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Direito Processual Civil II

Regente José Bonifácio Ramos

Raquel Castro Guerreiro &


Mariana Valério Sobreiro

Descarregado por Pinto Pereira (pintopereira1993@gmail.com)


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2021/2022

Índice
PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE DA INSTÂNCIA ............................................................... 3
MODIFICAÇÕES SUBJETIVAS DA INSTÂNCIA ............................................................................... 4
Intervenção de Terceiros .................................................................................................. 4
Habilitação ................................................................................................................... 14
PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL ...................................................................... 17
MODIFICAÇÕES OBJETIVAS DA INSTÂNCIA ................................................................. 19
Cumulação objetiva ....................................................................................................... 19
Coligação de partes ........................................................................................................ 24
Modificações do objeto .................................................................................................. 28
Pedido reconvencional ................................................................................................... 33
NEGÓCIOS PROCESSUAIS ............................................................................................... 42
➔ DESISTÊNCIA .......................................................................................................... 42
➔ CONFISSÃO............................................................................................................. 42
➔ TRANSAÇÃO ............................................................................................................ 43
PROVIDÊNCIAS CAUTELARES ........................................................................................ 43
Princípios das Providências Cautelares ............................................................................. 46
Modalidades das Providências Cautelares ......................................................................... 48
Providências comuns ..................................................................................................... 53
Regime das providências ................................................................................................ 54
Efetividade da Providência ............................................................................................. 57
Inversão do contencioso ................................................................................................. 59
Procedimento ................................................................................................................ 62
Ação ............................................................................................................................ 63
Vicissitudes das Providências .......................................................................................... 65
TRAMITAÇÃO DO PROCESSO COMUM ........................................................................... 70
1ª FASE – ARTICULADOS ................................................................................................. 73
PETIÇÃO INICIAL ............................................................................................................... 73
CITAÇÃO DO RÉU ............................................................................................................... 78
CONTESTAÇÃO .................................................................................................................. 82
Modalidades de defesa ................................................................................................... 86
REVELIA ........................................................................................................................... 95
OUTROS ARTICULADOS ..................................................................................................... 100
Réplica ....................................................................................................................... 100
Articulados complementares ......................................................................................... 102
Articulados supervenientes ........................................................................................... 102
2ª FASE – CONDENSAÇÃO/SANEAMENTO .................................................................... 104
DESPACHO PRÉ-SANEADOR ............................................................................................... 105
AUDIÊNCIA PRÉVIA .......................................................................................................... 110
DESPACHO SANEADOR ...................................................................................................... 115
3ª FASE – INSTRUÇÃO.................................................................................................... 119
PROVA ........................................................................................................................... 119
Natureza do direito probatório ....................................................................................... 121

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Admissibilidade dos meios de prova e as suas limitações .................................................. 122


Verificações não judiciais qualificadas ........................................................................... 122
Valor gradual das provas .............................................................................................. 123
Provas pré-constituídas e provas constituendas................................................................ 124
Valor das provas fora do processo onde foram produzidas ................................................ 125
Princípio da audiência contraditória na fase de instrução .................................................. 126
Factos que o juiz deve considerar na decisão ................................................................... 127
Provas atendíveis ......................................................................................................... 128
Ónus da prova ............................................................................................................. 129
Critérios de repartição do ónus da prova ......................................................................... 130
Prova por documentos .................................................................................................. 132
Prova por Confissão ..................................................................................................... 138
Prova Pericial .............................................................................................................. 142
Prova por inspeção ...................................................................................................... 143
Prova por declarações de parte ...................................................................................... 144
Prova testemunhal ....................................................................................................... 145
Reproduções mecânicas................................................................................................ 150
4ª FASE – AUDIÊNCIA FINAL E SENTENÇA .................................................................. 150
AUDIÊNCIA FINAL........................................................................................................... 150
SENTENÇA ..................................................................................................................... 155
Efeitos da sentença ...................................................................................................... 161

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Princípio da Estabilidade da Instância

Art. 260º do CPC – princípio da estabilidade da instância. Estamos aqui perante um verdadeiro
princípio processual, na opinião do regente.
O que é que se pretende com este princípio? Pretende-se que, o processo não viva em
instabilidade, que haja uma continuidade e uma permanência. Pretende-se que se mantenha
sempre o mesmo pedido, o mesmo réu, o mesmo autor, isto é, os mesmos elementos do processo.
A instância deve manter-se a mesma, quanto às pessoas, quanto ao pedido e quanto à causa de
pedir, salvas as disposições consideradas na lei.
Vejamos este que é um princípio processual admite a possibilidade de exceções.

Não há este princípio desde a petição inicial, mas sim desde que é citado o réu (veja-se o
nº1), uma vez que, a petição inicial ainda pode ser recusada e o réu não faz ideia de que está a ser
alvo de uma ação.
A estabilidade da instância inicia-se com a citação, parte-se aqui do princípio de que a petição
inicial cumpre todos os pressupostos, que foi aceite e que assim vai prosseguir o processo.

POSTULADOS DESTE PRINCÍPIO


→ art. 286/1 e 2 do CPC – a desistência da instância depende da aceitação do réu. Isto
pressupõe que exista alguma estabilidade.
→ o caso julgado também é um postulado deste princípio. Vamos dar esta matéria a fundo
mais à frente.
→ art. 195 do CPC - nulidade dos atos processuais. Vemos que o regime das nulidades é
demasiadamente restritivo, enquanto, no Dto. civil é demasiado abrangente. Temos novamente
um postulado deste princípio da estabilidade. A razão de ser deste princípio e desde artigo é
exatamente este princípio que tenta restringir ao máximo a existência de “azares” ao longo do
processo e evitando que esses mesmos acabem com o processo.
→ art. 197 do CPC - A nulidade só pode ser invocada pelo interessado. O que se pretende é
novamente não contaminar o processo.
→ art. 202 do CPC. Ideia da não renovação do ato nulo.
→ etc.

EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA ESTABLIDADE


O art. 260 diz sem complexo algum que existem exceções – “salvo as disposições consignadas
na lei”.
Art. 261 e 262 do CPC – dizem-nos as exceções deste princípio. Temos modificações
subjetivas (art. 261 e 262) e também modificações objetivas. Estas são modificações que se fazem
no decurso da ação e que ocorrem em dois planos, relativamente às partes e relativamente ao
pedido.

As exceções dos arts. 311º e ss. são exceções restritivas. Têm de estar expressas na lei, sob
pena de violarem o princípio.

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Modificações subjetivas da instância

As partes iniciais são determinadas pelo autor na petição inicial; citado o réu, a instância
deve, em princípio, manter-se a mesma quanto a essas partes (art. 260º). No entanto, podem
verificar-se modificações subjetivas da instância. Tais modificações podem fundamentalmente
ser de dois tipos, que o art. 262º refere:
➔ A intervenção de terceiros, que é utilizada para promover a intervenção de alguém que é
terceiro perante o processo e perante qualquer das partes do processo, ou seja, a
intervenção de um terceiro em sentido (apenas) formal (arts. 311º a 350º);
➔ A habilitação, que é utilizada para promover a intervenção de um terceiro perante o
processo, mas perante alguma das partes, isto é, a intervenção de um parte em sentido
material (art. 351º, quanto à habilitação mortis causa, e art. 356º, quanto à habilitação do
adquirente ou cessionário).

Intervenção de Terceiros

Iniciando o processo, ficam determinadas as partes principais e, correlativamente, aquelas que


não o são ficam na posição de terceiros. Estes terceiros, no entanto, podem passar a partes do
processo: ou por se habilitarem como sucessores de uma das partes (art. 262º/a)) ou através das
várias formas de intervenção de terceiros (art. 262º/b) e 311º a 350º). A intervenção pode mesmo
ser espontânea (desde que o terceiro tenha conhecimento da pendência da ação).
O terceiro interveniente pode assumir uma posição paralela à do autor ou do réu, uma
oposição ao autor ou ao réu (intervenção ad impediendum ou as removendum) ou ainda uma
posição de auxílio ao autor ou ao réu (intervenção ad assistendum ou ad auxiliandum). Sendo
assim, são três as figuras a analisar:
− Intervenção Principal;
− Oposição;
− Assistência.

Como incidentes da instância. são aplicáveis às intervenções de terceiros as disposições


gerais dos arts. 292º a 295º.

A intervenção do terceiro é um ato processual que exige personalidade jurídica, capacidade


judiciária, legitimidade para intervir e, eventualmente, representação por mandatário judicial.

A intervenção do terceiro produz, a partir da intervenção espontânea ou da citação do


interessado, os efeitos enumerados no art. 564º, aplicado analogicamente. Nenhum efeito é, no
entanto, produzido com eficácia retroativa, isto é, reportado ao momento da citação do réu inicial,
nem mesmo quando a intervenção do terceiro sana uma situação de ilegitimidade (art. 311º, 316º/1
e 261º/1).
Este regime comporta uma exceção. Os credores intervenientes beneficiam da interrupção
da prescrição decorrente da citação do réu (art. 323º/1, CC), apesar de esse efeito ter sido
produzido num momento em que ainda não eram partes na ação.

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Intervenção Principal

Se estiver pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode intervir nela como parte
principal aquele que em relação ao objeto da causa tiver um interesse igual ao do autor ou do réu
(art. 311º), isto é, aquele que for titular de um direito próprio, mas paralelo ao do autor ou do réu
(art. 312º), e que, por isso, se possa litisconsorciar com qualquer daquelas partes. A intervenção
principal dá origem a um litisconsórcio sucessivo, do tipo de um só pedido ou pedidos idênticos
ou indiscriminados, mas o litisconsórcio decorrente da intervenção pode ser voluntário (art. 311º
(em referência ao art. 32º) e 316º/2 e 3) ou necessário (art. 311º (em referência aos art. 33º e 34º)
e 316º/1).
A intervenção principal carateriza-se por se destinar a permitir a intervenção de um
terceiro que se vai litisconsorciar com uma das partes primitivas e fazer valer um direito próprio
contra a outra parte. Esta intervenção pode ser espontânea – isto é, da iniciativa do terceiro (art.
311º) – ou provocada por qualquer das partes já presentes no processo (art. 316º). A intervenção
espontânea pode ser ativa ou passiva (art. 311º) e qualquer destas pode ser adesiva ou autónoma
(art. 312º).

Intervenção Espontânea Adesiva

A intervenção adesiva visa permitir a mera adesão de um terceiro que é titular de um direito
próprio, mas paralelo ao do autor ou do réu, aos articulados de uma destas partes. A intervenção
adesiva pode ter por base um litisconsórcio voluntário ou necessário (art. 311º) e é deduzida em
simples requerimento, fazendo o interveniente seus os articulados do autor ou do réu (art. 313º/2).
P.e., (i) A, um dos credores solidários, propõe uma ação contra B; C, um outro desses credores,
pode intervir como aderente ao lado de A; (ii) D, cônjuge de E, propõe uma ação de reivindicação
de um terreno contra F; E pode aderir à ação como autor. A circunstância de a intervenção adesiva
permitir a constituição de um litisconsórcio necessário possibilita que essa intervenção seja
utilizada para sanar a ilegitimidade decorrente da preterição desse litisconsórcio.

O interveniente tem de aceitar a causa no estado em que esta se encontrar e é considerado


revel quanto aos atos e termos anteriores à sua intervenção, mas goza do estatuto de parte principal
a partir do momento da intervenção (art. 313º/3). Assim, pela natureza da intervenção adesiva, o
interveniente não pode apresentar nenhum articulado próprio e nem sequer se pode substituir ao
réu na contestação da ação, mas pode participar em todas as audiências da causa, apresentar e
requerer provas, depor como parte, impugnar decisões e intervir em negócios processuais (como
os de desistência, confissão e transação).
A intervenção principal adesiva é admissível a todo o tempo enquanto a causa não estiver
definitivamente julgada (art. 313º/1): trata-se de uma simples adesão à causa, no estado em que
esta estiver. Essa intervenção não é admissível, se a parte contrária tiver uma defesa pessoal a
opor ao interveniente e o estado do processo já não lhe permitir fazer valer essa defesa (art.
313º/4). P.e., estando pendente uma ação entre A, um dos credores solidários, e B, C, um outro
dos credores solidários, adere ao processo; a intervenção não é admissível se o demandado B
invocar que o estado do processo já não lhe permite invocar uma defesa pessoal contra C (art.

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514º/2 CC). Em regra, tal é o que sucede quando o processo já não se encontrar na fase dos
articulados.
Na hipótese de a parte contrária – fundamentalmente o réu – ainda poder fazer valer uma
defesa pessoal contra o interveniente e de, por conseguinte, a intervenção adesiva ser admitida
(art. 313º/4), o interveniente pode responder num articulado a apresentar num prazo de 10 dias
(regra geral dos incidentes da instância: art. 293º/2). MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA: Em termos
sistemáticos, esta solução não é muito coerente: se uma semelhante defesa pessoal for deduzida
contra o autor originário na contestação e se o processo não comportar réplica nos termos do art.
584º, a resposta daquela parte só pode acontecer na audiência prévia ou, subsidiariamente, na
audiência final (art. 3º/4). A lei fornece respostas diferentes para hipóteses semelhantes.

Intervenção Espontânea Autónoma

A intervenção principal espontânea também pode ser autónoma: nesta hipótese, o


interveniente formula, até ao termo da fase dos articulados, a sua própria petição, se pretender
intervir como autor, ou contesta a pretensão do autor, se pretender intervir como réu (art. 314º).
P.e., (i) A, B e C são credores (conjuntos) de D de €60.000; D nega a dívida; A demanda D por
€20.000; no decurso do processo, C e D podem espontaneamente vir tentar cobrar as suas parcelas
no crédito, entrando para a posição de autores ao lado de A; (ii) E é credor de uma dívida solidária
de F, G e H; E demanda F; G e H podem intervir como réus, procurando demonstrar que o crédito
alegado por E não existe.
O interveniente principal autónomo faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor
ou do réu, através da apresentação de um articulado próprio (art. 314º). Ambas as partes
primitivas podem responder à intervenção requerida pelo terceiro (art. 315º/1). Se a intervenção
for admitida, seguem-se os demais articulados (art. 315º/1): à petição inicial do interveniente
segue-se a contestação do réu, mas, em regra, à contestação desse interveniente, não se segue a
réplica (art. 584º).

Intervenção Provocada Geral

A intervenção provocada pode ser utilizada para sanar a preterição de um litisconsórcio


necessário (art. 316º/1), para permitir a constituição de um litisconsórcio voluntário (art. 316º/2 e
3) e para reconhecer o direito de regresso de um co-devedor solidário (art. 317º/1).
Se ocorrer preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo
o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como
associado da parte contrária (art. 316º/1). P.e., (i) numa ação destinada a exigir o cumprimento de
uma obrigação indivisível, foi demandado apenas um dos devedores; o autor pode provocar a
intervenção dos demais devedores (art. 535º/1, CC); (ii) numa ação que tem por objeto o
pagamento de uma dívida comunicável, foi demandado apenas um dos cônjuges; o demandante
pode promover a intervenção do outro cônjuge (art. 34º/3, art. 1695º/1, CC).
Esta intervenção pode ser provocada por qualquer das partes até ao termo da fase dos
articulados ou até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes por
não se encontrar em juízo determinada pessoa (art. 318º/1/a)).

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O autor pode ainda provocar a intervenção da parte ausente até ao trânsito em julgado da
decisão de absolvição da instância (art. 261º/1) ou, no caso de esta absolvição pôr termo ao
processo, nos 30 dias posteriores ao seu trânsito em julgado (art. 261º/2, 1ª parte).

Nas situações de litisconsórcio voluntário, as hipóteses de intervenção provocada são


distintas consoante a iniciativa da intervenção seja do autor (art. 316º/2) ou do réu (art. 316º/3).
O autor pode provocar, até ao termo da fase dos articulados (art. 318º/1/b)):
− A intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente (art.
316º/2); p.e., (i) o autor demanda apenas um dos devedores solidários (art. 32º/2); pode
provocar a intervenção de um outro devedor solidário, embora apenas se se verificar
alguma das condições previstas no art. 519º/2 CC (risco de insolvência do primitivo
demandado ou dificuldade em obter deste a prestação); (ii) o autor demanda, pela
totalidade da dívida, somente um dos devedores conjuntos (art. 32º/1); pode provocar a
intervenção de outros devedores.
− A intervenção de terceiro contra quem pretenda dirigir, subsidiariamente, o pedido (art.
316º/2; art. 39º); p.e., o autor dirige o pedido indemnizatório contra o demandado; da
contestação apresentada por esta parte surgem dívidas sobre se o agente do ato ilícito não
foi um terceiro; o autor pode provocar a intervenção deste terceiro.

O réu por provocar, na contestação ou, se não quiser contestar, em requerimento


apresentado no prazo de que dispõe para o efeito (art. 318º/1/c)):
− A intervenção de outros sujeitos passivos da relação material controvertida (art. 316º/3/a));
p.e., o devedor demandado pode provocar a intervenção de um outro devedor da obrigação
solidária (art. 518º CC) e o fiador demandado pode promover a intervenção de um co-
fiador (art. 649º/1 e 518º CC); a titularidade da relação material controvertida tem de ser
entendida num sentido amplo, pelo que a previsão também abrange a intervenção do
devedor por iniciativa do fiador (art. 641º/1, 2ª parte, CC) ou do avalista demandado, a
intervenção da sociedade civil (art. 997º/2, CC) ou da sociedade em nome coletivo e dos
demais sócios por iniciativa do sócio demandado (art. 175º/1, CSC), a intervenção da
sociedade em comandita por iniciativa do sócio comanditado (art. 465º/1, CSC) e, na ação
cambiária proposta contra o sacador da letra, a intervenção do aceitante.
− A intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor, art. 316º/3/b).

Intervenção Provocada Especial

Existe uma subespécie de intervenção principal provocada na qual o réu demandado como
co-devedor solidário pode chamar para o seu lado os outros, ou algum ou alguns dos outros, co-
devedores, visando acautelar um eventual direito de regresso: é o regime que se encontra
estabelecido no art. 317º/1.
Esta intervenção tem de ser deduzida na contestação ou no prazo desta (art. 318º/1/c)) e
visa obter apenas a condenação do co-devedor chamado na satisfação do direito de regresso que
possa vir a assistir ao demandado inicial (art. 317º/1 e 524º CC). É isto que justifica que, se estiver
em causa somente este direito de regresso (e não a própria dívida), o primitivo réu seja condenado
no pedido e se passe a discutir no processo apenas o direito de regresso invocado pelo demandado
inicial contra o interveniente (art. 317º/2).

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Aspetos do procedimento

Quanto aos aspetos de procedimento, há que considerar o seguinte:


− Se não for formulado um pedido distinto daquele que foi formulado pelo autor, o
interveniente não tem de pagar taxa de justiça, art. 530º/2;
− Depois de ouvida a parte contrária, o tribunal decide da admissibilidade do chamamento,
art. 318º/1;
− Se a intervenção for admitida, o interessado é citado (art. 319º/1); depois disso, o
interveniente pode oferecer o seu articulado ou declarar que faz seus os articulados do
autor ou do réu (art. 319º/3); mas, se a intervenção ocorrer depois do prazo da contestação,
o interveniente tem de aceitar os articulados da parte a que se associa, art. 319º/4.

Caso julgado

A sentença proferida sobre o mérito da causa aprecia a relação jurídica de que o chamado
a intervir seja titular e constitui, quanto a ele, caso julgado (art. 320º). Para respeitar o princípio
do contraditório (art. 3º/2) e não violar a proibição da indefesa, este regime tem de ser objeto de
uma interpretação restritiva: só pode valer para a hipótese em que o interveniente, atendendo ao
momento da sua intervenção, podia ter defendido a sua posição em articulado próprio ou, dito de
outra forma, aquele regime não pode valer na situação em que o interveniente já só pode aderir
aos articulados da parte a que se associa (art. 319º/4). P.e., a ação relativa a uma dívida comum
foi proposta apenas contra um dos cônjuges; o cônjuge demandado invoca, na contestação, a sua
ilegitimidade (art. 33º/1 e 34º/3); depois da notificação da apresentação desse articulado, o autor
provoca a intervenção do outro cônjuge (art. 316º/1); este cônjuge não pode apresentar articulado
próprio (art. 319º/4) e, por isso, não lhe pode ser oponível um caso julgado desfavorável. Portanto,
o chamamento do terceiro pode ser suficiente para assegurar a observância do litisconsórcio
necessário, mas pode não o ser para fundamentar a vinculação do interveniente ao caso julgado.

Oposição

A noção de oposição pode ser extraída do disposto no art. 333º/1: estando pendente uma
causa entre duas ou mais pessoas, pode um terceiro intervir nela como oponente para fazer
valer, no confronto de todas, um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com a
pretensão do autor ou do reconvinte. Ou seja, pode ser definida como a intervenção que dá
origem a um litisconsórcio recíproco formal. Enquanto na intervenção principal o interveniente
se litisconsorcia com uma das partes primitivas e se opõe à outra, art. 312º), na oposição o
interveniente opõe-se a ambas as partes, art. 333º/1.
A oposição assegura uma tutela do terceiro contra a “usurpação de direitos que lhe
pertencem”. Exemplos de oposição: (i) A reivindica x a B; C, que se considera proprietário de x,
pode intervir nesta ação como terceiro oponente, reivindicando x para si; (ii) D propõe uma ação
contra E, pedindo o cumprimento de um crédito; F pode intervir como oponente, alegando que a
cessão do crédito que fez para D é inválida e que, portanto, continua a ser o credor.
Em geral, o oponente pede contra o autor da ação a apreciação de um facto e contra o réu
a condenação numa prestação.

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A intervenção do opoente é admitida enquanto não estiver designado dia pra a


audiência final em 1ª instância ou, não havendo lugar a esta audiência, enquanto não estiver
proferida a sentença, art. 333º/2. A admissibilidade da oposição favorece a concentração
processual e evita o proferimento de decisões incompatíveis.
O fundamento da oposição é a alegação pelo opoente de que é titular de um direito
incompatível com a pretensão do autor ou do reconvinte. Isto significa que, para a
admissibilidade da oposição, basta a alegação do direito incompatível pelo opoente. Se esse
direito realmente existe e se o oponente é reconhecido como seu titular, isso é uma questão
atinente ao mérito da causa.

Modalidades da Oposição

A oposição pode ser espontânea, art. 333º/1, ou provocada pelo réu, quando esta parte
esteja pronta a satisfazer a prestação, mas tenha conhecimento de que um terceiro se arroga ou
pode arrogar-se direito incompatível com o do autor, art. 338º. A distinção reflete-se na posição
das partes e do opoente.

Oposição Espontânea

No caso da oposição espontânea, o opoente deduz a sua pretensão por meio de petição, art.
334º, e assume a posição de parte principal, art. 335º/1, podendo verificar-se, depois disso, as
seguintes situações:
− Se alguma das partes da causa principal reconhecer o direito do opoente, o processo
segue apenas entre a outra parte e o opoente, art. 337º/1;
− Se ambas as partes impugnarem o direito do opoente, a instância segue entre as partes,
havendo neste caso duas causas conexas, uma entre as partes primitivas e outra entre o
opoente e aquelas, art. 337º/2.

A parte – autor ou réu – que reconhecer o direito do oponente é excluída da ação,


art. 337º/1, porque o litígio se verifica apenas entre a outra parte e o oponente. O
reconhecimento pode ser realizado pelo primitivo autor, mas a situação mais comum é aquela em
que é o réu que reconhece o direito do oponente. P.e., o devedor demandado numa ação de
cobrança de dívida reconhece que o terceiro é o verdadeiro credor; a ação continua apenas entre
o primitivo autor e o opoente, para se determinar qual deles é o credor da prestação do réu.
O objeto deste segundo processo é distinto do objeto do primeiro processo entre o autor
e o primitivo réu, no qual o primitivo autor pede que o opoente o reconheça como titular do direito.
Normalmente, o opoente não pretende obter uma decisão de improcedência (que determina apenas
que o primitivo autor não é o titular do direito), mas antes uma decisão de condenação desse
primitivo autor a reconhecer a sua titularidade do direito. Para isso, o opoente tem de formular um
pedido de tipo reconvencional contra o primitivo autor.
Muito frequentemente, o segundo processo termina com uma decisão que reconhece uma
das partes (o primitivo autor ou o opoente) como titular do direito.
Não se pode excluir, no entanto, que esse processo finde com uma decisão de improcedência:
então nenhuma das partes é reconhecida como titular do direito.

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Se ambas as partes impugnarem o direito do opoente, passa a haver duas causas conexas,
uma entre as partes primitivas e a outra entre o opoente e aquelas partes (art. 337º/2). Apesar desta
pluralidade de ações, a decisão delas tem de ser conjunta.

Oposição Provocada

O réu pode estar disposto a satisfazer a prestação que lhe é exigida pelo autor, mas
conhecer que um terceiro se arroga ou pode arrogar-se de um direito incompatível com o desta
parte: nesta hipótese, o réu pode requerer, dentro do prazo que tem para contestar, que o terceiro
seja citado para deduzir, querendo, a sua pretensão, desde que aquele demandado inicial proceda
à consignação em depósito da quantia ou coisa devida, art. 338º e art. 916º/3.
Realizado este depósito, procede-se à citação do terceiro, para que este deduza a sua
pretensão, art. 339º. Depois da citação do terceiro, pode acontecer o seguinte:
− Se o terceiro não deduzir a sua pretensão, tendo sido ou devendo considerar-se citado na
sua própria pessoa e não se verificando nenhuma das exceções ao efeito cominatório da
revelia, é proferida sentença a declarar extinta a obrigação em consequência do depósito
realizado pelo réu, art. 340º/1; sobre as referidas exceções art. 567º/1 e 568º; nesta
hipótese, a sentença tem força de caso julgado relativamente ao terceiro que foi chamado
a intervir, art. 349º/2.
− Se o terceiro deduzir a sua pretensão, declara-se igualmente extinta a obrigação do réu,
mas a ação continua entre o autor inicial e o opoente, art. 341º e 922º/3.

Embargos de terceiro

Uma das modalidades mais importantes da intervenção espontânea é constituída pelos


embargos de terceiro, que são um meio de reação de um terceiro contra um ato, judicialmente
ordenado, de apreensão ou entrega de bens que ofenda a sua posse ou um seu direito que seja
incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, art. 342º/2. P.e., o cônjuge que não seja
executado pode embargar de terceiro numa execução em que sejam penhorados bens próprios ou
bens comuns, art. 343º. Embora os embargos de terceiro tenham um campo de aplicação mais
vasto, a sua aplicação mais frequente é a de meio de oposição a uma penhora decretada numa ação
executiva.
Os embargos de terceiro podem ser repressivos, art. 342º/1, ou preventivos, art. 350º CC,
e são deduzidos através de um incidente que corre por apenso à causa em que haja sido ordenado
o ato ofensivo da posse ou do direito do embargante, art. 344º/1. Estes embargos apresentam a
particularidade de, depois de deduzidas, a sua continuação ficar dependente da prova da
verosimilhança (probabilidade séria, na equivocada expressão da lei) do direito invocado pelo
embargante, art. 345º).
Dado que o embargante invoca um direito incompatível com o ato de apreensão ou entrega,
a sentença de mérito proferida nos embargos constitui caso julgado quanto à existência e
titularidade desse direito, art. 349º.

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Intervenção Acessória

A intervenção acessória (ou intervenção ad adiuvandum/intervenção adesiva) pode


definir-se como a intervenção de uma parte acessória. A parte acessória é alguém que pode ser
atingido pela decisão da causa e que, por isso, auxilia uma das partes principais a evitar que uma
decisão desfavorável venha a ser proferida.

A diferença entre a intervenção acessória e a intervenção principal reside tanto nos


pressupostos, como no resultado: a intervenção acessória pressupõe que o interveniente é titular
de uma situação subjetiva dependente daquela que constitui o objeto do processo (art. 321º/1 e
326º/1) e conduz à entrada de uma parte acessória na ação (art. 323º/1 e 326º/1); em
contrapartida, a intervenção principal adesiva requer que o interveniente seja titular de uma
situação subjetiva paralela à do autor ou do réu, art. 312º, e ocasiona a formação de um
litisconsórcio sucessivo, art. 313º/1.

Intervenção Espontânea

A intervenção acessória pode ser espontânea, art. 326º/1, ou provocada, art. 321º/1 e
325º/1. Estando pendente uma causa, pode intervir nela como assistente quem tiver interesse
jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a uma das partes principais, art. 326º/1. O
interesse tem de ser pessoal – não, portanto, um interesse geral, coletivo ou difuso – e atual – isto
é, tem de existir no momento da intervenção ou depender exclusivamente da decisão da causa. À
legitimidade para ser assistente chama-se legitimidade minor.
Como fundamento da intervenção basta a titularidade de uma relação jurídica cuja
consistência prática ou económica dependa da pretensão do assistido (art. 326º/2). Atendendo a
que não há nenhum obstáculo a que quem tem legitimidade para intervir como parte principal
possa intervir como assistente e que pode intervir como assistente mesmo quem não tenha
legitimidade para intervir como parte principal, as hipóteses mais frequentes de intervenção como
assistente são as seguintes:
− Situações de extensão do caso julgado, p.e., o fiador pode intervir na ação proposta pelo
credor contra o devedor, dado que beneficia de um caso julgado favorável a este devedor,
art. 635º/1 CC.
− Relações de prejudicialidade, p.e., A celebra com B um contrato de arrendamento do
prédio x. C reivindica x em ação proposta contra A; B (arrendatário) pode intervir nessa
ação como assistente de A, porque tem interesse em que o seu senhorio seja reconhecido
como proprietário.
− Direito de regresso, o terceiro contra o qual o demandado tenha ação de regresso pode
intervir como assistente, dado que esse terceiro pode ser chamado a intervir como parte
acessória por aquele demandado, art. 321º/1, p.e., D propõe uma ação contra E, pedindo a
anulação do contrato de compra e venda de um bem, dado que este apresenta defeitos que
o vendedor não podia desconhecer, art. 913º e 905º CC; F, que tinha vendido a coisa a E,
pode intervir nessa ação, procurando auxiliar esta parte a não perder a ação.

O chamado pode suscitar o chamamento de terceiros que considerem ser seus

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devedores em via de regresso, art. 323º/3, mas, passados 60 dias sobre a data em que foi
inicialmente deduzido o incidente de intervenção acessória provocada sem que se mostrem
realizadas todas as citações, o autor pode requerer o prosseguimento da causa principal, art. 324º.
Quando o MP deva intervir como parte acessória, devem ser-lhes notificados
oficiosamente a pendência da ação, art. 325º/1, e todos os atos e diligências, art. 325º/3. Sem
prejuízo das preclusões legais, o MP pode alegar o que se lhe oferecer em defesa dos interesses
da pessoa ou entidade assistida, art. 325º/4.

Posição do assistente

O assistente tem de aceitar o processo no estado em que este se encontrar no momento da


intervenção (art. 327º/1). O assistente tem no processo a posição de auxiliar de uma das partes
principais, art. 328º/1 – é uma parte acessória, pelo que, embora possa praticar os mesmos atos
que a parte principal, não pode praticar atos que estejam em oposição com os do assistido, art.
328º/2. Quer dizer: o assistente pode completar todos os atos praticados pelo assistido, mesmo
que contra a vontade deste, mas não pode substituir-se à vontade do assistido quanto a atos que
este não tenha praticado (desde logo, porque a não prática do ato pelo assistido preclude, de vez,
a sua realização). A assistência não afeta os direitos das partes principais, que podem livremente
confessar, desistir ou transigir, findando em qualquer destes casos a intervenção, art. 331º.

O assistente não é uma parte principal, pelo que não pode formular pedidos para defesa
dos seus interesses próprios (não pode, p.e., formular um pedido reconvencional: art. 266º/1), nem
contra ele podem ser formulados quaisquer pedidos. Pela mesma razão, o assistente não pode
desistir do pedido, confessar o pedido ou transigir sobre o objeto da causa (art. 283º) e também
não pode acordar com a contraparte do seu assistido a alteração do pedido ou da causa de pedir
(art. 264º). No entanto, o assistente pode depor como parte, art. 455º, pelo que está impedido
de depor como testemunha, art. 496º.
Se o assistido for revel – isto é, se o assistido não tiver contestado -, o assistente é
considerado como seu substituto processual (art. 329º), o que significa que o assistente passa a
assumir a posição de parte principal. Assim, durante o prazo concedido para a contestação, o
assistente pode contestar logo que saiba que o assistido não vai contestar, mas também pode
apresentar uma contestação (subsidiária) para o caso de esse assistido não vir a contestar.

Cessação da assistência

A assistência cessa com a extinção da instância. Além disso, por analogia com o disposto
no art. 285º/2, quanto à desistência da instância pela parte principal, o assistente pode desistir da
sua intervenção. Esta desistência não tem, contudo, nenhum efeito retroativo, pelo que
permanecem eficazes os atos anteriormente praticados pelo assistente.
Ao contrário do que sucede quanto ao falecimento ou extinção de uma parte principal. art.
269º/1/a), a morte ou extinção do assistente não conduz à suspensão da instância. Ninguém se
pode habilitar a ocupar a posição de um assistente falecido ou extinto.

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Intervenção Provocada

A ideia geral da intervenção acessória provocada é a de o réu chamar ao processo, para


zelar por que este seja bem conduzido, uma pessoa que, caso o réu perca o processo, terá de
indemnizar o mesmo réu: o réu que tenha ação de regresso contra terceiro, para ser indemnizado
do prejuízo que lhe cause a perda da demanda, pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa,
sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal, art. 321º/1. A
intervenção só pode ser provocada pelo réu e apenas com fundamento na sua possível
condenação, mas esta intervenção acessória é mais ampla do que a intervenção principal que se
encontra regulada no art. 317º/1.
Esta forma de intervenção acessória cumpre a função de dar conhecimento ao terceiro
da pendência da causa e proporcionar-lhe a intervenção nesta, de modo a poder acompanhar
a atuação do chamante que é titular do direito de regresso. P.e., a sociedade de seguros A segura
B, dono de uma fábrica de explosivos, contra terceiros; dá-se uma explosão que danifica o prédio
de C, o qual demanda B pedindo uma indemnização; B pode fazer intervir a sociedade seguradora.

O chamamento é deduzido pelo réu na contestação ou, se o réu não quiser contestar, no
prazo em que aquela devia ser apresentada, art. 322º/1. O chamamento só é deferido quando o
juiz entenda que a intervenção do terceiro não perturba indevidamente o normal andamento do
processo e quando, face às razões alegadas, se convença da viabilidade da ação de regresso e da
sua efetiva dependência das questões a decidir na causa principal, art. 322º/2. A intervenção do
chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso,
art. 321º/2, mas esse chamado pode contestar a ação e passa a beneficiar do estatuto de assistente,
art. 323º/1. O chamado fica vinculado ao caso julgado da decisão da causa nos mesmos termos do
assistente, art. 323º/4.
O chamamento interrompe a prescrição do direito de regresso do réu contra o
terceiro, pois que a citação deste mostra a intenção do réu de vir a exercer esse seu direito, art.
323º/1 CC.

Caso Julgado

A decisão proferida no processo em que se verificou a intervenção da parte acessória


adquire valor de caso julgado (material) nos termos gerais. Importa verificar em que condições é
que a parte acessória fica vinculada ao caso julgado: a resposta é dada pelo disposto no art. 332º,
regime igualmente aplicável ao interveniente provocado, art. 323º/4.
O assistente fica vinculado ao caso julgado da decisão nos termos do art. 332º: a sentença
proferida na causa constitui caso julgado em relação ao assistente, que é obrigado a aceitar, em
qualquer causa posterior entre ele e a parte assistida, os factos e o direito que a decisão judicial
tenha estabelecido. Portanto, ficam abrangidos pelo caso julgado oponível pela parte assistida ao
assistente todos os fundamentos de facto e de direito da decisão, o que mostra que esse caso
julgado é mais extenso do que sucede normalmente, dado que, em regra, os fundamentos de facto
e de direito não são vinculativos num outro processo. É por isso que esse caso julgado não vale
nem nas relações entre o assistente e a contraparte da parte assistida, nem nas relações entre esta
parte e a sua contraparte.

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O assistente deixa de ficar vinculado ao caso julgado se excecionar a condução deficiente


do processo pela parte assistida. Com efeito, o assistente não fica vinculado ao caso julgado se:
− alegar e provar, na causa posterior, que o estado do processo no momento da sua
intervenção ou a atitude da parte principal o impediram de fazer uso de alegações ou meios
de prova que poderiam influir na decisão final, art. 332º/1);
− mostrar que desconhecia a existência de alegações ou meios de prova suscetíveis de influir
na decisão final e que o assistido não se socorreu daqueles intencionalmente ou por
negligência grave, art. 332º/b).

O regime demonstra que o fundamento para a intervenção acessória não é a extensão ao


terceiro do caso julgado da decisão proferida na ação entre as partes principais. De outro modo,
não se compreenderia que, como resulta do disposto no art. 332º, só o terceiro que efetivamente
intervém na ação fique vinculado ao caso julgado (e, mesmo assim, com certas restrições).

Habilitação

O incidente da habilitação representa uma modificação subjetiva da instância traduzida na


substituição de uma das partes na relação processual pelos respetivos sucessores (art. 262 al. a)).
Trata-se de uma exceção ao princípio da estabilidade da instância plasmado no art. 260.
Destinando-se fundamentalmente a comprovar a aquisição, por sucessão ou transmissão, da
titularidade de um direito ou de um complexo de direitos ou de situações jurídicas, pode ser feita
por via notarial ou por via judicial, isto é, através de escritura pública (habilitação notarial) ou no
âmbito de um processo judicial (habilitação judicial).

Entre as modalidades da habilitação, distinguia já Alberto dos Reis a habilitação incidente –


surgida como incidente de uma dada ação (ou de outro incidente) já pendente, face ao óbito ou à
extinção de uma das partes, geradora da suspensão da instância (art. 269/1 al. a), 270 e 276/1 al.
a)), em ordem a colocar os respetivos sucessores na mesma posição que o falecido ou a entidade
extinta ocupavam no processo, com eles prosseguindo a lide, - da habilitação-ação e da
habilitação-legitimidade.

→ A habilitação incidente prende-se diretamente com os institutos da legitimidade das


partes e da suspensão da instância (art. 30 e 269), sendo regulada, quanto aos respetivos
processamento e função, pelos art. 351 a 355. Isto tendo presente a existência de dois
tipos de habilitação incidental:
o uma – por sucessão mortis causa –, de caráter obrigatório, regulada no art.
351 a 355;
o outra – por sucessão intervivos –, de natureza facultativa, a que se reporta o
art. 356, não gerando ipso iure a suspensão da instância, uma vez que o
transmitente ou cedente continua a deter legitimidade para a causa até à
habilitação do adquirente ou cessionário (art. 263/1).

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→ Na habilitação-ação, o autor propõe-se a justificar a sua qualidade (status) de herdeiro


de uma pessoa falecida para fins gerais, sem qualquer conexão ou ausência com uma
qualquer causa pendente, solicitando ao tribunal que, por sentença, reconheça essa
qualidade. Por isso, a habilitação-ação é também designada por habilitação principal
autónoma, porquanto a habilitação é o objeto/fim próprio e único da ação proposta.
Trata-se de uma habilitação dotada de inteira independência, a ser processada em ação
declarativa de condenação, com processo comum, assim adjetivando o exercício (pelo
autor da ação) dos direitos de herdeiro ao abrigo do preceituado nos arts. 2075 a 2078
do CC (petição de herança), solicitando a um tempo, a declaração da sua qualidade de
herdeiro de determinada pessoa e a correlativa condenação do réu a restituir-lhe os
bens da herança de que se arroga titular.

→ A habilitação-legitimidade (requisito de legitimidade ativa ou passiva) tem lugar


sempre que na petição inicial de uma ação ou no requerimento executivo se alega que
o autor ou o réu (ou o exequente ou executado) já sucedeu (ex-ante) na titularidade da
relação ou posição jurídica controvertida (ex: de um crédito ou de uma obrigação)
pertença de outrem, assim justificando a sua legitimidade ad causam para a ação ou
execução (em apreço) através da invocação, além do mais, dos factos
consubstanciadores da sucessão e da respetiva prova. Como requisito que é da
legitimidade da parte, não possui autonomia processual, enxertando-se, por isso, nos
próprios autos da ação e, se surgir em ação executiva, deverá o exequente, no próprio
requerimento executivo, dar cumprimento ao disposto no nº 1 do art. 54,
transformando-se depois em incidente caso haja contestação ou oposição (art. 354/1).

No conceito de sucessão vertido na alínea a) do art. 262 - a propósito das modificações


subjetivas da instância – cabe, não só a sucessão mortis causa (arts. 269/1 al. a) e 354/3), como
também a resultante da extinção de uma pessoa coletiva ou de uma sociedade (causa legal de
suspensão da instância).
Já no caso de transformação ou fusão de uma pessoa coletiva ou de uma sociedade que seja
parte na causa não há, conforme do disposto no art. 268/2, fundamento legal para a suspensão.

Se se tratar de causas autónomas, pode ter lugar, em cada uma delas, o incidente de habilitação
e, conforme resulta do disposto no art. 353, o reconhecimento da qualidade de herdeiro em ação
especialmente proposta para esse fim não dispensa o reconhecido sucessor de deduzir a sua
habilitação em cada uma das causas pendentes. A causa de pedir deverá substanciar faticamente
a qualidade de herdeiro da parte falecida para que proceda o pedido de habilitação, tornando-se
indispensável a demonstração de que, segundo o direito substantivo, o habilitando sucedeu
efetivamente na relação jurídica em litígio.

Apenas pode habilitar-se quem seja sucessor da parte falecida ao tempo do falecimento desta,
que não também o sucessor da pessoa que antes do decesso haja sido definitivamente excluída da
causa por ilegitimidade ou por qualquer outro motivo. O facto de o falecido não haver deixado
bens, mas apenas dívidas, não obsta à respetiva habilitação.

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Nem sempre, conforme resulta do disposto no art. 269/3 a morte ou a extinção de uma das
partes implica a habilitação dos respetivos sucessores. Ex: é o que sucede na hipótese de
ocorrência de factos geradores da extinção da instância por inutilidade ou impossibilidade de
continuação da lide, por exemplo, o falecimento do cônjuge na pendência da ação de divórcio,
salvo o disposto no nº 3 do art. 1785 do CC.

À luz do pedido da cooperação previsto no art. 7, não pode ser indeferido o pedido do autor
no sentido da notificação do réu, a fim de este informar sobre os elementos necessários à dedução
do incidente de habilitação resultante do óbito do co-réu. A suspensão da instância por óbito da
parte que tenha transmitido a coisa ou o direito litigioso não obsta a que o adquirente ou
cessionário requeiram a sua habilitação qua tale.

→ À habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa, reporta-se o


artigo 351, regulando-se no art. 352 as regras comuns do processamento do incidente,
enquanto que nos art. 353 e 354 se determina o processo a seguir no caso de a
legitimidade já estar conhecida em documento ou noutro processo ou ainda não estar
reconhecida e, nos art. 35, 356 e 357, se regulam, respetivamente, a habilitação em
caso de incerteza das pessoas, a habilitação do adquirente e do cessionário e a
habilitação perante os tribunais superiores.

ARTIGO 263º
Subjacente ao artigo 263 do CPC está a relevância da transmissão.

Para o nosso regime é relevante a transmissão, mas esta não opera imediatamente, só opera
quando o terceiro se habilita. Não há uma irrelevância da transmissão, mas esta transmissão
também não irá impedir que a ação continue.

Até se poderá afirmar que o art. 263/1 é uma causa autónoma de legitimidade porque se se
aplicar as regras do art. 30 teríamos que tirar B da causa por deixar de ser parte legítima na causa,
mas o art. 263/1 permite que B permaneça na causa.
Este nº 1 também consagra uma exceção ao princípio da estabilidade da instância.

