque exerce diferentes funções comunicativas e finalidades, como vimos na atividade anterior,
considerando os objetivos de quem escreve e de quem lê. Em sala de aula, a prática da escrita deve
preparar os alunos para se comunicarem adequadamente nas diferentes funções de trabalho que
venha a ocupar, na continuidade dos estudos, no lazer, nas resoluções de problemas do cotidiano,
na religião, entre outros.
O aprendizado e o desenvolvimento da leitura e da escrita ocorrem parte no cotidiano, no
nosso dia a dia, e parte por meio de atividades sistemáticas na escola, com a utilização de reflexões
sobre as práticas de nossa cultura e de outras culturas.
Trabalhar a leitura e a escrita de forma eficiente depende do desenvolvimento de atividades
que nos levem a praticar e refletir sobre as diferentes situações sociocomunicativas, os gêneros, as
técnicas de leitura e escrita, dependendo dos objetivos e temas propostos Quando
ensinamos-aprendemos dessa forma, desenvolvemos diferentes olhares sobre os nossos textos e os
dos outros autores: O desenvolvimento das competências de leitura e escrita depende também da
intervenção criativa, crítica e funcional do professor que planeja atividades e práticas de leitura e
escrita que sejam prazerosas e significativas para os alunos.

Patativa do Assaré e suas práticas de leitura

"Eu estudei só seis meses. Agora eu fui me valer do livro. Que não era o livro didático não. Eu
não queria saber de categorias gramaticais não. Queria saber de outras coisas. Eu lia era revista,
era livro, jornais. Eu queria era satisfazer minha curiosidade, não era ler gramaticalmente como
vocês por aí não.

Neste globo terrestre

apresento os versos meus

porém eu só tive um mestre

e esse mestre é Deus

For a natureza mesmo. Muito curioso para saber as coisas, tudo o que eu lia eu gravava aqui
na mente. Eu queria era ler as histórias, a vida da pátria e isso e aquilo, queria saber das coisas, não
queria saber de livro de concordância e isso e aquilo. Agora, com essa prática de ler eu pude obter
tudo, viu? Como se eu tivesse estudado, pegado livros didáticos, livros lá de colegas, essas coisas,
viu?
Eu aprendi lendo. Com a prática de ler a gente vai descobrindo e sabe que nem pode dizer, tu
sois e nós é. Eu aprendi com a prática."
Feitosa, T. (Org). Patativa do Assaré — digo e não peço segredo. São Paulo: Escrituras, 2003.

Patativa do Assaré, Antônio Gonçalves da Silva, nascido em 1909, em Assaré, na Serra de


Santana, no sul do Ceará, e morto aos 93 anos é um dos maiores poetas populares do país.
Traduziu o sertão, dissecou sentimentos em verso, foi cantado por Fagner e Luiz Gonzaga e teve
vários livros publicados.

Discussão:
1. Quais recordações do autor sobre o seu aprendizado da leitura-escrita?

2. A partir do relato, nos ambientes que o cercava, quais os elementos contextuais que o ajudavam a
aprender a ler o mundo?

3. O autor utiliza a escrita para quê?

4. Como posso utilizar a leitura de mundo dos meus alunos no desenvolvimento da leitura e escrita?
Proposta de atividade
1) Observe as imagens da cidade de América Dourada:
Texto 1

Texto 2

Texto 3
a) Que informações escritas podemos identificar nessas fotos?
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b) Quais as funções da escrita nos textos:


1.
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________________________________________________________________________________
2.
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________________________________________________________________________________
3.
_______________________________________________________________________________
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c) Que outras informações contém nos textos, além da escrita?


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2) Observe o texto abaixo, ele foi escrito em uma parede de um bar.
a) Quais as características desse texto? Para quem está endereçado?
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b) Por que você acha que alguém escreveria um texto assim numa parede de bar?
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c) Observe o comércio no local em que você vive: que tipo de informações os comerciantes
escrevem nas fachadas de suas lojas? Cite três exemplos.
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Proposta de atividade

Observar o ambiente letrado é importantíssimo para que possamos entender as práticas da


cultura escrita e transformar o nosso conhecimento. Assim, professor, você poderá desenvolver uma
atividade de observação dos ambientes em que os alunos vivem, desenvolvendo atividades de
escrita e análise linguística.

1- Divida a turma em grupos de 5 ou 6 membros;

2- Dê uma tarefa de coleta de informações sobre o ambiente letrado para cada grupo (casa, rua,
outdoors, trânsito, igrejas, escolas, jornais, mensagens de caminhão, etc.). Escolha os ambientes
que ache mais representativos, aqueles que são mais comuns ou os que você e os alunos acham
mais interessantes de acordo com o tamanho da turma, a localidade, etc.;

3- Cada grupo vai colher informações sobre os usos da escrita em cada ambiente a ele designado,
podendo fazer registro em fotografia;
4- As informações devem ser organizadas em cartazes ou slides;

5- Cada grupo apresenta para a turma seus achados. Durante a apresentação oral, leve-os a refletir
sobre as construções textuais, frases e termos utilizados, elementos verbais, não verbais e a
pontuação. Se for necessário, use o dicionário. Se aparecerem palavras em língua estrangeira,
explique-as para os alunos e, se você não as compreender, pode sempre pedir ajuda e desenvolver
um trabalho conjunto com a professora de língua inglesa.

6- Conclua a aula ou sequência de aulas com uma sistematização do conhecimento observado e


discutido e uma apreciação dos cartazes ou slides. Se os alunos produzirem cartazes, deixe-os à
disposição para que possam compor, por um período de tempo, o ambiente letrado de sala de aula.

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