O regime do art. 263 está subjacente/apoiado em alguns pressupostos (Paula Costa e


Silva):
→ Esta transmissão inter vivos só é possível se houver uma ação pendente. Se houver
uma transmissão entre B e C, mas não haja nenhuma ação isso não interessa para nada.
→ Existência de uma coisa ou de um direito litigioso. Lembrar o artigo 579 do CC (art.
579/3).
→ Transmissão inter vivos do próprio direito litigioso;
→ Conhecimento por parte do tribunal da transmissão durante a ação.

A professor Paula Costa e Silva entende que o art. 263 desempenha diversas funções:

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→ Visa proteger a parte estranha à transmissão (neste caso o A). os interesses das
partes estranha não podem ser ignorados. Se a substituição tornar mais difícil no
processo a posição da parte, a substituição não ocorre.
→ Proteger os interesses do transmissário (C). pode ser que o C tenha o know how em
relação ao pagamento de dívidas que B não tem. A transmissão entre B e C vai ser
onerosa, mas o C quando vai substituir o B vai fazê-lo gratuitamente, podendo vir a
fazer negócio com A. no plano processual, se C for uma dessas empresas com know
how na matéria, com certeza que B for apenas um B sujeito individual que um dia
contraiu uma dívida perante A mas não tem a expertise/competência do C, pode o C
ter mais competência para chegar ao processo e ter outra atitude perante o A. o regime
do 263º também pretende proteger os interesses do transmissários porque ao permitir
que haja substituição em determinados casos faz com que aquele que está fora da
relação processual que é o C veja os interesses acautelados porque pode um dia entrar
na ação. Ao entrar na ação irá ter mais interesses acautelados. Consegue assim
conciliar-se os interesses da parte estranha (A) ao negócio e também do transmissário.
→ Verifica-se um corolário/consequência do princípio da economia processual: se não
houvesse art. 263, momento em que o juiz daquela ação soube que houve uma
transmissão no plano do direito substantivo entre B e C, o B passava a ser parte
ilegítima e não havia mais nenhuma situação a ocorrer. Ao se permitir que haja uma
causa autónoma de legitimidade nos termos do nº 1 e ao permitir que na mesma ação
o litígio seja resolvido – temos aqui um conjunto de interesses que pode ser resolvido
em tempo útil com afetação de bens. (PCS + Bonifácio Ramos). Daí estarmos perante
uma consequência do princípio da economia processual.
→ Protege os interesses do transmitente (B): porque o B pode fazer espelhar no
processo o que aconteceu no direito substantivo e não ficar à espera, uma vez que já
nem terá interesse em permanecer na ação porque já não tem o direito em causa. se
houvesse um departamento que não permitisse que aquela transmissão que aconteceu
no direito substantivo se refletisse no plano processual estamos a pôr alguma restrição
ao tráfego jurídico. A causa de pedir acaba por ser um pouco ampliada.

art. 263/3 – problema do caso julgado. Produz efeitos em relação ao adquirente ainda que este
não intervenha no processo. O C bem sabe que ao notificar ao juiz daquela situação pode ser
abrangido pelo caso julgado e pode ser abrangido pelo caso julgado. B pode ser abrangido pelo
caso julgado? O alienante está sempre ligado ao caso julgado, sobretudo material. Em relação ao
outro, se ele sair e se houver habilitação (verdadeira substituição) não será tanto abrangido, mas
há teorias que defendem ou podem defender que o B no caso de sair possa ter alguma sorte de ser
abrangido.

Princípio da Economia Processual

O resultado processual deve ser atingido com a maior economia de meios. Esta economia de
meios exige que cada processo, por um lado, resolva o maior número possível de litígios

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(economia processual) e, por outro, comporte só os atos e formalidades indispensáveis ou úteis


(economia de atos e formalidades.
Existem vários corolários, nomeadamente o art. 263.º CPC e as modificações subjetivas da
instância em relação às partes.

A exigência da economia de processos explica as disposições que permitem o litisconsórcio


inicial, a cumulação de pedidos, o pedido subsidiário, a ampliação do pedido e da causa de pedir,
a reconvenção e os incidentes de intervenção de terceiros.
Todas elas são normas permissivas: as partes podem ou não, de acordo com o princípio do
dispositivo, formular no mesmo processo todos os pedidos que a lei permite que sejam deduzidos
e fazer ou não citar para a causa, inicial ou posteriormente, todos os titulares da relação jurídica
material que não tenham de ser obrigatoriamente parte na causa. Mas se não o fizerem e forem
propostas separadamente, perante o mesmo juiz, ações que podiam ter sido reunidas no mesmo
processo, o juiz poderá determinar oficiosamente a apensação de todas elas (art. 267/4), sem
prejuízo de as partes poderem requerê-la, mesmo que pendam perante juízes diversos (art. 267/1).

Da imposição da economia de processos derivam ainda as disposições que visam o


aproveitamento da ação proposta e, indiretamente, evitar a propositura de nova ação para
conseguir a solução do litígio. Estão neste caso as normas que impõem ao juiz a remoção de
obstáculos processuais e as que permitem a alteração do pedido e da causa de pedir (art. 264 e
265) e a integração do litisconsórcio necessário (art. 261 e 266/4).

A segunda vertente do princípio da economia processual implica a adequação da tramitação


processual às especificidades da causa (art. 547 e 37/2 e 3), a proibição da prática de atos
processuais inúteis (art. 130) e a redução dos atos úteis à sua expressão mais simples (art. 131/1).

MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA

O princípio da economia processual pode ser visto num plano institucional e num plano
individual.

➔ Plano institucional:
No plano institucional, o princípio da economia processual é aquele segundo o qual o processo
não deve implicar custos desnecessários e não proporcionais à prossecução da sua finalidade ou
numa formulação, é o princípio segundo o qual os meios disponíveis devem ser utilizados de
molde a otimizar o fim do processo, evitando a perda de tempo e os custos escusáveis.
Este princípio orienta-se por um critério de eficiência e, portanto, pelo equilíbrio entre a
garantia do direito à ação e a resposta fornecida pelo ordenamento processual. Ao princípio da
economia processual liga-se quer a necessidade de desonerar os tribunais de processos
desnecessários, quer o imperativo do andamento célere dos processos pendentes. alguns institutos
processuais são decorrência do princípio da economia processual: como é caso das exceções de
litispendência e de caso julgado (art. 580/1 e 581/1) e da suspensão da instância por
prejudicialidade (art. 269/1 al. d) e 272) – que se destinam a evitar uma duplicação de processos

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sobre a mesma questão – bem como da coligação de autores e de réus (art. 36), da apensação de
ações (art. 267/1), da reconvenção (art. 266/1) e da cumulação de pedidos (art. 553 a 555) – que
visam concentrar várias ações num único processo.

→ Plano individual:
No plano individual, ou seja, no plano de cada ato processual, o princípio da economia
processual proíbe a prática de atos inúteis (art. 130) ou supérfluos (art. 534/1). Este princípio obsta
a que se pratiquem atos tanto objetiva como subjetivamente inúteis ou supérfluos num processo
pendente. Os atos objetivamente inúteis ou supérfluos são aqueles que não respeitam à matéria
discutida no processo; os atos subjetivamente inúteis ou supérfluos são aqueles que,
pressupostamente, nada acrescentam ao que já está adquirido em processo.

Inutilidade subjetiva
A inutilidade subjetiva é facilmente demonstrável mas tem na base um pressuposto
indemonstrável: o ato é inútil na pressuposição de que nada vai acrescentar ao que já está
adquirido para o processo; mas se o ato não é realizado, nunca se pode saber se ele seria realmente
inútil ou supérfluo, porque nunca se pode ter a certeza de que o ato omitido (como, por exemplo,
a audição de uma testemunha), se tivesse sido realizado, não seria afinal útil.
A economia processual fundamenta, por isso, a irrelevância virtual de um ato, isto é, a
irrelevância de um ato que, apesar de ser admissível, é considerado supérfluo antes mesmo de ser
praticado: o juiz que já adquiriu a convicção sobre uma questão pode dispensar um ato processual
a ela respeitante, sem que tenha de se preocupar com o que poderia ter resultado desse ato e com
a possível utilidade do ato omitido para um outro tribunal (nomeadamente, de recurso).

Modificações objetivas da instância

Cumulação objetiva

A cumulação de pedidos trata-se de uma das vertentes do princípio da economia


processual, ou seja, a ideia da afetação da economia de meios. Assim, em vez de as partes
colocarem 2 ações podem numa só tratarem de 2 ou mais pedidos.

Nos termos do art. 555.º CPC, surge a junção de vários objetos processuais, onde na
cumulação real estamos em presença de uma faculdade conferida ao autor, tendo que se
cumprir determinados requisitos, podendo reportar.se à mesma relação jurídica. Por exemplo, A
inclui na petição inicial dois pedidos, nomeadamente a declaração de propriedade de um bem e a
entrega do mesmo.
No entanto, também se pode reportar a diferentes relações jurídicas. Por exemplo, A
quer que B pague uma dívida, pedindo também a entrega do bem.

o Cumulação simples

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A cumulação simples de pedidos verifica-se quando o autor formula vários pedidos e


pretende a procedência e a satisfação de todos eles. O valor da causa é dado pela soma dos
valores dos pedidos cumulados, nos termos do art. 297º/2 1ª parte CPC. Excetua-se o caso de,
como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que
se vencerem durante a pendência da causa, porque nesta hipótese, atende-se somente aos
interesses já vencidos, nos termos do art. 297.º/2 2ª parte CPC.
A cumulação de pedidos não deve ser confundida com o concurso de regras de
pretensão: naquela cumulação há vários pedidos e várias causas de pedir, neste concurso há um
único pedido e várias causas de pedir.
Do ponto de vista económico, que é aquele que domina a matéria de fixação do valor da
causa, nos termos do art. 297.º/1 CPC, é necessário distinguir:
• Cumulação real de pedidos, onde o autor pretende obter utilidades económicas
diversas;
• Cumulação aparente, onde embora tenha de formular várias pretensões correspondentes
a vários estádios jurídicos da tutela do seu interesse, a utilidade económica imediata
derivada da procedência do pedido é uma só, nos termos do art. 30.º/2 e art. 296.º/1
CPC.

Por exemplo, pede-se a anulação de um contrato de compra e venda cujo preço foi de 40
000€, é este o valor da causa, de acordo com o art. 301.º/1 CPC; pedindo-se a anulação do contrato
de compra e venda cujo preço foi de 10 000€ e a restituição da coisa vendida cujo valor é de 15
000€, é de 10 000€ o valor da causa.
A cumulação aparente também se verifica sempre que se formule, como pedido
prejudicial, um pedido de mera apreciação e como pedido dependente, um pedido
correspondente ao efeito jurídico decorrente daquele pedido.
Por exemplo, se o autor pedir a declaração de que foi sujeito a coação moral pelo
demandado e solicitar na sequência dessa declaração a anulação da compra e venda, o valor da
causa é apenas o preço da coisa vendida, nos termos do art. 301.º/1 CPC.
A cumulação é, em regra, facultativa: o autor se quiser, pode deduzir os pedidos em ações
diferentes.

o Requisitos de admissibilidade

Exigem-se determinados requisitos para a admissibilidade da cumulação simples,


nomeadamente:
• Compatibilidade substantiva, nos termos do art. 555.º/1 1ª parte CPC, sem a qual a
petição inicial é inepta. Por exemplo, são substantivamente incompatíveis o pedido de
declaração da nulidade de um contrato e o pedido de cumprimento da respetiva pretensão
contratual;
• Compatibilidade processual, nos termos do art. 555.º/1 2ª parte CPC, que é relativa à
competência absoluta do tribunal e à adequação da forma de processo, nos termos do
art. 37.º/1 a 3 CPC.

A compatibilidade processual resulta, segundo a remissão do art. 555.º/1 CPC para o art.
37.º/1 a 3 CPC, de dois fatores que também eles se encontram a propósito dos pedidos subsidiários

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e dos pedidos reconvencionais. Esses fatores são a competência absoluta do tribunal, onde o
tribunal tem de ser absolutamente competente para todos os pedidos cumulados e, além
disso, a adequação da forma de processo, onde aos pedidos cumulados têm de corresponder
formas de processo compatíveis.

Por força da referida remissão, a cumulação não é admissível quando puder ofender
regras da competência absoluta ou aos pedidos corresponderem formas de processo
incompatíveis. Assim, os elementos ou condições da compatibilidade processual são:

• Ser o tribunal competente para todos os pedidos, quer internacionalmente, quer em


razão da matéria e da hierarquia, nos termos do art. 37.º/1 CPC, podendo não o ser em
razão do valor, da forma de processo ou do território;
• Corresponder a todos os pedidos a mesma forma de processo ou corresponderem aos
pedidos formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação
manifestamente incompatíveis, nos termos do art. (37.º/2 CPC. Neste último caso, a
cumulação apenas é autorizada pelo juiz se nela houver interesse relevante ou se a
apreciação conjunta das pretensões for indispensável para a justa composição do litígio.

A cumulação simples não exige nenhuma conexão entre os pedidos cumulados. No


entanto, justifica-se a aplicação do disposto no art. 34.º/4 e 5 a essa cumulação, onde, se toda a
coligação contém uma cumulação de pedidos, tudo o que vale para a coligação vale
igualmente, na parte comum, para a cumulação objetiva.

o Inadmissibilidade

A cumulação simples é inadmissível por incompatibilidade substantiva ou processual


entre pedidos:

• A incompatibilidade substantiva conduz à ineptidão da petição inicial, de acordo com


o art. 186.º/2 alínea c CPC, levando à nulidade de todo o processo, de acordo com o art.
186.º/1, art. 278º/1 alínea b e 577.º/alínea b CPC. Esta nulidade não se torna irrelevante
pela circunstância do tribunal ser absolutamente incompetente ou de a forma de processo
ser inadequada para algum ou alguns dos pedidos substancialmente incompatíveis, de
acordo com o art. 186.º/4 CPC.

Se houver despacho liminar, a incompatibilidade substantiva é sanável através do


convite ao autor para que transforme a cumulação simples numa cumulação subsidiária, ou
seja, para que indique um dos pedidos como principal e outro como subsidiário;

• A incompatibilidade processual conduz à incompetência absoluta do tribunal para


algum ou alguns dos pedidos cumulados, nos termos do art. 96.º, art. 278º/1 alínea a e
art.577.º alínea a CPC, ou à exceção dilatória inominada de erro na forma de processo
para algum ou alguns desses pedidos, de acordo com o art. 576.º/2 CPC.

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o Cumulação alternativa

Verifica-se a cumulação alternativa, ou um caso de pedidos alternativos quando, num


mesmo processo, se formule disjuntivamente duas ou mais pretensões, para vir a ser
satisfeita apenas uma delas. O valor da causa é o correspondente ao pedido de maior valor, nos
termos do art. 297.º/3 CPC.

✓ Alternatividade substantiva

Os pedidos alternativos são admissíveis com relação a direitos que por sua natureza ou
origem sejam alternativos ou que possam resolver-se em alternativa, de acordo com o art.
553.º/1 CPC. O primeiro pressuposto da cumulação alternativa é a alternatividade substantiva
entre os pedidos, como sucede nas obrigações alternativas, de acordo com o art. 543.º a art. 549.º
CC e nas obrigações com faculdade alternativa.
Assim, a cumulação alternativa é admissível quando houver entre os pedidos uma
conexão de alternatividade.
Os pedidos alternativos são aqueles que, apesar de ambos serem procedentes, só há que
satisfazer um deles. O demandado é condenado a satisfazer o pedido x ou o pedido y, o que,
pressupõe que ambos os pedidos são julgados procedentes, dado que sem a procedência de casa
um dos pedidos não se pode satisfazer um ou outro deles.
Por isso, os pedidos alternativos não são aqueles em que se dá ao tribunal a
possibilidade de escolha: não é admissível que o autor peça ao tribunal que lhe atribua uma
indemnização pela violação do seu interesse contratual positivo ou pela violação do seu interesse
contratual negativo. Também não é admissível invocar vários contratos e pedir ao tribunal que
aprecie de qual deles resulta a prestação a que o autor julga ter direito.

✓ Compatibilidade processual

Embora a lei não o diga, a cumulação alternativa também exige, por aplicação analógica
do art. 555.º/1 CPC, a compatibilidade processual quanto à competência absoluta do tribunal
e à adequação da forma de processo para todos os pedidos alternativos.
A regra é, no entanto, a de que, se os pedidos forem realmente alternativos sob o ponto de
vista substantivo, estes requisitos estando verificados quanto a um dos pedidos, estão igualmente
verificados quanto a todos os pedidos alternativos, dado que as regras processuais não podem
desfazer uma alternatividade substantiva.
Se for necessário, há que aceitar uma competência absoluta por conexão ou que construir,
através de poderes de gestão processual, nos termos do art. 6.º/1 CPC e de adequação formal, nos
termos do art. 547.º CPC, uma tramitação adequada a todos os pedidos alternativos.

o Inadmissibilidade da cumulação

A cumulação alternativa é admissível se entre os pedidos formulados pelo autor houver uma
conexão de alternatividade. À falta de conexão, pode aplicar-se o disposto no art. 38.º/1 CPC,
pelo que o autor deve ser notificado para indicar qual o pedido que pretende que seja
apreciado, sob cominação de, se não o fizer, o réu ser absolvido da instância, de acordo com

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o art. 577.º/alínea f e art. 278.º/1 alínea e CPC. Noutros termos, a falta de conexão alternativa
entre os pedidos constitui uma exceção dilatória que é sanável segundo o regime do art.
38.º/1 CPC.

o Cumulação subsidiária

A cumulação subsidiária é a situação em que o autor formula dois pedidos


reconhecendo que só um deles é substantivamente procedente e solicita ao tribunal que
atenda um deles apenas, porque só a um sabe que tem direito. Por exemplo, A lega a B num
testamento um prédio, mas fá-lo em termos tais que B não consegue chegar à conclusão segura
acerca da questão de saber se pelo testamento recebe a propriedade plena ou só o usufruto do
prédio; então B pede ao tribunal que declare qual o direito que lhe assiste formulando um pedido
principal e outro subsidiário (propriedade ou usufruto),
Ao tribunal não se propõem dúvidas a esclarecer, formulam-se pedidos a aceitar ou rejeitar.
Assim, no exemplo, B tem de arvoar um dos pedidos em principal, formulando o outro como
subsidiário, para ser atendido na hipótese de o tribunal entender que o principal não procede.
Antes do processo, o autor deve investigar quanto puder até estar apto a afirmar um
direito. Mas essa parte pode prever a eventualidade de o direito afirmado não ser reconhecido e
pode formular para essa eventualidade um pedido subsidiário (554º/1). Na cumulação subsidiária,
o valor da causa é sempre e só o do pedido principal (297º/3).
Por vezes, os poderes do juiz tornam dispensável a formulação de um pedido
subsidiário. Por exemplo, o autor escusa de pedir a condenação do réu em certa quantia ou
subsidiariamente em quantia inferior, dado que os poderes do juiz abrangem o de condenar em
quantia inferior à pedida, de acordo com o art. 609.º/1 CPC.

✓ Incompatibilidade substantiva

A oposição entre os pedidos não impede a cumulação subsidiária, mas obstam a esta
cumulação as circunstâncias que impedem a coligação de autores e réus, de acordo com o art.
554.º/2 CPC. A característica principal da cumulação subsidiária é a de que é possível formular
pedidos substancialmente incompatíveis.
O autor pretende obter um de dois efeitos que são materialmente incompatíveis; a
cumulação subsidiária evita que ele tenha de escolher, antes da propositura da ação qual deles
quer obter, essa parte pode procurar obter qualquer deles numa mesma ação, só tendo de
hierarquizar um deles como pedido principal e o outro como pedido subsidiário.
Assim, a subsidiariedade não exige a compatibilidade substantiva entre pedidos
(embora também não exija incompatibilidade substantiva), nem conexão objetiva entre os
pedidos. No entanto é concebível que o disposto no art. 37.º/4 CPC possa ser aplicado à
cumulação subsidiária.
Podem formular-se pedidos subsidiários de pedidos subsidiários. Assim, no exemplo de B,
podia pedir o reconhecimento judicial do domínio ou subsidiariamente do usufruto ou
subsidiariamente do mero uso e habitação.

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✓ Compatibilidade processual

A cumulação subsidiária exige, nos termos da remissão do art. 554.º/2 CPC, a


compatibilidade processual entre pedidos cumulados, nos termos do art. 37.º/1 a 3 CPC. A
falta desta compatibilidade processual determina a incompetência absoluta do tribunal para
algum ou alguns dos pedidos formulados, de acordo com o art. 96.º, art. 278.º/1 alínea a e art.
577.º/alínea a CPC, ou a exceção dilatória inominada de erro na forma de processo para
algum ou alguns desses pedidos, de acordo com o art. 576-º/2 CPC.

✓ Sujeição a condição

O pedido subsidiário é um pedido sujeito a uma condição, onde esse pedido só é


apreciado no caso de o pedido principal ser considerado improcedente. Uma improcedência
parcial do pedido principal não é suficiente para levar o tribunal a apreciar o pedido subsidiário,
nomeadamente quando o pedido principal e o pedido subsidiário forem contraditórios entre si.
Por exemplo, o autor pretende obter do réu o pagamento de rendas em atraso no montante
de 5 000€; para a hipótese de o tribunal entender que entre as partes não foi celebrado nenhum
contrato de arrendamento, o autor formula um pedido de indemnização pela ocupação do espaço
no valor de 4 000€; o tribunal entende que entre as partes vigora um contrato de arrendamento,
mas que o montante das rendas em atraso é apenas 3 600€; o tribunal não tem de apreciar o pedido
subsidiário.

Se o pedido principal for julgado procedente, o pedido subsidiário nunca chega a ser
apreciado pelo tribunal. Esta circunstância levanta alguns problemas quanto à pendência do
pedido subsidiário:
• A formulação do pedido subsidiário é suficiente para que o mesmo se considere pendente
e para que, se for o caso, a citação do réu produza a interrupção da prescrição do direito
do autor; o pedido subsidiário encontra-se pendente até à procedência do pedido
principal, pelo que a sua pendência está sujeita a uma condição resolutiva;
• A verificação desta condição extingue retroativamente a pendência deste pedido, pelo
que tudo se passa como se esse pedido nunca tivesse sido formulado em juízo; excetua-se
o efeito interruptivo da prescrição, ao qual há que aplicar o disposto no art. 327.º/1 CC,
onde o novo prazo começa a correr com o trânsito em julgado da decisão que puser termo
ao processo.

Coligação de partes

A cumulação objetiva, simples, alternativa ou subsidiária, pode conjugar-se com a


cumulação subjetiva, ou cumulação de partes. Desta conjugação pode resultar uma coligação ou
um litisconsórcio.
Há coligação quando forem formulados discriminadamente por ou contra várias
partes pedidos diferentes, nos termos do art. 36.º/1 CPC. Por exemplo, A pede w a B e x a C;
D pede y a E e a F e Z ao mesmo E.

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o Delimitação do litisconsórcio

Há litisconsórcio em sentido estrito quando por mais que uma parte ou contra mais que
uma parte seja formulado um só pedido ou um pedido e que a lei toma como único; quando por
mais que uma parte ou contra mais que uma parte sejam formulados vários pedidos, mas não
discriminadamente; finalmente quando por mais que uma parte ou contra mais que uma parte
sejam formulados, discriminadamente pedidos não diferentes, mas essencialmente idênticos no
seu conteúdo e fundamentos.
Por exemplo, há litisconsórcio se A e B forem devedores de C e D de uma pretensão
naturalmente indivisível e se C formular contra ambos um só pedido – pede a condenação a
entregar um automóvel; se a prestação for legal ou convencionalmente indivisível é tomada como
uma e também é sempre um caso de litisconsórcio.
Existe litisconsórcio quando se unem no mesmo processo nos termos do art. 553.º a art.
555.º CPC, dois pedidos formulados indiscriminadamente por ou contra duas pessoas.
Por exemplo, D tem a haver de E e F, em virtude de dois contratos de comodato, um
automóvel e uma mobília, pode pedir a condenação na entrega de uma e outra coisa nos termos
do art. 555.º/1 CPC; a situação é de litisconsórcio e cumulação simples de pedidos.
Por último, é litisconsórcio a situação em que, no âmbito de uma relação obrigacional com
pluralidade de partes, são formulados por ou contra várias partes vários pedidos. Por exemplo,
um credor de uma obrigação conjunta, G tem a haver de H, I e J conjuntamente 60.000€; sendo a
obrigação conjunta, cada um está obrigado a pagar 20 000€. Apesar disso, se G demandar todos
os devedores há litisconsórcio.

o Admissibilidade

Quanto ao litisconsórcio, não se levantam dúvidas quanto à conexão e à compatibilidade


dos pedidos: ou se trata de um só pedido ou a tomar-se como tal, ou a compatibilidade deve ser
assegurada nos termos do art. 555.º CC, ou os pedidos são essencialmente idênticos quanto ao
conteúdo e ao fundamento e, portanto, necessariamente conexos e compatíveis.
A diferença da coligação está justamente nisso, comos os pedidos são diferentes e
discriminados por partes diversas, a lei tem de zelar pela sua compatibilidade e conexão, a
fim de evitar que, num mesmo processo, se entrecruzem pedidos incompatíveis – o que seria
absurdo – ou totalmente estranhos entre si. Tornaria a administração da justiça desordenada e
caótica. É por isso que quanto à coligação, a lei procura assegurar-se de que os pedidos sejam
compatíveis e conexos, nos termos do art. 37.º e art. 36.º CPC.

✓ Compatibilidade processual

Quanto à compatibilidade processual, a coligação exige a competência absoluta do


tribunal, nos termos do art. 37.º/1 CPC, e a adequação da forma de processo para todos os
pedidos formulados, de acordo com o art. 37.º/2 e 3 CPC. Aplica-se o regime da cumulação
simples regulada no art. 555.º CPC que remete para o art. 37.º/1 a 3 CPC.

✓ Conexão objetiva

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A conexão objetiva resulta de se verificar em relação a todos os pedidos uma das seguintes
circunstâncias:
• Terem os pedidos a mesma e a única causa de pedir, de acordo com o art. 36.º/1 CPC.
Por exemplo, A pede contra B a anulação de certo contrato com ele celebrado com
fundamento em coação de C e pede contra C uma indemnização pela mesma coação;
• Estarem os pedidos entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, de
acordo com o art. 36.º/1 CPC.
Por exemplo, D pede contra E a declaração de nulidade da venda que fez de X e contra F
a restituição de X que E lhe havia entregado;
• Depender a procedência dos pedidos principais essencialmente da apreciação dos
mesmos factos, de acordo com o art. 36.º/2, CPC, ou seja, verificar-se entre os pedidos
uma homogeneidade factual.
Por exemplo, H, I e J contrataram com L o qual se procura escusar ao cumprimento das
suas obrigações alegando a sua incapacidade de facto, e H, I e J propõem contra L uma ação de
declaração de validade dos seus contratos;
• Depender a procedência dos pedidos essencialmente da interpretação e aplicação das
mesmas regras de direito, de acordo com o art. 36.º/2 CPC, isto é, ocorrer entre os
pedidos uma homogeneidade legal.
Por exemplo, tendo saído uma lei que proíbe o fabrico e venda de certos produtos, M
propõe contra N e O ações de declaração de nulidade do contrato de fornecimento de produtos
dessa proibição;
• Depender a procedência dos pedidos principais essencialmente da interpretação e
aplicação de cláusulas de contratos perfeitamente análogas, de acordo com o art. 36.º/2
CPC, ou seja, verificar-se entre os pedidos uma homogeneidade contratual.
Por exemplo, uma empresa de seguros vai discutir com os seus segurados P, Q e R, a
validade de uma cláusula contratual geral.
• Basear-se um dos pedidos, deduzido contra um dos réus, na invocação da obrigação
cartular e o outro formulado contra um outro réu, na respetiva obrigação subjacente,
de acordo com o art. 36.º/3 CPC.
Por exemplo, S pede a condenação de T, comprador no contrato de compra e venda, no
pagamento do preço e a condenação de U, subscritor de um cheque, no pagamento da quantia pela
qual é responsável.

Em certos casos, o carácter pessoal das ações impede a coligação de partes, como por
exemplo o que sucede quanto ao processo de acompanhamento de maior e quanto ao divórcio e
separação. Por exemplo, A marido de B e C mulher de D, cometido entre si adultério, não podem
os dois divórcios (o de B contra A e o de D contra C) cumular-se no mesmo processo, embora a
causa de pedir seja um único ato de adultério.
No entanto, o carácter pessoal da ação nem sempre é obstáculo à coligação. O art. 1872.º
CC estabelece que, na ação de investigação de paternidade, é permitida a coligação de
investigantes filhos da mesma mãe em relação ao mesmo pretenso progenitor, e o art. 1820.º CC
dispõe que, na ação de investigação de maternidade, é permitida a coligação de investigantes em
relação ao mesmo pretenso progenitor.

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✓ Poderes do juiz

Os fatores de conexão enumerados no art. 36.º CPC são difíceis de determinar porque
pode suceder que só depois da contestação se possa saber, por exemplo, se a procedência do
pedido deriva essencialmente da apreciação dos mesmos factos.
Por esta razão a lei concede alguns poderes específicos ao juiz, dos quais:
• O tribunal pode ordenar a separação de causas; se o tribunal oficiosamente ou a
requerimento de algum dos réus entender que é preferível que as causas sejam
instruídas, discutidas e julgadas em processos separados, notifica o autor para indicar
qual o pedido ou pedidos que continuarão a ser apreciados no processo, de acordo com o
art. 37.º/4 CPC;
• O tribunal pode ordenar a apensação de processos cujas partes se poderiam coligar;
se forem propostas separadamente ações que, por se verificarem os requisitos da coligação,
poderiam ser reunidas num único processo, pode ser ordenada a junção delas, a
requerimento de qualquer das partes com interesse atendível na junção, a não ser que o
estado do processo ou outra razão torne inconveniente a apensação, de acordo com o art.
267.º/1 CPC.

o Requisitos comuns

A coligação contém uma cumulação objetiva que pode ser simples, alternativa ou
subsidiária. Deste modo, a coligação é simples quando os autores pretendem obter a
satisfação de todos os pedidos que cada um deles formula contra o réu ou quando o autor
pretende obter a satisfação de todos os pedidos que são formulados contra cada um dos réus.
A coligação é alternativa quando o réu tem de satisfazer um pedido formulado por um
dos autores ou quando o autor pretende obter apenas a satisfação de um dos pedidos que
formula conta cada um dos réus.
Por sua vez, a coligação é subsidiária quando um dos autores formula um pedido
principal e um outro autor deduz um pedido subsidiário contra o mesmo réu ou quando o
autor formula contra um dos réus um pedido principal e contra um outro réu um pedido
subsidiário, de acordo com o art. 39.º CPC.
Os requisitos das várias cumulações objetivas são também requisitos da coligação. Por
isso, a compatibilidade e alternatividade substantiva são igualmente requisitos da coligação
simples e da coligação alternativa.

o Inadmissibilidade

A coligação deve ser inadmissível por incompatibilidade processual, por falta de


conexão ou se contiver uma cumulação simples por incompatibilidade substantiva. As
consequências destes vícios são:
• A incompatibilidade processual gera incompetência absoluta do tribunal para algum
ou alguns pedidos cumulados, de acordo com o art. 96.º, art. 278.º/1 alínea a e art. 577.º
alínea a, ou exceção dilatória inominada de erro na forma de processo para algum ou

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alguns desses pedidos, de acordo com o art. 576.º/2 CPC, sendo a consequência a
absolvição do réu da instância quanto aos pedidos em que o tribunal é incompetente;
• A falta de conexão objetiva constitui uma exceção dilatória nominada, de acordo com
o art. 577.º/f) CPC, que é sanável nos termos do art. 38º/1 CPC, onde o juiz deve
notificar o autor para indicar qual o pedido que pretende ver apreciado no processo. Se o
vício não for sanado, há absolvição do réu da instância quanto a todos os pedidos, de
acordo com o art. 278.º/1 alínea e CPC;
• A falta de compatibilidade substantiva entre os pedidos origina a ineptidão da
petição inicial, nos termos do art. 186.º/2 alínea c CPC, o que resulta na nulidade de todo
o processo, de acordo com o art. 186.º/1, art. 278.º/1 alínea b e art. 577.º/alínea b CPC.

Modificações do objeto

➔ Modificação livre

De acordo com o art. 260.º CPC, consagra-se o princípio da estabilidade da instância,


que proíbe, por via de regra, que, após a citação do réu, ocorram alterações ao pedido e à causa
de pedir, embora ressalve as possibilidades excecionais de modificação consignadas na lei.
Numa fase subsequente, poderá haver uma modificação quantitativa do pedido e da
causa de pedir, de acordo com o art. 264.º e art. 265.º CPC, onde poderá haver uma redução ou
uma ampliação do pedido e da causa de pedir.
Nas reformas posteriores, verifica-se que o Código de Processo Civil permite que, se o juiz
entender que há inconveniente grave para a procedência da ação, a alteração do pedido será
recusada, atendendo ao princípio da celeridade processual.
Na redução do pedido, temos uma desistência do pedido parcial. Por exemplo, o pedido
inicial é 100 000€, mas posteriormente já poderá ser 50 000€.
Nos articulados supervenientes, temos a petição inicial do lado do autor, a contestação do
lado do réu e a réplica do lado do autor.
Nos termos do art. 588.º CC, temos os articulados superviventes, onde, se uma das partes
invocar um facto novo superveniente, pode fazê-lo.
Anteriormente, não se permitia a alteração do pedido e da causa de pedir simultaneamente,
onde se coloca a questão de saber se a cumulação sucessiva de pedidos também se insere no art.
588.º CPC.
De acordo com o professor Miguel Teixeira de Sousa, distingue-se entre a cumulação
sucessiva por factos conhecidos e por factos desconhecidos. Para a cumulação sucessiva por
factos conhecidos, aplica-se o art 265.º, ao passo que para a cumulação sucessiva por factos
desconhecidos seria o art. 588.º CPC.
No entanto, de acordo com o professor Lebre de Freitas e a professora Mariana
Gouveia, a propósito do art. 588.º CPC, concorda-se com o professor, mas a alteração só se
poderá dar após a réplica, pois antes disso não deverá haver alterações por via de um articulado
superveniente.
Além das que têm lugar antes da citação, as possibilidades de uma modificação não
condicionada do objeto são, fundamentalmente, as seguintes:

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• É livre a alteração convencional do pedido ou da causa de pedir, por acordo das


partes, em 1ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar
inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito, de acordo com o art.
264.° CPC); o objeto do processo é de interesse das partes, mas a sua finalidade e forma
de o dirimir são de interesse público; se a alteração do objeto interferir neste interesse, a
alteração é inadmissível; se não, é admissível por vontade das partes;
• É livre a alteração de pedido e de causa de pedir por redução, em qualquer fase do
processo, resultante de desistência parcial, de acordo com o art. 265.º/2, art. 283°/1, e art.
286.º/2 CPC.

➔ Modificação condicionada
Para além dos casos de modificação livre, surge ainda uma possibilidade de alteração
condicionada ou limitada, diferente para o pedido e para a causa de pedir. As modificações
objetivas da instância quanto ao pedido podem dizer respeito a pedido único ou cumulativo:
• Quanto a um pedido que é e permanece único, a alteração pode traduzir-se numa
redução, numa ampliação ou numa transformação de outra natureza.
Por exemplo: (i) A pede a condenação de B em 10 000€; pode passar a pedir só 5 000€
(redução), ou 5 000€ (ampliação) ou um automóvel (transformação);
• Perante um pedido cumulativo, a alteração do pedido (no sentido de conjunto do que se
pede) pode decorrer de uma subtração; por exemplo: A pedia 6 000€ e um computador;
passa a pedir só 6 000€;
• Em face do pedido que passa a ser cumulativo, a alteração do pedido verifica-se por
cumulação sucessiva; por exemplo: A pedia só 3 000@: passa a pedir esse montante e
um automóvel.

✓ Redução do pedido

A modificação unilateral que se traduza em redução ou subtração de pedidos é sempre


admissível em qualquer fase do processo (mesmo na de recurso), nos termos do art. 265.º/2 e
art. 283.º/1 CPC. A redução pode ser quantitativa (pedia-se 5 000€, passa-se a pedir 4 000€) ou
qualitativa (pedia-se a declaração de domínio, passa a pedir-se a de usufruto).

✓ Ampliação do pedido

As possibilidades de modificação unilateral do pedido por ampliação, transformação ou


cumulação sucessiva são estas:
• Qualquer tipo de modificação do pedido é admissível, se lei especial o determinar;
por exemplo: o autor pede 12 000€ de indemnização por certo ato danoso, que
posteriormente é causa de novo prejuízo no valor de 3 000€; o pedido de indemnização
pode ser ampliado para 15 000€ (art. 569.º CC); no entanto, a modificação só pode ser
realizada até ao encerramento da discussão em 1ª instância, porque é até este momento
que podem vir a ser invocados factos supervenientes, de acordo com o art. 588º/3 alínea c
CPC;

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• Qualquer tipo de modificação do pedido é admissível até ao encerramento da


discussão em 1ª instância, se for o desenvolvimento ou a consequência do pedido
primitivo, de acordo com o art. 265.º/2 CPC; por exemplo: o autor instaurou uma ação,
pedindo a condenação do réu no cumprimento de uma prestação de facto infungível;
durante a pendência da causa pode pedir a condenação do réu numa sanção pecuniária
compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação.

O caso de ampliação do pedido como desenvolvimento ou consequência do pedido


primitivo exige um exame mais atento, pois comporta as seguintes hipóteses:

• São um desenvolvimento do pedido inicial as situações em que o pedido primitivo se altera


em termos quantitativos.

Por exemplo: (i) o autor pele inicialmente o reconhecimento da sua propriedade sobre uma
parcela de um terreno; pode pedir posteriormente o reconhecimento sobre todo o terreno; (ii) o
autor formula inicialmente um pedido de simples apreciação; pode formular posteriormente um
pedido de condenação; (iii) o autor pede inicialmente a declaração de que é proprietário de um
imóvel; pode transformar esse pedido num pedido de reivindicação, isto é, num pedido de
reconhecimento de que é proprietário do imóvel e de condenação do demandado na sua restituição
(art. 1311.º/1 CC);

• São uma consequência do pedido primitivo as situações em que o novo pedido é


qualitativamente distinto do pedido inicial.

Por exemplo: (i) pede-se inicialmente a condenação do réu a cumprir determinada


prestação; pode pedir-se posteriormente a condenação do mesmo réu numa indemnização pelo
incumprimento; (ii) o autor formula inicialmente um pedido de condenação in futurum; pode
passar a pedir a condenação imediata do réu; a formulação de um novo pedido como consequência
do pedido primitivo também pode conduzir a uma cumulação sucessiva; por exemplo: o autor
formula inicialmente o pedido de reivindicação de um prédio que foi ilegalmente ocupado; pode
pedir posteriormente os rendimentos produzidos pelo prédio durante a ocupação ilegal.
O que é necessário é que o pedido cumulado ou a ampliação sejam desenvolvimento ou
consequência do pedido primitivo e que, por conseguinte, tenham essencialmente origem comum,
ou seja, causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo
de factos.

✓ Transformação do pedido

Se é admissível a cumulação sucessiva e a redução, é possível a transformação, que pode


sempre entender-se como resultante de uma sucessão destes dois fenómenos. Por exemplo: (i) A
reivindica o objeto x, que está em poder de B; B, no decurso do processo, dolosamente destrói-o;
é possível a A transformar o seu pedido num de indemnização de perdas e danos (A começa por
cumular um pedido de indemnização e depois desiste do pedido de reivindicação); (ii) C pede
inicialmente a entrega dos animais tresmalhados; durante a pendência da ação, verifica-se a morte

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dos animais por ato culposo do demandado; o autor pode modificar o pedido, passando a solicitar
o pagamento de uma indemnização.

o Consequências processuais

Pode discutir-se se, apesar de qualquer falta de regime legal, a redução e a ampliação do
pedido têm influência no valor da causa. As soluções devem orientar-se pelos seguintes
parâmetros:
• A redução do pedido (que, no fundo, decorre de uma desistência parcial do pedido) não
implica qualquer alteração do valor da causa; essa redução não deve tornar
inadmissível o recurso que era admissível em função do pedido inicial, dado que isso
constituiria um desincentivo à desistência parcial do pedido e, mais grave ainda, retiraria
à outra parte a possibilidade de recorrer da decisão sobre o pedido reduzido;
• A ampliação do pedido tem de provocar uma ampliação do valor da causa, dado que,
de outra forma, poderia ficar impedida de recorrer da decisão sobre o novo pedido quer a
parte que tivesse ampliado o pedido, quer, o que seria ainda mais grave, a parte
demandada; se o pedido se amplia (por exemplo, de 15 000€ para 40 000€), e se a parte
demandada é absolvida ou condenada no novo montante (e 40 000€), têm de ser
admissíveis para as todos os recursos que eram admissíveis de uma absolvição ou de
uma condenação num pedido inicial de idêntico montante.

o Modificação da causa de pedir

A modificação da causa de pedir ocorre quando são alegados factos distintos aqueles
que integravam uma anterior causa de pedir, ou seja, quando sejam alegados factos que
preenchem uma previsão legal diferente daquela a que eram subsumíveis os fatos anteriormente
alegados. Não se verifica, por isso, nenhuma alteração da causa de pedir se houver apenas uma
correção da qualificação jurídica dos factos alegados pela parte, nos termos do art. 5.º/3 CPC):
esta correção não transforma um facto num outro facto, pelo que não transforma uma causa de
pedir numa outra causa petendi.
Embora por razões diferentes, também não ocorre nenhuma alteração da causa de pedir
quando sejam alegados factos complementares: estes factos complementares completam uma
causa de pedir, não constituem uma nova causa de pedir. Não constitui igualmente uma
alteração da causa de pedir a alegação de um facto complementar superveniente (num articulado
superveniente nos termos do art. 588.º/1 CPC).
Assim, por exemplo, é possível invocar novos danos decorrentes de um facto ilícito ou
novos factos que indiciam as deficiências na construção de um imóvel apresentadas como causa
de pedir, sem submeter essa invocação aos requisitos estabelecidos pelo art. 265.º/1 CPC.
A alteração condicionada da causa de pedir só é admitida com base em confissão do réu,
embora isso possa suceder em qualquer fase do processo. Por exemplo: (i) o autor pede, com
fundamento na celebração de um contrato de mútuo, a restituição da quantia mutuada; se o réu
confessar que recebeu efetivamente aquela quantia, embora como doação realizada pelo autor,
este pode modificar a causa de pedir, passando a invocar a anulabilidade, por erro na declaração,
daquela doação. (ii) o autor pode pedir uma indemnização com base em responsabilidade civil por
facto ilícito, o réu alega que os danos causados se ficaram a dever a uma atuação em estado de

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necessidade; o autor pode aceitar esta confissão e passar a pedir a indemnização com fundamento
nessa atuação (art. 339.º/2 CC).
Este regime legal também contém a solução para a alegação pelas partes de factos
equipolentes, isto é, de factos que, embora alegados por partes distintas, justificam uma mesma
decisão. Por exemplo: o autor alega que é proprietário da coisa reivindicada a título de sucessão
por morte; o réu reconhece que o autor adquiriu a propriedade por usucapião.
A única forma que o autor tem de se aproveitar do facto equipolente alegado pelo réu é
através da modificação, ainda que realizada de forma subsidiária, da causa de pedir que
inicialmente invocou (art. 265.º/1) CPC. Isto mostra que, sem essa modificação da causa de pedir,
o tribunal não pode fundamentar a sua decisão na confissão realizada pelo réu, também afasta que
o tribunal possa basear a sua decisão, em alternativa e sem necessidade de qualquer outra prova,
na causa de pedir invocada pelo autor ou na confissão realizada pelo réu.
Além da alteração, é admissível, nas mesmas circunstâncias, a ampliação da causa de
pedir (art. 265.º/1). Esta ampliação parece só poder ser qualitativa, dado que o acrescento de
um novo facto constitutivo a uma causa de pedir que está completa (se assim não fosse, verificar-
se-ia a ineptidão da petição inicial: artigo 186.º/2/alínea CPC só é pensável se for preenchido um
novo tipo legal.
Por exemplo, o autor propõe uma ação de reivindicação do usufruto; o réu confessa que o
contrato celebrado com o autor recaiu sobre a propriedade plena, embora acrescente que o mesmo
é inválido; o autor pode alterar a causa de pedir, passando a invocar a sua propriedade plena e a
pedir o seu reconhecimento como proprietário pleno.
Pode discutir-se se a modificação da causa de pedir pode ser realizada de forma subsidiária,
ou seja, apenas para a hipótese de a causa de pedir que o autor invocou inicialmente não ser
considerada procedente. Nada impede essa modificação condicional da causa de pedir: a confissão
qualificada realizada pelo réu que permite a modificação da causa de pedir contraria as alegações
do autor; nada obsta a que o autor queira insistir na sua versão dos factos e só pretenda a apreciação
da causa de pedir modificada a título subsidiário.

o Modificação conjunta

É permitido alterar, em simultâneo, o pedido e a causa de pedir, desde que tal não implique
convolação para relação jurídica diversa da controvertida, nos termos do art. 265.º/6 CPC.
A formulação não é feliz, porque com uma nova causa de pedir não é possível que a
relação jurídica permaneça a mesma, pelo que o que tal vez se pretenda dizer é que a alteração
simultânea do pedido e da causa de pedir é admissível quando o segundo pedido possa ser
considerado conexo com o primeiro.
Noutros termos, o art. 265.º/6 CPC utiliza o critério da conexão entre objetos (distintos)
para admitir a transformação de um deles no outro.
Se assim não fosse, seriam certamente muito raros os casos em que se preenchem
simultaneamente os requisitos do art. 265.º/1 CPC, quanto à modificação da causa de pedir, e
número 2, quanto à alteração do pedido. Outra pode ser a solução através da aplicação do critério
da conexão entre objetos.
Por exemplo, A pede a condenação de B a pagar-lhe uma indemnização com base em
factos subsumíveis à responsabilidade contratual; pode passar a pedir a condenação de B numa

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quantia superior, baseando o seu pedido em factos subsumíveis à responsabilidade


extracontratual.

Pedido reconvencional

Além do pedido de absolvição do pedido, que é um pedido moldado sobre o do autor e


dependente dele no seu conteúdo, o réu pode formular contra o autor um ou mais pedidos
autónomos. Ao pedido autónomo do réu contra o autor chama-se pedido reconvencional ou
reconvenção, nos termos do art. 266.º/1 CPC.
A reconvenção é também uma modificação do pedido, que é um pedido autónomo
formulado pelo réu contra o autor. O réu pode defender-se por impugnação, exceção e
reconvenção. No entanto, o pedido reconvencional é meramente facultativo
Atendendo ao princípio da economia processual, o réu pode aproveitar a mesma ação para
propor um pedido contra o autor, onde o pedido tem de ser autónomo relativamente ao pedido
inicial.
Prima facie, podemos prefigurar um pedido reconvencional nas ações de apreciação,
de condenação e constitutivas.
A reconvenção é, pois, um pedido no sentido mais restrito da palavra, dado que ele
conjuga o elemento material com o elemento processual. Por exemplo, quando o réu invoca a
incompetência relativa e solicita a remessa para outro tribunal não está a reconvir porque não
invoca nenhum elemento material.
Além disso, é um pedido autónomo, no sentido de diferente do pedido normal da
absolvição do pedido e, portanto, não necessariamente dependente da improcedência da ação.
Por exemplo, A pede a condenação de B no preço da compra de X; B alega a anulabilidade do
contrato por dolo; embora B introduz um fundamento novo de solução, o seu pedido é o pedido
normal: portanto B não está a reconvir, mas antes a deduzir uma exceção perentória. Se B além
de ser absolvido por procedência da exceção de dolo quiser uma indemnização tem de a pedir por
reconvenção.
Finalmente, é um pedido autónomo formulado (normalmente) contra o autor, o que
implica que o réu (reconvinte) é o autor do pedido reconvencional e que o autor (reconvindo) é o
réu deste pedido.
A reconvenção é, em geral, facultativa, onde o réu pode querendo deduzir os seus direitos
em ação autónoma. Em certas circunstâncias a reconvenção constitui, todavia, um ónus do réu,
porque a sua não dedução na ação pendente preclude a possibilidade da alegação do direito em
ação autónoma. É o que sucede, por exemplo, no caso previsto no art. 1792.º/2 2ª parte CC: numa
ação de divórcio com fundamento na alteração das faculdades mentais do cônjuge demandado,
este se quiser ser indemnizado pelos danos não patrimoniais decorrentes da dissolução do
casamento tem o ónus de formular o correspondente pedido nessa mesma ação.
Um outro caso é o das benfeitorias, em que a reconvenção constitui um ónus do réu, de
acordo com o art. 830.º/3 CC, ou seja, numa ação executiva de entrega de uma coisa com base
numa sentença condenatória, não é admitida a oposição com fundamento em benfeitorias, mas o
demandado tem o ónus de deduzir aquele pedido de ressarcimento na ação em que é pedida a
entrega da coisa.
A reconvenção também constitui um ónus do réu quando esta parte pretende obter o
cancelamento de um registo, dado que a reconvenção é o único meio apropriado para obter esse

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cancelamento. Por exemplo, o autor instaura uma ação de reivindicação, alegando que obteve a
propriedade de uma coisa através de um contrato que celebrou com um terceiro. O réu exceciona
a nulidade desse contrato alegando que sempre foi proprietário do bem e que se tratou da venda
de um bem alheio. Este demandado só pode obter o cancelamento do registo a favor do autor se
deduzir o respetivo pedido reconvencional.

o Valor da causa

O pedido reconvencional é um pedido autónomo do réu contra o autor, por isso, este
pedido tem um valor próprio nos termos do art. 296.º/1 CPC. O valor do pedido
reconvencional soma-se ao valor do pedido do autor, de acordo com o art. 299.º/2 CPC.
Tal não sucede, contudo, quando o pedido reconvencional não for distinto do pedido do
autor, isto é, quando o réu quiser obter quer o mesmo efeito jurídico que o autor pretende alcançar,
quer a mera compensação de créditos, remetendo para o art. 530.º/3 CPC.
Do disposto no art. 530.º/3 CPC decorre que o valor do pedido reconvencional não se
soma ao valor do pedido do autor quando o demandando pretenda obter a mera
compensação de créditos, isto é, quando o valor do seu contra crédito for igual ou menor que o
valor do crédito alegado pelo autor.
Portanto, quando o contra crédito do réu seja superior ao crédito do autor, para
determinação do valor da causa, só há que contabilizar o excesso do contra crédito sobre o
crédito, pois que, em relação ao montante comum, o demandado pretende apenas obter a
compensação.
Por exemplo, o autor pede a condenação do réu no pagamento de 10 000€; o demandado
invoca um contra crédito de 20 000€. O valor da causa é de 25 000€ isto é, 10 00€ (crédito do
autor) + 15 000€ (excesso do contra crédito do demandado).

o Admissibilidade da reconvenção

A reconvenção vem regulada no art. 266.º CPC, mas importa considerar o art. 93.º, art.
286.º/2 e art. 583.º CPC, art. 8.º/3 do Regulamento 1215/2012 e o art. 4.º do Regulamento
2201/2003.
Apesar desta iniciativa partir da vontade do réu, exigem-se determinados requisitos
taxativos para a sua admissibilidade, nomeadamente os requisitos substantivos, de acordo com
o art. 266.º/2 CPC, e os requisitos de índole processual, de acordo com o art. 266.º/3 CPC.

No entanto, para além dos pressupostos processuais específicos, em relação ao pedido


reconvencional devem verificar-se também os pressupostos processuais gerais, como a
legitimidade das partes ou o patrocínio judiciário obrigatório, nos mesmo termos que em relação
a qualquer pedido de um autor.

✓ Compatibilidade procedimental

A reconvenção requer a sua inseribilidade na marcha do processo, onde, para ser


admissível, a reconvenção exige que a forma de processo que está a ser seguida a possa admitir.

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No entanto, se o processo não comportar oposição do autor à contestação do réu, a resposta


do autor à reconvenção do réu pode ser apresentada no início da audiência final, de acordo com o
art. 3.º/4 CPC, ou mesmo na hipótese de o juiz ter procedido à adequação formal da tramitação
em causa em articulado próprio, de acordo com o art. 547.º CPC.
A modalidade da ação na qual é deduzida a reconvenção é indiferente. Não obsta, por
exemplo, a que o réu deduza um pedido condenatório na ação de mera apreciação instaurada pelo
autor.

✓ Não exclusão legal

Na não exclusão por lei expressa, a reconvenção não é admissível quando a lei a proíba,
onde há que tomar em conta o disposto no art. 584.º/1 CPC.

✓ Conexão objetiva

Os requisitos de conexão do pedido reconvencional com o pedido do autor vêm


enumerados no art. 266.º/2 CPC. A reconvenção pode ser vista como uma defesa-ataque,
contraposta pelo menos no plano económico, ao pedido do autor e, portanto, relacionada com ele,
sendo este o sistema atual vigente no art. 266.º/2 CPC.
A enumeração deste artigo tem carácter taxativo e excecional, dado que os casos
abrangidos constituem uma exceção à regra da estabilidade da instância, de acordo com o art.
260.º CPC.

o Identidade de fundamentos

A reconvenção é admissível quando emergir do facto jurídico que serve de


fundamento à ação ou à defesa, de acordo com o art. 266.º/2 alínea a CPC. Assim, em concreto,
pode emergir da causa de pedir ou do fundamento da defesa.
Quanto à ação, por exemplo, num contrato de compra e venda, A vendeu B no valor de
50 000€. A propõe ação contra B pedindo que lhe entregue a coisa. B responde na contestação,
fazendo uma reconvenção a pedir que lhe faça o pagamento. Quando à defesa, por exemplo, C
pede a D no valor de 200 000€. D na reconvenção vem dizer que o contrato é anulado, pedindo
uma indemnização.
A fundamentação da reconvenção na exceção perentória permite traçar a seguinte
distinção: quando o réu invoca uma exceção perentória, essa parte só pretende a produção de
um efeito impeditivo, modificativo ou extintivo e, para que com base na exceção, se produza
um efeito constitutivo, é necessário que o réu deduza um pedido reconvencional.
o Direito a benfeitorias
A reconvenção é admissível quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a
benfeitorias ou a despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida, de acordo com o art.
266.º/2 alínea b CPC. Por exemplo, A pede a B um direito de reivindicação. B, enquanto detentor,
pede o pagamento das benfeitorias.

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o Identidade de efeitos

A reconvenção é admissível quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu


benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter, de acordo com o art. 266.º/2
alínea d CPC.
Por exemplo, A demanda B pedindo que o tribunal declare ser proprietário de x; se perder
B pode pedir que o tribunal declare que o proprietário de x é ele B formulando um pedido
reconvencional nesse sentido.
Este exemplo mostra que o reconvinte pretende conseguir para si o mesmo efeito jurídico
que o autor também queria obter. O efeito jurídico é o mesmo, mas não é a mesma decisão do
tribunal. Se o pedido reconvencional for julgado procedente o tribunal decreta o efeito jurídico a
favor do réu reconvinte.

❖ Compensação judiciária

A reconvenção é admissível quando o réu se proponha obter o reconhecimento de um


crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valo em que o
crédito invocado excede o do autor, nos termos do art. 266.º/2 alínea c CPC, isto é, quando o
réu pretenda extinguir o crédito do autor por compensação com um contra crédito próprio, nos
termos do art. 847º/1 CC e, eventualmente, obter a condenação do autor no excesso daquele
contra crédito.
Ao contrário de qualquer outro facto extintivo da obrigação, que se faz valer por via de
exceção perentória, a compensação faz-se valer por via de reconvenção. O art. 266.º/2 alínea c
CPC considera a invocação da compensação não um mero fundamento de oposição ao pedido do
autor, mas um fundamento para um pedido autónomo do réu contra o autor.
Quando o crédito for inferior, igual ou superior, existem três teses, nomeadamente a tese
da compensação-exceção, tese da compensação-reconvenção e a tese mista.
De acordo com o professor Barbosa de Magalhães e o professor Lebre de Freitas,
defende-se a compensação-exceção, quando o autor e o réu sejam simultaneamente credores e
devedores, nos termos. do art. 847.º CC. O Direito Civil anda sempre à frente do Direito
Processual Civil, pelo que a compensação é uma figura de extinção das obrigações, onde as
questões da compensação só podem ser apresentadas por exceções, que causas extintas de
uma pretensão.
Deve-se entender que o que está em causa na compensação é o crédito superior.
De acordo com o professor Antunes Varela, defende-se a tese mista, onde, contra crédito
superior temos uma reconvenção, ao passo que se for igual ou inferior, já teremos uma exceção.

De acordo com o professor Miguel Teixeira de Sousa, o preceito consagra a tese da


compensação-reconvenção, no que, aliás, é acompanhado por outros preceitos legais:

• O art. 530.º/3 CPC, determina que, para efeitos de pagamento de taxa de justiça (e
também de aferição do valor da causa, por força do disposto no art. 299.º2 CPC, não se
considera distinto o pedido reconvencional quando a parte pretenda obter a mera
compensação de créditos; o sentido do preceito é o de que não se atribui ao pedido

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reconvencional um valor próprio quando ele seja utilizado para provocar a compensação
até ao montante comum dos créditos recíprocos;
• O art. 126.º/1 alínea o da LOSJ atribui competência aos juízos do trabalho para as
questões reconvencionais, incluindo expressamente nestas a compensação;
• O art. 48º/1 da LJP exceciona da regra da inadmissibilidade da reconvenção nos julgados
de paz a dedução da compensação.

A reconvenção representa a invocação de um direito de crédito, naturalmente


diferente daquele que é invocado pelo autor; por esta razão, esse direito pode ser objeto de um
pedido. É claro que um direito oposto ao do autor pode ser invocado por via de exceção: é o caso
do direito de anular a causa de pedir em que o autor funda o seu pedido.
Mas o réu pode transformar esta exceção num verdadeiro pedido, requerendo que tal
direito seja apreciado por decisão com força de caso julgado material nos termos do art. 91.º/2
CPC. A lei não toma esta solicitação de apreciação com força de caso julgado como um pedido
autónomo para efeitos de aumento do valor da causa, mas o requerimento a que se refere o art.
91.º/2 CPC, transforma a exceção numa figura substancialmente reconvencional, a chamada
reconvenção para apreciação incidental.
Partindo desta base, há uma razão para a compensação ser tratada como um pedido
reconvencional e, portanto, como objeto do caso julgado. O caso julgado apenas cobre a
decisão que diz respeito ao pedido, não aos seus fundamentos: é por isso que o art. 91.º/2 CPC,
estabelece que só através do pedido da parte certos fundamentos podem ser julgados com a força
de caso julgado material.
Se A pede contra B à condenação deste em 100 000€ e B opõe a compensação por via de
exceção, mesmo que B vença só fica que B não é devedor de A; a subsistência ou insubsistência
da compensação é matéria de simples fundamento, que não é objeto de caso julgado; sendo assim,
B pode, em rigor, demandar A pelo crédito com que operou a compensação.
Do mesmo modo, se B ficar vencido quanto à exceção de compensação, por o tribunal
entender que o direito compensante (de B sobre A) não existe, B pode, apesar de tudo, fazer valer
esse direito em ação nova. Realmente, não tem sentido a invocação da compensação ope
exceptionis sem que a decisão sobre o contra crédito tenha força de caso julgado material de molde
a impedir o pedido de satisfação do mesmo contra crédito numa ação posterior.
Se o autor tiver invocado contra o réu a compensação, a reconvenção também é utilizável
para o réu obter a condenação do autor no pagamento do crédito que este tinha extinguido
por compensação com um crédito do réu sobre ele.
Suponha-se, por exemplo, que A propõe uma ação contra B, pedindo a condenação desta
parte no excesso do seu crédito (10 000€) sobre o crédito do réu (6 000€), ou seja, pedindo o
montante que não ficou coberto pela compensação (€ 4.000) que ele próprio declarou, neste caso,
se B quiser impugnar em juízo a compensação realizada pelo autor e obter a condenação desta
parte no montante do seu crédito (6 000€), deve utilizar, para formular este pedido, a reconvenção.

o Condenação sob reserva

Pode suceder que, no momento do despacho saneador, o tribunal esteja em condições de


considerar procedente o pedido relativo ao crédito alegado pelo autor, mas ainda nada possa
decidir quanto ao contra crédito invocado pelo réu reconvinte.

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Nesta hipótese, pode questionar-se se o tribunal pode proferir uma decisão sob
reserva, considerando procedente o pedido do autor, mas salvaguardando a sua possível futura
extinção por compensação com o contra crédito alegado pelo demandado. Com a referida
condenação, sob reserva obstar-se-ia à dedução da reconvenção como mera manobra dilatória do
réu.
No entanto, a sujeição do reconhecimento do crédito do autor a uma condição
resolutiva impõe que a eventual execução da condenação sobre reserva tenha de ser uma
execução provisória. A circunstância de tal não ser possível no direito português, que só admite
a execução provisória baseada numa decisão recorrida, de acordo com o art. 704.º/1 CPC), leva a
concluir que aquela condenação sob reserva não é admissível.
Portanto, o tribunal tem de aguardar a decisão relativa ao contra crédito para decidir,
nesse momento, a eventual compensação e para, no caso de a considerar improcedente, julgar
procedente o pedido do autor.

o Compensação extra processual

Diferente da compensação judiciária, isto é, da compensação que é realizada em processo,


é a invocação em juízo de uma compensação efetivada, antes da propositura da ação ou
durante a pendência desta, através da declaração de qualquer dos credores ao outro, de
acordo com o art. 848.º/1 CC.
Nesta hipótese, o crédito do autor extingue-se por força da compensação declarada
por qualquer dos credores, pelo que o réu só tem de invocar esse facto extintivo e a
correspondente exceção perentória. A exceção de compensação também pode ser utilizada pelo
autor esta parte pode alegar que o crédito alegado pelo réu na reconvenção se encontra extinto por
uma compensação anteriormente declarada por aquela parte.
A não invocação da exceção de compensação produz um efeito preclusivo, nos termos
do art. 573.º/1 CPC, o que significa que a extinção do crédito do autor por compensação com
um contra crédito do réu não mais pode ser invocada em juízo, nem mesmo, por exemplo, na
execução movida contra o réu para satisfação do crédito do autor.
Contudo, no plano substantivo, o crédito do autor e o crédito do réu mantêm-se extintos,
na sequência da compensação extra processual entretanto operada. Quer dizer, o réu que não
invoca na ação a compensação extra processual não só fica vinculado a cumprir o crédito do autor,
como perde, na medida da reciprocidade dos créditos, o seu contra crédito sobre o autor.
É certo que esta situação origina uma desarmonia entre o plano processual e o plano
substantivo, mas não é diferente daquela que se verifica, por exemplo, quando o réu não tenha
excecionado o pagamento da dívida: esse réu pode ser executado pela dívida reconhecida na ação
em que não invocou a exceção de pagamento, tendo de satisfazer, de novo, um crédito que já
satisfez.
O réu que não excecionou a compensação extra processual não tem de satisfazer duas vezes
o mesmo crédito, mas sofre uma consequência semelhante (até em termos quantitativos): tem de
satisfazer crédito do autor e perde, dentro dos limites da reciprocidade dos créditos, o seu
contra crédito sobre essa parte.

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✓ Compatibilidade processual

O pedido reconvencional, para ser admissível, tem de apresentar uma certa relação com
o pedido do autor, relação essa idêntica àquela que a lei exige em três outros casos de pluralidade
de pedidos no processo – a coligação, de acordo com o art. 37.º/1 a 3 CPC, a cumulação simples,
de acordo com o art. 555.º/1 CPC e a cumulação subsidiária, de acordo com o art. 554.º/2 CPC.

✓ Competência absoluta

A reconvenção exige a competência absoluta para o pedido reconvencional do tribunal


em que corre o pedido, nos termos do art. 93.º/1 CPC. Assim, por exemplo, o tribunal da ação
não é competente para apreciar uma reconvenção na qual o réu reconvinte alega um crédito em
relação ao qual as partes celebraram uma convenção de arbitragem, de acordo com o art.
96.º/alínea b CPC.
Observados os respetivos campos de aplicação, a competência internacional para o
pedido reconvencional deve ser apreciada segundo o disposto quer no art. 8.º/3 do
Regulamento 1215/2012, bem como nas disposições especiais do art. 14.º/2, art. 18.º/3 e art.
22.º/2 e 22º/2, quer o art. 4.º do Regulamento 2201/2013. Todos os preceitos estabelecem uma
extensão da competência do tribunal da ação para o pedido reconvencional.
Sobre o disposto no art. 8.º/3 do Regulamento 1215/2012, importa referir que o preceito
só estende a competência do tribunal da ação quando pedido reconvencional deriva do
contrato ou do facto que se fundamenta a ação principal.
Isso significa que dentro da aplicação do regulamento apenas quando a reconvenção se
basear num desses fundamentos se verifica a extensão da competência do tribunal da ação para
apreciar a reconvenção.
Quando não se basear em nenhum desses fundamentos, o tribunal da ação só é competente
para apreciar a reconvenção se o for por força do critério geral do art. 4.º/1 do Regulamento
1215/202 ou critérios especiais do art. 7.º a art. 26.º.
O art. 8.º/3 visa apenas os pedidos apresentados pelo demandado sobre os quais venha
a ser proferida uma condenação distinta, não regulando, portanto, a situação em que um
demandado invoca como simples fundamento de defesa um crédito, de que se afirma titular contra
um demandante.
A reconvenção não exige a competência em razão do valor. No entanto, se através da
soma do valor do pedido do autor com o valor do pedido do réu, de acordo com o art. 299.º/2
CPC, o juízo local cível deixar de ser competente, o processo é remetido para o juízo central cível,
de acordo com o art. 93.º/2 CPC e art. 117.º/3 LOSJ.

✓ Adequação formal

A reconvenção exige a adequação da forma do processo, onde a forma de processo


apropriada para o pedido do autor tem de ser adequada para o pedido reconvencional do réu, nos
termos do art. 266.º/3 CPC; ainda que não o seja, o juiz pode autorizar a dedução do pedido
reconvencional se houver interesse relevante ou se tal for indispensável para a justa composição
do litígio.

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o Inadmissibilidade da reconvenção

A reconvenção pode ser inadmissível com fundamento em:


• Incompatibilidade procedimental, violação da exclusão legal e falta de conexão
objetiva, que são exceções dilatórias inominadas, nos termos do art. 576.º/2 CPC); se a
reconvenção não tiver sido indeferida, estas exceções conduzem à absolvição do réu da
instância reconvencional.
Se o vício respeitar à falta de conexão objetiva entre o pedido do autor e o pedido
reconvencional, não está excluído que o tribunal possa ordenar a separação da reconvenção
inadmissível, dado que se é possível apensar uma reconvenção admissível, também é possível
ordenar a separação de uma reconvenção inadmissível;
• Incompatibilidade processual, que conduz à incompetência absoluta do tribunal para o
pedido reconvencional, nos termos do art. 96.º, art. 278.º/1 alínea a e art. 577.º/alínea a,
ou à exceção dilatória inominada de erro na forma de processo para esse mesmo pedido,
de acordo com o art. 576.º/2 CPC. Estas exceções conduzem à absolvição do autor da
instância reconvencional, nos termos do art. 93.º/1 2ª parte CPC.
A inadmissibilidade da reconvenção na qual é deduzida a compensação, – porque por
exemplo, o tribunal da ação é materialmente incompetente para apreciar a reconvenção ou porque
as partes celebraram uma convenção arbitral em relação ao contra crédito alegado pelo autor
reconvinte, obsta a que ela possa valer como a declaração a que se refere o art. 848.º/1 CC.
Uma razão simples impede que uma reconvenção inadmissível se possa transformar numa
declaração compensatória.
A declaração de compensação implica a extinção recíproca de ambos os créditos, o que
se mostra incompatível com as decisões impostas ao tribunal no caso de inadmissibilidade da
reconvenção: a recusa, pela falta de um pressuposto processual, da apreciação do pedido
respeitante ao contra crédito alegado pelo reconvinte e a apreciação em termos de procedência ou
de improcedência, do pedido relativo ao crédito do autor.
Esta circunstância basta para que se deva entender que a dedução de uma compensação
processualmente inadmissível não pode produzir nenhum efeito extintivo de créditos recíprocos,
dado que esse efeito é incompatível quer com a apreciação do pedido reconvencional relativo ao
contra crédito, quer com a eventual decisão de improcedência proferida em relação ao pedido do
autor.
Em termos práticos, isso significa que se a reconvenção for considerada inadmissível, o
autor da ação não pode invocar que o contra crédito do reconvinte se extinguiu através de
uma declaração compensatória que operou através da dedução da reconvenção.

o Modalidades de reconvenção

✓ Plano objetivo
As relações entre o pedido reconvencional e o pedido normal do réu (que é o de absolvição
do pedido formulado pelo autor) podem ser de compatibilidade ou de incompatibilidade.
No primeiro caso, há a considerar ainda duas hipóteses distintas:
• Há casos em que o pedido reconvencional pode cumular-se ou deixar de se cumular
com o pedido normal do réu, ou seja, em que o pedido reconvencional é compatível com
este último, mas dele independente.

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Por exemplo, pode pedir-se, em reconvenção, a condenação do autor a efetuar a sua


prestação decorrente de um contrato sinalagmático, independentemente de o réu negar ou
reconhecer a sua obrigação;
o Há casos em que à compatibilidade acresce uma necessária cumulação com o
pedido normal de defesa do réu.
Por exemplo, só se afirmar que o autor não é proprietário, pode o réu, em reconvenção, pedir
que a propriedade seja declarada a seu favor.
O pedido reconvencional também pode ser incompatível com o pedido normal de
defesa do réu (pedido de absolvição do pedido); então, o pedido normal de defesa é o pedido
principal e o pedido reconvencional só pode ser deduzido subsidiariamente.
Assim, é absurdo o réu negar que deve a quantia pedida pelo autor e,
simultaneamente, pretender a compensação judiciária, mas já é perfeitamente admissível
negar a dívida, pedindo a compensação judiciária para a hipótese de vir a ser condenado: é a
chamada compensação eventual. A admissibilidade desta compensação não obsta o disposto no
art. 848.º/2 CC, dado que o réu reconvinte não realiza nenhuma declaração de compensação sob
condição.
A incompatibilidade do pedido reconvencional com o pedido normal de defesa do réu
ocorre ainda quando se verifica a dependência do mesmo pedido reconvencional, face ao pedido
do autor: se o autor tiver direito a entrega da coisa por exemplo, terá o réu direito a benfeitorias.
Aplica-se então o regime definido no art. 266.º/6 e art. 286.º/2 CPC, onde a improcedência do
pedido do autor, a absolvição do réu da instância e a desistência do pedido por parte do
autor prejudicam a apreciação da reconvenção, porque esta é dependente do pedido formulado
pelo autor e não pode subsistir sem este.

✓ Plano subjetivo

A reconvenção pode ser acompanhada da intervenção de um terceiro que se torna


parte ao lado do réu (reconvinte) ou do autor (reconvindo): é a chamada reconvenção
interveniente, nos termos do art. 266.º/4 CPC, que é uma das modalidades da participação de
terceiros numa ação pendente. As hipóteses possíveis distribuem-se pela dedução da reconvenção
contra terceiros e por terceiros. Em concreto:
• A reconvenção é deduzida contra o autor da ação e um terceiro (reconvenção
interveniente passiva litisconsorcial);
Por exemplo: (i) o autor propõe uma ação pedindo a condenação do réu no pagamento de
uma certa quantia; o réu deduz a compensação, mas, como o crédito só pode ser exigido a ambos
os devedores, promove a intervenção do outro devedor (art. 316.º/1 CPC);
• A reconvenção é deduzida apenas contra um terceiro (reconvenção interveniente
passiva simples).
Por exemplo, a seguradora, demandada pelo pagamento de uma indemnização relativa a
um acidente de viação, imputa ao autor a culpa no acidente e pretende obter a respetiva
indemnização; se o pedido indemnizatório se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do
seguro obrigatório, esse pedido tem de ser formulado contra a empresa de seguros do autor (art.
64.º/1 alínea a e 6, DL 291/2007, de 21/8), pelo que a reconvinte tem de promover a intervenção
desta empresa (art. 316.º/1 CPC) e deduzir apenas contra ela o pedido de indemnização;

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• A reconvenção é deduzida pelo réu e por um terceiro (reconvenção interveniente ativa


litisconsorcial).
Por exemplo, o autor propõe uma ação de reivindicação de um prédio o réu, que se
considera comproprietário com um terceiro desse mesmo prédio, promove a intervenção desse
terceiro e ambos deduzem o pedido reconvencional de reconhecimento da sua propriedade.
Exceto nos casos de litisconsórcio necessário ente a parte inicial e o terceiro interveniente,
o tribunal pode não aceitar a intervenção deste terceiro na instância reconvencional se
entender que essa intervenção é gravemente inconveniente para a instrução, a discussão e o
julgamento da ação, nos termos do art. 266.º/5 CPC.

Negócios processuais

Segundo o disposto no art. 277.º/d) CPC, a instância extingue-se por desistência, confissão
ou transação. Trata-se de negócios de composição da ação.

➔ Desistência

Chama-se desistência ao abandono da pretensão processual deduzida em juízo. A figura


abrange duas espécies, nomeadamente a desistência do pedido, pela qual o autor renuncia ao
direito que invoca em juízo, de acordo com o art. 285.º/1 CPC. A desistência do pedido que não
se refira a direitos indisponíveis e, sempre, no todo em parte, livre ao autor.
Além disto, a desistência do pedido não prejudica a reconvenção, a não ser que esta seja
dependente do pedido formulado pelo autor. Por exemplo, o autor pede o pagamento do preço da
coisa; o comprador demandado pede, em reconvenção, a entrada da coisa; o autor desiste do
pedido; o pedido reconvencional formulado pelo réu não se mantém.
A outra espécie é a desistência da instância, pela qual se põe termo ao processo, deixando
intocada a situação jurídica substantiva, de acordo com o art. 285.º/2 CPC.
A desistência da instância depende da aceitação do réu, desde que seja requerida depois
do oferecimento da contestação, de acordo com o art. 286.º/1 CPC. À subsistência da reconvenção
aplica-se, por analogia, o disposto no art. 286.º/2 CPC, onde a desistência da instância não
prejudica a reconvenção que não seja dependente do pedido formulado pelo autor.

➔ Confissão

A figura da confissão abrange duas sub espécies:

o A confissão de factos, de acordo com o art. 352.º CC, como o reconhecimento que a parte faz da
realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária;
o A confissão do pedido, que se trata do reconhecimento, pelo réu, do bem fundado do pedido do
autor, nos termos do art. 283.º/1 CPC; só a confissão do pedido é causa de extinção da instância,
nos termos do art. 284.º CPC.

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➔ Transação

O art. 1248.º/1 CC define a transação como o contrato pelo qual as partes previvem
ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, isto é, mediante a obtenção de um
minus em relação ao que pretendiam obter. A transação pode ser extrajudicial (ou pré judicial),
se as partes previnem um litígio, ou judicial, se as partes terminam em ação pendente.
A transação judicial possui, como qualquer contrato processual, requisitos materiais e
processuais, tendo, por isso, o contrato uma natureza dupla ou mista. Característica essencial da
transação é ser bilateral e onerosa, e não unilateral, como a desistência e a confissão. A transação
pode até englobar desistência e confissão, como por exemplo a desistência ou confissão contra
dinheiro.
As partes da transação são, pelo menos, algumas das partes do litígio ou um ou vários
autores e um ou vários réus. Da transação podem também participar partes acessórias ou terceiros.

❖ Natureza jurídica

A confissão, a desistência e a transação são negócios processuais com uma dupla


natureza, dado que produzem simultaneamente efeitos substantivos e processuais. A transação é
um negócio substantivo que se torna um negócio processual quando é requerida, com base nela,
a extinção da instância, nos termos do art. 290.º/3 CPC.
A desistência da instância e a confissão do pedido são os correspondentes processuais
do reconhecimento da inexistência ou da existência da pretensão material alegada em juízo,
o que justifica que a contraparte possa requerer a existência da instância com base num tal
reconhecimento: se o autor reconhece fora do processo que não é titular da pretensão material, o
réu pode solicitar a extinção da instância com fundamente numa desistência do pedido; se o réu
reconhece, igualmente, fora do processo, que o autor é titular da pretensão material, o autor pode
requerer a extinção da instância com base numa confissão do pedido.
Se a desistência do pedido conduz ao reconhecimento de que o autor não é titular do direito
que alega, um idêntico reconhecimento fora do processo não pode deixar ed conduzir àquela
desistência. Mutatis mutandis, há que confluir o mesmo quanto ao reconhecimento do direito pelo
réu e à correspondente confissão do pedido.
A desistência e a confissão do pedido têm uma eficácia declarativa (ou não constitutiva),
onde o autor reconhece que o direito que invoca com fundamento na causa de pedir não existe e
o réu reconhece que o direito alegado pelo autor com fundamento na causa de pedir existe.

Providências Cautelares

Os procedimentos cautelares – que se encontram regulados nos arts 362º a 409º - fundam-se
na seguinte ordem de considerações:
→ a composição final de um litígio é algo que pode demorar bastante tempo;
→ é sempre necessário deixar as partes expor as suas razões, é frequentemente necessário
investigar factos e é quase sempre necessário decidir reclamações e recursos;

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→ além disso, a satisfação do interesse protegido poderá exigir dois processos, um


declarativo e outro executivo, cada um com a sua duração.

Esta demora na satisfação judicial do interesse protegido cria o risco de um prejuízo ao seu
titular, isto é, origina o chamado periculum in mora. Por esta razão, a lei permite que o tribunal
possa decretar uma tutela provisória que se destina a acautelar o efeito útil da ação (art. 2/2, in
fine), isto é, evitar que a subsequente tutela definitiva seja inútil.
As providências cautelares decorrem do princípio da tutela efetiva, dado que “àquele que tem
um direito, o processo deve dar, na medida o praticamente possível, tudo e precisamente tudo o
que ele tem direito a obter”.

A tutela cautelar pode ser obtida com qualquer das finalidades próprias do processo
declarativo (art. 10/2 e 3). Isto significa que essa tutela pode ser uma tutela de mera apreciação,
de condenação ou constitutiva.

Os procedimentos cautelares apresentam as seguintes iniciativas:


→ têm como finalidade evitar o periculum in mora, ou seja, obstar à lesão ou à
continuação da lesão de um direito decorrente da demora no seu reconhecimento ou
na sua realização em juízo (art. 365/1 e 368/1);
→ traduzem-se numa summaria cognitio, não só porque basta a mera justificação do
direito ameaçado (art. 365/1, 388º/2, 392/2 e 405/2), mas também porque o
procedimento cautelar é tramitado como um incidente da instância (art. 365/3);
→ têm como objeto um mero fumus boni iuris, dado que, para o decretamento da
providência, basta a verosimilhança da existência do direito acautelado (art. 368/1); a
lei fala equivocadamente de probabilidade séria da existência do direito acautelado,
dado que a probabilidade é apenas um dos meios para atingir aquela verosimilhança.

Função preventiva
A justificação que se encontra no art. 362/1, para as providências cautelares – o fundado receio
de lesão grave e dificilmente reparável de um direito – e o consequente periculum in mora têm de
ser entendidos, não em função de qualquer potencial violação de um direito, mas em função da
demora na tutela definitiva desse direito. é por isso que, vistas pela perspetiva da ação principal
de que são dependência, as providências cautelares asseguram a utilidade da tutela obtida nessa
ação. Ex: atendendo à delapidação de bens pelo devedor, o credor está em risco de perder a sua
garantia patrimonial; o arresto de bens do devedor (art. 391/1; 619/1 do CC) assegura que a ação
condenatória proposta pelo credor contra o devedor ainda é útil porque, em caso de necessidade,
os próprios bens arrestados podem ser penhorados e vendidos.

Em geral, as providências cautelares visam combater o risco da irrealização do direito que é


provocado pela demora da tutela definitiva.
Nesta perspetiva, são dois os factos que podem justificar uma providência cautelar:
→ a impossibilidade da realização do direito num momento futuro; por exemplo, se não
se proceder ao arresto de bens do devedor (art. 391/1; 619/1 do CC), corre-se o risco
de, no momento do reconhecimento do seu crédito na sentença final, o credor já não

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possuir nenhuma garantia patrimonial; se não se embargar a obra nova (art. 497/1), há
o perigo de se criar uma situação dificilmente reversível;
→ a necessidade da realização imediata de um direito; nesta hipótese, a providência
cautelar visa obviar à inutilidade prática da realização do direito após a decisão
proferida na ação principal; por exemplo, se não forem assegurados ao credor os
alimentos provisórios (art. 384), este não tem meios de subsistência até à concessão
dos alimentos definitivos; se não for realizada ao credor uma determinada prestação
numa certa data, ele perde o interesse no seu cumprimento.
Da função preventiva das providências cautelares várias consequências importantes:
→ A tutela cautelar é sempre uma tutela provisória: a finalidade da tutela cautelar é
assegurada a efetividade da tutela definitiva, pelo que aguarda a sua confirmação ou
infirmação por esta tutela;
→ O objeto da providência cautelar pode ser distinto do objeto da ação principal. Por
exemplo: a providência cautelar de restituição provisória da posse visa reintegrar o
esbulhado na posse da coisa (art. 377; 1278/1 do CC), mas a correspondente tutela
definitiva sobre um alegado direito real do possuidor sobre a coisa;
Da provisoriedade da providência cautelar decorrem dois importantes princípios:
→ O princípio da autonomia da providência cautelar perante a respetiva ação
principal: é por isso que nem o julgamento da matéria de facto nem a decisão final
proferida no procedimento cautelar têm qualquer influência no julgamento da ação
principal (art. 364/4);
→ O princípio da minimização da interferência na esfera jurídica do requerido: a
providência cautelar deve causar os menores prejuízos possíveis ao requerido; daí
decorre que nenhuma providência cautelar deve criar uma situação irreversível própria
de uma tutela definitiva e que, na hipótese de inversão do contencioso (art. 369/1), não
possa ser revertida; por exemplo: não é admissível obter, através de um procedimento
cautelar, a execução específica de um contrato promessa (art. 830/1 CC).
Quanto ao esgotamento da providência cautelar após a obtenção da tutela definitiva, há que
considerar que o destino da tutela cautelar é o seguinte:
→ Se a tutela definitiva não for cancelada, a tutela cautelar caduca (art. 373/1 al. c));
→ Se a tutela definitiva for concedida, em regra a tutela cautelar é substituída por aquela
tutela (ex: os alimentos provisórios (art. 384) são substituídos pelos alimentos
definitivos) ou é absorvida por aquela tutela (ex: a suspensão da deliberação social
(380º/1) é absorvida pela declaração de nulidade ou anulação da deliberação social);
em casos excecionais, a providência cautelar pode subsistir após a tutela definitiva (ex:
o arresto (art. 391/1, 619/1 do CC) pode manter-se até à propositura da ação executiva
(art. 395).

Finalidade da providência
A providência cautelar deve ser aquela que seja funcionalmente adequada a acautelar o efeito
útil da ação principal. Procurando concretizar o seu escopo, pode dizer-se que a providência
cautelar pode prosseguir uma das seguintes finalidades:

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→ Uma finalidade de garantia de um direito (correspondente à “providência


conservatória” referida no art. 362/1; por exemplo, se o devedor estiver a dissipar o
seu património, é indispensável impedir a continuação dessa conduta, porque, se assim
não acontecer, o credor mesmo que venha a obter uma sentença condenatória do
devedor, perdeu, entretanto, a garantia patrimonial do deu crédito (art. 601 do CC);
→ Uma finalidade de regulação provisória de uma situação (também corresponde à
providência conservatória” a que se refere o art. 362/1). Ex: perante o esbulho da coisa,
o esbulhado pode requerer a sua restituição até se encontrar definida a titularidade do
direito sobre a coisa (art. 1278/1 do CC);
→ Uma finalidade de antecipação da tutela definitiva (correspondente à “providência
[…] antecipatória” a que alude o art. 362/1). Ex: o credor de alimentos pode requerer
que lhe sejam concedidos alimentos provisórios (art. 2007/1 do CC).
Em geral, o objeto do procedimento cautelar é um minus e um aliud em relação ao objeto
da ação principal: as providências cautelares não visam obter o mesmo que se pretende alcançar
através da ação principal.
A exceção a esta regra é constituída pelas providências com uma finalidade de antecipação:
estas providências constituem um tantus e um similis em relação ao objeto da ação principal. Na
verdade, a antecipação da tutela definitiva na tutela cautelar só se pode verificar quando ambas as
tutelas tenham o mesmo objeto, ou seja, quando o que pode ser obtido na tutela cautelar for o
mesmo que pode ser conseguido na tutela definitiva.
Pode assim afirmar-se que, quando a tutela cautelar antecipa a tutela definitiva, se está perante
uma Instrumentalidade satisfativa.

Princípios das Providências Cautelares

➔ Adequação e proporcionalidade
São dois os critérios pelos quais se afere a adequação funcional da providência para assegurar
o efeito útil da ação principal: a adequação e a proporcionalidade.

A providência é adequada se for apropriada para acautelar o efeito útil da ação principal (art.
2/2, in fine), isto é, se for concretamente adequada para assegurar a efetividade do direito
ameaçado (art. 362/1).
A providência pode coincidir com o que se pretende obter na ação principal – como é o caso
típico da providência de alimentos provisórios (art. 384) – mas também pode consistir na
constituição de uma situação jurídica provisória – como acontece quando, perante a disputa do
uso de uma parte comum do prédio, é requerido que a sua utilização seja partilhada por todos os
condóminos – ou ainda na produção de um efeito, mesmo que definitivo, isto é, mesmo que uma
vez produzido, não mais possa ser desfeito – como acontece quando uma lojista requer que um
seu concorrente, por violar um acordo de exclusividade, seja intimado a não abrir a o seu
estabelecimento.

A adequação da providência também não depende da sua cobertura por qualquer regra
substantiva. Embora algumas providências cautelares tenham um apoio legal- como é o caso do
arresto (art. 619/1 do CC), da restituição provisória da posse (art. 1279 CC) e dos alimentos

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provisórios (art. 2007/1 do CC) -, a sua admissibilidade não depende de qualquer cobertura
substantiva.
As providências cautelares não são típicas, mas abertas. São admissíveis aquelas que se
enquadrarem na cláusula geral constante do art. 362/1, isto é, aquelas que se mostrem
concretamente adequadas a assegurar a efetividade do direito ameaçado pela demora da tutela
definitiva.

A providência só pode ser decretada se não impuser ao requerido um sacrifício


desproporcionado relativamente aos interesses que o requerente deseja acautelar ou tutelar
provisoriamente (art. 368/2).
Quer isto dizer que o decretamento da providência se orienta por um princípio de
proporcionalidade entre as vantagens obtidas pelo requerente e os sacrifícios impostos ao
requerido, pois que estes sacrifícios não podem ser desproporcionados em relação às vantagens
que o requerente retira desse decretamento. Importa fazer, por isso, uma ponderação de interesses.
Sendo assim, um interesse pouco relevante do requerente não pode ser acautelado através da
afetação de um interesse muito relevante do requerido; mas um interesse muito relevante do
requerente pode ser acautelado através da afetação de um interesse muito relevante do requerido.
Quando os interesses forem equivalentes, há que procurar uma compatibilização dos mesmos: por
exemplo, se for viável, ainda que com recurso a restrições justificadas, a compatibilização do
direito à saúde e ao descanso com o direito a desenvolver uma atividade comercial, nenhum desses
direitos pode ser integralmente sacrificado ao outro.

➔ Instrumentalidade hipotética
A propósito dos procedimentos cautelares é costume falar-se de uma Instrumentalidade
hipotética, através da qual se pretende exprimir duas ideias. Antes do mais, a de que o
procedimento cautelar é instrumental e que o é não apenas no sentido em que se pode afirmar que
todo o processo é instrumental – instrumental em relação ao direito substantivo (art. 373/1, al. e)),
mas, além disso, instrumental em relação aos processos definitivos: os procedimentos cautelares
são os “instrumentos do instrumento”.

Se a providência cautelar tiver por objeto o pagamento de uma quantia pecuniária (como
sucede, por exemplo, nos alimentos provisórios (art. 384º) ou no arbitramento de reparação
provisória (art. 388/1), é possível requerer, para garanta dessa quantia, a providência de arresto
(art. 391/1; art. 619/1 do CC).
Isto significa pode haver uma providência cautelar destinada a garantir a efetividade prática
de uma outra providência cautelar, pelo que se pode concluir que as providências cautelares
podem ser utilizadas para a tutela provisória de qualquer situação jurídica reconhecida no sistema
jurídico.

A Instrumentalidade hipotética exprime outra característica ainda: o procedimento cautelar é


instrumental de outro processo, que hipoteticamente se presume será favorável ao requerente (do
procedimento, autor no processo definitivo). Por outras palavras: a tutela provisória baseia-se na
hipótese de uma futura tutela definitiva favorável ao requerente. Se esta se não verificar, por a

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decisão final do processo principal ser desfavorável ao autor (requerente da providência), a


providência decretada caduca (art. 373/1, al. e) e d)).

➔ Dependência funcional
O procedimento cautelar pressupõe um processo definitivo já instaurado ou a instaurar em
curto prazo: é por isso que, não sendo decretada a inversão do contencioso (art. 369), o
procedimento cautelar é dependência da causa que tenha por objeto o direito acautelado, podendo
ser instaurado como preliminar ou como incidente de uma ação declarativa ou executiva (art. 364/
1 e 403/2), a propor em Portugal ou no estrangeiro (art. 364/2 e 5).
Excetua-se a ação de condenação in futurum que visa obviar à falta de título executivo na data
do vencimento da prestação (art. 557.º, n.º Z), porque não é concebível uma providência cautelar
destinada a acautelar cumprimento de uma obrigação ainda não vencida. Nesta hipótese, é a
própria açãó declarativa que prossegue uma finalidade cautelar.

Em princípio, a providência cautelar também pode ser requerida na instância recurso, mas esta
possibilidade sofre algumas importantes restrições. Desde logo, se a decisão recorrida tiver sido
desfavorável ao possível requerente da providência, dificilmente se concebe que o juiz da
providência aceite o periculum in mora (art. 365/1, e 368/1) e forme um juízo sobre a
verosimilhança do direito a acautelar (art. 368/1).

Mesmo quando a decisão recorrida tenha sido favorável ao possível requerente da providência,
nem sempre é possível requerê-la. Importa considerar que, se a decisão recorrida for suscetível de
ser executada (como é o caso da decisão que condena o réu a restituir a coisa reivindicada), a parte
vencedora, se não quiser executar provisoriamente a decisão e se não estiver garantida por uma
hipoteca judicial (art. 710/1, CC), pode pedir a prestação de uma caução pela parte vencida (art.
649/2).

Perante este regime, há que abrir duas hipóteses:


→ A caução é adequada para acautelar o direito da parte vencedora; neste caso, essa parte
deve solicitar a prestação de caução, o que afasta o periculum in mora e, portanto,
retira fundamento para requerer a providência cautelar;
→ A caução não é idónea para acautelar o direito da parte vencedora (porque, exemplo,
a parte pretende obter a suspensão de uma deliberação social ou quer receber alimentos
provisórios); nesta hipótese, a parte não pode ficar em pior situação do que aquela em
que se encontrava antes do proferimento da decisão recorrida ( que, aliás, lhe é
favorável), pelo que pode requerer a providência adequada para acautelar o seu direito.

Modalidades das Providências Cautelares

A lei prevê um procedimento cautelar comum (ou não especificado), a empregar sempre que,
verificando-se os fundamentos que justificam o procedimento cautelar, não haja nenhum
procedimento especial que a lei fixe para esse caso (art. 362/1 e 3); existem ainda procedimentos
cautelares especificados, para os casos que a lei indica (art. 362/3).

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O procedimento cautelar comum é subsidiário dos procedimentos cautelares especificados


(376º/1). Esse procedimento comum não pode visar a substituição dos procedimentos
especificados, ou seja, não pode ser utilizado quando, em abstrato, é admissível um procedimento
especificado, mas, no caso concreto, não estejam preenchidos os seus requisitos próprios ou o
interessado tenha perdido, pelo decurso de um prazo, a possibilidade de o requerer.

➔ Providências especificadas
As providências cautelares especificadas são a restituição provisória da posse (art. 377 a 379),
a suspensão de deliberações sociais (art. 380 a 383), os elementos provisórios (art. 384 a 387), o
arbitramento de reparação provisória (art. 388 a 390), o arresto (art. 391 a 396), o embargo de
obra nova (art. 397 a 403) e o arrolamento (art. 403 a 409). Estas providências são analisadas por
referência às de garantia; a restituição provisória da posse, a suspensão de deliberações sociais e
o embargo de obra nova uma finalidade de regulação provisória; os alimentos provisórios e o
arbitramento de reparação provisória uma finalidade de antecipação da tutela definitiva.

➔ Providência de arresto:
Emprega-se o arresto quando o credor tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do
seu crédito por dissipação ou ocultação de bens por parte do devedor (art. 391/1; 619/1 do CC;
210-H/1 do CDA; 346/1 do CPI).
O justo receio de perda da garantia patrimonial (causa arresti) é uma concretização do
periculum in mora característico das providências cautelares e deve ser apreciado objetivamente,
ou seja, independentemente de qualquer valoração da conduta do devedor.

A finalidade específica do arresto é a de evitar a frustração do processo executivo pela falta


de bens penhoráveis, como, aliás, é comprovado pela conversão arresto em penhora (art. 762).

O crédito garantido não pode ser futuro, mas o seu cumprimento pode ainda não ser exigível
ou não se encontrar quantificado é por isso que é admissível, na pendência de uma ação de
indemnização, requerer o arresto de bens do demandado garantia do crédito indemnizatório. O
crédito pode estar dependente de uma contraprestação, mas não pode estar sujeito a uma condição
suspensiva, se a verificação da condição não for provável ou for mesmo muito improvável.

O arresto pode ser requerido não só contra o devedor, mas também contra o adquirente de
bens do devedor, desde que se prove a probabilidade da procedência da impugnação pauliana da
aquisição (art. 392/2; cf. Art. 610 CC). Portanto, o credor pode requerer o arresto contra o terceiro
adquirente.

REQUESITOS DO ARRESTO
Ao arrestante cabe alegar e provar factos concretos que impliquem a existência de uma
situação de lesão iminente de um direito em curso ou que se indicie que venha a ocorrer.
Atendendo ao princípio da par condicio creditorum, o risco de um concurso de credores não
é suficiente para o decretamento do arresto”.
Também não se justifica decretar o arresto se o crédito se encontrar suficientemente garantido,
por ex, por um penhor, por uma hipoteca ou pela reserva de propriedade.

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Há situações que dispensam o requisito do justo receio da perda da garantia patrimonial:


→ O credor pode obter o arresto do bem, que foi transmitido mediante negócio jurídico
quando estiver em dívida, no todo ou em parte, o preço da respetiva aquisição (art.
396/3);
→ O MP pode requerer arresto contra tesoureiros ou quaisquer funcionários ou agentes
do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas quando forem encontrados em
alcance (art. 396/1).
Contraditório diferido
No arresto leva-se o zelo pela celebridade ao ponto de se estatuir que o arrestado não é ouvido
antes do decretamento da providência (art. 393/1), abrindo-se assim uma exceção ao princípio do
contraditório (art. 3/1 e 2). O diferimento do contraditório é justificado pela necessidade de
assegurar que o requerido não tem conhecimento prévio do requerimento da providência.

EFEITOS DO ARRESTO
O arresto consiste na apreensão dos bens que sejam penhoráveis (art. 391/2, sobre os bens
penhoráveis; art. 736 a 744) e traduz-se na colocação de bens suficientes para satisfação da dívida
(art. 393/2) numa situação de indisponibilidade semelhante à penhora em processo executivo (art.
391/2). Tal como acontece na penhora (art. 819 a 821 do CC), os atos de disposição dos bens
arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto (art. 622/1 do CC): o arresto e a
penhora têm a mesma natureza jurídica, não podendo nenhum deles ser qualificado como um
direito real de garantia. É por isso que ao arresto de contas bancárias se pode aplicar o disposto
no artigo 780º para a penhora de depósitos bancários.
O arresto não pode privar o arrestado dos rendimentos estritamente indispensáveis aos seus
alimentos e da sua família (art. 393/3).
O arresto interrompe a prescrição do crédito acautelado, dado que o requerimento da
providência demonstra a intenção do credor de exercer o seu direito (art. 323/1 CC). Um credor
que acautela a garantia do seu crédito demonstra que o quer exercer.

➔ Providência de arrolamento:
Aquele que tenha direito a que lhe seja entregue um certo número de bem pode requerer,
havendo justo receio de extravio ou de dissipação deles, a sua descrição, avaliação e depósito: é
o que se chama arrolamento (art. 403/1). O justo receio é o extravio ou de dissipação de bens é a
concretização do periculum in mora que é característico de qualquer providência cautelar.

O arrolamento pode ser dependência de uma ação na qual haja que fazer a especificação de
bens (como numa ação de partilha) ou de uma ação na qual se discuta a titularidade dos direitos
relativos às coisas arroladas (como a reivindicação de uma universalidade de facto) (art. 403/2).
Se alguém compra uma biblioteca e tem conhecimento de que, antes de a entregar, o vendedor
está vendendo livros componentes, justifica-se o arrolamento.

O arrolamento pode recair sobre documentos (art. 403/1). Este arrolamento cumpre uma
função paralela à da realização antecipada da prova (art. 419 e 420), distinguindo-se essas

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providências entre si pela circunstância de o arrolamento recair sobre provas pré-constituídas e de


a antecipação da prova incidir sobre provas constituendas.

Se, em relação ao direito do requerente, os bens apenas funcionarem como garantia, o


arrolamento só é possível no cado em que haja lugar à arrecadação da herança vaga em benefício
do Estado (art. 404/2; 938/1). Isto significa que, em regra, o credor não pode requerer o
arrolamento de bens para garantia do seu crédito, só lhe restando, para essa finalidade, a
providência desse arresto (391º/1; 619º/1 CC).

O arrolamento pode ser requerido como preliminar ou incidente da ação de separação de


pessoas e bens, de divórcio, de declaração de nulidade ou de anulação do casamento (art. 409/1).
Este arrolamento não está sujeito aos requisitos específicos do arrolamento como providência
cautelar (art. 409/3). O mesmo sucede na sequência da decisão que decreta a interdição ou a
inabilitação (art. 903/1 al. a)).

➔ Restituição da Posse:
No caso de esbulho violento, o possuidor pode pedir que seja restituído provisoriamente a sua
posse, cabendo-lhe alegar (e provar) e posse, o esbulho e a violência: é esse o âmbito da
providência de restituição provisória da posse (art. 377; 1279 do CC), que encontra a sua origem
na tutela provisoria concedida pelo possessorium summariissimum medieval.
Na hipótese de o esbulho se verificar sem violência ou de o possuidor só ser perturbado na sua
posse, cabe o procedimento cautelar comum (379º).

A posse que justifica a restituição provisoria da posse pode ser em nome próprio
(nomeadamente a de um titular de um direito real de gozo) ou em nome alheio, nomeadamente a
do locatário (art. 1037/2 do CC) ou do comodatário (art. 1133/2 do CC). Embora a violência só
possa recair sobre pessoas, há que entender que ela também pode ser produzida de modo indireto,
como sucede, por exemplo, quando, através da colocação de um cadeado numa porta, se impede
o acesso a uma habitação.

Contraditório diferido
O procedimento cautelar de restituição provisoria da posse não admite audição prévia do
requerido (art. 378, in fine; art. 3/2).

➔ Suspensão de Deliberações:
Se alguma associação ou sociedade tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao
contrato, qualquer sócio pode requerer que a execução dessas deliberações seja suspensa,
justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável (art.
380/1; sobre a suspensão das deliberações das assembleias de condóminos; art. 383).
Não releva o desvalor próprio da deliberação – que pode ser nula, anulável ou ineficaz – e, se
a deliberação produzir efeitos continuados, nada obsta a que a suspensão recaia sobre uma
deliberação de execução imediata, como sucede, por exemplo, com a deliberação de destituição
de um gerente ou administrador.

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O procedimento de suspensão de deliberações sociais está sujeito ao contraditório (art. 381/1).


A partir da citação do requerido e enquanto não for julgado em 1ª instância o pedido de suspensão,
não é lícito executar a deliberação impugnada (art. 381/3).
Prazo de requerimento
Se tiver sido decretada a inversão do contencioso (art. 369/1), o prazo para a propositura da
ação de impugnação (art. 371/1) só se inicia, consoante os casos, com a notificação da decisão
judicial que haja suspendido a deliberação ou com o registo, quando obrigatório, dessa decisão
(art. 382/1). A ação de impugnação pode ser proposta não só pelo requerido, mas também por
aqueles que têm legitimidade para a ação de nulidade ou de anulação de deliberações sociais.

➔ Embargo de Obra:
Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer
outro direito real de gozo o na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que
lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode escolher entre requerer o embargo judicial, ou o
embrago extrajudicial:
→ No embargo judicial, o interessado requer que a obra, trabalho ou serviço, seja
mandado suspender imediatamente (art. 397/1);
→ No embargo extrajudicial, o interessado faz diretamente o embargo por via
extrajudicial, notificando verbalmente o dono da obra ou quem o substituir para não a
continuar (art. 397/2).
O embargo de obra nova tem como pressuposto que o requerente seja titular de um direito de
propriedade ou de outro direito real ou pessoal de gozo ou da posse sobre uma coisa e que aquele
direito ou esta posse tenha sido ofendido por obra, trabalho ou serviço novo que lhe causa prejuízo.
O embargo é feito (no caso de ser judicial) ou ratificado (no caso de ser extrajudicial) por meio
de auto, do qual deve constar o estado da obra e a sua medição, quando seja possível (400º/1 1ª
parte). Em qualquer dos casos procede-se à modificação do dono da obra ou, na sua falta, do
encarregado ou de quem o substitua, para não a continuar (400º/1 2ª parte).

Substituição por caução


Apesar de embargada, a obra pode continuar, mediante a prestação de caução, quando se
reconheça que a demolição restituirá o embargante ao estado anterior ou quando se apure que o
prejuízo resultante da paralisação da obra é consideravelmente superior ao que pode advir da sua
continuação (401º).

➔ Alimentos Provisórios:
Como dependência da ação em que se peça a prestação de alimentos, pode o interessado
requerer a fixação da quantia mensal que deva receber, a título de alimentos provisórios, enquanto
não houver pagamento da primeira prestação definitiva (art. 384). No plano substantivo, para além
de algumas disposições especiais (art. 1821, 1873 e 1884/2 do CC), a possibilidade de requerer
alimentos provisórios está genericamente prevista no art. 2007/1 CC.

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Distinta desta providência cautelar é a fixação de um regime provisório quanto a alimentos


(bem como, aliás, quanto a outros aspetos) no processo de divórcio e separação sem
consentimento do outro cônjuge (art. 931/7).
No procedimento de alimentos provisórios mantém-se o princípio da contrariedade (art.
385/2). Se não houver acordo das partes sobre a fixação dos alimentos provisórios (art. 385/2), o
juiz fixa-os por sentença oral (art. 385/3). A prestação de alimentos provisórios é fixada segundo
o prudente arbítrio do tribunal (art. 2007/1 do CC) e pode ser alterada ou feita cessar no próprio
procedimento que a fixou (art. 386/2; 2012 CC).

➔ Arbitramento de reparação:
Como dependência da ação de indemnização fundada em morte ou lesão corporal, podem os
lesados, aqueles que podiam exigir alimentos ao lesado e ainda aqueles a quem o lesado prestava
no cumprimento de uma obrigação natural requerer o arbitramento de quantia certa, sob a forma
de renda mensal, como reparação provisoria do dano (art. 388/1). O arbitramento de reparação
provisoria pode também ser requerido quando a pretensão indemnizatória, qualquer que seja a
origem, se funde em dano suscetível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado
(art. 388/4).

Ao procedimento de arbitramento de reparação provisoria é aplicável o disposto para os


alimentos provisórios (art. 389/1; 385 e 386).

Providências comuns

O âmbito de aplicação do procedimento cautelar comum – no qual são decretadas as


providências cautelares não especificadas – é traçado de forma ampla pelo art. 362/1: sempre que
alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu
direito, pode requerer a providência adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
Em princípio, a situação subjetiva alegada pelo requerente pode ter qualquer fundamento
(obrigacional real, familiar, sucessório, comercial ou outro) e pode ser requerida a produção de
um efeito jurídico ou a realização de uma prestação ativa ou omissiva.

Em teoria, as providências comuns podem prosseguir qualquer das finalidades gerais das
providências cautelares: as de garantia de um direito, a de regulação provisoria e a de antecipação
da tutela. Atendendo a que o arresto (art. 391/1) e o arrolamento (art. 403/1) esgotam quase
completamente a finalidade de garantia, são mais frequentes as providências comuns com uma
finalidade de regulação provisoria e de antecipação da tutela.

As providências com uma finalidade de regulação provisoria cumprem as funções, até à tutela
resultante da ação principal, de um “direito material intermedio”, isto é, de um direito que vale
enquanto a situação continuar indefinida e o litígio permanecer.
Muito frequentemente, estas providências procuram evitar uma mudança no status quo que
possa frustrar ou dificultar gravemente o gozo de um direito. por exemplo: o promitente-
comprador pode requerer que o promitente-vendedor se abstenha de alienar ou onerar a um

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terceiro o prédio que foi objeto de uma promessa com eficácia real; um sócio de uma sociedade
pode requerer que sejam limitados ou retirados os poderes de representação de um seu gerente ou
administrador.

As providências com uma finalidade de antecipação da tutela destinam-se a antecipar os


efeitos da ação principal e são genericamente admissíveis quando o requerente necessita da
satisfação imediata do seu direito, quando esse requerente não pode obter em tempo útil a tutela
definitiva e quando as vantagens obtidas pelo requerente suplantam as desvantagens impostas ao
requerido (art. 368/2).

A providência cautelar pode ter caráter antecipatório da tutela definitiva, sem com isso retirar
objeto à ação principal de que é dependente. Ex: uma associação de consumidores pode requerer
a proibição do uso ou da recomendação de cláusulas contratuais gerais proibidas (31/1 e 2 LCCG);
o inquilino de um prédio urbano, que reside num dos últimos andares, pode requerer que o
proprietário do prédio repare e ponha em funcionamento os elevadores; os vizinhos podem
requerer a remoção dos animais alojados num canil clandestino instalado no logradouro de um
prédio urbano, onde existem mais de 30 cães ladrando dia e noite e de onde emana um cheiro
nauseabundo.

Regime das providências

➔ Competência jurisdicional:
A competência territorial para as providências cautelares é aferida nos seguintes termos:
→ O arresto e o arrolamento podem ser requeridos quer no tribunal onde deva ser
proposta a ação respetiva, quer no lugar onde os bens se encontrem ou, se houver bens
em várias comarcas, em qualquer destas (art. 78/1 al. a));
→ O embargo de obra nova deve ser requerido no tribunal do lugar da obra (art. 78/1 al.
b));
→ Os demais procedimentos cautelares devem ser instaurados no tribunal em que deva
ser proposta a ação respetiva (art. 78/1 al. c));
→ Os procedimentos cautelares requeridos no decurso da ação de que dependem (art.
364/1) devem ser instaurados no tribunal onde corre aquela ação (art. 364/3).

A competência territorial estabelecida no art. 78/1 al. a) a c) é suscetível de ser conjugada com
o princípio da coincidência previsto no art. 62 al. a). Portanto, os tribunais que são territorialmente
competentes para decretar as providencias são também internacionalmente competentes para as
apreciar.
No âmbito do processo civil europeu, há que observar as seguintes regras (naturalmente,
prevalecentes, no respetivo âmbito de aplicação, sobre o regime interno):
→ as medidas provisorias ou cautelares previstas na lei de um EM podem ser requeridas
às autoridades judiciais desse Estado, mesmo que o tribunal de um outro EM seja
competente segundo o regulamento 1215/2012 (art. 35 desse regulamento);

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→ no embargo de obra nova e nas providências cautelares não especificadas, pelo


prejuízo que se quer evitar (art. 304/3 al. d));
→ no arresto, pelo montante do crédito que se pretende garantir (art. 304/3 al. e)).

O regime defendido para o procedimento cautelar comum é igualmente aplicável aos


procedimentos nominados (art. 376/1). Excetua-se, por força do art. 376/2, o disposto no art. 368/2
– que, no entanto, encontra lugares paralelos em alguns procedimentos especificados (art. 381/2
e 401) – e, segundo o art. 376/2, o estabelecido no art. 374/2, salvo no caso de arresto ou embargo
de obra nova.

➔ Celeridade
Os procedimentos cautelares revestem sempre caráter urgente (art. 363/1), mesmo na fase de
recurso, o que implica que, além do mais, os respetivos prazos não se sustentem durante as férias
judiciais (art. 138/1). Em 1ª instância, os procedimentos cautelares devem ser decididos no prazo
de 2 meses, prazo que é reduzido para 15 dias, se o requerido não tiver sido citado (art. 363/2). É
a mesma preocupação pela celeridade que justifica que, em regra, as decisões proferidas nos
procedimentos cautelares não sejam suscetíveis de recurso para o STJ (art. 370/2; 629/2).
As providências comuns podem ser decretadas sem audição do requerido se esta puser em
risco sério o fim ou a eficácia da providência (art. 366/1). Trata-se de um poder discricionário que
é concedido ao juiz, embora a lei defina o pressuposto do exercício desse poder: o risco sério de
a audição do requerido obstar ao fim ou à eficácia da providência.
Se a providência for decretada sem a prévia audição do requerido, esta parte, depois de
notificada da decisão que decreta a providencia, pode recorrer do despacho que a decretou ou
deduzir oposição à providência, com fundamento em factos ou meios de prova novos (art. 372/1).

➔ Indeferimento
O requerimento em que é solicitado o decretamento da providência cautelar pode ser
indeferido liminarmente (art. 226/4 al. b) e 590/1). Deste indeferimento cabe sempre recurso até
à Relação (art. 629/3 al. c)).

➔ Cumulação
É admissível cumular várias providências cautelares, mesmo que uma delas seja comum e a
outra especificada (art. 376/3, 2ª parte); esta cumulação pode ser simples, alternativa ou
subsidiária. Para que a cumulação seja admissível, exige-se que as providencias não tenham uma
forma de tramitação manifestamente incompatível e que o juiz possa adaptar o processo à
cumulação das providências (art. 376/3, 2ª parte e 37/2 e 3).
Se estiverem preenchidos os respetivos requisitos substantivos (constantes do art. 829º-A/1
CC), o requerente pode igualmente solicitar a sanção pecuniária compulsória que se mostre
adequada a assegurar a efetividade da providência decretada (art. 365/2).

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➔ Decisão
A função específica das providências cautelares reforça a aplicação do disposto no art. 278/3,
2ª parte. Mal se compreenderia que uma tutela destinada a acautelar uma situação jurídica do
requerente pudesse ficar dependente de pressupostos processuais cuja falta em nada prejudica
aquele requerente.
A falta do periculum in mora (362º/1), bem como do justo receito de perder a garantia
patrimonial (391º/1) ou do receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens (403º/1), implica
a falta de fundamentação da providência cautelar e, portanto, a improcedência do pedido do seu
decretamento.
Nas providências cautelares, é suficiente a mera justificação do direito ameaçado (art. 365/1,
388/2, 392/2 e 405/2). Isto não altera a normal repartição do ónus da prova (art. 342 CC) nem
impede um non liquet e a consequente decisão contra a parte onerada com a prova (art. 414).
Também nesta hipótese é improcedente o pedido de decretamento da providência.

Ao contrário do que sucede quanto à generalidade das formas de tutela (609º/1), o tribunal
não está adstrito à providência concretamente requerida (609º/3, 1ª parte. O tribunal pode
subsumir os factos alegados pelo requerente a uma providência diferente daquela que o requerente
solicitou e decretou a providência adequada, trata.se, no entanto, de corrigir o errado pedido do
requerente em função da respetiva fundamentação; não se trata de permitir nem que o requerente
formule um pedido indeterminado, nem que o tribunal conceda um aliud ou um plus do que o
requerente, atendendo àquela fundamentação, deveria ter pedido.

➔ Substituição
As providências podem ser substituídas por caução, sempre que esta seja suficiente para
prevenir a lesão ou repará-la integralmente (368/3).

➔ Autonomia
Segundo o princípio da autonomia da providência cautelar, nenhuma decisão proferida no
procedimento cautelar produz qualquer efeito no julgamento da causa principal (art. 364/4). A
solução decorre da suficiência da prova sumária do direito que se procura acautelar (art. 365/1;
388/2; 392/2 e 405/1). No entanto, a confissão realizada no procedimento cautelar vale como
confissão judicial na ação principal (355/3, 2ª parte do CC).

➔ Extinção
O procedimento cautelar extingue-se pelo julgamento (art. 277 al. a)), e pode ainda
extinguir.se pelo compromisso arbitral, pela deserção, pela desistência, confissão ou transação e
pela inutilidade superveniente (art. 277 al. b) a d)). Uma das causas possíveis desta inutilidade é
a extinção durante a pendência do procedimento do direito que se pretendia acautelar (art. 373/1
al. e)).
A transação celebrada pelas partes do procedimento cautelar pode incidir sobre o próprio
direito acautelado. Suponha-se que se encontra pendente uma providência de arresto; as partes
podem celebrar uma transação sobre o próprio crédito que o arrestante pretendia acautelar.

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➔ Irrepetibilidade
Na dependência da mesma causa, não é admissível a repetição da providência que haja sido
julgada ou tenha caducado (art. 362/4). Assim, não é possível requerer duas vezes, por exemplo,
o arresto ou restituição provisória da posse.
Não basta a invocação dos factos diferentes, se não forem supervenientes, para evitar a
repetição da providência: o sentido do disposto no artigo 362º/4 é precisamente o de impor a
preclusão de todos os factos que podiam ter sido invocados no procedimento cautelar. Fica salva
a hipótese de ser requerida, com base em factos diferentes, uma providência daquela que foi
considerada injustificada ou que caducou.

Do disposto no art. 362/4 – que só impede a repetição da providência na dependência de uma


causa já instaurada – nasce a dúvida sobre se é admissível repetir a providencia que foi requerida
e julgada improcedente ou que caducou antes da dependência de qualquer ação.
Suponha-se, por ex, que, antes da propositura da ação condenatória do devedor, o credor
requer o arresto de bens deste devedor; a providencia não é decretada; cabe perguntar se, ainda
antes da propositura daquela ação condenatória ou já na pendência desta, o credor pode requerer,
de novo, uma providência de arresto. O problema só pode ser solucionado com base no instituto
do caso julgado (tal como na pendência simultânea da mesma providência só pode ser resolvida
através da exceção de litispendência: 580/1 e 581/1).

Sendo assim, há que considerar duas situações:


→ A nova providência é requerida com base nos mesmos factos que foram alegados no
procedimento anterior; opera a exceção de caso julgado, não se admitindo, portanto, a
repetição da providência;
→ A nova providência é requerida com base em factos diferentes daqueles que foram
invocados no procedimento anterior; dado que a regra de preclusão que se encontra
estabelecida no art. 362/4 (aliás excecional no processo civil português) só vale para a
repetição da providência na pendência da mesma causa, há que entender que nada
obsta à repetição da providência.

Efetividade da Providência

➔ Efeitos penais
A infração da providência cautelar faz incorrer aquele que a prática no crime de desobediência
qualificada (art. 375; 348 CP). De molde a evitar a consagração de um regime de prisão por
dívidas, há que entender que, com exceção da obrigação de alimentos – para a qual existe o regime
excecional estabelecido no artigo 250 CP – a cominação do art. 375 não pode valer para a
prestação de obrigações pecuniárias: é o que, aliás, pode ser deduzido do disposto no art. 389/2.

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➔ Regime penal
A articulação entre o disposto no artigo 375 e no 348 CP, quanto ao crime de desobediência
qualificada, e o estabelecido no 355 CP, quanto ao crime de descaminho ou destruição de objetos
colocados sob o poder público, pode levantar alguns problemas.

Uma solução possível é entender que as infrações previstas nesses preceitos são alternativas,
nomeadamente porque o crime de descaminho ou destruição só pode ser praticado depois da
efetivação da custódia pública (como é indiciado pelo elemento “subtração” do artigo 355 CP;
dado que só pode subtrair algo que está fora da própria esfera de domínio).

Uma outra solução consiste em considerar que há casos em que se verifica um concurso entre
ambas as infrações.

No entanto, ainda que se admita este concurso, o agente deverá ser punido apenas pelo crime
de desobediência qualificada, pois que o art. 375 contém uma regra penal que funciona, nos casos
de sobreposição de infrações, como uma regra especial em sentido formal.

Parte-se do princípio de que, nos casos de violação de providência cautelar decretada, não se
justifica pena mais grave do que a prescrita para a desobediência qualificada.

➔ Responsabilidade do requerente
O requerimento da providência corre por risco do respetivo requerente que não tenha agido
com a prudência normal (art. 374/1). Se a providência for julgada injustificada ou caducar por
facto imputável ao requerente – como acontece, por ex, quando o requerente não instaura a ação
principal ou é negligente na prossecução dos seus termos (art. 373/1, al. a) e b)) – esse requerente
fica responsável pelos danos causados ao requerido quando não tenha agido com a prudência
normal (art. 374/1; quanto ao arresto, cf. Art. 621 do CC) e não pode repetir a providência (art.
362/4). Na providência de alimentos provisórios, a responsabilidade do requerente exige má-fé
(art. 387).

A responsabilidade do requerente não é afastada quando tenha havido audição prévia do


requerido e este não tenha conseguido obstar ao decretamento das providências. O que releva é
que a providência venha a caducar pela improcedência da ação principal e que se demonstre que
o requerente atuou sem a prudência normal (ou mesmo de má-fé).

Para que se constitua a responsabilidade do requerente da providência é suficiente que tenha


atuado sem a prudência normal (art. 374/1). No entanto, também é necessário que o requerente
tenha agido sem essa prudência, pelo que não se impõe ao exequente uma responsabilidade
objetiva. O regime encontra o seu lugar-paralelo no disposto nos arts. 727/4, 858 e 866 quanto à
responsabilidade do exequente.

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➔ Litigância de má-fé
O parâmetro de negligência estabelecido no artigo 374/1, não basta para que o requerente
possa ser condenado como litigante de má-fé, pois que esta exige uma atuação com dolo ou
negligência grave (542º/2). Esta circunstância demonstra que o legislador, ao diminuir o grau de
diligência exigível, pretendeu alargar a responsabilidade do requerente, embora sem chegar à
imposição de uma responsabilidade objetiva.
Quando o requerente tenha atuado de má-fé (542/2), verifica-se um concurso de
responsabilidades, dado que este pode responder tanto nos termos do art. 374/1 como nos do art.
542/1.

➔ Indemnização do requerido
Em regra, o requerido tem direito a ser colocado na situação em que se encontraria se a
providência cautelar não tivesse sido decretada (art. 562 CC). No entanto, a indemnização devida
pelo requerente de alimentos provisórios é fixada equitativamente, nunca havendo lugar à
restituição dos alimentos recebidos em cumprimento da providência (art. 387; 2007/2 CC) e a
indemnização devida pela caducidade da providência de arbitramento de reparação provisoria é
aferida pela medida do enriquecimento sem causa do requerente (art. 390/1; 473/1 CC).
O tribunal pode entender que, para assegurar a eventual indemnização do requerido, é
conveniente que o requerente preste caução.
Nestas hipóteses, a concessão da providência fica dependente da concessão dessa caução pelo
requerente (374/2).

Inversão do contencioso

➔ Enquadramento
As providências cautelares têm como finalidade a prevenção do periculum in mora, já que
visam obviar a que a decisão proferida na ação principal se torne inútil, isto é, a que seja
conseguida uma tutela definitiva que seja inútil no momento em que venha a ser obtida. Desde há
algum tempo vem-se discutindo se as providências cautelares não podem também assumir uma
outra função: a de se substituírem à própria tutela definitiva, ou seja, a de consumirem a
necessidade de propositura de uma ação principal destinada a confirmar a tutela provisoria obtida
através de uma dessas providências (art. 364/1).

➔ Desenvolvimento
Segundo o disposto no art. 369/1, em certos casos e verificadas certas condições, o requerente
é dispensado de ónus de propositura da ação principal, sendo atribuído ao requerido que pretenda
evitar a consolidação da providência decretada o ónus de propor uma ação de impugnação.
Construiu-se, assim, um sistema assente na inversão do contencioso: em vez de ser o
requerente da providência cautelar a ter o ónus de propor uma ação principal destinada a confirmar
ou a consolidar a tutela cautelar, cabe ao requerido instaurar uma ação de impugnação com a
finalidade de obstar à consolidação da tutela provisória.
As providências cautelares que, atendendo ao seu objeto, admitem a inversão do contencioso
não deixam de ser instrumentais perante a tutela definitiva; o que se verifica é que essas

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providências se consolidam como tutela definitiva pela inação do requerido, deixando de ser um
instrumento de uma posterior tutela definitiva e passando a ser a própria tutela definitiva.

A finalidade da inversão do contencioso é evitar uma duplicação de alegações e de provas no


procedimento cautelar e na subsequente ação principal. Pode assim concluir-se que a inversão do
contencioso é expressão da economia processual.

➔ Concretização
O regime da inversão do contencioso assenta no disposto no art. 369/1: mediante
requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus
de propositura da ação principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar
convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência
decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio.

➔ Condições
O art. 369/1, define as condições em que o tribunal pode decretar a inversão do contencioso:
→ O juiz tem de formara convicção segura da existência do direito acautelado, o que
implica que a mera justificação (ou seja, a prova que se basta com a verosimilhança da
existência do direito acautelado) que é suficiente para decretar a providência cautelar
(art. 365/1, 388/2, 392/2, e 405/1) é insuficiente para decretar a inversão do
contencioso; esta inversão pressupõe uma prova stricto sensu do direito acautelado;
portanto, o que conta é que o juiz forme a convicção segura da existência direito que
a providência se destina a acautelar, não a convicção segura da procedência da
providência;
→ A providência decretada tem de ser, pela sua própria natureza, adequada a realizar a
composição definitiva do litígio; esta condição é justificada pelo facto de, tendo sido
decretada a inversão do contencioso e não tendo o requerido proposto ação de
impugnação, a tutela cautelar se convolar ex lege em tutela definitiva; logo, tem de se
exigir que a providência decretada se possa substituir à tutela definitiva que o
requerente da providência poderia solicitar na ação principal se não tivesse sido
decretada a inversão do contencioso.

➔ Objeto

1. Inadmissibilidade da inversão
A necessidade de que a providência seja adequada a realizar a composição definitiva do
litígio delimita as providências cautelares em que se pode verificar a inversão do contencioso.
Esta inversão não é viável se, por a tutela cautelar ser distinta da correspondente tutela
definitiva, não tiver a potencialidade de compor o entre as partes. Pense-se, por exemplo, na
providência cautelar de arresto: no respetivo procedimento, o requerente solicita a apreensão
judicial de certos bens (art. 391/2) com fundamento no receio de perda da garantia patrimonial

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(art. 391/1; art. 619/1, CC); na ação principal, esse mesmo requerente, agora autor, solicita o
reconhecimento e a satisfação do seu direito de crédito.
Pode assim concluir-se que, nos casos em que a tutela definitiva e a tutela cautelar
cumprem uma função totalmente distinta e prosseguem objetivos completamente diferentes,
nunca se pode a inversão do contencioso; ou, dito pela positiva: a inversão do contencioso só
é admissível se a tutela provisória puder substituir a tutela definitiva que, se não tivesse havido
inversão do contencioso, o requerente teria o ónus de requerer na subsequente ação principal.

O ponto mais discutível nesta matéria é aquele que se prende com a possibilidade de
requerer a inversão do contencioso numa providência cautelar que constitui um incidente da
causa principal. O que se pergunta é se é admissível que, por exemplo, procedimento de
alimentos provisórios que corre como incidente da ação de definitivos se pode pedir a inversão
do contencioso. Impõe-se uma resposta negativa, dado que não tem sentido utilizar um
mecanismo que dispensa de uma ação principal quando a mesma já se encontra pendente.

2. Admissibilidade da inversão
Concluído que a inversão do contencioso não se pode verificar quando a tutela provisória
for completamente distinta da tutela definitiva e quando, portanto, a consolidação da tutela
provisória não for suscetível de compor o litígio entre as partes, importa analisar qual a relação
que tem de existir entre essas tutelas para que se possa considerar que a inversão do
contencioso é adequada a realizar essa composição.
A resposta a esta pergunta é indiciada pelo estabelecido no art. 376/4, no qual se dispõe
que, no âmbito das providências nominadas, o regime da inversão do contencioso é aplicável
à restituição provisória da posse, à suspensão de deliberações sociais, aos alimentos
provisórios, ao embargo de obra nova, bem como às demais providências previstas em lei
avulsa que tenham carácter antecipatório dos efeitos da ação principal (como é o caso da
providência cautelar de entrega judicial do bem após findar o contrato de locação financeira
que se encontra regulada no art. 21 do DL nº 149/95, de 24/6).
Isto demonstra que a inversão do contencioso só é admissível se o que pode ser adquirido
na providência cautelar requerida – de carácter nominado ou inominado ser obtido como tutela
definitiva numa ação declarativa. Para se confirmar que assim é basta confrontar, a título de
exemplo, as providências cautelares de arrolamento e de alimentos provisórios: o arrolamento
– que consiste numa descrição de bens que se encontram em risco de extravio, ocultação ou
dissipação (art. 403/1) – não antecipa nenhuma tutela definitiva e, por isso, nele não se pode
verificar a inversão do contencioso; em contrapartida, a providência de alimentos provisórios
que consiste na realização ao requerente de uma prestação alimentícia (art. 384º) antecipa o
que pode ser obtido numa ação de alimentos, pelo que nela é admissível a inversão do
contencioso.

A inversão do contencioso não pressupõe a consumpção de qualquer outra tutela, ou seja,


não pressupõe que, após a inversão, o requerente da providência não possa solicitar mais
nenhuma tutela. Considere- se, por exemplo, a providência de restituição provisória da posse:
no caso de esbulho violento, o possuidor pode pedir seja restituído provisoriamente à sua posse
(art. 377; art. 1279 do CC); tendo-se verificado a inversão do contencioso nessa providência,

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isso obsta naturalmente a que o requerente solicite, na ação principal, a restituição da posse,
mas não impede que esse mesmo requerente solicite a reivindicação da coisa de que foi
reconhecido ser o possuidor.

➔ Exceção de litispendência
Entre o procedimento cautelar e o processo no qual é requerida a tutela definitiva não se pode
constituir a exceção de litispendência, dado que a solicitação de uma provisória não é idêntica à
solicitação de uma tutela definitiva. A circunstância de a providência cautelar ter um carácter
antecipatório não altera o afirmado: não se constitui nenhuma exceção de litispendência entre, por
exemplo, o procedimento cautelar no qual são pedidos alimentos provisórios e a ação principal na
qual são solicitados os alimentos definitivos.

A formulação pelo requerente do pedido de inversão do contencioso altera os dados do


problema, pois que não pode estar simultaneamente pendente procedimento cautelar no qual o
requerente solicita, através da inversão do contencioso, a transformação da tutela cautelar em
tutela definitiva e uma ação destinada a obter esta mesma tutela definitiva.
Assim, a partir do momento em que o requerente da providência cautelar requer a inversão do
contencioso constitui-se a exceção de litispendência com a ação na qual é pedida a mesma tutela
definitiva. Utilizando, de novo, o exemplo da providência cautelar de alimentos provisórios, há
que concluir que ocorre a exceção de litispendência quando, estando pendente uma providência
cautelar de alimentos provisórios na qual foi requerida a inversão do contencioso, se propõe uma
ação de alimentos definitivos.
Nesta hipótese, a exceção de litispendência deve ser alegada na ação principal, dado que foi
nesta que o demandado foi citado em segundo lugar (art. 582/1 e 2).

Pode assim concluir-se que a formulação do pedido de inversão do contencioso bloqueia a


propositura de uma ação principal pelo seu requerente, sempre que nesta ação não se possa obter
algo de diferente do que resulta da conversão da provisória em tutela definitiva. Por analogia com
o disposto no art. 564.º, al. E), há igualmente que entender que a formulação daquele pedido inibe
o requerido no procedimento cautelar de propor uma ação destinada à apreciação da mesma
jurídica. Assim, se, por exemplo, no procedimento cautelar de suspensão da deliberação social, o
requerente solicitar a inversão do contencioso, o requerido está inibido, até à apreciação desse
pedido, de propor uma ação visando reconhecer a validade da deliberação.

Procedimento

➔ 1ª instância
A dispensa da propositura da ação principal pode ser requerida pelo requerente da providência
até ao encerramento da audiência final do respetivo procedimento (art. 369/2, 1ª parte). Pode
suceder que o exercício da providência cautelar esteja sujeito a um prazo de caducidade: nessa
hipótese, de a não prejudicar o requerente da providência e da inversão do contencioso, a
caducidade interrompe-se com o pedido daquela inversão, reiniciando-se a contagem prazo a
partir do trânsito em julgado da decisão proferida sobre a inversão (art. 369/3).

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Se o procedimento cautelar só admitir o contraditório diferido – isto é, se o contraditório do


requerido só puder ser exercido depois do decretamento da providência -, o requerido pode opor-
se à inversão do contencioso conjuntamente com a impugnação da providência decretada (art.
369/2 2º parte; art. 372/3). Portanto, neste caso, é conjunta a impugnação da providência decretada
e a oposição à inversão do contencioso.

➔ Fase de recurso
A decisão que decrete a inversão do contencioso só é recorrível em conjunto com o recurso
da decisão sobre a providência requerida (art. 370/1, 1ª parte), ou seja, essa decisão não é passível
de recurso autónomo do próprio recurso da decisão que decreta a providência requerida.
Assim, o requerido só pode impugnar a decisão de inversão do contencioso se impugnar
simultaneamente o decretamento providência. Como é a regra no âmbito dos procedimentos
cautelares, não cabe recurso para o STJ da decisão que determine a inversão do contencioso, sem
prejuízo dos casos em que esse recurso é sempre admissível (art. 370/2).

A decisão que indefira a inversão do contencioso é irrecorrível (art. 370/1 2ª parte), que em
conjunto com a decisão que tenha indeferido a providência requerida. O indeferimento do pedido
de inversão do contencioso é sempre definitivo,
Podendo o requerente impugná-lo em recurso. O regime também vale quando o requerente
tenha interposto recurso do indeferimento da providência requerida, o que como consequência
que a inversão do contencioso nunca pode ser decretada em recurso.

Ação

A inversão do contencioso dispensa o requerente de propor a ação principal, faz recair sobre
o requerido o ónus de propor uma ação destinada a evitar a consolidação da providência decretada.
Por isso, logo que transite em julgado a decisão haja decretado a providência cautelar e invertido
o contencioso, o requerido deve notificado, com a admonição de que, querendo, deverá intentar a
ação destinada impugnar a existência do direito acautelado nos 30 dias subsequentes à notificação,
pena de a providência decretada se consolidar como tutela definitiva (art. 371/1).
Esta consolidação também se verifica quando, proposta a ação, o processo parado mais de 30
dias por negligência do requerente ou o réu for absolvido da instância e o autor não propuser nova
ação em tempo de aproveitar os efeitos da propositura da anterior (art. 371/2; art. 279/2).
Como se ressalva no art. 371/1, a distribuição do ónus da prova na ação de impugnação segue
as regras gerais: ao autor (requerido na providência) compete a prova dos factos que fundamentam
a impugnação da providência decretada (art. 342/1 CC); ao réu (requerente da providência)
incumbe aos factos impeditivos, modificativos ou extintivos dessa impugnação (art. 342/2 CC).

➔ Finalidade da ação
A ação que o requerido tem o ónus de intentar após a decisão de inversão do contencioso é,
na expressão do art. 371/1, uma ação destinada a impugnar a existência do direito acautelado.
Trata-se de uma referência à finalidade da ação, não ao seu conteúdo, dado que essa ação pode
ser qualquer uma que, em caso de procedência, produza um efeito que seja incompatível com a
providência decretada. Dito de outra forma: essa ação pode ser uma ação destinada a impugnar os

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em que se baseou a inversão do contencioso, mas também pode ser qualquer outra ação da qual
resulte um efeito incompatível com a providência decretada.

Uma ação que tenha por finalidade a impugnação dos fundamentos da decisão de inversão do
contencioso é admissível, porque, segundo o disposto no art. 36/4, julgamento da matéria de facto
na providência cautelar não tem qualquer influência julgamento da ação principal, portanto, in
casu na ação de impugnação. Isto é apesar de a inversão do contencioso exigir a formação pelo
juiz da convicção segura da existência do direito acautelado (art. 369/1), o que significa que se ao
juiz da inversão do contencioso algo mais do que é suficiente para decretar a providência, mas
mesmo este juízo não é vinculativo na ação de impugnação.

➔ Conteúdo da ação
O conteúdo mais comum da ação de impugnação da decisão de inversão do contencioso é o
de uma ação de apreciação negativa: o requerido solicita a da inexistência do direito acautelado,
com base na inexistência dos factos que levaram o juiz do procedimento cautelar a inverter o
contencioso. Por exemplo: o do procedimento cautelar inverteu o contencioso numa providência
de embargo obra nova; o requerido pode requerer a apreciação da inexistência do obstáculo à
construção da obra.

Respeitando a ressalva feita no art. 371/1, e não afetando o disposto no art. 343 do CC quanto
à distribuição do ónus da prova, é claro que, na ação de apreciação negativa que é instaurada pelo
requerido para evitar a consolidação da providência cautelar em relação à qual se verificou a
inversão do contencioso, o ónus da prova tem de pertencer ao autor da ação. De outro modo a
inversão do contencioso em nada beneficiaria o requerente da providência: se, depois dessa
inversão, lhe incumbisse provar, na subsequente ação de apreciação negativa instaurada pelo
requerido, o direito acautelado, esse requerente (e agora réu) encontrar-se-ia na mesma posição se
não tivesse havido inversão do contencioso e se fosse sobre ele que recaísse o ónus de instaurar a
ação principal.
Portanto, há que entender que incumbe ao autor da ação de impugnação (e requerido no
procedimento cautelar) o ónus de provar quer os factos impeditivos, modificativos ou extintivos
do direito acautelado, quer a inexistência dos factos constitutivos desse direito.

Aliás, se assim não se entendesse, frustrar-se-ia por completo a finalidade da inversão do


contencioso, que é, precisamente, a de evitar uma duplicação de alegações e de provas no
procedimento cautelar e na posterior ação principal. Isto é, a entender-se que, na ação de
apreciação negativa proposta pelo anterior requerido, incumbe ao (anterior requerente) o ónus da
prova dos factos constitutivos do seu direito, isso significaria que seria exigido que esta parte
alegasse e provasse duas vezes os mesmos factos.

A ação de impugnação também pode ter por objeto um direito incompatível com o direito
acautelado através da inversão do contencioso que foi decretada no procedimento cautelar. Por
exemplo: o juiz concedeu a inversão do contencioso numa providência de restituição provisória
da posse; o requerido pode intentar uma ação em solicita o reconhecimento de um direito
incompatível com a posse do requerente.

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➔ Não preclusão
O objeto da ação de impugnação não é afetado por nenhuma preclusão de algum facto que
pudesse ter sido invocado pelo requerido no procedimento cautelar em que foi decretada a
inversão do contencioso. Isto é: mesmo que o facto pudesse ter sido alegado no anterior
procedimento cautelar por aquele requerido, ainda assim nada que ele seja usado como causa de
pedir da ação de impugnação por essa mesma parte.
A solução é imposta pela circunstância de a decisão sobre a matéria de facto não poder ter
qualquer influência no julgamento da ação principal (art. 364/4): se assim é, também não pode
haver nenhuma preclusão factual nesta ação.

Vicissitudes das Providências

➔ Caducidade – causas
As providências decretadas (nominadas ou inominadas (art. 376/1) e as cauções que as
substituam (art. 373/2) caducam nas seguintes situações:
→ Se, após a providência ter sido ordenada, o requerente não propuser a ação da qual a
providência depende no prazo legal, exceto se tiver sido decretada a inversão do
contencioso (art. 373/1al. a) e 2; artigo 364/1);
→ Se a ação pela qual a providencia depende vier a ser julgada improcedente, por decisão
transitada em julgado (art. 373/1 al. c));
→ Se, na ação da qual a providência depende, o réu for absolvido da instância e o
requerente não propuser nova ação em tempo de aproveitar os efeitos da proposição
da anterior (art. 373/1 al. d); art. 279/2);
→ Se, proposta a ação da qual a providência depende, o processo estiver parado mais de
30 dias por negligência do requerente (art. 373/1 al. b));
→ Se o direito que o requerente pretende acautelar se tiver extinguindo (art. 373/1 al. e));
→ No caso do arresto, se o credor insatisfeito não promover execução dentro dos dois
meses subsequentes após o transito em julgado da sentença condenatória ou se,
promovida a execução, o processo ficar sem andamento durante mais de 30 dias, por
negligência do exequente (art. 395).

➔ Modus operandi
A caducidade nunca opera ex lege: tem sempre de ser decretada pelo juiz após estar
demonstrada a ocorrência do facto extintivo e depois da audição do requerente (art. 373/3). A
demonstração do facto extintivo pode ser da iniciativa do requerido (como sucede quando a
caducidade da providência resulta da não propositura da ação principal ou da extinção do direito
acautelado: art. 373/1 al. a) e e)) ou do próprio tribunal, quando a causa de caducidade seja um
facto de conhecimento funcional (artigo 5/2 al. c) e 412/2) (como pode suceder quando a
caducidade seja consequência da improcedência da ação principal ou da absolvição da instancia
nesta ação : art. 373/1 al. c) e d)).

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➔ Modificabilidade
Embora nada se refira na lei, há que admitir que as providencias podem ser modificadas por
circunstâncias posteriores ao seu decretamento. Se o requerido pode invocar factos extintivos que
conduzem à caducidade da providência (art. 373/3), então, por um argumento a fortiori, também
pode invocar factos modificativos que conduzem à modificação da providência decretada. Por
exemplo: tendo o juiz fixado determinada quantia a título de alimentos provisórios, pode o
requerido solicitar a sua diminuição, atendendo à superveniência de dificuldades económicas (art.
2012 CC).

Resumo mais prático:

Os procedimentos cautelares são processos urgentes, e que dão uma solução temporária.
Mas não é o único processo urgente: há em Portugal outros processos urgentes, e que são
definitivos. Ex. intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias.
Providências cautelares: são incidentes que vêm ligados quase sempre a uma ação
principal e aquilo que se decide ou é confirmado ou não pela ação principal. Isto significa que há
2 maneiras de aparecer a providência:
→ Ter um problema urgente, requerer, o juiz analisar, ganhar ou perder e depois propor ação
principal. Se a providência for requerida, concedida e eu nunca chegar a propor a ação
principal? A providência cautelar caduca passados 30 dias. A providência tem de estar
associada à ação principal
→ Outra hipótese seria: primeiro propor a ação, depois a meio da ação aparece situação de
urgência: aparece quando a ação principal já existe.
Em ambos os casos são incidentes da ação principal.
Providência cautelar e ação principal muitas vezes têm o mesmo conteúdo. Ex. quero uma
pensão de alimentos do meu pai. Na ação principal peço alimentos e na providência cautelar peço
alimentos também- o que se quer com a providência cautelar é a sua antecipação- alimentos
provisórios, antecipa os alimentos.
No entanto, por vezes as providências têm conteúdo diferente da ação principal. Ex.
arresto-ligada ao pagamento de uma divida- o que faz? Coloca todos os bens numa situação de
indisponibilidade, têm de ficar no património- trata-se de um impedimento de alienação. Ou seja,
o que se pede na ação principal nestes casos? Neste caso concreto, na ação principal pede-se o
cumprimento da dívida, e na providência pede-se que os bens fiquem na indisponibilidade.
Para garantir que quando a ação principal for proferida, o direito que se está a tutelar ainda
existe ou não sofreu um dano irreparável: no caso do arresto, o que acontece se eu pedir
condenação do réu a pagar 100 milhões e a ação demora 2 anos. Se ele anda a desbaratar o
património dele, quando chegar esse tempo ele já não tem bens.
Incidente, unido a uma ação principal, que visa garantir que a decisão da ação principal
quando for proferida ainda é útil- que o direito que se faz prosseguir nessa sentença ainda existe,
sem estar irremediavelmente lesado.

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REGIME GERAL
Existem 3 requisitos: se fosse juiz decretava uma providência cautelar?

→ Periculum in mora: para conseguir providência cautelar, tenho de convencionar o juiz de


que o tempo que vai demorar a darem uma decisão na ação principal é tão longo, que se
ficar à espera o direito ou vai desaparecer ou vai ficar irremediavelmente lesado.
Demonstrar que a urgência é justificada na medida se esperar, sem tutela intermédia ou
provisória, quando chegarmos ao fim da ação esta já não serve para nada porque o meu
direito já ficou destruído ou irremediavelmente lesado;

→ Fumus boni iuris: o juiz para decretar a providência tem de achar que é plausível que o
direito que o requerente está a invocar exista. Porque os juízes demoram 2/3 anos a
resolver uma ação? É o tempo que é preciso para dar todas as garantias necessárias, para
produção da prova etc. Não são decididos mais rápidos pois isso não daria garantiam para
que as decisões jurídicas sejam adequadas e justas, então as questões rápidas das
providências cautelares há dúvidas- onde se está a perder? Será que o réu se pode defender
adequadamente? Se encurtamos o processo algo vai ficar pior. São provisórias porque são
decisões com qualidade sub-ótima, daí a necessidade de posterior confirmação na ação
principal. Baixa-se o nível: pode decretar-se se o juiz achar que é plausível que o
requerente tenha razão. E porque isto não escandaliza?
Porque a providência é provisória e vai sempre ser analisada a ação principal, que
tem quase sempre de existir e esta decisão principal depois pode substituir;
Porque se o requerente utilizar fraudulentamente o facto de o juiz não ter muito
tempo para analisar a questão para ganhar, vai ter de indemnizar o requerido- art.
375º- responsabilidade do requerente: a decisão vai ser rápida, o requerente pode
utilizar este expediente- se enganar com dolo vai ter de indemnizar o requerido
pelos danos causados.
Estas 2 coisas asseguram que não tem mal conceder providências sem certeza absoluta de
que o autor tem razão. Desce-se a fasquia: isto tem várias dimensões- estudo do direito e no plano
dos factos- juiz vai ter de considerar plausível que os factos tenham acontecido, em vez de
considerar provado.
Em termos probatórios, grau de prova inferior (grau de convicção) - só tem de achar
plausível- grau de prova aqui chama-se mera justificação- não tem de ter a certeza que o autor
tem razão, que o facto aconteceu. Ex. arresta bem só por achar plausível que o réu tenha aquela
dúvida, sem ter de estar provado que a dívida existe.
NOTA: Dentro do caso- há sempre informação para saber se há urgência. Quanto ao
fumus boné iuris- explicar o que é, enquadramento, não precisamos de tomar decisão, dizemos o
que é- o juiz teria de ver se acha que é plausível ou não.

→ Proporcionalidade: art. 368º/2- a providência que o juiz decreta nunca pode causar mais
danos para o requerido do que os benefícios que provoca no requerente.

Se estes 3 requisitos estiverem verificados, o juiz pode decretar a providência

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Se se perguntar: será que providência deve ser requerida? Há que referir esses 3 aspetos
(pressupostos) mais um antes e outro depois
1. Saber se a providência que o autor requereu é a mais adequada para aquela situação, para
garantir que a ação principal ainda é útil. E se o juiz entender que aquela providência não
é a mais adequada? Ex. peço arresto e é outra. O juiz pode trocar o que as partes pedem?
No geral, de acordo com o princípio do dispositivo, a sentença seria nula
MAS nas providências cautelares temos regra inédita- 376º/3- diz exatamente o oposto da
regra normal- se o requerente pedir uma providência cautelar que não é a mais adequada para
garantir a finalidade, o juiz troca e dá a providência que acha mais adequada. É possível porque
estamos num processo urgente e provisório- dar ao juiz a possibilidade de ter aqui poderes extra.
Os poderes dos juízes nas providências são muito superiores ao da ação principal- o que
interessa é a utilidade da ação principal e para essa finalidade o juiz pode alterar a providência
cautelar. O que baliza a sua atuaçao? Utilidade de ação principal.

Outro aspeto importante:


Audição do requerido: às vezes o juiz decreta a providência sem ter ouvido o requerido.
Se isto viola o princípio do contraditório, porque estamos a permiti-lo? Porque há urgência
e porque é provisória a decisão.
Em que situações o requerido não é ouvido? Antes do testamento da providência. Situações
em que ouvir o requerido pode ser inutilizador da providência- vai demorar mais, mas
principalmente o requerido pode comportar-se de uma maneira que inutilize a providência
acautelar.
Ex. se o réu se pronunciasse sobre o arresto- vai tirar os bens? Nas 48h desbarata o
património todo
No arresto não se ouve o requerido antes de decretar a providência.
-- Regra de audiência: ouvir o requerido antes de decretar providência. E se eu
demonstrar no caso concreto que ouvir o requerido e se este for citado antes do decretamento, isto
torna a providência inútil? Nestas situações 1º providência depois citação.
226º/4- funcionários quando veem processo urgente, mandam ao juiz e este é que decide
se citam o réu antes ou depois
NOTA: ouve-se sempre o requerido, apenas se pode escolher entre ouvir antes ou depois.
Permitimos apenas que não se ouça o reu antes do decretamento da providência.

Providências: podemos pedir o que quisermos, tal como na ação principal. As providências
não são tipificadas. Mas no CPC temos: as providências não especificadas e depois as
especificadas (o legislador tipificou determinadas providências com outros requisitos, com regras
especiais de audição do requerido). Assim, para além do regime geral, em que o autor pode pedir
o que quiser, no capítulo que começa nos 377º e ss. temos as providências especificadas em que
a lei diz tudo o que são as leis aplicadas àquelas providências. Ex. restituição provisória da posse.
Como funciona a articulação do regime especial ou geral?

o 1º momento do caso: ver se providência é a adequada ou vermos nós qual se aplicaria ao


caso concreto;

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➢ Primeiro vemos se alguma tipificada ajuda no caso; se não ajudar, vamos para o
regime não especificadas e peço o que quiser (regime geral).
➢ Quando a lei diz que o juiz pode mudar a providência é entre as 2: especificadas e
não especificadas. O juiz tem todo o poder aqui para alterar o pedido de
providência cautelar feita pelo requerida.

Como funciona?
Tudo o que o regime especial disser aplica-se, depois em tudo o que não regule aplicam-
se as regras gerais- 376º/1: exceção da lógica de Subsidariedade das providências não
especificadas- salvo o nº2 do art. 368º- proporcionalidade. O que significa? Se eu tiver
uma providência especificada que nada diga sobre a proporcionalidade, não vou ao regime
geral, apenas presumo que este requisito na providência especificada não é requisito. O
requisito da proporcionalidade do regime geral não se pode aplicar supletivamente.
Ex. arresto- não há audição do requerido- logo não vou aplicar o 366º. Só quando não diz
nada. Tudo o que vem no capítulo da providência especificada aplico regime comum, exceto na
questão da proporcionalidade.

Princípio da autonomia das providências cautelares- 362º/4


→ Regime regra é que não pode haver providência cautelar desligada da ação principal. Mas
esta regra diz que tudo o que se passa dentro do incidente não pode contaminar a ação
principal. Isto contraria a ideia de que se ganhei a providência cautelar agora vou ganhar
a ação principal- há uma verdadeira autonomia- não vai contaminar o juiz a sentir que
deve decidir da mesma maneira. Ex. para o juiz decidir uma providência cautelar pode ter
de ouvir algumas testemunhas (se o caráter urgente o permitir no caso concreto). A
testemunha que fale na providência cautelar depois tem de repetir o depoimento na ação
principal- não se pode aproveitar; o que se passa na providência, não pode contaminar
ação principal. Exceção: confissão (art. 357º)

Passos para resolver o caso prático:


→ 1º ver se a providência á adequada;
→ Ver os requisitos para ser adequada (se for comum àqueles 3);
→ Ver se o requerido deve ou não deve ser ouvido. Se não 366º/1- critério para se ouvir e
não se ouvir

Outro tema importante:


Inversão do contencioso (figura que surgiu com a reforma de 2013) exceção que veio
impedir de dizer que as providências estão sempre associadas a uma ação principal: ou a
ação já foi proposta, ou tem de ser proposta depois de 30 dias após o decretamento da
providência cautelar.
Em alguns casos raros, é possível a inversão do contencioso. É certo que as providências
são rápidas e por isso são sub-ótimas pois o juiz não tem tanto tempo para analisar as questões,
não dá para fazer perícias etc… por isto, a decisão normalmente não é boa. Contudo, pode haver

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situações em que as partes não discutem factos, só direito, ou fica tudo provado com prova
documental- em algumas situações, pode acontecer o juiz dizer- sinto-me tão convencido como
se estivesse numa ação principal, o requerente tem razão. Antes de 2013- não dava para fazer isto;
autor tinha de propor na mesma a ação principal. Com a inversão, o juiz pode dizer: decreto a
providência e garanto que me estou a sentir tão convencido como se fosse a ação principal-
inverte-se o ónus de propositura da ação principal, ou seja, uma ação principal que deveria
normalmente ser proposta pelo requerente, o requerente deixa de ter o ónus de iniciar a ação
principal, e passa a ser o requerido a ter o ónus de por a ação principal, pedindo o oposto do que
o autor pediria. Ex. se requerido acha injusta a pensão de alimentos, propõe ação.
As ações que este requerido depois propõe são maioritariamente ações de simples
apreciação negativo. E esta ação principal nestes casos é proposta pelo requerido- se não a
propuser passados 30 dias, a providência cautelar torna-se definitiva, como se tivesse sido
proferida sentença como na ação principal.
-- juiz só pode decretar inversão do contencioso se estiver convencido.

Tramitação do processo comum

Na análise da tramitação do processo comum de declaração, isto é, da sequência ou


encadeado de atos em que ela se traduz-, convém distinguir entre o processamento normal e o
processamento eventual:
➔ Processamento normal: corresponde à sequência dos atos necessários ao julgamento da
causa, não havendo factos anómalos que os projetem sobre essa sequência;
➔ Processamento eventual: contempla tramitações que se tornem necessárias no decorrer do
processo em virtude de factos anómalos que se verificam e que para ele têm relevância.
O processo comum de declaração começa, pois, dois articulados- a petição inicial e a
contestação-, seguidos em alguns casos da réplica (arts. 552º, 569º e 584º). Isto, no entanto, só é
assim no processamento normal, dado que, após a contestação, podem ocorrer vários
acontecimentos: uma das partes pode falecer, hipótese em que se suspende a instância (art.
269º/1/a) e se procede à habilitação (art. 351º/1); uma das partes pode casar com um familiar
próximo do juiz, que deve então, por despacho nos autos, declarar-se impedido (art. 115º/1/b) e
116º/1)); um terceiro pode intervir como parte principal no processo (art. 316º, 317º/1 e 338º).

Fases do processo comum

As fases em que se divide o processamento normal do processo comum da declaração,


para o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, são as seguintes: fase dos articulados, fase da gestão
processual, fase da audiência final e fase da sentença. Esta divisão corresponde à sequência dos
quatro títulos em que se divide o Livro III do CPC.

No entanto, o Prof. regente, José Bonifácio Ramos procede a uma divisão diferente das
fases do processo comum, em 4 fases: fase dos articulados, fase da condensação/saneamento, fase
da instrução (individualizada) e fase da audiência final e sentença. Iremos seguir esta organização.

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Erro na forma do processo

Erro total

Depois de iniciada certa sequência processual, pode suceder que esta se revele legalmente
inadequada para a pretensão que se pretende fazer valer: é o que sucede quando, erradamente, se
tenha utilizado a forma comum, sendo a forma adequada a especial. O erro na forma do processo
é uma nulidade processual de conhecimento oficioso (art. 196º), podendo verificar-se duas
hipóteses:
➔ O processo comporta despacho liminar (art. 226º/4) e dá-se pelo vício em face da petição
inicial e logo após ela;
➔ Mesmo que o processo comporte despacho liminar (art. 226º/4), dá-se pelo vício só em
momento ulterior (art. 200º/2).

Se se der pelo vício em face da petição inicial e houver despacho liminar, o juiz deve
mandar seguir a forma adequada (art. 193º/3); apenas quando não possa ser utilizada essa forma,
por inadequação formal absoluta (isto é, por incompatibilidade total entre a forma erradamente
seguida e a forma legalmente adequada), a petição inicial deve ser indeferida (art. 590º/1).
Se se der pelo vício em momento posterior da marcha do processo, há duas hipóteses a
considerar pelo juiz (art. 193º/3):
➔ Pode aplicar-se o estabelecido no art. 193º/1: nesta hipótese, são anulados os atos que não
possam ser aproveitados (art. 193º/2) e são realizados os que forem estritamente
necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma adequada;
➔ Não se pode aplicar, por inadequação formal absoluta, o disposto no art. 193º/1; neste
caso, o réu deve ser absolvido da instância pela verificação de uma exceção dilatória
inominada (art. 576º/2).

Erro parcial

Também pode haver erro parcial na forma do processo: inadequação da forma de processo
só para algum ou alguns dos pedidos formulados (cumulação objetiva, coligação ou reconvenção).
Nessa hipótese, a anulação a que se refere o art. 193º/1 traduz-se numa absolvição da instância
quanto ao pedido para o qual a forma é absolutamente inadequada, dado que não se trata de
corrigir uma inadequada forma do processo, mas antes de extinguir a instância quanto a um pedido
formalmente incompatível com outro ou outros.

Aspetos da tramitação

Tramitação eletrónica

A tramitação dos processos é efetuada eletronicamente (art. 140º/2 LOSJ + art. 132º/ 1 e
2).

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Notificações de partes

As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus


mandatários judiciais (art. 247º/1), exceto se a notificação se destinar a chamar a parte para a
prática de um ato pessoal (247º/2), como, por exemplo, o depoimento de parte (452º/1). As
notificações dos mandatários são realizadas por via eletrónica, presumindo-se que a notificação
foi feita no terceiro dia posterior ao da laboração ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando
o não seja (248º/1).
O art. 248º/4 contém um regime especial atendendo ao número elevado de partes, à
dimensão do despacho ou da decisão a notifica ou ao volume dos documentos a transmitir: em
qualquer destas hipóteses, a notificação pode ser realizada através do envio por carta registada de
um código de acesso a endereço eletrónico onde os elementos a notificar ou a transmitir se
encontrem disponíveis. Esta notificação presume-se feita no décimo dia posterior ao do registo ou
no primeiro dia útil seguinte a esse dia (art. 247º/6).
Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são feitas por via eletrónica,
quando a notificação seja dirigida a pessoa coletiva, ou por carta registada, dirigida para a
residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber; presumindo-se feita
no terceiro dia posterior ao do envio para o sistema informático do notificado ou ao do registo ou
no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja (216º/6 e 249º/1). A notificação realizada
por carta registada não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde
que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido
para o efeito de a receber (art. 249º/2, 1º parte).
Em qualquer caso, a notificação considera-se efetuada quando o notificando proceda à
consulta eletrónica do processo (art. 247º/7 e 249º/6).

Notificações entre mandatários

Nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, os atos


processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes após a notificação da contestação
do réu ao autor, são notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial
da contraparte (art. 221º/1). Para esse efeito, o mandatário judicial que assuma o patrocínio na
pendência do processo deve comunicar o seu domicílio profissional e endereço de correio
eletrónico ao mandatário judicial da contraparte (art. 221º/2).

Publicidade no processo

O acesso aos autos é limitado nos casos em que a divulgação do seu conteúdo possa causar
dano à dignidade das pessoas, à intimidade da vida privada ou familiar ou à moral pública ou posa
colocar em causa a eficácia da decisão a proferir (art. 164º/1). O acesso a informação constante
do processo também pode ser limitado quanto aos dados pessoais que não sejam pertinentes para
a justa composição do litígio (art. 164º/3).

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1ª Fase – Articulados

Nos termos do art. 147.º CPC, o processo comum declarativo abre com a fase dos
articulados, que são as peças em que as partes expõem os fundamentos da ação e da defesa e
formulam os pedidos correspondentes.
Os articulados devem ser concisos e precisos, isto é, devem evitar tratar matérias
irrelevantes e repetir as mesmas matérias.

o Requisito dos articulados

Os articulados devem respeitar, em geral, os seguintes requisitos:

• Na parte em que contenham factos que interessem à fundamentação do pedido ou da


defesa, devem ser redigidos em forma articulada, nos termos do art. 147.º/2 CPC;
• Devem ser apresentados em duplicado quando sejam entregues na secretaria judicial ou
remetidos pelo correio, de acordo com o art. 148.º/1 1ª parte CPC; devem ser oferecidos
tantos duplicados quantos os necessários para a realização, pela secretaria, de citações ou
notificações que não seja por via eletrónica, de acordo com o art. 148.º/1 2ª parte CPC; a
não entrega dos duplicados legais é sancionada com o pagamento de uma multa, nos
termos do art. 148.º/3 CPC.

Seguindo a regra estabelecida no art. 144.º/1 e 2 CPC, os articulados, assim como os


documentos que os devem acompanhar, são entregues através do sistema informático; ressalva-
se a hipótese de uma situação de justo impedimento obstar à entrega do articulado por meios
informáticos, nos termos do art. 144.º/8 CPC.
No entanto, se a parte não se encontrar representada por mandatário judicial, os articulados
também podem ser apresentados nos termos do art. 144.º/7 CPC.

o Articulados admissíveis

Em processo comum de declaração, a ordem dos articulados admissíveis é a seguinte:


• Petição inicial, de acordo com o art. 552.º CPC;
• Contestação, de acordo com o art. 572.º CPC;
• Réplica, de acordo com o art. 594.º CPC.
Pode ainda haver articulados supervenientes, nos termos do art. 588.º CPC.

Petição Inicial

No âmbito do princípio do dispositivo, tem de haver uma pretensão por parte do autor,
não podendo o juiz substituir-se aos interesses da parte.
Portanto, o primeiro ato do processo é a demanda, isto é, o trâmite correspondente é a
entrega na secretaria judicial de um requerimento inicial ou de uma petição inicial, de acordo com
o art. 259.º/1 CPC.

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Além dos requisitos gerais dos articulados, a petição inicial tem de respeitar
determinados requisitos específicos, nos termos do art. 552.º CPC.
De acordo com o art. 552.º/6 1ª parte CPC, no final da petição, o autor deve apresentar o
rol de testemunhas e requerer as provas constituendas que devem ser produzidas no processo.
Caso o réu conteste, o autor é admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente
apresentado, podendo fazê-lo na réplica, caso haja lugar a esta, ou no prazo de 10 dias a contar da
notificação da contestação, nos termos do art. 552.º/6 2ª parte CPC.
Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação devem ser apresentados
com a petição inicial, de acordo com o art. 423.º/1 CPC.

o Rejeição da entrega

Pode acontecer que a petição inicial seja rejeitada pelo sistema informático ou pela
secretaria, nos termos do art. 558.º/1, 2 e 3 CPC, como por exemplo se faltar o endereço,
identificação, etc. Deve, pois, atender-se aos formalismos do art. 552.º CPC. A secretaria analisa
se esses requisitos estão preenchidos; não estando, pode ser a petição recusada pela secretaria
previamente antes de chegar ao tribunal.
Quando isto foi introduzido gerou muitas críticas, pelo facto de introduzir um filtro
administrativo, não sendo o juiz a decidir.
Porém, da recusa de recebimento cabe reclamação para o juiz, nos termos do art. 559.º
CPC.
Se a causa não exigir patrocínio judiciário, se a parte não estiver representada por
mandatário judicial e se a petição não tiver sido apresentada por via eletrónica, a parte pode
apresentar outra petição dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou à
notificação do tribunal de recurso, caso em que se considera a ação proposta na data em que a
primeira petição tiver sido apresentada em juízo, nos termos do art. 560.º CPC. Este regime
garante que o autor não perde os efeitos decorrentes da entrega da primeira petição inicial,
como por exemplo a interrupção da prescrição, nos termos do art. 323.º/2 CC.
Quanto à salvaguarda dos efeitos da entrega da petição inicial que foi rejeitada, o regime
institui uma injustificada distinção entre partes representadas por advogado e partes não
representadas por advogado e, nestas últimas, entre aquelas que entregam a petição inicial por
via eletrónica e aqueles que o fazem, por outra via. Trata-se, por isso, de um regime
inconstitucional por violação do princípio da igualdade, de acordo com o art. 4.º CPC e art.
13.º/1 CRP.

o Propositura da ação

Se a petição for recebida pelo sistema informático ou pela secretaria, é nesse momento
que a ação se considera proposta, intentada ou pendente, de acordo com o art. 259.º/1 CPC.
Apesar de o ato de propositura da ação só produzir efeitos em relação ao réu depois da sua
citação, a mera pendência da ação a partir do recebimento da petição inicial pela secretaria
também produz alguns efeitos, nomeadamente:
• Início da contagem do prazo de cinco dias para a interrupção da prescrição, onde se, por
causa não imputável ao autor, a citação não se fizer dentro de cinco dias após a propositura

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da ação, a prescrição tem-se por interrompida logo que decorra esse prazo, de acordo
com o art. 323.º/2 CC;
• Constituição de causa impeditiva da caducidade, onde a propositura da ação constitui
um dos atos a que a lei atribuir efeito impeditivo da caducidade, de acordo com o art.
323.º/1 CC;
• Fixação da competência do tribunal, onde esta se fixa no momento da propositura da
ação, sendo irrelevantes as modificações de factos que ocorram posteriormente, nos
termos do art. 38.º/1 LOSJ;
• Determinação do valor da causa, onde este se fixa, em regra, no momento da propositura
da ação, de acordo com o art. 299.º/1 CPC.

A interrupção da prescrição decorrente da propositura da ação nos termos do art. 323.º/1 e


2 pressupõe que o direito que constitui o objeto do processo é suscetível de prescrição e que
o tipo de ação é compatível com a interrupção da prescrição. Isto justifica que a citação para
uma ação de apreciação negativa não possa provocar nenhuma interrupção da prescrição, dado
que o autor não mostra a intenção de exercer nenhum direito: o mesmo há que entender quanto à
contestação do demandado nessa ação, porque está é apenas uma defesa contra a alegação da
inexistência do direito. Em contrapartida, a interrupção da prescrição ocorre mesmo que, como
acontece em alguns procedimentos cautelares, o contraditório da parte demandada seja diferido.

o Formalidades liminares

Apresentada a recebida a petição inicial sucede-se uma série de formalidades liminares,


nomeadamente a entrada, distribuição, autuação, despacho liminar e citação.
A petição inicial é normalmente entregue através de transmissão eletrónica de dados,
de acordo com o art. 144.º/1 CPC, que, depois de dar entrada no sistema informático, a causa é
distribuída.
Recebida a petição inicial, é a mesma autuada. Por autuação entende-se a formação, com
a petição inicial, com a petição inicial, de um caderno, com as folhas numeradas e uma capa que
lhe é posta; caderno a que se juntarão os demais documentos e peças forenses que constituem o
processo em sentido material.
Depois da entrega e recebimento da petição inicial, há que proceder à citação do réu,
devendo esta ser promovida oficiosamente pela secretaria, nos termos do art. 226.º/1 CPC, mas,
em certos casos, depende de um prévio despacho judicial.
Na generalidade das ações, não há despacho liminar prévio à citação do réu. Ressalva-se a
hipótese de o juiz, fazendo uso dos seus poderes de gestão processual, nos termos do art. 6.º/1
CPC, determinar que a petição inicial de um processo ou de um tipo de processos lhe seja
apresentada para despacho liminar, nos termos do art. 590.º/1 CPC.

Com isto, quando ao juiz for feito presente pela secretaria o processo para lavrar despacho
liminar, o juiz pode vir a proferir um dos seguintes despachos, nomeadamente:
• Despacho de indeferimento;
• Despacho de aperfeiçoamento;
• Despacho anómalo;

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• Despacho de citação.

o Despacho de indeferimento

O despacho de indeferimento liminar é proferido nos casos de inviabilidade lato sensu do


pedido, caso em que, nos termos do art. 590.º/1 CPC, temos a manifestação improcedência do
pedido – invalidade stricto sensu – e a verificação de exceções dilatórias insupríveis e de
conhecimento oficioso. Nestas exceções dilatórias há que distinguir a ineptidão da petição
inicial da falta manifesta de certos pressupostos processuais.

✓ Inviabilidade do pedido

A inviabilidade stricto sensu diz respeito à questão de fundo, isto é, ao mérito da causa, onde
o juiz deve indeferir a petição inicial quando seja evidente que a pretensão do autor não pode
proceder.
Esta improcedência pode resultar da caducidade do direito alegado pelo autor, que justifica o
indeferimento liminar quando seja de conhecimento oficioso, isto é, quando respeite a direitos
indisponíveis, de acordo com o art. 333.º/1 CC.
Dado que eta decisão do juiz, porque incide sobre o mérito da causa, adquire valor de caso
julgado material, o indeferimento liminar só pode ocorrer em situações de inviabilidade
manifesta da petição inicial.

✓ Ineptidão da petição inicial

Se não forem respeitados estes requisitos, dá-se ineptidão da petição inicial, nos termos
do art. 186.º CPC.
Com isto, a ineptidão da petição inicial verifica-se nas seguintes hipóteses:
• Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, como
por exemplo se A propuser uma ação contra B de 10 000€ sobre um contrato de
empreitada, mas não mencionar as circunstâncias do contrato, nomeadamente as suas
cláusulas, como foi celebrado, etc.;
• Quando pedido esteja em contradição com a causa de pedir, como por exemplo se o
autor invocar a nulidade do contrato e pedir a sua execução específica.
A ideia geral é impedir o prosseguimento de uma ação viciada por falta ou contradição
interna da matéria ou objeto do processo, que mostre desde logo não ser possível um ato de
julgamento.
Por isso, deve haver um filtro prévio antes das petições irem ao encontro do juiz.

✓ Falta de pressupostos

A falta manifesta de certos pressupostos processuais, e a consequente inadmissibilidade


que origem, também pode ser causa de indeferimento liminar da petição. Note-se, porém, que:
• Nem todos os vícios resultantes da falta de pressupostos processuais podem justificar
o indeferimento, mas só aqueles que respeitem a exceções dilatórios insupríveis e de
conhecimento oficioso; é o caso da generalidade das hipóteses de incompetência absoluta

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do tribunal e de algumas situações de incompetência relativa, da falta de personalidade


jurídica do autor ou do réu, da ilegitimidade singular do autor ou do réu e da inadequação
formal absoluta da forma do processo escolhida pelo autor;
• A falta dos pressupostos processuais só justifica o indeferimento liminar quando for
manifesta ou evidente; na dúvida, o juiz não deve estudar para decidir a dúvida sobre o
preenchimento do pressuposto, mas sim mandar citar o réu.

✓ Reações do autor

O indeferimento liminar é notificado ao autor, onde este pode tomar uma de três atitudes:
• Nada fazer, extinguindo-se a instância quando o despacho transite em julgado;
• Apresentar outra petição; se o puder fazer dentro de 10 dias contadas da notificação, a
ação considera-se proposta na data em que a primeira petição tenha dado entrada na
secretaria, o que significa que o autor não perde os efeitos decorrentes da pendência da
primeira ação, designadamente a interrupção da prescrição;
• Recorrer do despacho de indeferimento, sendo sempre admitido recurso até à Relação,
nos termos do art. 629.º/3 alínea c CPC; o despacho que admitir o recurso ordena
igualmente a citação do réu para os termos do recurso e da causa, nos termos do art. 641.º/7
CPC.

Se o autor vencer o recurso no tribunal superior, fica assente o carácter não inepto da
petição inicial ou a verificação do pressuposto processual que estava em causa; se o
indeferimento tiver sido por inviabilidade stricto sensu, a vitória no recurso apenas assegura o
seguimento da causa. O réu é notificado da revogação do despacho liminar; desta notificação se
conta o prazo da contestação, nos termos do art. 569.º/1 2ª parte CPC.
Se o autor perder o recurso, o processo volta à 1ª instância e, quando der entrada na
secretaria, o autor é notificado. Esta parte pode, de novo, nada fazer ou apresentar outra petição.

o Despacho de aperfeiçoamento

O art. 590.º/1 CPC permite o indeferimento liminar em alternativa à citação do réu, nada
se prevendo quanto ao conhecimento de exceções dilatórias sanáveis e de vícios da petição inicial
que não conduzam ao indeferimento liminar. O regime legal guarda para um momento posterior
o conhecimento desses vícios, que é na audiência prévia, realizada na fase da gestão processual,
em que o juiz pode convidar as partes a sanar as exceções dilatórias, a suprir as
irregularidades insuficiências ou imprecisões dos articulados.
Este regime é coerente com a regra da inexistência de despacho liminar, mas não pode
afastar que, tendo o processo sido apresentado ao juiz para proferimento desse despacho, o juiz
não possa aproveitar a ocasião para, em vez de indeferir liminarmente a petição inicial, sanar ou
convidar a sanar alguma exceção dilatória, nos termos do art. 6.º/2 CPC, ou convidar o autor a
aperfeiçoar o seu articulado. O juiz pode, pois, promover este despacho para corrigir alguma
irregularidade da petição inicial.

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o Despacho de citação

O despacho de citação é o único despacho liminar positivo, nos termos do art. 563.º
CPC, em que o réu é citado para contestar, sendo advertido, no ato de citação, de que a falta de
contestação implica a confissão dos factos articulados pelo autor.

O despacho liminar de citação pode ser:

• Simples (“cite-se o réu”);


• Aditado de alguma circunstância acrescentada pelo juiz. Por exemplo, o juiz pode
corrigir algum vício, designadamente a forma de processo (“cite-se o réu, mas, dado que
o valor da causa é de 50 000€, para seguir os termos, não da ação declarativa especial
para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos como o autor
erradamente indica, mas do processo comum de declaração”).

o Despachos anómalos

O juiz pode ainda lavrar despachos liminares com conteúdo diverso, nomeadamente:

• Se for proposta, no tribunal em que é único juiz certa pessoa, uma ação em que seja parte
esse juiz, o seu conguês, algum seu ascendente ou descendente ou quem com ele conviva
em económica comum, este tribunal é relativamente incompetente nos termos do art.
84.º/1 CPC; desta incompetência relativa conhece o juiz ex officio, devendo ordenar a
remessa do processo para a circunstância mais próxima, nos termos do art. 84.º/2 CPC.
O juiz que é parte declara-se, pois, impedido, nos termos do art. 115.º/1 alínea a ou b e
art. 166.º/1 CPC, ordenado a remessa do processo para o tribunal competente;
• Se for proposta em tribunal uma ação em que certo incapaz ou certa pessoa coletiva se
apresente irregularmente representada, não oferecendo essa irregularidade de
representação dúvidas em face da petição inicial, o juiz deve usar a faculdade atribuída
pelo art. 28.º/2 CPC, citando o representante legal do incapaz ou da pessoa coletiva. O
mesmo vale para a hipótese de representação irregular de incapaz;
• Se for manifesta a falta de autorização por parte do tutor, curador ou administrado de bens
do incapaz autor, o juiz lavra um despacho complexo, que envolve despacho de citação
do réu, de notificação ao representante para obter autorização e de suspensão da instância,
nos termos do art. 1940.º/3 CC.

Citação do réu

A citação é o ato pelo qual se dá o conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele
determinada ação e se chama ao processo para se defender, nos termos do art. 219.º/1 1ª parte
CPC.
Assim, a citação não é um articulado, mas um ato de comunicação do processo a um
interessado, sendo preciso dar conhecimento da pendência do processo, atendendo ao princípio
do contraditório.

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É por essa citação ser o primeiro ato de comunicação da pendência do processo que, na
hipótese de tal ato neste momento processual já se ter verificado, ela é substituída por
notificação.
A importância da citação decorre de ser uma consequência do princípio da igualdade
das partes e um pressuposto da contraditoriedade e da defesa do réu. Daí que a lei regule
cautelosamente a sua tramitação, os seus efeitos e as consequências das irregularidades que se
podem verificar.

o Oficiosidade

Incumbe à secretaria do tribunal promover oficiosamente, sem necessidade de prévio


despacho do juiz, as diligências que se mostrem adequadas à efetivação da regular citação
pessoal do réu e à rápida remoção das dificuldades que obstem à realização do ato, nos termos
do art. 226.º/1 CPC. A secretaria tem o dever de informar o autor se, passados 30 dias, a citação
ainda não se tiver efetuado, e de fazer o processo concluso ao juiz se, passados outros 30 dias, a
citação continuar sem se ter realizado, nos termos do art. 226.º/2 e 3 CPC.

o Despacho do juiz

Em certos casos, a citação do réu depende de prévio despacho judicial, o que sucede
sempre que o juiz deva proferir despacho liminar, nos termos do art. 226.º/4, verifica
nomeadamente nas seguintes hipóteses:
• Quando se trate de citação urgente, nos termos do art. 226.º/4/alínea f e art. 561.º CPC;
• Nos casos em que a propositura da ação deve ser enunciada através de editais, de acordo
com o art. 226.º/4 alínea c CPC;
• Quando, por determinação do juiz, a petição inicial deva ser apresentada a despacho
liminar, nos termos do art. 590.º/1 CPC.

O despacho que mande citar o réu é irrecorrível, embora não se considerem precludidas
as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar, nos termos do art. 226.º/5 CPC.
Dito de outro modo, o réu pode sempre invocar qualquer vício que, por ser de conhecimento
oficioso, devia ter obstado à sua citação.

o Modalidades da citação

A citação é distinta para pessoas singulares, aplicando-se o disposto no art. 225.º a art.
245.º CP, sendo pessoal ou edital, e para pessoas coletivas, aplicando-se o disposto no art. 246.º
CPC.
A citação pessoal pode ser feita por via eletrónica ou por entrega ao citando de carta
registada com aviso de receção, mediante contacto pessoal do agente de execução com o citando
por contacto pessoal de funcionário judicial com o citando, nos termos do art. 225.º/2 alínea a, b
e c CPC.
A citação edital é feita quando o citando se encontre em parte incerta ou quando sejam
incertas as pessoas a citar, nos termos do art. 240.º CPC.

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À citação de pessoas coletivas aplica-se o disposto para a citação de pessoas singulares


com as necessárias adaptações, podendo ainda ser por via postal ou por via eletrónica.

o Citação equiparada

A citação é feita, em regra, na própria pessoa do réu ou do seu legal representante, onde os
incapazes e os ausentes são citados na pessoa dos seus legais representantes, nos termos do art.
223.º/1 CPC, ou de um curador provisório, nos termos do art. 234.º/3 CPC. Mas esta regra
comporta exceções:
• É equiparada à citação pessoal aquela que é efetuada em pessoa diversa do citando, mas
encarregada de lhe transmitir o conteúdo do ato, presumindo-se, salvo prova em contrário,
que o citando dela teve oportuno conhecimento, de acordo com o art. 225.º/4 CPC;
• A citação também pode ser efetuada em mandatário constituído pelo citando, com poderes
especiais para a receber, mediante procuração passada há menos de quatro anos, de acordo
com o art. 225.º/5 CPC.

o Elementos da citação

Para as pessoas singular, no ato de citação, deve o réu:

• Ser avisado da propositura da ação contra ele e dos elementos individualizadores desta,
nos termos do art. 219.º/1 CPC;
• Ser informado de que fica citado para a ação e do tribunal por onde corre o processo,
nos termos do art. 227.º/1 CPC, bem como do prazo dentro do qual pode oferecer a defesa,
da necessidade de patrocínio judiciário e das cominações em que incorre no caso de
revelia, nos termos do art. 227.º/2 CPC;
• Receber o duplicado da petição inicial e cópia dos documentos que a acompanham,
nos termos nos termos do art. 227.º/1 CPC.
Ao prazo de defesa do citando acresce uma dilação, que é variável nos termos do art.
245.º CPC.

o Efeitos da citação

A citação produz efeitos processuais e substantivos. Os efeitos processuais são os


seguintes:
• A estabilidade dos elementos subjetivos e objetivos da instância, nos termos do art.
564.º/alínea b CPC; em consequência, a modificação das partes e do objeto só pode ocorrer
nas situações previstas;
• A constituição da exceção de litispendência, se o réu já tiver sido citado para outra ação
idêntica quando às partes e ao objeto;
• A inadmissibilidade da propositura pelo réu de uma ação contra o autor com o
mesmo objeto, nos termos do art. 564.º/alínea c CPC.
Atendendo ao princípio da concentração, nos termos do art. 564.º/alínea c CPC, o réu
tem o ónus de se defender na ação proposta pelo autor, não podendo procurar discutir a razão

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dessa parte numa outra ação por ele proposta. Por exemplo, após a citação do réu numa ação de
reivindicação, este demandado não pode instaurar uma ação de apreciação negativa da
propriedade do autor; depois da citação numa ação de simples apreciação negativa na qual o autor
pede a declaração da inexistência de uma dívida, o demandado não pode intentar uma ação na
qual pretende obter a condenação do autor no cumprimento dessa dívida.
Através de uma interpretação extensiva do regime legal, há que entender que o réu
também não pode procurar provocar fora do processo um efeito incompatível com aquele
que é pretendido pelo autor. Por exemplo, após a citação do réu, esta parte está impedida de
revogar, resolver ou denunciar o contrato celebrado com o autor; do mesmo modo, após a citação
do réu, esta parte deixa de poder provocar a extinção do crédito do autor pela declaração de
compensação, devendo antes deduzir no processo pendente a respetiva reconvenção, nos termos
do art. 266.º/2 alínea c CPC.

Quanto aos efeitos substantivos, os principais são os seguintes:


• A cessação de boa fé do possuidor, nos termos do art. 564.º/alínea a CPC, uma vez que,
a partir da citação, o possuidor não pode afirmar que ignorava que, ao adquirir a coisa,
lesava o direito de outrem;
• A interrupção da prescrição, da usucapião e, em certos casos, da caducidade; se a
citação não ocorrer, por causa não imputável ao autor, dentro de cinco dias depois de ter
sido requerida, a prescrição tem-se por interrompida logo que decorra esse prazo; a
interrupção só se verifica, porém, se ação for proposta cinco dias antes de terminar o prazo
de prescrição;
• A constituição do devedor em mora, se a obrigação for sem prazo, dado que, nesta
hipótese, a citação vale como interpelação do devedor, bem como a resolução do contrato.

o Vícios da citação

Os vícios da citação são três, nomeadamente:

• Falta de citação, de acordo com o art. 187.º e art. 188.º CPC;


• Nulidade da citação, de acordo com o art. 191.º CPC;
• Falsidade da citação, de acordo com o art. 451.º/1 e 4 CPC.
o Falta de citação
o
Sendo o vício mais grave, a falta de citação verifica-se quando o réu não tenha sido
citado e quando não tinha sido citado pelo Ministério Público, nos casos em deva intervir
como parte principal.
A falta de citação é uma nulidade de conhecimento oficioso, nos termos do art. 196.º/1ª
parte e art. 187.º CPC. Mas o réu pode arguir a falta de citação em qualquer estado do processo,
nos termos do art. 198.º/2 CPC, onde, se o réu intervir no processo, só essa arguição pode obstar
a que a nulidade se considere sanada, de acordo com o art. 189.º CPC.

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o Nulidade da citação

A citação é nula quando, não sendo um caso de falta, nela não tenham sido observadas
as formalidades prescritas na lei, nos termos do art. 191.º/1 CPC, desde que essa inobservância
possa prejudicar a defesa do citado, nos termos do art. 191.º/4 CPC.
Se a irregularidade tiver consistido em se ter indicado um prazo superior ao concedido pela
lei, é esse o prazo que deve ser observado, a menos que o autor tenha feito citar novamente o
réu em termos regulares, nos termos do art. 191.º/3 CPC.
A nulidade da citação só é de conhecimento oficioso quando respeite à citação edital ou
tenha consistido na falta de indicação do prazo de defesa, nos termos do art. 196.º/1ª parte
CPC. O prazo para a arguição da nulidade pelo réu é o que tiver sido indicado para a contestação,
mas se a citação tiver sido edital ou se não tiver sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode
ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo, nos termos do art. 191.º/2 CPC.

o Falsidade da citação

Ocorre a falsidade da citação quando for falso algum documento destinado a atestar a sua
realização, onde importa distinguir duas situações:
• Se o documento tiver sido elaborado por funcionário judicial ou pelo agente de execução,
trata-se de um documento autêntico, pelo que a sua força probatória só pode ser ilidida
pela prova pelo réu da sua falsidade, nos termos do art. 372.º/1 CC; isso exige que o
citando demonstre quer que o documento que o atesta como tendo sido objeto da perceção
do funcionário que fez a citação qualquer facto que não se verificou ou como tendo sido
praticado por esse funcionário qualquer atos que o não foi, nos termos do art. 372.º/2 CC,
quer que, depois da sua formação, o documento foi alterado no seu conteúdo;
• Se o documento tiver sido elaborado por pessoa diversa do funcionário judicial, como por
exemplo o mandatário judicial, trata-se de um documento particular, pelo que incumbe
ao réu alegar que alguma das assinaturas que constam do documento, incluindo a sua, não
é verdadeira, nos termos do art. 374.º/4 CC.
A falsidade da citação deve ser arguida no prazo de 10 dias a contar do conhecimento
do ato, nos termos do art. 451.º/1 CPC. Se a falsidade da citação prejudicar a defesa do citando,
a arguição da falsidade suspensa a instância, mas o autor pode fazer terminar a suspensão se
requerer a repetição da citação, nos termos do art. 451.º/4 CPC.

Contestação

Citado o réu, este pode tomar fundamentalmente uma de duas atitudes: ou contesta ou
entra em revelia. Fundamentalmente porque o réu pode nem contestar, nem entrar em revelia: o
réu pode, por exemplo, confessar o pedido, nos termos do art. 283.º/1 CPC, ou limitar-se a
provocar a intervenção de um terceiro na ação.
Um quadro completo das atitudes possíveis do réu após a citação reconduz-se,
fundamentalmente, a três, nomeadamente a confissão do pedido, defesa ou inação: o réu ou
confessa o pedido, ou se defende, ou nada faz. Em concreto:

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• A confissão do pedido não tem subdistinções e consiste no reconhecimento pelo réu do


pedido formulado pelo autor;
• A defesa por apresentar três formas, nomeadamente contestação, defesa diferente e defesa
separada;
• A inação também não tem subdistinções e reconduz-se à revelia absoluta.
O réu também pode assumir atitudes mistas: pode confessar o pedido em parte ou
defender-se em parte, por exemplo. Se o réu confessar os factos, a sua atitude é mista: a confissão
perante a questão de facto, inação perante os restantes aspetos da pretensão do autor.

o Contestação como trâmite

O réu pode contestar dentro do prazo de 30 dias a contar da citação, de acordo com o
art. 569.º/1 1ª parte CPC. Esse prazo é prorrogável para o Ministério Público, nos termos do art.
569.º/4 CPC, e para o réu se ocorrer motivo ponderoso que impeça ou dificulte anormalmente a
organização da defesa, de acordo com o art. 569.º/5 e 6 CPC.
O prazo conta-se desde a citação, exceto em hipóteses particulares, nomeadamente:
• Se, antes de começar a contar o prazo para a defesa, correr um prazo de dilação, nos
termos do art. 569.º/1 1ª parte CPC; é a solução que também resulta do disposto no art.
242.º/2 CPC;
• Se o prazo para a defesa por parte de vários réus terminar em dias diferentes, a contestação
de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a
correr em último lugar, nos termos do art. 569.º/2 CPC; se o autor desistir da instância ou
do pedido relativamente a algum dos réus que ainda não tenha sido citado, o prazo para
a contestação conta-se a partir da data da notificação da desistência, nos termos do
art. 569.º/3 CPC;
• Se a citação do réu tiver sido feita em momento anormal, designadamente em recurso
interposto do indeferimento liminar da petição inicial, nos termos do art. 641.º/7 CPC.
o Forma da contestação
Quanto à forma, a contestação deve obedecer aos requisitos gerais dos articulados, de
acordo com o art. 147.º CPC, devendo apresentar as mesmas partes que a petição inicial,
nomeadamente um cabeçalho, uma narração, uma conclusão e indicações complementares.

o Requerimento probatório

O réu tem o ónus de apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outros


meios de prova, de acordo com o art. 572.º/alínea d 1ª parte CPC. Se tiver havido reconvenção
e caso o autor replique, o réu é admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente
apresentado, no prazo de 10 dias a contar da notificação da réplica, de acordo com o art.
572.º/alínea d 2ª parte CPC.
Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da defesa também devem ser
apresentados com a contestação, de acordo com o art. 423.º/1 CPC.

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o Rejeição da entrega

A contestação pode ser rejeitada nos mesmos moldes da petição inicial pelo sistema
informático ou pela secretaria, nos termos do art. 558.º/2 e 3 CPC. Desta recusa cabe reclamação
para o juiz e, da decisão deste, recurso para a Relação.
O réu não perde nenhum prazo se, numa das situações anunciadas no art. 560.º CPC,
entregar uma nova contestação no prazo de 10 dias a contar da recusa de recebimento. A solução
é imposta pelo princípio da igualdade das partes, nos termos do art. 4.º CPC e art. 13.º/1
CRP.

o Notificação ao autor

A apresentação da contestação é notificada ao autor, de acordo com o art. 575.º/1 e 2


CPC. A esta notificação ainda não se aplica o regime das notificações entre mandatários, nos
termos do art. 221.º/1 CPC.

o A contestação como ato

Antes de mais, convém estabelecer a distinção entre a contestação em sentido formal


e material:
• A contestação em sentido formal é o articulado que o réu apresenta no prazo e sob a
forma de contestação;
• A contestação em sentido formal é qualquer formal de oposição do réu à pretensão do
autor.

Normalmente, a contestação é-o simultaneamente em sentido material e em sentido


formal. Excecionalmente, é um contra ataque: a reconvenção.
A reconvenção deve ser deduzida separadamente na contestação, de acordo com o art.
583.º/1 CPC. Ao pedido reconvencional aplicam-se, em princípio, as regras respeitantes ao pedido
do autor; e à contestação, na parte em que o contém, em princípio, as regras respeitantes à petição
inicial. Esta equiparação comporta, no entanto, algumas exceções, nomeadamente porque não é
possível o indeferimento liminar do pedido reconvencional.
O réu reconvinte deve indicar o valor do pedido reconvencional, de acordo com o art.
583.º/2 CPC, o qual se soma ao do autor se ele deduzir um pedido distinto do formulado por esta
parte, nos termos do art. 299.º/2 CPC. Se, por exemplo, o réu, demandado numa ação de
reivindicação, formular um pedido reconvencional em que pretender reivindicar a mesma coisa
para si, não se verifica a soma dos dois pedidos de reivindicação, porque ambos incidem sobre a
mesma coisa.
A soma dos valores do pedido do autor e do pedido reconvencional pode implicar uma
alteração na tramitação do processo, que, no entanto, só produz efeitos no que respeita ao s atos e
termos posteriores à reconvenção, de acordo com o art. 299.º/3 CPC. Por exemplo, A propôs
contra B uma ação pedindo a condenação de B a pagar-lhe 10 000€; B pediu a compensação
judiciária por um crédito de montante igual; na fase da gestão processual, deixa de se poder aplicar
o regime para as ações de valor não superior a metade da alçada da Relação, de acordo com o art.
597.º CPC.

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o Concentração da defesa

Nos termos do art. 573.º/1 CPC, estabelece-se que toda a defesa deve ser deduzida na
contestação. Ao contrário do autor, o réu tem o ónus da fundamentação exaustiva da sua defesa.
Por isso, se o réu não alegar um facto na contestação, nunca mais pode fazê-lo valer no processo.
Há quem diga que se trata de um subprincípio, por ser desidrato do princípio da
celeridade processual, porque se o réu guardar factos para mais tarde surpreender o autor e o
juiz, este novos factos precisariam de nova prova, novos prazos para responder, e estaríamos numa
exagerada morosidade processual, que o princípio da celeridade pretende evitar.

No entanto, existem três ordens de exceções a esta regra, nomeadamente:

• Defesa antecipada, como por exemplo se o réu tiver conhecimento da petição e ser
notificado para contestar, mas haver um circunstancialismo que corresponde à falta de
citação/nulidade do réu ou do Ministério Público; a citação que recebe está errada, mas só
se apercebe dias antes do fim do prazo da contestação.
A contestação deve, assim, ser feita num articulado autónomo, pois a sua notificação não
foi válida, devendo-lhe ser reconduzida outra citação e outro prazo;

• Defesa separada, que é aquela que deve ser deduzida no prazo da contestação, mas em
separado.
A ela se refere o art. 573.º/1 parte final CPC. É o que se verifica, por exemplo, com a
suspeição oposta ao juiz, nos termos do art. 121.º/1 CPC e com o chamamento de uma parte
principal ou acessória quando o réu não queira contestar. A contestação deve ser vertida num
articulado próprio, não tendo de esperar para fazer a contestação;

• Defesa posterior, a que se refere o ar. 573.º/2 CPC. Segundo esta disposição, depois da
contestação só podem ser deduzidos os meios de defesa que sejam supervenientes,
resultantes de factos só depois da contestação verificados ou conhecidos do réu, aqueles
que a lei expressamente admita passado o momento da contestação (é o caso, por
exemplo da incompetência absoluta, da falta de citação do réu e do Ministério Público e
da falta de vista ou exame do Ministério Público como parte acessória) e aqueles que
sejam de conhecimento oficioso do juiz, como é o caso da generalidade das exceções
dilatórias e de algumas exceções perentórias, como a nulidade e a culpa do lesado.

Assim, por exemplo, uma vez que os factos que devem estar presentes na contestação são
todos os factos que o réu sabia até entregar esse articulado, se o réu entregar a contestação, e mais
tarde vem a saber de novos factos importantes para a sua defesa, já com a ação em continuação,
não poderia fazer sentido que não os pudesse invocar. Os articulados supervenientes servem
para isto mesmo. Já em 1939 o Código do Processo Civil defendia que o réu podia apresentar
factos supervenientes se conhecidos após a contestação, que são factos que ocorreram no passado,
mas o réu só conhece após a contestação.

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o Consequências

A defesa que o réu omitir, se for de conhecimento oficioso, pode ser suprida pelo
tribunal. Mas, se a omissão da defesa disser respeito a questões fundamentais de facto, tal
omissão preclude, em regra, a possibilidade de arguição e prova do mesmo facto. Se, na petição
inicial, o autor tiver alegado o facto contrário, este considerado provado (“admitido por acordo”),
como se afirma no art. 574.º/2 CPC.

Modalidades de defesa

A defesa do réu pode ser direta (ou impugnação) e defesa indireta (ou exceção), nos
termos do art. 571.º/1 CPC. Em concreto:

• O réu defende-se por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição ou


quando afirma que estes factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor,
nos termos do art. 571.º/2 1ª parte CPC;
• O réu defende-se por exceção quando alega os factos que obstam à apreciação do mérito
da ação ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito
invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido, nos termos
do art. 571.º/2 2ª parte CPC.

O autor deduziu um pedido e assentou-o em certo número de fundamentos essenciais, de


facto e de direito. O autor afirma, por exemplo, “emprestei; a lei impõe que se restitua o
emprestado; tendo o direito a havê-lo”; ou então, “fui mandatário civil; a lei civil dá aos
mandatários direito a uma gratificação; condene-se o mandante a pagar-ma”.
Quando o réu afirma a falsidade ou inexatidão dos fundamentos essenciais, de facto ou de
direito, do pedido do autor e daí tira como conclusão, que deve ser absolvido de todo ou parte do
pedido, defende-se por impugnação. Nos exemplos referidos, o réu impugnante virá dizer: “o
autor não prestou” ou então, “a lei civil não dá em geral aos mandatários direito a gratificação”
(o que é exato nos termos do art. 1158.º CC). Em qualquer dos casos, está-se perante uma defesa
por impugnação que, se for procedente, conduz à absolvição do réu do pedido.

Quando o réu, aceitando os fundamentos essenciais do pedido do autor ou abstraindo da


sua verdade, aduz razoes conducentes ao não acolhimento do pedido do autor, está em fase da
defesa por exceção, onde deve notar-se o seguinte:
• Num sentido objetivo, exceção é a razão de não acolhimento do pedido do autor, que
não se traduz na falsidade ou inexatidão dos fundamentos essenciais desse pedido (e assim
fala-se em exceções de conhecimento oficioso);
• Num sentido subjetivo, exceção é a invocação pela parte de uma de tais razoes de não
acolhimento (como o art. 571.º/1 CPC).

Assim, o réu pode dizer: “é certo que o autor emprestou; é certo que daí lhe adveio um
crédito; mas eu posteriormente paguei (tudo ou parte); por isso, não sou já devedor e peço que o

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tribunal me absolva do pedido (no todo ou em parte). Ou então: “abstraindo de o autor ter
emprestado ou não, ser credor ou não o ser, não é a minha condenação que pede; logo, sou parte
ilegítima e devo ser absolvido da instância.

Convém referir duas figuras de fronteira:

• Não é defesa por impugnação, mas antes por exceção, a resposta a afirmações antecipadas
do autor; por vezes, o autor prevê a defesa do réu por exceção e procura expressamente
antecipar-se-lhe: “emprestei e o réu nunca pagou”; “as partes são ilegítimas”; estas
alegações não são fundamentos essenciais do seu pedido, no sentido de serem
indispensáveis à fundamentação do mesmo, pelo que a afirmação contrária produzida pelo
réu conserva a sua natureza de exceção;
• Não fazem parte da defesa por exceção, mas antes da defesa por impugnação, os factos
aduzidos pelo réu para melhor fundamentarem uma exceção; assim, se o réu diz “não
houve empréstimo, dado que nunca tive negócios com o autor; na data em que o autor me
tira dado, a mim pessoalmente, o dinheiro em Lisboa estava eu no Porto”; estes factos
são fundamentos da impugnação, e não exceções.

Em rigor, não é possível cumular a defesa por impugnação e a defesa por exceção. Por
exemplo, se o réu defende que é parte ilegítima, não pode impugnar, porque não tem interesse
nisso e não pode pedir cumulativamente a absolvição da instância e do pedido; se diz que pagou,
não pode simultaneamente negar que tenha devido. No entanto, nada obsta a que uma das
defesas seja subsidiária em relação à outra. Assim, o réu pode afirmar: “sou parte ilegítima:
mas ainda que se entenda que não o sou, nada recebi por empréstimo”. Ou, “nada recebi por
empréstimo; mas, ainda que se entenda que o fiz, enviei em certa data uma quantia elevada ao
autor em pagamento de todas as minhas dívidas, pelo que a dívida em causa se extinguiu”.

o Defesa por impugnação

Nos termos do art. 571.º/2 CPC, a impugnação pode apresentar-se como impugnação
de facto ou direta, quando o réu contradiz os factos articulados na petição inicial, ainda que
apenas através da alegação de factos incompatíveis, ou impugnação de direito ou indireta,
quando o réu afirma que os factos alegados pelo autor não podem produzir o efeito jurídico
pretendido pelo mesmo.
Esta impugnação de direito corresponde a uma confissão qualificada, onde o réu reconhece
os factos alegados pelo autor, mas dá-lhes um outro enquadramento jurídico. Os factos alegados
pelo autor não se tornam controvertidos, mas faz recair sobre o autor que não aceite a
qualificação fornecida pelo réu o ónus de demonstrar esses factos. Por exemplo, o autor baseia
o pedido de reivindicação na aquisição por usucapião, ou seja, na posse do direito de propriedade
de uma coisa por certo lapso de tempo; o réu pode reconhecer que o autor esteve no gozo da coisa
durante um certo tempo, mas alegar que isso sucedeu por tolerância sua e que, portanto, essa parte
agiu como um simples detentor.
Nisto, a impugnação de direito corresponde a uma confissão qualificada, não
constituindo, por isso, uma impugnação dos factos alegados pelo autor nem da qualificação

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jurídica fornecida por esta parte. Esta situação deve ser tratada como uma simples impugnação de
facto.

Prática Filipa Caldas:

Existem dois tipos de impugnação:


→ Impugnação de facto: tem como objetivo dizer que o autor não tem razão. Quando o
réu se defende por aqui o que está a dizer implícita ou explicitamente é que o autor
está a mentir, é uma acusação ao autor. Imaginem que o autor diz que o réu ia cantar à
sua festa de anos e faltou para ficar em casa a dormir. E depois o réu diz que isso não
é verdade porque estava doente e esteve internado. Aqui o réu não acrescenta nada de
novo – isto conduz à confusão de que quando o réu conta a sua versão da história
parece um facto novo o internamento, mas não é. Uma coisa de novo é que vai para
além da história, uma exceção nunca implica que o que o autor disse é mentira, implica
que o autor disse uma coisa verdadeira e depois um facto novo – não é desmentir! Ter
atenção à distinção. São duas versões sobre o mesmo episódio da história.
O que é que uma impugnação de facto traz ao processo? Em termos de feitos? Torna
um ou mais factos controvertidos. Se eu disser que celebrei um contrato com o réu e o
réu disser que sim sim, mas eu já o cumpri, não estou a tornar aquilo que o autor disse
controvertido. Neste processo o facto fica assente. Pelo contrário, nestas impugnações
os factos tornam-se controvertidos, o juiz duvida que as coisas aconteceram ou como
o autor contou ou como o réu contou – onde estava o réu aquela hora torna-se um facto
controvertido que vai ter de ser objeto de prova, podem ser chamadas testemunhas,
pode apresentar uma declaração do hospital, etc.
Há um momento em que o juiz faz uma lista do que tudo deve ser provado – art. 596º.
Começamos aqui a entrar na matéria da prova. O efeito essencial de uma impugnação
de facto é tornar o facto do autor controvertido, sendo objeto de prova pelo despacho
do 596º.
→ Impugnação de direito: tem como objetivo dizer que o autor não tem razão. Tem
como premissa que o autor disse algo de verdade. “isso é verdade, mas” – é a expressão
que está sempre implícita. Não há nenhuma regra jurídica em vigor que te dê razão
com base nesses factos verdadeiros que alegaste. Os factos verdadeiros não dão direito
aquilo que é pedido – defesa que tem sempre que ver com regras jurídicas. Ex: eu
quero o despejo do réu porque ele é do Benfica e isso viola as regras de higiene. O réu
não vai dizer que não do Benfica? Claro que não, nunca será uma impugnação de facto.
Vai dizer sim sim isso é verdade, mas as regras jurídicas não te dão com base no facto
de eu ser do Benfica o direito a despejares-me. Estes factos não preenchem a previsão
de uma norma.
Ex: um contrato escrito com 10 cláusulas em que o autor se obriga a limpar a casa toda
do réu 1 vez por semana. E o autor pede um subsídio de férias – invoca que celebrou
um contrato no qual limpava a casa do réu, a dizer que é um contrato de trabalho, e
que tem direito a subsídio. E o réu vem e invoca que não é um contrato de trabalho,
mas sim de prestação de serviços e por isso não tem direito a subsídio. As diferentes
classificações jurídicas conduzem ao autor ter ou não ter direito ao que está a pedir. –
discute-se a qualificação.

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Quais as consequências processuais? O autor não tem direito de resposta, mas o facto
não se torna controvertido, torna o facto assente, de uma maneira específica – art. 574/2
– assente por acordo.
Embora o juiz pudesse reconhecer oficiosamente estas questões, o facto de ser
levantado pelo réu obriga a que o juiz aborte o assunto na sentença e o esclareça.

Na defesa por exceção o réu não nega a realidade dos factos articulados pelo autor, nem
contradiz o efeito jurídico que este procura extrair desses factos. O réu opõe-lhe contra factos.

o Ónus de impugnação

O réu deve tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir
invocada pelo autor, nos termos do art. 574.º/1 CPC: é o chamado ónus de impugnação
subjetivo. Se não o fizer, regula o caso um ónus de impugnação objetivo estatuído no art. 574.º/2
CPC, onde os factos não impugnados são tidos como admitidos por acordo. Esta admissão por
acordo é tácita, porque resulta da falta de impugnação e, apesar da designação, não tem carácter
negocial.

No entanto, a admissão por acordo não se verifica nos três casos previstos no art.
574.º/2 CPC:

• Se os factos não impugnados estiverem em oposição com a defesa considerada no seu


conjunto; nesta hipótese, apesar de não haver uma impugnação explícita, há uma
impugnação implícita;
• Se não for admissível confissão sobre os factos não impugnados, o que se verifica nos
casos do art. 354.º CPC: quando a prova por confissão seja declarada insuficiente por lei
ou recaia sobre factos cujo reconhecimento ou investigação a lei o proíba; se a confissão
recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis; por último, se o facto confessado for
impossível ou notoriamente inexistente;
• Se os factos não impugnados só puderem ser provados por documento escrito.

Do art. 574.º/2 CPC resulta que não é possível dar como admitido por acordo um facto
que deva ser provado por documento, isto é, não é possível substituir a necessária prova
documental do facto pela admissão por acordo desse facto. No entanto, se não se tratar de dar por
admitido por acordo um facto que deva ser provado por documento, não se pode aplicar a exceção
constante do art. 574.º/2 CPC. É precisamente o que sucede com qualquer vício que determine a
invalidade do contrato, dado que aquele vício não tem de ser provado pelo próprio contrato. Por
exemplo, o autor invoca a simulação como causa de nulidade do contrato celebrado com o réu;
no caso de não impugnação dessa causa de nulidade, não se aplica a exceção.

o Extensão do regime

A enumeração que consta do art. 574.º/2 CPC não pode ser considerada taxativa. A parte
não tem o dever de cooperar para a descoberta da verdade quanto a factos relativos à sua

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integridade física ou moral, a factos da sua vida privada ou familiar, a factos cobertos por segredo
profissional ou de Estado e ainda a factos criminosos ou torpes. Por exemplo, não é coerente
permitir que o cônjuge demandado não tenha o dever de depor sobre se passou um fim de semana
com um terceiro, mas impor-lhe que, na sua contestação, tome posição sobre esse facto quando
alegado pelo cônjuge demandado. Sendo assim, a parte não pode ter o ónus de impugnar
aqueles factos, pelo que a omissão da impugnação não pode implicar a sua admissão por acordo.
O mesmo há que dizer das alegações ilícitas. Se o autor basear os factos que alega na
petição inicial numa prova ilícita, como por exemplo num vídeo que foi gravado sem
conhecimento dos intervenientes, o demandado não tem o ónus de impugnar os factos
alegados pelo autor, até porque, se os factos correspondem realmente ao que decorre da prova
ilícita, só o poderia fazer em violação do dever de verdade que lhe é imposto pelo art. 542.º/2/b)
CPC.

o Factos complementares

O disposto no art. 574.º/1 CPC significa que o réu deve tomar posição os factos que
integram a causa de pedir, pelo que se pode perguntar se o poder deixar de fazer quanto aos
factos complementares. Para se perceber o alcance do disposto na norma, é preciso ter presente
que, em certas hipóteses, a impugnação do facto que constitui a causa de pedir dispensa a
impugnação de todos os factos complementares a ela respeitantes. Por exemplo, se o réu nega que
seja o condutor do automóvel envolvido no acidente, não tem sentido que lhe seja imposto o ónus
de impugnar todos os factos respeitantes às circunstâncias em que o mesmo ocorreu.
Sendo assim, o art. 574.º/1 CPC não significa que a não impugnação dos factos
complementares não implique a sua admissão por acordo, o que o preceito estabelece é que em
função da posição do réu perante os factos que integram a causa de pedir que se afere qual
é a sua posição perante os factos complementares, no sentido de que a impugnação do facto
que integra a causa de pedir retira justificação para a impugnação de um facto complementar.
Portanto, o art. 574.º/1 CPC deve ser interpretado no sentido de que, pelo menos, incumbe ao réu
tomar posição os factos que constituem a causa de pedir, não no de que o demandado nunca
tem o ónus de impugnar factos complementares.

o Factos probatórios

Afastando-se do regime que se encontra estabelecido para os factos que integram a causa
de pedir e para os factos complementares – para os quais vale a regra de que a omissão de
impugnação implica a sua admissão por acordo, nos termos do art. 574.º/2 1ª parte CPC –, a
admissão de factos probatórios resultante da omissão da sua impugnação pode ser afastada
por prova posterior, nos termos do art. 574.º/2 2ª parte CPC. Isto significa que, se o réu não
impugnar o facto instrumental, o autor não tem de o provar, mas a falta da sua impugnação não
obsta a que o réu venha a provar que o facto não é verdadeiro.
Note-se que o art. 574.º/2 2ª parte CPC é aplicável qualquer que tenha sido a posição do
réu quanto ao facto essencial alegado pelo autor, isto é, mesmo que esse facto essencial deva
considerar-se admitido por acordo por falta de impugnação. Dito de outro modo, a não
impugnação pelo réu do facto que constitui a causa de pedir não obsta a que o tribunal deva

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atribuir relevância à prova da não veracidade do facto instrumental incompatível com


aquele facto essencial.
Do disposto no art. 5.º/2 alínea a CPC resulta a possibilidade da aquisição de factos
probatórios, quer destes se possa inferir um facto alegado pelas partes, quer deles se possa inferir
um facto incompatível com aqueles que foram alegados pelas partes. Não há nenhum motivo para
se entender que os factos probatórios que podem ser adquiridos durante a instrução da causa só
possam ser aqueles que confirmem factos alegados pelas partes; também estão sujeitos à mesma
regra de aquisição factos que contrariam esses factos. Por exemplo, suponha-se que o autor de
uma ação de indemnização por acidente de viação alega que o condutor que causou o sinistro
circulava em excesso de velocidade e, por isso, atuou com negligência; durante a instrução da
causa, é obtida a prova de que o acidente se ficou a dever a uma deficiência mecânica no veículo;
com base nesta prova, o juiz pode dar como não provada a negligência do condutor, mesmo no
caso de o réu não a ter impugnado.
Os factos probatórios adquiridos durante a instrução da causa permitem tanto uma prova
positiva ou confirmatória de um facto alegado pelas partes, como uma prova negativa ou
infirmatória de um facto invocado pelas partes e não impugnado pela outra (e, portanto, admitido
por acordo). Isto significa que é possível que se considere não provado um facto não
impugnado e, portanto, admitido por acordo: é o que sucede quando, apesar de o facto não tiver
sido impugnado, for dado como provado um facto instrumental incompatível com aquele facto.

o Medida da substanciação

O art. 574.º/1 CPC impõe que o réu tome posição definida perante cada um dos factos
que constituem a causa de pedir. Na falta de impugnação desses factos, os mesmos são
considerados admitidos por acordo. A exigência de que o réu tome posição definida sobre os
factos alegados pelo autor significa que a mera negação global não é suficiente, pois a posição
do réu tem de se reportar a factos concretos.
Em regra, a impugnação do facto basta-se com a sua negação, não sendo necessária a
apresentação de uma versão contrária aos factos impugnados. Se, por exemplo, o autor alega que
celebrou um contrato para que esta conclusão se torne controvertida, não é necessário que o réu
produza uma contra afirmação destinada a contrariar a afirmação do autor. No entanto, o quantum
da impugnação é distinto nas situações de assimetria de informação entre as partes, situações nas
quais esse quantum tato pode diminuir, como aumentar.

o Redução da medida

O quantum da impugnação é reduzido relativamente aos factos que o réu não tem
obrigação de conhecer, pelo que em relação a esses factos, é suficiente a afirmação do
desconhecimento do facto para que este deva ser considerado impugnado. Portanto, relativamente
a factos que não é exigível que o réu conheça, o ónus de impugnação é cumprido através da
mera declaração evasiva, nos termos do art. 574.º/3 CPC.

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o Ónus de contra afirmação

O quantum da impugnação aumenta em relação aos factos que o autor não tem a
obrigação de conhecer e que o réu não pode deixar de conhecer, onde, quanto a estes factos,
o réu tem o ónus de contra afirmação, pelo que lhe incumbe, se os quiser impugnar, dar uma outra
versão dos mesmos. Por exemplo, o autor de uma ação de investigação de paternidade invoca que
o réu viveu, durante algum tempo, numa certa cidade; se o réu quiser impugnar o facto, não basta
negar que tenha vivido nos referidos nessa cidade, antes lhe cabendo alegar onde viveu durante
esses anos.
Portanto, em relação aos factos que não é exigível que o autor conheça e que é exigível que
o réu não desconheça, o ónus de impugnação só é cumprido através de um ónus de contra
afirmação.
O quantum da impugnação também aumenta quanto a factos negativos invocados pelo
autor. Por exemplo, o autor invoca, como fundamento da resolução do contrato, o incumprimento
definitivo da obrigação; o réu tem o ónus de contra afirmação, pois que lhe cabe alegar factos dos
quais resulte o cumprimento da obrigação.
Pode, assim, concluir-se que, quanto a factos negativos, o cumprimento do ónus de
impugnação exige o cumprimento de um ónus de contra afirmação.
O ónus de contra afirmação do réu, que corresponde a um ónus de impugnação
substanciada, apesar de se basear nos deveres de verdade e de completude das partes, nos termos
do art. 542.º/2 alínea b CPC, visa apenas impugnar o facto alegado pelo autor, pelo que não
implica a atribuição de nenhum ónus da prova a esse réu. O autor continua a ter o ónus de provar
a veracidade do facto que alega – o que pode ser mais frequente – a não veracidade do facto
invocado pelo réu. O que varia é apenas o ónus de alegação, mas não o ónus da prova: aquele cabe
ao réu, este continua a incumbir ao autor.

o Declaração evasiva

Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a
confissão quando se trate de facto pessoal ou de o réu deva ter conhecimento, nomeadamente
na sequência de um dever de informação, e equivale a impugnação no caso contrário, de acordo
com o art. 574.º/3 CPC; na hipótese de representação, os factos pessoais do representante valem
como factos pessoais da parte representada, ou seja, o próprio representante não pode alegar que
desconhece os factos praticou em nome do representado. Regula-se a declaração evasiva, que é
ter-se como admissão quanto a factos pessoais (declarar não saber se recebeu dinheiro emprestado
equivale a admitir o facto) e como impugnação em caso contrário (declarar não saber se um
terceiro recebeu dinheiro emprestado equivale a impugnar). Assim, a declaração evasiva é
admissível por meio de impugnação quanto a factos dos quais não é exigível que o réu tenha
conhecimento.
A consequência da declaração evasiva quanto aos factos pessoais – que é, note-se não a
admissão por acordo, mas antes a confissão do facto – tem de ceder perante a proteção que é
concedida à parte quanto aos factos relativos à sua integridade física ou moral, aos factos da sua
vida privada ou familiar, aos factos cobertos por segredo profissional ou de Estado e ainda os
factos criminosos ou torpes: a parte não tem o dever de cooperar para a descoberta da
verdade quanto a esses factos, não tenso o dever de depor sobre eles. Sendo assim, há que

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entender que qualquer declaração evasiva quanto a esses factos não pode produzir a consequência
normal da admissão do facto, mas antes a impugnação dos mesmos.
O regime constante do art. 574.º/3 CPC assenta num critério de exigibilidade, em que é
exigível que o réu conheça os seus factos pessoais, exceto se os mesmos já tiverem decorrido
há muito tempo, e segundo as regras da vida e o carácter comum dos factos, não for aceitável que
a parte ainda tenha de se lembrar deles. Mas ao réu ainda é exigível que, no caso de pretender
impugnar o facto pessoal próprio alegado pelo autor, não basta uma mera alegação do facto, sendo
necessária uma impugnação substanciada do facto pessoal que exige a alegação pelo réu da
qual é o facto verdadeiro. Assim, para que o facto pessoal não seja considerado admitido por
acordo, o art. 574.º/3 CPC exige uma contra afirmação do réu.
Se não se exigisse do réu uma impugnação substanciada e, portanto, uma contra afirmação,
de pouco serviria ao autor do disposto no art. 574.º/3 CPC. Se bastasse ao réu negar o facto pessoal
para que o mesmo fosse considerado controvertido, sendo a parte sobre a qual recai o ónus da
prova do factos, nos termos do art. 342.º/1 CC, o autor poderia vir a defrontar-se com algumas
dificuldades na produção desta prova, pois que teria de provar, por exemplo, que, em
determinada data, o réu residia em certa localidade ou vivia em união de facto com certa pessoa.
Após o cumprimento pelo réu do ónus de contra afirmação, o autor passa a poder provar
também que o réu não residia na localidade indicada por esta parte (mas numa outra), ou não
vivia em união de facto com a pessoa designada pelo réu (mas com outra).
Um outro problema suscitado pelo disposto no art. 574.º/3 CPC é o que respeita aos factos
pessoais do autor. O problema consiste em determinar se o réu, que não pode ignorar os seus
factos pessoais, pode afirmar que não desconhece os factos pessoais do autor sem que essa
afirmação implique a admissão por acordo desses mesmos factos. A resposta a este problema deve
assentar num critério de exigibilidade, em que não pode ser exigível que o réu conheça os factos
pessoais do autor. Sendo assim, em vez de se impor ao réu o ónus de impugnar os factos pessoais
do autor para os tornar controvertidos, há que considerar que para isso basta a afirmação do
seu desconhecimento.

o Âmbito de aplicação

Nos termos do art. 574.º/4 CPC, o ónus de impugnação e o regime da declaração evasiva
não são aplicáveis nem ao Ministério Público nem ao advogado oficioso quando representem
incapazes, ausentes e incertos.

o Defesa por exceção

Em sentido objetivo, a exceção é uma razão de não acolhimento do pedido do autor,


desde que essa razão não consista na falta de verdade dos fundamentos do mesmo pedido.
Segundo uma classificação comum, correspondente à distinção legal entre exceções
perentórias e dilatórias, há exceções de direito material ou substantivo e exceções de direito
processual. Algumas exceções têm fundamento e efeitos de direito processual, onde é por razões
de direito processual que o juiz nega acolhimento ao pedido do autor e esta negação ocorre
também, pelo menos antes do mais, no domínio do direito processual, nos termos do art. 571.º/2
2ª parte CPC. Assim, se o tribunal for absolutamente incompetente, o juiz recusa acolhimento ao

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pedido do autor por este motivo, de natureza processual; a forma de recusa de acolhimento é a
absolvição da instância, que se move no plano processual e que não preclude a possibilidade de o
autor formular de novo o seu pedido, de acordo com o art. 279.º/1 CPC.
Outras exceções situam-se no plano do direito material, como é o caso de todos os factos
impeditivos, modificativos ou extintivos do direito alegados pelo autor, nos termos do art. 576.º/3
CPC. Estas exceções determinam a absolvição do réu do pedido, que é uma decisão que,
quando transitada, tem valor de caso julgado material, de acordo com o art. 619.º/1 CPC.

Prática:

Existem também dois tipos de exceções:


→ Exceções Dilatórias: o réu alega factos que obstam à apreciação do mérito da causa e
que dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal
– art. 576/2. O art. 577 enumera, a título exemplificativo, as exceções dilatórias.
→ Exceções Perentórias: o réu alega factos que determinam a improcedência total ou
parcial do pedido. Ex: o autor pede o pagamento de uma dívida do réu, e sem negar a
existência do direito de crédito do autor, o réu alega que a dívida prescrita já foi paga.
Tem um facto novo que vai para lá do que o autor disse, mas não contradiz o que o
autor disse. Parte sempre do pressuposto de que o autor disse a verdade. São coisas
novas fácticas. Há sempre a ideia de que se o réu não acrescentar nada, o autor teria
razão. “é verdade, há uma norma que lhe dá razão, mas acrescenta qualquer coisa que
lhe tira a razão”.
Quais são as consequências processuais? Art. 3/4 - dão direito de resposta ou na réplica
ou --- e o facto invocado pelo autor torna-se admitido por acordo. Importam, se forem
provavas, a absolvição total ou parcial do pedido – art. 576/3.
o Impeditivas: o réu diz que os factos são verdade, preenchem a previsão
normativa, mas tenho um facto que impede que o direito tenha surgido. Ex: os
assistentes da fdl tem direito a férias em agosto. E depois o nº 2 diz que no nº
1 não se aplica por falta de trabalhadores. E eu digo, ah eu tenho dto a férias
em agosto – vou alegar o nº 1. Quando a fdl ou réu vem invocar o nº 2 e os
factos de não terem trabalhadores suficientes, logo embora se preencha o nº 1
também se aplica o nº 2 que exclui o primeiro.
o Extintivas: o réu reconhece que o autor já teve direito àquilo que está a pedir,
portanto, não diz que mentiu, nem que o direito não lhe dá razão, nada,
reconhece que sim já teve direito, mas que esse direito se extinguiu. Invoca um
facto que tenha extinguido o direito do autor. Ex: causas de extinção das
obrigações.
o Modificativas: o reu não só reconhece que os factos são verdade, também
reconhece que o direito lhe dá razão, mas invoca um facto novo que o direito
deixe de se aplicar da mesma forma. Ex: condição suspensiva – eu celebrei
com o réu um contrato em que ele me dava um carro, e é verdade celebrei, mas
era só quanto tivesse 18 anos e ainda só tem 16. Algumas por serem
temporárias podem dar origem, não a absolvição do pedido, mas a uma
condenação in futuro.

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o Decisão do tribunal

Em função da defesa invocada pelo réu, o não acolhimento do pedido do autor pode
traduzir-se numa de cinco decisões, nomeadamente:
• Absolvição total do pedido, como por exemplo se A pedir a condenação de B a pagar-
lhe 40 000€ e B invocar, excecionando, que já pagou essa dívida na totalidade; a ser isso
exato, o tribunal absolve totalmente do pedido;
• Absolvição parcial quantitativa do pedido, como por exemplo se C pedir a condenação
de D a pagar-lhe 50 000€ e D invocar que pagou 15 000€; o tribunal absolve quanto a
15 000€ e condena quanto a 35 000€;
• Absolvição parcial qualitativa do pedido, que se verifica quando o tribunal condena o
réu, mas em circunstâncias diferentes das pedidas pelo autor e mais favoráveis ao réu,
como por exemplo se E pedir a condenação de F a pagar imediatamente 45 000€ e F alegar
uma moratória, pois E concedeu-lhe dois anos para pagar; a ser exato, o tribunal condena
in futurum, isto é, condena a satisfazer a prestação no momento próprio, nos termos do art.
610.º/1 CPC; esta condenação traduz-se em menos do que o autor pediu;
• Absolvição da instância, onde não se acolhe o pedido do autor, por recusa de julgamento
de mérito pelo tribunal;
• Remessa do processo para outro tribunal, onde não se acolhe o pedido do autor pelo
tribunal em que o réu foi demandado.
Estes são os articulados normais.

NOTA: o réu também se pode defender através da dedução de pedido reconvencional,


tema já abordada supra.

Revelia

Dá-se o nome de revelia à abstenção por parte do réu de contestar quando deva ser tida
por definitiva. Revelia significa, então, a não contestação por parte do réu. Mas a não contestação
só deve ter-se como revelia quando se apresente com uma atitude definitiva. Assim, se o réu
contestar no último dia do prazo durante o decurso deste é evidente que não é revel, está a tempo
de ainda não ter contestado. Se deixar ultrapassar o prazo sem contestar então sim entra em revelia,
a não ser que o efeito da não contestação seja o sub suprimento previsto no art. 21.º/1 CPC.

Ao conceito de revelia não é necessário que o réu tenha devidamente citado, é o que resulta
do disposto no art. 696.º/alínea e CPC, que mostra que a falta ou a nulidade da citação, o
desconhecimento não culposo da citação ou a impossibilidade de apresentação da
contestação não são impeditivos da revelia. O que esse preceito visa é precisamente obter a
revisão de uma decisão que foi proferida à revelia num caso em que faltou a citação do réu ou a
mesma é nula ou em que o réu desconhecia a situação ou esteve impossibilitado de apresentar a
contestação.

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o Delimitação da revelia

O termo revelia pode empregar-se em dois sentidos, nomeadamente:

• Em sentido impróprio, chama-se revelia ao não comparecimento em juízo de qualquer


das partes em certo momento ou pela forma especial em que tal comparecimento é
previsto; assim é revel a parte que falta uma audiência em que a sua presença é
requerida;
• Em sentido próprio, a revelia é a não contestação do réu quando definitiva.

A revelia não se confunde com a falta de impugnação de factos articulados pela outra
parte. Na revelia falta a contestação em bloco; na falta de impugnação, falta, na contestação ou
noutro articulado, a impugnação de certos factos articulados pela parte contrária. A revelia gera
confissão tácita, nos termos do art. 567.º/1 CPC, enquanto a falta de impugnação de factos gera
a admissão por acordo, com as exceções estabelecidas no art. 574.º/2 CPC.
A lei não prevê nenhum regime de expurgação da revelia, mas esta, se acompanhada de uma
falta absoluta de intervenção do réu, permite a interposição do recurso extraordinário de
revisão quando se prove que a citação faltou ou é nula, que o réu desconhecia sem culpa a citação
ou esteve impossibilitado de apresentar a contestação, nos termos do art. 696.º/ alínea e CPC.
De acordo com o professor Lebre de Freitas, elencam-se vários princípios jurídicos de
processo civil, desde logo o princípio da preclusão, que se liga com a ideia de que, a imediata
passagem do prazo, faz com que haja um ato desfavorável à parte.
Para o professor Bonifácio Ramos, este princípio está em decadência, não considerando
um princípio estruturante do Código de Processo Civil, dado que cada vez mais encontramos casos
de revelia inoperante. Pode haver circunstâncias que não justifiquem esta automatização.

Se o réu, além de não deduzir qualquer oposição, não constituir mandatário nem intervier de
qualquer forma no processo, verificará o tribunal se a citação foi feita com as formalidades legais
e mandá-la-á repetir quando encontre irregularidades – art. 566.
Resulta desta disposição legal a possibilidade de correrem dois tipos de situações quando se
verifica que o réu não apresentou contestação:
→ Revelia Absoluta: a revelia é absoluta se o réu não comparece em juízo; chama-se
comparência em juízo à prática de qualquer ato no processo: contestação, junção de
documentos, defesa separada; a comparência em juízo que não seja acompanhada da
arguição da falta da citação sana a nulidade daí resultante (art. 189º);
→ Revelia Relativa: se o réu comparece em juízo (nomeando mandatário ou praticando
qualquer outro ato), mas não contesta, desde o momento em que a não contestação seja
definitiva.

A diferença de regime mais importante entre a revelia absoluta e a relativa reside em que, no
primeiro caso, se pode legitimamente suspeitar de que não foi, pelo menos corretamente, feita a
citação. Por isso, o art. 566º ordena que, se o réu, além de não deduzir qualquer oposição, não
constituir mandatário, nem intervir de qualquer forma no processo, o tribunal deve verificar se a
citação foi feita com as formalidades legais, mandando-a repetir quando encontrar irregularidades.

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Na revelia relativa isto não sucede. O réu intervém em juízo, pelo que das suas, uma:
o O réu intervém para alegar a falta da citação (art. 187º/a) e 188º/1); o tribunal conhece da
questão a manda repetir a citação, sendo caso disso;
o O réu intervém sem arguir a falta de citação; considera-se sanada toda a nulidade (art.
189º).
De resto, o regime da revelia é, em regra, unitário, quer esta seja absoluta, quer relativa.

➔ Revelia operante:
A revelia é operante quando produz efeitos no processo.

Em regra, a revelia é operante, produzindo, por conseguinte, efeitos profundos no processo.


Esses efeitos são de três ordens:

o Efeitos quanto ao julgamento: a revelia operante produz- de acordo com o adágio “quem
cala consente” - o seguinte efeito: consideram-se confessados os factos articulados pelo
autor (art. 567º/1). O processo comum declarativo é, pois, um processo cominatório
semipleno, dado que a revelia operante nunca implica, por si mesma, a condenação do réu.
O juiz pode, aliás, absolver o réu: absolver o réu da instância, pelas exceções dilatórias
insanáveis de conhecimento oficioso, ou absolver mesmo do pedido, se entender que os
factos articulados pelo autor não produzem os efeitos jurídicos que o autor pretende, se se
aperceber de que o autor mentiu na petição inicial ou se conhecer oficiosamente de uma
exceção perentória. Se ocorrer uma exceção dilatória sanável, o juiz deve convidar o autor
a saná-la (art. 6º/2). Se a petição inicial for inconcludente, o juiz deve convidar o autor a
aperfeiçoá-la (art. 590º/2/b) e 4), seguindo-se o contraditório do réu (590º/5). Dado que a
revelia do réu pode ter tido por fundamento a inconcludência da petição inicial do autor,
perante a apresentação de uma nova petição inicial por esta parte, o réu deve ser admitido
a contestar sem quaisquer limitações;
o Efeitos quanto à marcha do processo: há que distinguir 2 casos:
➢ O réu optou deliberadamente pela revelia, por não lhe interessar defender-se de
facto, mas querer defender-se de direito, mostrando essa intenção ao juntar ao
processo procuração passada a advogado (revelia-defesa) (ou na hipótese de poder
litigar por si, ao requerer a aplicação do regime previsto no art. 567º/2);
➢ O réu nem sequer junta ao processo procuração passada a advogado (e nem requer,
na hipótese de poder litigar por si, a aplicação do disposto no art. 567º/2).
❖ Apenas no primeiro caso, segue-se o disposto no art. 567º/2:
➢ o processo é facultado para exame pelo prazo de 10 dias ao advogado do autor
e do réu, que alegarão por escrito sobre a questão de direito;
➢ em seguida, é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito,
saltando se, portanto, da fase dos articulados para a da sentença; o juiz pode
condenar no pedido, absolver da instância ou absolver do pedido.
No segundo caso, face à inação do réu, o juiz profere sentença julgando a causa consoante
for de direito. A lei não prevê alegações dos advogados das partes, mas é usual ser concedida

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ao advogado do autor a possibilidade de alegar por escrito e, atendendo a proibição das


decisões-surpresa (art. 3º/3), é mesmo obrigatória a audição desse mandatário se o tribunal
pretender conhecer de uma exceção insuprível.
o Efeitos secundários:
➢ Mantém ao autor o direito de desistir unilateralmente da instância, dado que, não
tendo havido contestação, essa desistência não está sujeita a nenhuma condição
(art. 286º/1);
➢ Mantém ao réu o direito de arguir a falta ou a nulidade da citação, se não estiver
sanada (art. 198º/2).

➔ Revelia Inoperante:
A revelia é inoperante quando a falta de contestação do réu não produz nenhuns efeitos em
juízo. Em processo comum declarativo, a revelia é inoperante em duas categorias de casos: não
tendo havido citação pessoal, nem constituição de mandatário, bem como nos casos do art. 568º.
Note-se que há que distinguir entre não revelia e revelia inoperante. Não é correto dizer-se
que o menor que em processo de declaração não contesta (por si ou representante, incluindo o
MP) não é revel; ele é revel, embora a revelia seja inoperante (art. 568º/b).

Nos termos do art. 568 temos os seguintes casos:


→ Quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o
contestante impugnar. Serve tanto para os casos de litisconsórcio necessário como para
os de voluntário. Considerou o legislador que não faria sentido que, na mesma ação,
os mesmos factos pudessem ser considerados como não provados em relação a um dos
réus, porque os impugnou, e como provados em relação aos que não apresentaram
contestação;
→ Quando o réu ou algum dos réus for incapaz, situando-se a causa no âmbito da
incapacidade, ou houver sido citado editalmente e permaneça na situação de revelia
absoluta;
→ Quando a vontade das partes for ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela ação
se pretende obter. Diz respeito a relações jurídicas indisponíveis (são aquelas sobre as
quais não exerce influência o princípio da autonomia da vontade). Nestas ações a
vontade das partes é ineficaz para produzir o efeito visado pelo autor.
→ Quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito.

A revelia, apesar de inoperante, produz alguns efeitos. Assim, em concreto:


o Não havendo contestação (ou seja, excluído o caso regulado no art. 568º/a)), não pode
haver réplica (art. 584º) e mantém-se para o autor o direito de desistir unilateralmente da
instância (art. 286º/1);
o A revelia inoperante dispensa a audiência prévia (art. 592º/1/a), mas não dispensa a
enunciação dos temas de prova (596º/1), dado que não se consideram confessados- e, por
isso, devem ser objeto de instrução e prova- os factos articulados pelo autor.

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Na revelia operante, salta-se da fase dos articulados para a da sentença (art. 567º/2). Na
inoperante, continua a haver a fase de gestão processual (embora, na maior parte dos casos, sem
a realização de audiência prévia: art. 592º/1/a), a da audiência final e a da sentença.

❖ Condições da procedência

o Concludência da ação

A revelia só pode conduzir a uma decisão de procedência se a ação for concludente, no


sentido de que os factos articulados pelo autor têm de ser suficientes para fundamentar a
procedência da ação. Se a ação for inconcludente, a revelia do réu não basta para justificar
uma decisão de procedência: a solução é antes o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial,
nos termos do art. 590.º/2/b) e 4 CPC.

o Admissibilidade da ação

A revelia cede perante a falta de pressupostos processuais que sejam de conhecimento


oficioso, nos termos do art. 578.º CPC. Se for proposta uma ação em tribunal
absolutamente incompetente ou por parte ou contra uma parte destituída de personalidade,
capacidade ou legitimidade ou ainda por autor não representado em caso de patrocínio
judiciário obrigatório, o resultado deste processo é a absolvição da instância pela falta de
um pressuposto processual, nos termos do art. 278.º/1, art. 577.º, art. 578. ° e art. 576.º/2 CPC.
Salvaguarda-se, no entanto, a admissibilidade do conhecimento do mérito nos termos do
disposto no art. 278.º/3 2ª parte CPC. A revelia operante produz os seus efeitos sobre o
julgamento do mérito da causa. A falta de pressupostos processuais coloca-se, porém, em
momento anterior ao do julgamento de mérito, como se vê do art. 278.º/1 e 2 CPC.
Assim, por exemplo, se A afirma ter prestado serviços e horas extraordinárias a B como seu
empregado e pede em tribunal cível a condenação de B ao seu pagamento, entrando B em revelia,
o tribunal cível deve absolver B da instância (por incompetência absoluta, nos termos do art.
96.º/alínea a, art. 278.º/1 alínea a, art. 577.º/alínea a, art. 578.º e art. 576.º/2 CPC.
No entanto, a revelia operante não pode obstar à sanação de uma exceção dilatória suprível,
onde, antes de dar cumprimento ao art. 567.º/2 CPC, o tribunal deve convidar o autor a sanar
a exceção dilatória, decidindo-se posteriormente em conformidade com a sanção ou não sanação
dessa exceção.
Também se pode questionar se, relevando uma exceção insanável, a absolvição da instância
(ou, se for o caso, a remessa do processo para o tribunal competente) pode ser decretada sem o
cumprimento do disposto no art. 567.º/2 CPC, ou seja, sem a possibilidade de os mandatários das
partes alegarem por escrito.
Dado que, atendendo à revelia, não pode ter havido discussão da exceção nos articulados, e
porque são proibidas as decisões-surpresa, justifica-se não só que haja sempre o cumprimento
do disposto no art. 567.º/2 CPC para permitir a audição das partes sobre a exceção de que o
tribunal pretende conhecer, mas também que, em caso de revelia absoluta, o mandatário do
autor seja sempre ouvido sobre aquela exceção.

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Outros articulados

Réplica

Em processo comum declarativo, à contestação pode o autor responder na réplica se o réu


tiver formulado um pedido reconvencional, nos termos do art. 584.º/1 CPC, ou se a ação for
de simples apreciação negativa, nos termos do art. 584.º/2 CPC, isto é, se tiver por objeto a
declaração da inexistência de um direito ou de um facto, de acordo com o art. 10.º/3 alínea a
CPC, dando-se a impugnação dos factos constitutivos que o réu tenha alegado e alegação dos
factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu na contestação.
A réplica é, assim, um articulado eventual que cabe ao autor, que só é admissível
quando o réu reconvém,
Em 1939, existia a tréplica, que era a defesa do réu contra a réplica do autor. Porém, por
causa da morosidade processual, em 2013 considerou-se haver articulados a mais, retirando-se
a tréplica. Mas numa reunião da Assembleia da República feita antes desta ter caído, foi feita uma
larga proposta do Código de Processo Civil, havendo uma contra reforma da reforma de 2013,
onde renasce a tréplica.
Antes de 2013, quando tenha apresentado uma exceção, podendo haver réplica para
responder às exceções. A partir de 2013, só pode haver réplica para responder à reconvenção.
No entanto, coloca-se a questão de saber onde é que o autor pode responder às exceções
do réu. Ainda não possa ter um articulado na réplica, o autor pode fazê-lo na audiência prévia,
respondendo oralmente às exceções formulados pelo réu na contestação.
Com uma proposta de 2022, ao não haver tréplica, e só na reconvenção para o réu, o
professor Guilherme Brandão Gomes diz-nos que 47 juízos convidam o autor a responder aa
exceções por escrito através de articulado próprio, porque é mais garantístico, em vez de esperar
pela audiência. É perigoso ficar à espera, porque pode precludir o direito do autor de responder às
exceções.
Logo, este autor diz que faz sentido alargar a réplica para responder o autor
responder às exceções do réu. A haver morosidade processual, esta não é na fase dos articulados.
Para o professor Bonifácio Ramos, a reforma de 2013 foi, pois, infeliz.
Ao pedido reconvencional deduzido pelo réu não pode o autor opor outro pedido
reconvencional; as exceções têm de ser deduzidas separadamente, sob pena de os respetivos factos
não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação, nos termos do art. 587.º/2
CPC.
A réplica pode ainda realizar, em certas condições, uma outra função, que é a do exercício
do contraditório quanto às exceções invocadas pelo réu na contestação. A justificação para a
atribuição desta função é a de o art. 3.º/4 CPC estabelece que às exceções deduzidas no último
articulado admissível só há resposta na audiência prévia ou, se não houver que realizar esta,
na audiência final. Por isso, se houver réplica, a contestação do réu não é o último articulado
admissível no processo, pelo que, nessa hipótese, não se preenche a previsão da regra do art. 3.º/4
CPC e, por isso, a réplica pode ser utilizada para a resposta às exceções deduzidas na
contestação.

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A réplica deve ser apresentada dentro de 30 dias a contar daquele em que for ou se
considerar notificada a apresentação da contestação, nos termos do art. 585.º CPC, podendo o
prazo ser prorrogado, nos termos do art. 586.º CPC.
A falta de contestação tem a qualificação especial de revelia, mas os casos de falta de
oposição à reconvenção por réplica são integrados pela lei na figura da admissão por acordo, por
falta de impugnação dos factos que o articulado omisso pode impugnar, nos termos do art. 587.º
CPC. A solução é duvidosa quanto à reconvenção deduzida pelo réu, dado que a falta da réplica
significa a falta da contestação dessa reconvenção, pelo que não é claro por que motivo essa
falta não determina a revelia do autor (réu do pedido reconvencional).
O art. 587.º/1 CPC remete para o art. 574.º CPC, mas às exceções contempladas neste artigo
deve-se acrescentar uma outra. Não se consideram admitidos por acordo os factos não impugnados
na réplica, por falta deste articulado ou por falta nela de impugnação, se houverem sido negados
no articulado anterior da mesma parte. Assim, suponha-se que o autor, prevendo a dedução de
uma reconvenção ou de uma exceção pelo réu, nega antecipadamente na petição inicial os
factos que a fundamental; se não replicar, não se aplicam as consequências previstas no art.
587.º/1 e art. 574.º/2 CPC.

o Substituição da réplica

Se o processo não comportar réplica, a resposta às exceções deduzidas pelo demandado na


contestação pode ocorrer na audiência prévia ou, não comportando o processo esta audiência, no
início da audiência final, nos termos do art. 3.º/4 CPC. São estes os momentos em que, conforme
os casos, o autor pode cumprir o seu ónus de impugnação das exceções alegadas pelo réu na
contestação.
Qualquer solução que retirasse do disposto nesta norma, uma dispensa da impugnação
pelo autor das exceções invocadas pelo réu traduzir-se-ia na criação de uma desigualdade
entre as partes e, portanto, numa violação do princípio da igualdade das partes, nos termos do
art. 4.º CPC e art. 13.º CRP. A verificada desigualdade verificar-se-ia num duplo sentido,
nomeadamente:

• Dado que o réu tem o ónus de contestar os factos constitutivos alegados pelo autor, este
autor não teria o ónus de contestar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos
invocados pelo réu; portanto, em termos de ónus de impugnação, aquela dispensa
traduzir-se-ia num benefício do autor em relação ao réu;
• Enquanto o autor só tem de provar os factos constitutivos que alega se os mesmos forem
impugnados pelo réu, este réu teria de provar os factos impeditivos, modificativos ou
extintivos que invocasse, mesmo que o autor não os tivesse impugnado; novamente,
agora em termos de ónus da prova, o autor seria beneficiado e o réu prejudicado.

À impugnação das exceções no início da audiência prévia ou final há que aplicar, por
interpretação extensiva, o disposto no art. 572.º/alínea d CPC, onde a parte tem o ónus nessa
mesma audiência de apresentar o rol de testemunhas e de requerer outros meios de prova para
demonstração dos factos que fundamentam a impugnação das exceções.

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Articulados complementares

Na fase da gestão processual, o juiz deve convidar qualquer das partes a corrigir as
irregularidades, insuficiências ou imprecisões de que padecem os articulados apresentados, nos
termos do art. 590.º/2 alínea b, 2 e 3 CPC. Se a parte aceder ao convite, deve apresentar, para
correção do vício, um outro articulado, que é o articulado complementar.

Articulados supervenientes

Depois do último articulado, ou mesmo fora da respetiva fase, é admissível a


apresentação de articulados supervenientes até ao encerramento da discussão, que se
destinam:
• À invocação de factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos que sejam
supervenientes, nos termos do art. 588.º/1 CPC;
• À dedução dos outros casos de defesa superveniente, consentida nos termos do art. 573.º/2
CPC;
• À modificação unilateral do pedido ou da causa de pedir com fundamento em factos
supervenientes, mesmo que não estejam preenchidos os requisitos enunciados no art.
265.º/1 e 2 CPC.
Enquanto a fase dos articulados é compreendida pela petição inicial, contestação e réplica,
o articulado superveniente pode ser apresentado fora da fase dos articulados ou em várias fases.

o Factos supervenientes

Nos termos do art. 611.º/1 CPC, a sentença deve corresponder à situação existente no
momento do encerramento da discussão em 1ª instância. Por esse motivo, há que considerar os
factos supervenientes até ao encerramento da discussão, nos termos do art. 588.º/1 CPC, isto é,
até ao termo das alegações orais realizadas na audiência final, nos termos do art. 604.º/3 alínea e
CPC.
Os factos supervenientes podem basear-se numa superveniência objeto ou subjetiva:
• Sãos factos objetivamente supervenientes os ocorridos posteriormente ao termo do prazo
para apresentação do respetivo articulado, nos termos do art. 588.º/2 CPC;
• Sãos factos subjetivamente supervenientes os factos anteriores de que a parte só venha a
ter conhecimento depois de findar o prazo para a entrega do respetivo articulado, devendo
produzir-se prova da superveniência; assim, apesar de o art. 588.º/1 CPC só se referir a
factos constitutivos, modificativos ou extintivos, há que aplicar o mesmo regime aos factos
impeditivos que sejam subjetivamente supervenientes.

A superveniência subjetiva é a superveniência do conhecimento pela parte de um facto


ocorrido anteriormente, nos termos do art. 588.º/4 CPC, que pressupõe que a parte desconhecia,
sem culpa própria, o facto. Por isso, a superveniência subjetiva de factos pessoais, que são factos
de que a parte deve ter conhecimento nos termos do art- 574.º/3 CPC, está necessariamente
excluída.

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o Atendibilidade

Os factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos que sejam supervenientes


só podem ser considerados pelo tribunal se forem alegados por uma das partes no respetivo
articulado superveniente, nos termos do art. 611.º/1 CPC. No entanto, também se permite que
o tribunal considere, sem necessidade de qualquer alegação pelas partes, a verificação
superveniente de factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos que tenham sido
atempadamente alegados por qualquer das partes: é a chamada superveniência “fraca”.

o Alegação

Os factos supervenientes são alegados por meio de um articulado superveniente, que


pode ser apresentado:

• Na audiência prévia, se houver lugar a esta, quando os factos hajam ocorrido ou tenham
sido conhecidos até ao respetivo encerramento, nos termos do art. 588.º/3 alínea a CPC;
• Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da
audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia, nos termos do art.
588.º/3 alínea b CPC;
• Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data
posterior à da realização da audiência prévia ou à da notificação da data da audiência final,
nos termos do art. 588.º/3 alínea c CPC.

o Procedimento

Apresentado o articulado superveniente, segue-se uma sequência de três termos:

• Rejeição do articulado se, por culpa da parte, for apresentado fora do tempo ou quando
for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; o articulado é
apresentado fora de tempo se a parte desconhecia, com culpa própria o facto, isto é, a culpa
da parte refere-se ao não conhecimento atempado do facto, não à apresentação tardia do
articulado;
• Aceitação do articulado e notificação à parte contrária para resposta;
• Contra articulado ou resposta da parte contrária no prazo de 10 dias a contar da
notificação, aplicando-se o art. 574.º/2 e art. 587.º/1 CPC se a parte não apresentar a
resposta ou nela não impugnar factos supervenientes alegados.

As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta, nos termos do art. 588.º/5
CPC. Os factos relevantes passam a integrar, quando impugnados, os temas da prova, nos termos
do art. 588.º/6 CPC.

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2ª Fase – Condensação/Saneamento

No processo comum declarativo, à fase dos articulados segue-se a fase da condensação.


De acordo com o professor Miguel Teixeira de Sousa, esta é a fase da gestão processual,
onde a relação desta fase com os poderes do juiz é dupla, uma vez que a fase é expressão dos
poderes de gestão processual do juiz e destina-se a possibilitar o exercício desses mesmos poderes
pelo juiz em causa.
No entanto, de acordo com o professor Bonifácio Ramos, este é um problema de
nomenclatura, onde se visa delimitar as condições de facto relevantes
Em processamento normal, a fase da gestão processual cumpre duas funções que
incumbe ao juiz, nomeadamente:
• A função de verificação da regularidade do processo, designadamente da verificação
do preenchimento de pressupostos processuais, pretendendo-se evitar que corra um
processo que a final se possa vir a reconhecer inidóneo para ser julgado de mérito, com
desperdício de atividade processual; esta função é desempenhada pelo despacho
saneador, nos termos do art. 595.º/1 alínea a CPC;
• A função de concretização das questões a resolver, onde a lei faz uma profunda
distinção: quanto à questão de direito, pressupõem-se que, com exceção do art 348.º/1 e 2
CC, o juiz está sempre apto a resolvê-la – iuris novit curia –, não sendo processualmente
regulada a atividade de resolução pelo juiz da questão de direito; quanto à questão de facto,
a sua resolução é regulada pela lei, antes de mais dispondo que tal questão seja
concretizada e esclarecida na faz da gestão processual, através da seleção dos temas da
prova, nos termos do art. 591.º/1 alínea f, art. 596.º/1 e art. 597.º/alínea e CPC.

o Componentes da fase

A fase da gestão processual comporta os seguintes elementos, nomeadamente:

• Despacho pré saneador, de acordo com o art. 590.º/2 a 7 CPC, atendendo ao princípio
da cooperação;
• Audiência prévia, de acordo com o art. 591.º a art. 593.º CPC;
• Despacho saneador, de acordo com o art. 595.º CPC;
• Seleção dos temas da prova, de acordo com o art. 591.º/alínea f, art. 596.º/2 e art.
597.º/alínea e CPC.

o Componentes eventuais

Quando aos componentes da fase da gestão processual, importa considerar que alguns
são eventuais e que só o despacho saneador é sempre proferido. Em concreto:

• O despacho pré saneador não é lavrado se não houver que proceder ao suprimento de
exceções dilatórias ou ao convite ao aperfeiçoamento dos articulados ou à junção dos
documentos, nos termos do art. 590.º/2 CPC;

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• A audiência prévia pode ser dispensada pela lei, nos termos do art. 592.º CPC, ou pelo
juiz, nos termos do art. 593.º CPC;
• A seleção dos temas da prova não ocorre se o despacho saneador tiver posto fim ao
processo com uma absolvição da instância ou com uma pronúncia sobre o mérito, nos
termos do art. 595.º/1 CPC.

o Princípios orientadores

A fase da gestão processual orienta-se pelos princípios da gestão processual, da


cooperação e do contraditório.

➔ Princípio da gestão processual

O princípio da gestão processual enforma a fase da gestão processual num duplo sentido:

• Esta fase concretiza alguns poderes de gestão processual atribuídos ao juiz,


nomeadamente na designada gestão inicial do processo, na dispensa de audiência prévia,
na programação da audiência final e na tentativa de conciliação das partes;
• Destina-se a possibilitar o exercício dos poderes de gestão processual do juiz, quer na
audiência prévia quer fora dessa audiência.

➔ Princípio da cooperação

Na fase da gestão processual, o princípio da cooperação do tribunal com as partes


encontra expressão nos seguintes aspetos:

• Dever de prevenção sobre a falta de algum pressuposto processual e sobre irregularidades


ou insuficiências dos articulados ou alegações das partes;
• Dever de consulta das partes, de modo a obviar às decisões-surpresa.

➔ Princípio do contraditório

O princípio do contraditório, na vertente de direito de resposta, justifica a possibilidade


de resposta às exceções não debatidas nos articulados, e deve enformar a discussão e os debates
entre as partes e entre estas e o juiz.

Despacho Pré-saneador

o Funções gerais

O despacho pré-saneador é lavrado sempre que seja necessário obter a sanação de exceções
dilatórias (art. 590º/2/a))) ou haja que convidar qualquer das partes a aperfeiçoar ou a corrigir

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os articulados (art. 590º/2/b)) ou a apresentar documento necessário à apreciação de uma


exceção dilatória ou ao conhecimento do mérito da causa (art. 590º/2/c)).

o Vícios processuais

o Sanação de exceções

Ao tribunal incumbe providenciar, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de


pressupostos processuais que seja suscetível de sanação (art. 6º/2). Se o tribunal ainda não
tiver procedido a esta sanação, o momento adequado para o fazer é o despacho pré-saneador
(art. 590º/2/a)).
O despacho pré-saneador é o meio para o juiz exercer a faculdade de convidar o autor a
suprir a falta manifesta de certos pressupostos processuais, como seja a falta de personalidade
judiciária (art. 14º), a falta de autorização, deliberação ou consentimento exigido por lei (art.
29º/1), a ilegalidade da coligação (art. 38º/1 e 2), a falta de patrocínio judiciário obrigatório
(art. 41º), a falta, insuficiência ou irregularidade do mandato (art. 48º) e a preterição de
litisconsórcio necessário (art. 261º/1).

o Extensão do regime

Embora o art. 590º/2/a) só se refira ao suprimento de exceções dilatórias, o mesmo regime


deve valer para o suprimento da falta de pressupostos de atos processuais. Por exemplo: se o
réu estiver representado por mandatário judicial, cabe ao juiz, no despacho pré-saneador,
convidar essa parte a sanar o vício (art. 41º).
O regime é ainda aplicável quando o juiz pretenda autonomizar as ações cumuladas na
coligação (art. 37º/4) ou na reconvenção (art. 266º/5), bem como quando deva convidar a parte
a concretizar o pedido genérico inadmissível (art. 556º/1).

o Aperfeiçoamento dos articulados

O despacho pré-saneador também se destina a corrigir vícios- sanáveis ou reparáveis- dos


articulados. É necessário que a petição inicial não seja inepta (art. 590º/1). Mais precisamente,
o despacho pré-saneador está limitado às situações em que o articulado seja irregular ou
deficiente.
Para este efeito, é irrelevante que a parte já tenha apontado a irregularidade ou a deficiência
do articulado da contraparte. O convite à correção do vício só pode partir do tribunal, pelo
que, mesmo que a contraparte já tenha indicado o vício, o tribunal não pode deixar de convidar
a parte a saná-lo.
O convite ao aperfeiçoamento do articulado deve indicar, com precisão, o vício de que o
mesmo padece. Só assim a parte pode ficar ciente do que deve corrigir.

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o Articulado irregular

O articulado é irregular quando careça de requisitos legais ou não venha acompanhado de


documentos essenciais ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa (art. 590º/3).
Aqueles requisitos legais são, antes de mais, os que teriam justificado a rejeição do articulado
(art. 558º), se porventura tiverem escapado a esse momento de controlo.
Os documentos que se devem considerar essenciais são os exigidos por regras processuais
gerais (como os duplicados, art. 148º/1). São, ainda, além destes, os documentos
absolutamente essenciais para o êxito do pedido, como, por exemplo, a escritura pública, ou
documento equivalente, exigido como forma ad substanciam, o contrato-promessa na ação de
execução específica, a certidão de casamento na ação de divórcio ou separação, a certidão de
óbito na ação de petição da herança e a cópia da ata da deliberação social na ação da sua
impugnação.

o Articulado deficiente

O articulado deficiente é aquele que apresenta insuficiências ou imprecisões na exposição


ou concretização da matéria de facto alegada (art. 590º/4), isto é, aquele que contém uma
exposição de facto que é inconcludente e que, portanto, não é suficiente para assegurar a
procedência do pedido formulado pela parte. Esta verificação é importante, porque permite
concluir que o convite ao aperfeiçoamento só deve ser dirigido in favorem partis. Assim, se
for deficiente a parcela do articulado em que a parte alega factos contrários aos seus interesses,
não se justifica o convite ao aperfeiçoamento.
É difícil definir com precisão os limites entre a inadmissibilidade- que determina a
ineptidão do articulado (186º/2/a)- e a deficiência ou inconcludência, mas pode dizer-se que o
articulado deficiente é aquele que pode ser melhorado ou esclarecido. Assim, o convite ao
aperfeiçoamento deve ser usado quando o efeito jurídico pretendido pelo autor dependa de um
complexo de pressupostos substanciais, de que se alegam os bastantes (nomeadamente para
identificar a causa de pedir e evitar a ineptidão da petição inicial), mas não todos, ou seja,
quando faltem factos complementares (art. 5º/2/b).
As alterações à matéria de facto realizadas na sequência do convite ao aperfeiçoamento
não podem implicar uma modificação da causa de pedir, se forem introduzidas pelo autor,
nem a apresentação de uma nova defesa quanto a factos não impugnados, se proviere do réu
(art. 590º/6). Isto é, essas alterações só podem consistir numa emendio libeli embora nada
impeça que, nas condições estabelecidas no art. 265º/1 (confissão realizada pelo réu e aceita
pelo autor), a causa de pedir possa vir a ser modificada pelo autor. É claro, no entanto, que,
atendendo aos limites impostos pelo art. 590º/6, o tribunal não pode convidar a parte a alterar
a causa de pedir ou a invocar uma exceção, embora, de acordo com o dever de esclarecimento
(art. 7º/2), o tribunal possa procurar esclarecer se o autor invocou uma certa causa de pedir ou
se o réu alegou uma certa exceção.

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o Pedido deficiente

O art. 590º/4 define a deficiência do articulado apenas em função da exposição de matéria


de facto. No entanto, não se pode afastar que a deficiência do articulado resulte da própria
deficiência do pedido formulado pela parte: pode suceder que o pedido seja indevidamente
genérico (556º/1), não cubra toda a factualidade alegada pela parte (ex. autor alega danos no
montante de 100.000 euros, mas pede apenas a reparação de 20.000), não corresponda aos
factos alegados pela parte ou seja de difícil ou de discutível interpretação. Em situações como
estas, impõe-se que o juiz faça uso do dever de esclarecimento (art. 7º/2) e convide a parte a
concretizar o pedido genérico ou a esclarecer o sentido do pedido.

o Pedido omitido

Também pode suceder que a factualidade alegada pela parte não tenha expressão em
nenhum pedido por ela formulado. Quer dizer: os factos alegados pela parte sustentam um
pedido, mas a parte não formula esse pedido. Ex. na contestação, o réu alega que a dívida
invocada pelo autor, a existir, se encontra prescrita; essa parte omite, no entanto, qualquer
pedido quanto ao reconhecimento da prescrição da dívida; fazendo uso do dever de
esclarecimento (art. 7º/2), o tribunal tem o dever de perguntar ao réu se pretende fazer valer a
referida exceção.

o Poderes do tribunal

O poder do juiz de dirigir o convite ao aperfeiçoamento em face do articulado irregular


ou deficiente é sempre vinculado. É o que resulta das seguintes considerações:
o A previsão do art. 590º/3 é uma previsão “fechada”, pois o que o conceito determinado de
irregularidade não deixa ao juiz nenhuma margem de ponderação; assim, perante a
irregularidade do articulado, o juiz deve convidar a parte a aperfeiçoá-lo;
o A previsão do art. 590º/4 é uma previsão “aberta”, pois que o conceito indeterminado de
deficiência tem de ser concretizado através da ponderação do tribunal; mas, se o tribunal
considerar que o articulado é deficiente, deve convidar a parte a aperfeiçoá-lo, a não ser
que o convite seja inútil, porque, mesmo que a parte viesse a aperfeiçoar o articulado, o
seu pedido haveria sempre de improceder pela falta de outros factos essenciais.

O juiz que não convida ao aperfeiçoamento e decide desfavoravelmente à parte com base
numa deficiência que podia ter sido corrigida deixa de praticar um ato que não devia ter
omitido (art. 195º/1). No entanto, a omissão só se torna patente no momento do proferimento
da decisão em que o tribunal decide contra a parte com base na deficiência- ou seja, no
momento em que o tribunal decide utilizando matéria que, atendendo à falta de convite ao
aperfeiçoamento, não devia ter conhecido- pelo que aquela decisão é nula por excesso de
pronúncia (art. 615º/1/d). Esta nulidade só pode ser evitada se, antes do proferimento da
decisão, o tribunal convidar a parte a aperfeiçoar o seu articulado.
Do convite ao aperfeiçoamento dos articulados não cabe recurso (art. 590º/7).

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o Resposta e contraditório

Se a parte aceder ao convite de aperfeiçoamento, deve apresentar o seu articulado


complementar no prazo geral de 10 dias (art. 149º/1). Os factos que forem objeto de
esclarecimento, aditamento ou correção ficam sujeitos ao contraditório da contraparte (art.
590º/5). Este contraditório é exercido da seguinte forma:
o Se o articulado complementar se referir a factos complementares da causa de pedir, o
contraditório é exercido através de um outro articulado complementar a apresentar
pelo réu no mesmo prazo;
o Se o articulado complementar respeitar a factos complementares de uma exceção, o
contraditório do autor é exercido nos termos do art. 3º/4; há que seguir para esses factos
o mesmo regime que vale para a correspondente exceção: dado que o contraditório
desta exceção não justifica a admissibilidade da réplica (art. 584º), não faz sentido que
o contraditório de factos complementares da exceção possa ser apresentado em
articulado complementar.

o Ausência de resposta

Se a parte não aceder ao convite de aperfeiçoamento, há que considerar duas situações:


→ A petição inicial padece de falta de requisitos legais; neste caso, o tribunal deve
conhecer no despacho saneador (art. 595º/1/a) desta nulidade inominada (art.
195º/1);
→ A irregularidade ou deficiência respeita a outros articulados; neste caso, a ação
continua, mas as hipóteses de a parte obter ganho de causa são remotas, seja porque
o articulado não pode ser recebido (o que, se respeitar à contestação, implica a
revelia do réu), seja porque faltam documentos essenciais, seja ainda porque faltam
factos relevantes.

o Junção de documentos

➔ Regime

O despacho pré-saneador também se pode destinar a determinar a junção de documentos


pela parte, de modo a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, total ou
parcial, do mérito da causa no despacho saneador (art. 590º/2/c). Trata-se de documentos que
o tribunal considera necessários para possibilitar a eventual apreciação da exceção ou o
conhecimento do mérito no despacho saneador. É o caso, por exemplo, do documento que o
demandado afirma provar o pagamento da dívida, mas que ainda não juntou ao processo.

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➔ Consequências

Em função da junção ou não junção do documento, assim haverá que apreciar a


possibilidade do conhecimento no despacho saneador da exceção ou do mérito. A falta de um
documento ad probationem pode vir a ser substituída por confissão expressa, judicial ou
extrajudicial (art. 364º/2), pelo que da não junção do documento não pode ser retirado, neste
momento da tramitação da causa, nenhum efeito probatório.

Audiência Prévia

o Generalidades
Uma audiência é uma sessão de depoimentos e alegações orais, que se destina a preparar
uma decisão judicial. No processo comum declarativo, prevêem-se fundamentalmente duas
audiências: a audiência prévia que, para além do mais, prepara o despacho saneador (art.
591º/1/d) e art. 595º), e a audiência final, que prepara a sentença (art. 604º).
Sempre que possível, a audiência prévia é gravada (art. 591º/4).

o Convocatória

o Generalidades

Se a audiência prévia não for legalmente dispensada, a mesma deve ser convocada para um
dos 30 dias subsequentes ao suprimento das exceções dilatórias ou ao aperfeiçoamento dos
articulados, se ocorrer qualquer deles (art. 591º/1). De forma a evitar sobreposição de datas, a data
da realização da audiência prévia deve ser acordada com os mandatários das partes (art. 151º/1).
O despacho que marca a audiência prévia deve indicar o seu objeto e a sua finalidade (art.
591º/2, 1º parte), de forma a permitir às partes uma adequada preparação da audiência. Se não
tiver sido indicada a finalidade do conhecimento do mérito no despacho saneador (art. 595º/1/b),
ainda assim isso não obsta a esse conhecimento (art. 591º/2, 2º parte).
Numa proposta de 2022, dá-se um alargamento da dispensa de audiência prévia em
muitos casos, pois vincular as partes a isto não parece possível. No entanto, a Ordem dos
Advogados discorda, dizendo que se for para a frente, isto “mata” o princípio da cooperação,
nomeadamente a oralidade.
Porém, de acordo com o professor Bonifácio Ramos, o princípio da cooperação não é
tão estruturante assim.
Não havendo audiência prévia, as partes são notificadas para o despacho saneador, havendo
um filtro, que funciona como antecâmara do despacho pré saneador.
Note-se que antes esta tinha outra designação, em particular, audiência preliminar,
constituindo, de alguma maneira, uma preparação da audiência final em que se vai, por um lado,
promover uma reconciliação, nos termos do art. 591.º/1/alínea a e b CPC) e, por outro lado,
promover uma discussão de mérito, de acordo com o art. 591.º/1 alínea c CPC, que só pode ter
presente questões que têm que ver com a concretização de outros princípios, designadamente

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o princípio da cooperação e o princípio do contraditório. Para além disso, pretende completar-se


articulados que são deficientes.
Por isso, nos termos do art. 592.º CPC, pode não se realizar a audiência prévia. Desde
logo, veja-se os casos da revelia, nas ações não contestadas, nos termos do art. 568.º/ alínea b e d
CSC.
A jurisprudência considera que a audiência prévia pode ser uma perda de tempo
quando não existem razões para tal, ou seja, as situações em que pode ser dispensada.
Para além da não realização da audiência prévia, podem existir situações de dispensa da
mesma. Esta vai no sentido de fortalecer o poder do juiz, havendo aqui como um fortalecimento
do poder do juiz numa ideia de aumento do seu pode discricionário, na medida em que este não é
balizado pela reforma de 2013. Na verdade, essa dispensa pressupõe que a audiência prévia se
realizasse com vista ao proferimento do despacho saneador.

o Funções primárias

Funções da audiência prévia:


➔ Realizar uma tentativa de conciliação entre as partes (art. 591º/1/a), quando a causa tiver
por objeto direitos disponíveis (594º/1);
➔ Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra
apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em
parte, do mérito da causa (591º/1/b);
➔ Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir
insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se
tornem patentes na sequencia do debate (591º/1/c)- aquelas que o tribunal não tenha
detetado anteriormente (não tendo, por isso, convidado a parte, através do despacho pré-
saneador, a suprir a deficiência- 590º/2/b)), não as que subsistam por a parte não ter
acedido ao convite de aperfeiçoamento formulado naquele despacho;
➔ Proferir despacho saneador (591º/1/d) e 595º);
➔ Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual
(591º/1/e); 6º/1; 547º);
➔ Proferir, após debate, o despacho relativo aos temas da prova e decidir as reclamações
deduzidas pelas partes (591º/1/f) e 596º/1);
➔ Programar, após audiência dos mandatários, os atos a realizar na audiência final,
estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respetivas datas
(591º/1/g); esta programação determina o tempo disponibilizado a cada uma das partes
para a produção da prova.

A audiência prévia é um instrumento de gestão processual que incumbe ao juiz da causa


(art. 6º/1).

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o Fases da audiência prévia

➔ Tentativa de conciliação: aberta a audiência, o juiz procura conciliar as partes, tendo em


vista uma solução com equidade (art. 594º/3); só o faz, no entanto, se a causa admitir
transação (art. 594º/1), ou seja, quando o objeto da causa não seja uma relação jurídica
indisponível (art. 289º/1). Frustrando-se, total ou parcialmente, a conciliação, ficam
consignados em ata as soluções sugeridas pelo juiz, bem como os fundamentos que, no
entendimento das partes, justificam a persistência do litígio (art. 594º/4): este regime
pretende evitar que a falta de conciliação se fique a dever a motivos fúteis ou
insignificantes. A tentativa de conciliação pode ter lugar em qualquer outro estado do
processo, desde que as partes conjuntamente o requeiram ou o tribunal a julgue oportuna
(art. 594º/1). No entanto, as partes não podem ser convocadas, exclusivamente para essa
tentativa, mais que uma vez (art. 594º/1 in fine);
➔ Discussão ou debate: não cabendo ou não tendo dado resultado a tentativa de conciliação,
segue-se a discussão ou debate sobre a matéria de facto e de direito, no caso de o juiz
pretender conhecer de alguma exceção dilatória ou do mérito da causa (591º/1/b). Esta
audiência prévia das partes destina-se a evitar as decisões-surpresa (art. 3º/3). Se houver
necessidade, a discussão ou debate também pode incidir sobre a delimitação dos termos
do litígio (art. 592º/1/c). O disposto no art. 591º/1/b) pressupõe que o juiz pretende
conhecer de uma exceção dilatória de conhecimento oficioso no despacho saneador. Mas
uma interpretação sistemática do preceito exige uma interpretação extensiva do mesmo,
de modo a abranger também o exercício do contraditório relativamente às exceções
alegadas no último articulado admissível no processo pendente (art. 3º/4);
➔ Proferimento do despacho saneador: o despacho saneador é ditado para a ata da
audiência final (era. 591º/1/d); 595º/1, 1º parte), exceto se a complexidade das questões a
resolver exigir que o mesmo seja proferido por escrito: neste caso, suspende-se a audiência
e fixa-se data para a sua continuação, se a instância não se extinguir através daquele
despacho (art. 595º/2, 2º parte). No despacho saneador cabe ao juiz conhecer das exceções
dilatórias e nulidades processuais (art. 595º/1/a) ou, sempre que o estado do processo o
permitir, conhecer imediatamente do mérito da causa (595º/1/b). O processo pode findar
no despacho saneador com uma absolvição da instância, resultado do conhecimento pelo
juiz das questões de forma, ou mesmo com uma sentença de fundo (absolvição do réu do
pedido ou condenação), sempre que se mostre necessário qualquer ato de instrução, por os
factos necessários à solução da causa se encontrarem já adquiridos na fase dos articulados-
por confissão, admissão por acordo ou documentos-, não necessitando de ulterior atividade
probatória. Quando tal se verifique, a audiência prévia desempenha o papel de audiência
final (art. 604º/3/e) e 5) e a fase da gestão processual transforma-se em fase da sentença;
➔ Seleção dos temas de prova: na audiência prévia, procede-se à seleção dos temas de
prova, ou seja, das questões de facto relevantes que se consideram controvertidas (art.
591º/1/f) e 596º/1). Nessa mesma audiência são ainda apresentadas as reclamações das
partes contra a seleção dos temas de prova (art. 591º/1/f) e 596º/2);
➔ Gestão processual: a audiência prévia comporta uma fase destinada à gestão do processo.
Em concreto, nessa audiência determina-se a adequação formal, a simplificação ou a
agilização processual (art. 591º/1/e) e programam-se os atos a realizar na audiência final,

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estabelece-se o número de sessões e a sua provável duração e designam-se as respetivas


datas (art. 591º/1/g).

Funções acessórias

Além das referidas funções primárias, a audiência prévia também pode realizar algumas
funções acessórias. São elas as seguintes:
➔ Prestação de depoimento da parte (art. 456º/3);
➔ Alteração dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes nos articulados (art.
598º/1);
➔ Preparação de atos de instrução, sejam eles determinados oficiosamente pelo tribunal
ou requeridos pelas partes; é o caso, por exemplo, da requisição da prova pericial a
entidade idónea ou a nomeação do perito (467º/1);
➔ Apresentação de articulados supervenientes, quando os respetivos factos hajam
ocorrido ou tenham sido conhecidos pela parte até ao encerramento da audiência
(588º/3/a).

Falta dos interessados

A falta das partes ou dos seus mandatários não constitui motivo de adiamento da audiência
prévia (591º/3). Ressalva-se, no entanto, a relevância do justo impedimento (art. 140º/1).

o Dispensa legal

A audiência prévia não se realiza, por determinação legal:


➔ Nas ações não contestadas que tenham prosseguido por circunstância de a revelia
ser inoperante segundo o disposto no art. 568º/b) a d) (art. 592º/1/a); portanto, não
constitui causa de dispensa legal da audiência prévia a inoperância da revelia
decorrente do aproveitamento da contestação de um dos réus por todos os demais
demandados (568º/a);
➔ Quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de
alguma exceção dilatória (595º/1/a), esta já tenha sido debatida nos articulados
(592º/1/b); a aplicação deste regime não é frequente, dado que, em regra, as
exceções não se encontram debatidas pelas partes nos articulados, porque o autor
não dispõe da réplica para responder a uma exceção deduzida pelo réu na
contestação (art. 584º) e porque, por isso, o contraditório quanto a essa exceção só
pode ser realizado na audiência prévia ou na audiência final (art. 3º/4).

O art. 592º/b) só refere a hipótese em que a procedência da exceção dilatória põe termo ao
processo: só este caso implica a dispensa legal da audiência prévia. Na hipótese de a exceção
dilatória, já debatida pelas partes nos articulados, deve ser julgado improcedente no despacho
saneador, a dispensa da audiência prévia só pode ocorrer por iniciativa do juiz (art. 593º/1).

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O art. 592º/2 estabelece que, nos casos previstos do art. 592º/1/a)- ou seja, nas situações
em que a audiência prévia é dispensada pela inoperância da revelia do réu-, se aplica o disposto
no art. 593º/2, quanto aos atos a praticar após essa dispensa.

o Dispensa judicial

.1 Generalidades
Fazendo uso dos poderes de gestão processual, o juiz da causa pode dispensar a realização
da audiência prévia quando esta se destine apenas a proferir o despacho saneador, a determinar a
adequação formal ou a selecionar os temas de prova (art. 593º/1). Apesar de a letra da lei não o
referir, o art. 592º/2/d), mostra que a audiência prévia também pode ser dispensada quando se
destine a programar a audiência final.
A dispensa da audiência prévia nem sempre impede o proferimento do despacho saneador,
sob pena de a remissão constante do art. 593º/1, para a alínea d) do nº1 não ter campo útil de
aplicação. Há que distinguir duas situações:
➔ O juiz pretende conhecer no despacho saneador de exceções dilatórias ou de nulidades
processuais (hipótese prevista no art. 595º/1/a); nesta situação, nada impede a dispensa da
audiência prévia se as exceções ou as nulidades tiverem sido debatidas (ou puderem ter
sido debatidas) nos articulados, mas essa dispensa não é possível se, nomeadamente para
observância do disposto no art. 3º/4, houver que realizar a audiência prévia;
➔ O juiz pretende conhecer oficiosamente no despacho saneador de uma exceção dilatória
ou de uma nulidade processual (595º/1/a) ou pretende conhecer nesse despacho do mérito
da causa (595º/1/b); neste caso, o juiz tem de facultar às partes a discussão de facto e de
direito antes de proferir o despacho saneador (591º/1/b).

Consequência da falta de audiência prévia: a falta de audiência prévia (e, portanto,


violação pelo tribunal do dever de consulta) implica que o despacho saneador que venha a ser
proferido é nulo por excesso de pronúncia (art. 615º/1/d): o tribunal conhece de matéria que, nas
circunstâncias em que o faz (omissão do dever de consulta), não pode conhecer,

.2 Procedimentos
Se tiver havido dispensa judicial da audiência prévia, nos 20 dias subsequentes ao termo
dos articulados, o juiz profere, consoante as circunstâncias:
➔ Despacho saneador (art. 593º/2/a); 595º);
➔ Despacho a determinar a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual
(593º/2/b); 6º/2; 547º);
➔ Despacho de seleção nos termos da prova (593º/2/c); 596º);
➔ Despacho para programar os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de
sessões e a sua provável duração e designar as respetivas datas (593º/2/d); na marcação
destas datas, o juiz deve obter o prévio acordo dos mandatários das partes (151º/1).

Notificadas as partes da dispensa da audiência prévia, a parte que pretenda reclamar dos
despachos de adequação formal, de seleção dos temas da prova ou de programação pode requerer,

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em 10 dias, a realização de audiência prévia (593º/3/1º parte). Isto significa que a faculdade de
reclamação da parte contra qualquer daqueles despachos se traduz num poder de impor a
realização da audiência prévia.
Imposta a realização da audiência prévia, esta deve realizar-se num dos 20 dias seguintes
com a finalidade de apreciar as questões suscitadas e, acessoriamente, discutir as posições das
partes com vista à delimitação dos termos do litígio e suprir as insuficiências ou imprecisões na
exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate
(art. 593º/3, 2º parte).

Despacho Saneador

Nos termos do art. 595.º CPC, o despacho saneador pode ser proferido na audiência prévia,
nos termos do art. 591.º/1 alínea d CPC ou de forma autónoma, nos termos do art. 593.º/1 e 2
alínea a CPC.
Este despacho sempre existiu e corresponde ao ponto mais importante da fase da
condensação.
Quanto ao valor do despacho saneador, este tem uma decisão vinculativa no âmbito
daquele processo, mas isso não quer dizer que a parte não possa propor outra ação.
Enquanto o despacho pré saneador cumpre uma função ordinatória do processo, o despacho
saneador realiza uma função decisória, que é diferentemente em processamento normal e em
processamento eventual.

o Processamento normal

▪ Exceções dilatórias

Em processamento normal, o despacho saneador server para resolver as questões de


direito processual, tendo por fim conhecer das exceções dilatórias que hajam sido suscitadas
pelas partes ou que o tribunal deva conhecer oficiosamente, de acordo com o art. 595.º/1 alínea
a CPC. Excluem-se aquelas que o tribunal já tenha conhecido em momento anterior, como pode
acontecer com a incompetência absoluta, de acordo com o art. 98.º 1ª parte CPC.
Se a exceção dilatória for sanável, o juiz tem de lavrar um despacho pré saneador,
destinado a sanar ou a convidar a parte a suprir essa exceção, de acordo com o art. 590.º/2 alínea
a CPC. Só depois de decorrido o prazo fixado, o juiz lavra o despacho saneador, que seria positivo,
se houver sido sanado o vício, ou negativo, absolvendo o réu da instância, no caso contrário.
As exceções dilatórias só podem deixar de ser resolvidas no despacho saneador se o estado
do processo impossibilitar o juiz de se pronunciar sobre elas. Não cabe recurso da decisão do juiz
que, por falta de elementos, relegue para final a decisão dessas matérias, nos termos do art. 595.º/4
CPC.

▪ Nulidades processuais

Em processamento normal, ao despacho saneador pode ainda competir o conhecimento de


qualquer nulidade de processo, de acordo com o art. 595.º/1 alínea a CPC. Entre as nulidades

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judiciais há que distinguir as nulidades de processo, nos termos do art. 186.º a art. 202.º CPC,
das nulidades de sentença, nos termos do art. 615.º, art. 666.º e art. 685.º CPC. Ambas são
nulidades de atos processuais, mas as nulidades de processo são as que advém da inobservância
do formalismo processual considerado essencial para o exame ou decisão da causa, de acordo com
o art. 195.º/1 CPC. São estas nulidades de processo que podem vir a ser apreciadas no despacho
saneador, se antes o tribunal não tiver conhecido delas, de acordo com o art. 200.º CPC.
A lei processual prevê como nulidades de processo nominadas a ineptidão da petição
inicial, a falta de citação do Ministério Público quando parte principal, ou do réu, a nulidade da
citação, o erro na forma do processo e a falta de vista ou exame do Ministério Público como parte
acessória. Destas, só a nulidade da citação não é sempre de conhecimento oficioso.
A par destas nulidades nominadas, a lei admite a existência de outras de tipo inominado,
genericamente previstas no art. 195.º/1 CPC: constitui uma nulidade processual a prática de um
ato não admitido ou a omissão de um ato devido, como por exemplo da entrega da contestação
ou da réplica fora de prazo.
Apesar disto, nominadas ou inominadas, são estas nulidades que podem ser apreciadas
no despacho saneador.
Em regra, o conhecimento das exceções dilatórias precede o das nulidades processuais,
pois que, se o processo houver de terminar com uma absolvição da instância, não importa
averiguar se nele ocorreu alguma nulidade. Mas nem sempre pode ser assim: se houver que
conhecer da exceção de litispendência e da falta de citação do réu, há que conhecer primeiro
desta nulidade, porque a exceção de litispendência deve ser deduzida na ação em que o réu tenha
sido citado mais tarde, de acordo com o art. 582.º/1 e 2 CPC.

▪ Valor da causa

Ainda em processamento normal, cabe ao juiz fixar, no despacho saneador, o valor da


causa, de acordo com o art. 306.º/2 CPC. Sendo necessário, o juiz pode mandar realizar as
diligências indispensáveis à determinação desse valor, incluindo o arbitramento, de acordo com o
art. 308.º e art. 309.º CPC.

▪ Caso julgado

O despacho saneador que se pronuncie sobre exceções dilatórias ou nulidades processuais


só constitui caso julgado formal quanto às exceções concretamente apreciadas, de acordo com o
art. 595.º/3 1ª parte CPC. Este regime tem a seguinte justificação: às questões de forma que sejam
suscitadas e debatidas pelas partes, deve o juiz dar solução fundamentada, nos termos do art.
154.º/1 CPC; às outras – de que o juiz se deve em geral ocupar ainda quando não suscitadas, pois
são em geral de conhecimento oficioso – regra geral referem-se os juízes no despacho saneador
em termos genéricos e não fundamentados: “O tribunal é competente, as partes são legítimas e
estão devidamente representadas, não havendo qualquer outro motivo de absolvição da instância,
nem nulidades de que cumpra conhecer”. O despacho com este conteúdo é vulgarmente
conhecido sob a designação de “despacho saneador tabelar” ou só “saneador tabelar”.
Pode colocar-se o problema de saber se uma decisão nestes termos genéricos faz caso
julgado formal dentro do processo, ou seja, impede que, no decorrer do mesmo, se possam
discutir estas questões. O art. 595.º/3 1ª parte CPC dá uma resposta negativa, onde o despacho

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saneador só adquire valor de caso julgado quando à exceção dilatória e à nulidade


concretamente apreciada, isto é, quanto à exceção ou nulidade que foi objeto de uma decisão
específica.
O regime estabelecido no art. 595.º/3 1ª parte CPC exclui do caso julgado quer a decisão
genérica, quer a decisão implícita. Chama-se decisão implícita à que não é expressa, mas resulta
do facto de o juiz nada dizer quando a lei lhe impunha que o fizesse. Assim, se o despacho
saneador diz “o tribunal é competente, as partes são legítimas, não há nulidades” não está
abrangida no âmbito das questões a da capacidade judiciária; poder-se-ia dizer, o mandar seguir
o processo determina implicitamente uma decisão no sentido de que as partes são juridicamente
capazes. A hipótese não é abrangida pelo art. 595.º/3 1ª parte CPC, o que, aliás, está de acordo
com o espírito do art. 621.º CPC aplicado por analogia: a sentença constitui caso julgado nos
precisos limites e termos em que julga.
Se o despacho saneador deixar de fora alguma questão de forma que tenha sido suscitada
pelas partes, o mesmo é nulo, nos termos do art. 615.º/1 alínea d e art. 613.º/3 CPC. É o que
sucede quando, por exemplo, nesse despacho se deixar de conhecer da ineptidão da petição inicial
e do erro na forma de processo. No entanto, a nulidade por omissão de pronúncia pode sanar-
se por inação dos interessados, pelo que tal questão não mais pode ser suscitada pelas partes e
conhecida oficiosamente pelo tribunal. Isto é, a preclusão da invocação da nulidade do despacho
saneador implica a preclusão das questões que nele deviam ter sido conhecidas.

o Processamento eventual

▪ Conhecimento do mérito

Em processamento eventual, o despacho saneador pode conhecer imediatamente do


mérito da causa, nos termos do art. 595.º/1 alínea b CPC, isto é, pode conhecer, no todo ou em
parte, do pedido ou de algum dos pedidos formulados pelo autor, de alguma exceção perentória
alegada pelo réu ou de conhecimento oficioso, ou ainda do pedido reconvencional deduzido pelo
réu, nos termos do art. 595.º/1 alínea b 2ª parte CPC.
O conhecimento parcial do pedido parece referir-se apenas à situação em que a parte invoca
várias causas de pedir, como por exemplo se o autor invoca, como fundamento do pedido de
reivindicação, a usucapião e a sucessão por morte; o tribunal pode decidir, no despacho saneador,
que o prazo de usucapião ainda não se completou; mas, se forem cumulados vários pedidos, nada
obsta a que o tribunal conheça apenas de um deles. Em qualquer dos casos, o juiz só pode
conhecer da totalidade ou de parte do mérito da causa no despacho saneador se os factos
necessários para a resolução do litígio já estiverem adquiridos no processo, não carecendo por
isso de ulterior instrução ou atividade probatória, nos termos do art. 595.º/1/b) CPC.

▪ Pedido genérico

Se o demandante tiver formulado um pedido genérico de indemnização, o tribunal pode


condenar o devedor no pagamento de uma indemnização dentro do quantitativo que
considere provado, nos termos do art. 565.º CPC. Nada obsta a que esta decisão parcial seja
proferida no despacho saneador.

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▪ Pedido possessório

Nas ações destinadas à defesa da posse, se o réu apenas tiver invocado a titularidade do
direito de propriedade, sem impugnar a posse do autor, o juiz deve ordenar no despacho
saneador, se neste não puder apreciar aquela titularidade, a imediata manutenção ou restituição
da posse, sem prejuízo do que venha decidir-se na sentença final quanto a essa titularidade, nos
termos do art. 595.º/5 CPC. O despacho saneador é, neste caso, uma decisão proferida sobre
reserva.
Por isso mesmo, na sentença final há que definir o destino da posse, onde ela poe ser
incompatível com o direito de propriedade, mas também pode ser compatível com esta
propriedade, como por exemplo quando o autor for reconhecido como locatário ou arrendatário.

▪ Exceções perentórias

O juiz pode decidir pela improcedência de uma exceção perentória, se esta puder já ser
decidia com a necessária segurança, contendo o processo todos os elementos para uma decisão
conscienciosa, nos termos do art. 595.º/1 alínea b CPC. Isso verifica-se em três casos,
nomeadamente:

• No caso de inviabilidade da exceção, isto é, quando seja manifesto que esta não pode
proceder.
Por exemplo, A pede em juízo que B seja condenado a pagar-lhe 10 000€, que recebeu por
mútuo; B exceciona que é solteiro ou que nasceu em Setúbal; neste caso, o despacho saneador
desempenha, quanto à exceção, a mesma função de controlo que acerca do pedido e da causa de
pedir é efetuada pelo despacho liminar, nos termos do art. 590.º/1 CPC;
• No caso de a exceção ser legalmente improcedente; mesmo aceites ou provocados os
factos em que se funda, ela não conduz à conclusão de direito que o réu pretende obter;
• No caso de a prova do contrário da exceção estar feita no processo por forma
bastante, mas não a prova dos factos constitutivos do pedido.
Por exemplo, A pede a condenação de B em 50 000€, por mútuo verbal comercial entre
comerciantes; B exceciona que pagou, mas está junta ao processo uma confissão de B, feita em
documento autêntico, segundo a qual nunca pagou essa dívida; a exceção é considerada
improcedente, mas só sobre ela se pronuncia o juiz.
No despacho saneador, o juiz também pode considerar procedente uma exceção
perentória. Há, no entanto, que ter presente que o tribunal não pode pronunciar-se no despacho
saneador sobre a exceptio antes de se pronunciar sobre a actio, ou seja, não pode considerar a ação
improcedente com base na exceção perentória antes de reconhecer a existência do direito alegado
pelo autor. Dito de outra forma, o tribunal não pode justificar o julgamento de procedência
da exceção com o argumento de que não interessa analisar o direito do autor, porque ainda
que este viesse a ser reconhecido, a ação sempre haveria de improceder com fundamento na
exceção.
Por isso, o juiz só pode conhecer da procedência de uma exceção perentória se, ao mesmo
tempo, estiver em condições de conhecer do direito do autor pelo qual a exceção se opõe. Noutros

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termos, o conhecimento da procedência da exceção perentória no despacho saneador só é


possível se este despacho for uma decisão, ainda que parcialmente final.

▪ Sentido da decisão

Quer em relação a qualquer pedido, quer quanto a qualquer exceção perentória, o despacho
saneador pode conter uma decisão negativa de rejeição ou uma decisão positiva de
acolhimento. A decisão de improcedência do pedido pode decorrer da falta de um documento ab
substantiam que o juiz tenha convidado a parte a juntar ao processo, nos termos do art. 590.º/3
CPC, dado que este meio de prova não pode ser substituído por nenhum outro, nos termos do art.
364.º/1 CC.

Nas situações em que a causa comporte várias soluções plausíveis segundo a questão de
direito ou em que o autor tenha alegado um concurso de regras de pretensão ou um concurso de
pretensões, há que considerar duas situações:

• Uma decisão de improcedência só pode ser proferida se a causa houver de ser julgada
improcedente segundo todos os possíveis enquadramentos jurídicos da causa ou segundo todas
as pretensões alegadas pelo demandante; isto pressupõe que, no momento do proferimento do
despacho saneador, estejam adquiridos todos os factos relevantes, ou seja, que não existam
factos ainda não adquiridos, mas adquiríveis através de prova que sejam relevantes para a
apreciação segundo um dos enquadramentos jurídicos ou para a apreciação de uma das pretensões;
• Uma decisão de procedência pode ser proferida com base em qualquer dos enquadramentos
jurídico ou em qualquer das pretensões.

Mutatis mutandis, o mesmo vale quando réu tenha alegado várias exceções perentórias.
Uma decisão favorável ao demandado é possível com base em qualquer das exceções; uma
decisão favorável, apenas com base na improcedência de todas as exceções.

▪ Caso julgado

Se conhecer do mérito da prova, para todos os efeitos, o despacho fica tendo o valor de
uma sentença, nos termos do art. 595.º/3 2ª parte CPC.

3ª Fase – Instrução

Prova

A instrução tem por objeto os temas de prova enunciados ou, quando não tenha lugar a esta
enunciação, os factos necessitados de prova – art. 410º.

Será relativamente às questões em que as partes divergem, que serão enunciados os temas
essenciais da prova a fazer na audiência final. São estes temas que serão submetidos a prova na
audiência final e não os simples factos controvertidos.

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Não podemos, porém, esquecer que o art. 574/2 liberta o réu do ónus de impugnação
especificada quanto aos factos instrumentais. Nos termos deste preceito, a admissão dos factos
instrumentais pode ser afastada por prova posterior.

Quanto aos factos necessitados de prova, em determinadas ações, nomeadamente nas que
dizem respeito ao estado das pessoas, mesmo que os factos articulados pelo autor não tenham sido
impugnados pelo réu, nem por isso são considerados como tendo sido admitidos por acordo. Trata-
se de casos em que a revelia é inoperante e, por isso, o autor tem de fazer a prova dos factos por
si alegados, apesar de não terem sido contrariados pelo réu – art. 568.
Neste caso, a necessidade de prova justifica-se porque se trata de factos que estão subtraídos
à livre disponibilidade das partes – art. 568 al. c). Se o réu tiver oferecido contestação, mesmo
que não tenha impugnado esses factos, deverão ser submetidos a prova na audiência final.

Como resulta do disposto no art. 574/2, além dos factos em relação aos quais não é admissível
confissão, necessitam igualmente de prova os factos que só puderem ser provados por documento
escrito. Na verdade, se a sua prova só pode ser feita por documento escrito, não podem ser tidos
como provados só porque não foram impugnados.

➔ Alcance da prova:
A prova serve para criar no espírito do juiz a convicção acerca da veracidade de cada um dos
factos – art. 607/5.
A função das provas, segundo vem definida no art. 341 do CC, consiste na demonstração da
realidade dos factos.
A prova não é uma certeza lógica, mas tão só um alto grau de probabilidade, suficiente para
as necessidades práticas da vida. Os factos sobre que versa são geralmente ocorrências da vida
quotidiana que se situam no passado, os quais dificilmente poderiam ser integralmente
reconstituídos.
A lei é, em certas circunstâncias, menos exigente quanto à prova, contentando-se com uma
prova sumária. É o que acontece nos procedimentos cautelares. Para decretar a providência basta
que o juiz se convença da probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente
fundado o receio da sua lesão – art. 368/1. Neste caso, o grau de exigência é bastante menor do
que aquele que o tribunal procura na verdadeira prova, como acontece na ação de que a
providência cautelar depende ou noutra qualquer ação.

O juiz deve ter conhecimento da norma que há de ser aplicada à matéria de facto provada.

➔ Factos que não carecem de prova:


Existem factos que não carecem de prova nem sequer de alegação. São os chamados factos
notórios, considerando-se como tais os que são de conhecimento geral – art. 412/1.
Além desses, também não carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento
por virtude do exercício das suas funções. Quando deles se socorra, o tribunal deve fazer juntar
ao processo documento que os comprove – art. 412/2.

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Embora o preceito dispense a alegação do facto, não prescinde da sua prova. Esta é feita
documentalmente, visto que o facto de que o juiz tem conhecimento consta de outro processo em
que teve intervenção, no exercício das suas funções jurisdicionais.

➔ Inicio da fase:
A fase da instrução tem o seu início com a indicação dos meios de prova. Nos termos do art.
552/6, o autor deve apresentá-los, no final da petição inicial, o rol de testemunhas e requerer os
outros meios de prova.
Por sua vez, o art. 572 al. d) determina que o réu apresente, na contestação, o rol de
testemunhas e requeira outros meios de prova.
Quer dizer, as testemunhas terão de ser apresentadas com os articulados. Acaba, portanto, a
separação entre o ónus de alegação e o ónus de apresentação dos meios de prova.
Admite-se, porém, que o requerimento probatório seja alterado, termos do que dispõe o art.
572 al. d) in fine.

O requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia quando a esta
haja lugar nos termos do disposto no art. 591 ou nos termos do art. 593/3 – art. 598/1.
O rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize
a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no
prazo de 5 dias – art. 598/2.

Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem também
ser apresentados com o articulado respetivo, poderão sê-lo posteriormente até 20 dias antes da
data em que se realize audiência final, mas a parte será condenada em multa, salvo se provar que
os não pôde oferecer com o articulado – art. 423/2.

É possível a produção antecipada de prova quando haja justo receio de que venha a tornar-se
impossível ou muito difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de certos factos por
meio de perícia ou inspeção – art. 419.

Natureza do direito probatório

O conjunto de normas que regulam a produção da prova dos factos que interessam à decisão
da causa pode ser designado por direito probatório.
As normas de natureza substantiva constituem o direito probatório material que regula o
ónus da prova, a admissibilidade dos meios de prova e a sua força ou valor.

Por sua vez, o direito probatório formal regula o modo como as provas devem ser requeridas
e o seu modo de produção em juízo.

Para formar a convicção do julgador podem ser utilizados vários meios de prova. Do CC
constam os seguintes: prova por presunções – art. 349 e ss; prova por confissão – art. 352 e ss;

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prova documental – art. 362 e ss; prova pericial – art. 388 e ss; prova por inspeção – art. 390 e ss;
e prova testemunhal – art. 392 e ss.
O CPC dispõe acerca do aspeto formal destas provas no Título V, que trata da instrução do
processo – art. 410 e ss – acrescentando ainda a prova por apresentação de coisas móveis – art.
416.

Admissibilidade dos meios de prova e as suas limitações

O art. 607/5 consagra o princípio da livre convicção do julgador ao determinar que o juiz
aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Para formar a convicção do juiz podem as partes, em princípio, servir-se de quaisquer meios
de prova.

O preceito acima referido estabelece, porém, algumas limitações à regra da livre


admissibilidade dos meios de prova. Assim, a livre apreciação não abrange os factos para cuja
prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só podem ser provados por documento.
Por outro lado, a apreciação do juiz não pode incidir sobre os factos que já estejam plenamente
provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.

Podemos apontar como limitações provenientes da lei processual as disposições que


estabelecem os impedimentos para certas pessoas deporem como testemunhas ou a sua recusa
legítima para prestar depoimento – art. 496 e 497.

No âmbito dos seus poderes de direção do processo, compete ao juiz impedir a inquirição de
testemunhas sobre os factos em relação aos quais não é adequado tal meio de prova – art. 602.

Verificações não judiciais qualificadas

Sempre que seja legalmente admissível a inspeção judicial, mas o juiz entenda que se não
justifica, face à natureza da matéria, a perceção direta dos factos pelo tribunal, pode ser incumbido
técnico ou pessoa qualificada de proceder aos atos de inspeção de coisas ou locais ou de
reconstituição de factos e de apresentar o seu relatório, aplicando-se, com as necessárias
adaptações, o disposto nos artigos anteriores – art. 494/1.

Trata-se de num novo meio de prova que consiste em evitar a falível prova testemunhal,
dispensando igualmente a inspeção judicial, nos casos em que não se justifica a deslocação do
juiz atenta a importância do litígio.

Trata-se de um meio que oferece maiores garantias de segurança que a prova testemunhal e é
menos dispendioso do que a inspeção judicial.

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Valor gradual das provas

➔ Significado de prova livre:


Prova livre significa que o julgador não está subordinado a regras ou critérios formais
estabelecidos na lei. Decide segundo a sua experiência e a sua prudência sem estar obrigado a
observar critérios pré-estabelecidos.
Conforme definição legal, prova livre significa que o juiz formará, com prudência, a sua
convicção acerca de cada facto – art. 607/5.
Se ficar na dúvida, nem por isso lhe é permitido abster-se de julgar. Terá de proferir decisão
contra a parte a quem caiba o ónus de provar o facto.

➔ Prova bastante ou suficiente:


Os meios de prova podem ter diversos graus de aptidão para influenciar a convicção do juiz.
Sol tal aspeto, a prova pode ser bastante, plena ou pleníssima.
Prova bastante é a que chega para fundamentar a convicção do juiz a cerca da existência de
um determinado facto, mas que cede perante contraprova.

Contraprova é a atividade da parte contrária capaz de lançar no espírito do julgador a dúvida


sobre o facto que foi objeto de prova. Esta invalida a prova. Não necessita de criar no espírito do
julgador a convicção de que o facto em causa não é verdadeiro. Basta que neutralize a respetiva
prova. A contraprova, incidindo sobre os mesmos factos que foram objeto de prova, destina-se a
torná-los duvidosos. Se tal for conseguido, a questão é decidida contra a parte onerada com a
prova – art. 346 do CC.

Assim, se cabe ao autor o ónus de provar determinado facto, deve, por qualquer meio,
convencer o julgador da existência desse facto, de modo a que, fique afastada qualquer dúvida.
Se, porém, o réu fizer nascer, no espírito do juiz a dúvida acerca da existência desse facto, tanto
basta para neutralizar a prova produzida pelo autor.
No caso de dúvida, funciona a regra do ónus da prova. Por isso, cabendo a prova do facto ao
autor, basta que o julgador tenha dúvida acerca da verdade desse facto para que tenha de decidir
contra ele.

A contraprova é diferente da prova em contrário, visto que esta tem por fim a
demonstração de que certo facto já provado não é verdadeiro.

➔ Prova plena:
Prova plena é a que só cede perante a prova do contrário. não basta a neutralização feita através
da contraprova. Produzida a prova plena é irrelevante a situação de dúvida que se procurou gerar
no espírito do julgador. Torna-se necessário convencer o juiz da existência do facto contrário.
Conforme dispõe o art. 347 do CC, a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de
prova que mostre não ser verdadeiro o facto que ela for objeto. Ex: art. 371 do CC.
Neste caso. A força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua
falsidade – art. 372/1.

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➔ Prova pleníssima:
Esta é a que não admite sequer prova do contrário. Ex: presunções inilidíveis.

Provas pré-constituídas e provas constituendas

As provas constituendas são as que se constituem no decurso da instrução do processo. Só se


formam quando surge a necessidade de demonstrar a realidade do facto. A parte que não seja
revel, é notificada para todos os atos de preparação e produção da prova e é admitida a intervir
nesses atos. Ex: prova pericial, a testemunhal e o depoimento da parte.

As provas pré-constituídas são as que já estão formadas antes do processo, ou seja, já existiam
antes de nascer a necessidade da sua apresentação. Deve facultar-se à parte que as não ofereceu a
possibilidade de impugnar tanto a respetiva admissão como a sua força probatória. Ex: prova
documental – a apresentação do doc. é notificada à parte contrária – art. 427. Se o documento for
requisitado pelo tribunal, a sua obtenção deve ser notificada a ambas as partes – art. 439.
A genuinidade do doc. pode ser impugnada nos termos do art. 444.

A parte interessada tem de requerer ao tribunal a admissão, quando se trata de prova pré-
constituída, ou requerer a produção quando está em causa a prova constituenda.

Produção antecipada da prova

Art. 604/3 + art. 419.


O preceito refere a possibilidade de ser antecipado o depoimento. Ora, só existe o depoimento
de parte e o de testemunhas.
Se foi indicada como testemunha uma pessoa que, por ex, se propõe a ir para o estrangeiro
antes da realização da audiência final, torna-se necessário antecipar o seu depoimento, a fim de
não prejudicar o apuramento da verdade, quando esse depoimento é considerado essencial para a
decisão da causa.
O legislador também foi sensível ao risco de ver apagados determinados vestígios de factos,
se o interessado na respetiva prova fosse obrigado a aguardar o momento normalmente utilizado
para a realização de perícia ou inspeção judicial.
A produção antecipada de prova pode, portanto, ser requerida não só em relação ao
depoimento de pessoas (da parte ou da testemunha) como também à perícia ou inspeção. Basta
que haja justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito difícil a prova que por tais meios se
procurava obter.
O depoimento, a perícia ou a inspeção podem mesmo realizar-se antes de ter sido proposta
qualquer ação.
Aquele que requerer a prova antecipada deve justificar sumariamente a necessidade de
antecipação – art. 420/1. Nesse sentido deve alegar as circunstâncias que tornam impossível ou
muito difícil a produção da prova no momento em que normalmente devia ter lugar – a audiência
final.

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Deve ainda o requerente mencionar com precisão os factos sobre que há de recair a produção
antecipada de prova (visto que o juiz só a autorizará se tais factos forem relevantes para a decisão)
e identificar as pessoas que hão de ser ouvidas quando se trate de depoimento de parte ou de
testemunhas – art. 420/1.
Quando seja requerida a diligência antes da propositura da ação, deve ainda o requerente
indicar sucintamente o pedido e os fundamentos da ação que pensa instaurar e ainda identificar a
pessoa contra quem pretende fazer uso da prova – art. 420/2.

A pessoa contra quem se pretende fazer uso da prova é notificada pessoalmente, a fim de
garantir o respeito pelo princípio do contraditório – art. 420/2.
A intervenção da parte contrária e a participação do tribunal garantem força probatória igual
à que teria no caso de a prova ter sido realizada no momento processual próprio.
No decurso da ação, a produção de prova antecipada pode ser requerida não só pelo autor
como também pelo réu. A lei não distingue e nenhuma razão haveria para distinguir. Tanto um
como o outro pode sentir justo receio de que a prova venha a tornar-se difícil ou impossível quando
chegar o momento próprio.

Se a ação ainda não tiver sido proposta, também não há dúvida de que o futuro autor pode
requerer a produção antecipada de prova, pois tal possibilidade resulta claramente do disposto nos
arts. 419 e 420/2.
Porém, não se vê razão para não atribuir ao futuro réu a mesma faculdade. Alberto dos Reis:
a expressão contida no art. 420/2, na parte em que impõe ao futuro autor que indique o pedido e
os fundamentos da demanda, deve ser adaptada por forma a que o futuro réu tenha de indicar o
pedido e os fundamentos da ação que contra si pode ser eventualmente proposta.

Requerida a produção antecipada da prova, antes da ação ter sido proposta, não se torna
obrigatória a observância do prazo para a propositura da ação.

Valor das provas fora do processo onde foram produzidas

Os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte


podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte – art. 421/1.
Quer dizer, desde que tenha sido observado o princípio da audiência contraditória, a prova
feita num determinado processo pode ser aproveitada num outro processo instaurado contra a
mesma parte. Na verdade, foi-lhe concedida a faculdade de se defender, facilmente se aceitará
que a prova possa ser utilizada contra a mesma pessoa num outro processo em que é formulada
uma nova pretensão que assenta no mesmo facto.
Mas o aproveitamento da prova abrange apenas os depoimentos – o depoimento de parte e o
depoimento prestado por testemunhas – e a perícia.
A lei ressalva, porém, o caso da confissão feita num processo que só vale como judicial nesse
processo – art. 355/3 do CC.
Compreende-se que a parte só tenha confessado naquele processo por estarem em jogo
interesses de pouca monta. Por isso, tem de admitir-se que poderá ser diferente a sua atitude noutro
processo em que os valores sejam mais elevados.

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O preceito não faz referência à prova por documento ou à inspeção judicial. Quanto à prova
por documentos compreende-se facilmente a omissão, pois a parte poderá apresentar o documento
na nova ação, servindo-se de certidão do mesmo ou requerendo o seu desentranhamento do outro
processo. Por isso, não se justificaria que fosse atribuído valor extra-processual a este meio de
prova, quando é tão fácil a sua utilização em novo processo.
Por seu turno, a inspeção judicial não tem valor fora do processo em que foi efetuada, devido
à natureza pessoal do resultado alcançado, visto que se trata da observação feita diretamente pelo
juiz. A conclusão a que chegou um juiz não tem de ser necessariamente a mesma a que chegará
outro juiz em processo diferente – art. 490.

O art. 421 estabelece duas limitações ao valor da prova fora do processo em que foi
produzida:
→ Uma delas diz respeito ao caso em que o regime de produção da prova no primeiro
processo oferece às partes garantias inferiores às do segundo. Neste caso, os
depoimentos e arbitramentos produzidos no primeiro processo só valem no segundo
como princípio de prova – art. 421/1 2ª parte.
→ A outra limitação refere-se ao caso de ter sido anulado o primeiro processo na parte
relativa à produção da prova que se pretende invocar. Neste caso cessa o valor extra-
processual das provas – art. 421/2.

Princípio da audiência contraditória na fase de instrução

Trata-se de proporcionar a cada uma das partes a possibilidade de defesa contra as provas
oferecidas pela outra, ou a ambas as partes a possibilidade de se pronunciarem sobre as provas
trazidas ao processo por iniciativa do tribunal.

Art. 415/1. A ressalva contida na expressão “salvo disposição em contrário”, refere-se


essencialmente ao caso das providências cautelares, que poderão ser decretadas sem audiência da
parte contrária.
Por sua vez, o nº 2 regula a aplicação do princípio em conformidade com a natureza da prova.
Assim, no que toca às provas constituendas a parte será notificada, quando não for revel, para
todos os atos de produção e preparação da prova e será admitida a intervir nesses atos. Ex: prova
pericial – art. 475 e 476.

Em relação às provas pré-constituídas é facultada à parte que as não ofereceu a possibilidade


de impugnar não só a sua admissibilidade como também a sua força probatória. Assim, a parte
deve ser notificada da apresentação de um documento que tenha sido oferecido com o último
articulado ou depois dele – art. 427 – para que possa pronunciar-se sobre a sua admissibilidade
como prova e sobre o seu valor probatório – art. 444 e 446. Com a mesma finalidade serão
notificadas ambas as partes quando o documento tenha sido requisitado pelo tribunal – art. 439.

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Factos que o juiz deve considerar na decisão

Num sistema processual baseado no princípio do dispositivo, o juiz só pode julgar com
fundamento nos factos alegados e provados pelas partes, não podendo indagar por sua iniciativa
os factos relevantes para a decisão.
O tribunal não pode, portanto, suprir as deficiências das partes no que toca às alegações dos
factos e no que toca à respetiva prova. As partes dispõem do processo como da relação jurídica.
O juiz deve limitar-se a exercer o papel de árbitro, controlando a observância das regras
processuais.

A cada uma das partes cabe o ónus de alegar os factos que lhe interessam para sustentar a sua
posição. O autor terá de alegar os factos constitutivos do direito que se arroga, os quais
consubstanciam a respetiva causa de pedir.
Por seu turno, ao réu caberá alegar as exceções, ou seja, os factos impeditivos, modificativos
ou extintivos do direito invocado pelo autor, para que a ação venha a ser julgada improcedente.

Atualmente, o ónus de alegação das partes e os poderes de cognição do juiz estão previstos no
art. 5. Nos termos do nº 1, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de
pedir e aqueles em que se desencadeiam as exceções invocadas.
Por sua vez, o nº 2 dispõe que, além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados
pelo juiz os factos complementares sobre os quais as partes tiveram a possibilidade de se
pronunciar e ainda os factos notórios e aqueles que são do conhecimento do tribunal por virtude
do exercício das suas funções.

➔ Factos essenciais:
São os factos que integram a causa de pedir ou fundamentam as exceções. São os factos que
vierem a ser provados, são decisivos para que a ação ou exceção possa ser julgada procedente.
São os que integram a previsão da norma em que se funda a pretensão do autor ou a exceção
deduzida pelo réu.

➔ Factos instrumentais:
Destina-se a realizar a prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá
chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes –
assumindo, pois, uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação
jurídico-material das pretensões e da defesa.
Os factos instrumentais podem ser carreados para o processo pelo juiz, suprindo deste modo
a falta de alegação pelas partes, com vista à justa composição do litígio.
Sobre os factos instrumentais possui o juiz poderes inquisitórios que lhe advêm do disposto
no art. 5/2.

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➔ Factos complementares:
Trata-se de factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das exceções
deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros oportunamente alegados pelas
partes.
Se estes factos resultaram da instrução e discussão da causa e as partes tiveram possibilidade
de sobre eles se pronunciarem, tais factos devem ser considerados na decisão. O princípio do
contraditório é devidamente respeitado. Embora o facto complementar não tenha sido alegado no
momento em que foram os factos essenciais, evidencia a existência de uma certa conexão com a
matéria do facto alegada.

Trata-se de factos que em julgamento resultaram evidentes e sobre os quais as partes não
devem suscitar dúvidas. Tendo sido dada às partes a oportunidade de sobre eles se pronunciarem,
serão objeto de cognição do juiz, por força do preceituado no art. 5/2 al. b).

Provas atendíveis

➔ Princípio da aquisição processual:


O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado
da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação
de um facto, quando não seja feita por certo interessado – art. 413.

Quer dizer, todas as provas devem ser consideradas pelo juiz mesmo as que foram aduzidas
pela parte a quem são desvaloráveis, sendo favoráveis à parte contrária.
O preceito constitui a emanação do princípio da aquisição processual. As provas produzidas
no processo consideram-se como adquiridas para o efeito da decisão do mérito da causa, sem que
interesse averiguar qual das partes as produziu. O que importa é que os factos relevantes para a
decisão estejam provados, sendo indiferente que a prova tenha emanado da parte onerada ou da
contraparte.
Sendo assim, o documento apresentado para prova de um facto já não poderá ser retirado
senão depois de passar em julgado a decisão que põe termo à causa – art. 442/3.

Na verdade, se a parte que o apresentou veio a arrepender-se, por verificar que a prova
aproveita afinal à parte contrária, já o não poderá retirar. A prova foi adquirida para o processo.

Para evitar isto, por vezes a parte desiste da inquirição de uma ou algumas das suas
testemunhas para evitar correr o risco de fazer a prova do facto ou dos factos que a parte contrária,
a quem caiba o ónus de os provar, não logrou fazer.

Com este princípio tem-se em vista obter uma decisão do pleito que esteja, o mais possível,
em conformidade com a situação real.

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➔ Desvios ao princípio:
A 2ª parte do art. 413 contém um desvio ao ressalvar as disposições que declarem irrelevante
a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado. Enquadra-se neste desvio, a
invocação da prescrição.

Determina o art. 303 do CC que a prescrição necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial
ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou pelo MP, tratando-
se de incapazes.
O juiz não pode conhecer da prescrição se não for invocada por aquele a quem a mesma
aproveita. Pode ser invocada judicialmente na contestação da ação proposta pelo credor, mas nada
impede que seja feita pela via da ação de simples apreciação negativa intentada pelo devedor.

O mesmo acontece com a apreciação da caducidade em matéria relativa a direitos disponíveis


– art. 333/2 do CC.
De igual modo, o art. 287 do CC, só atribui legitimidade para arguir a anulabilidade às pessoas
em cujo interesse a lei se estabelece.

Ónus da prova

Em qualquer ação, o autor procura convencer o juiz dos factos em que fundamenta o direito
que invoca, enquanto o réu, ao contrário, se esforça para negar esses factos ou por demonstrar que
existem a seu favor outros factos que são impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que
o autor se arroga.
Ninguém ignora que, muitas vezes, depois de ouvir as versões contraditórias das partes, o juiz
fica com dúvidas, isto é, sem saber se algum ou alguns dos factos ocorreram. Mesmo assim, não
poderá deixar de decidir- terá de tomar posição acerca dos factos, considerando-os provados ou
não provados, segundo regras que a lei prescreve.

Determina o art. 8/1 do CC que o tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou
obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio.
Quer dizer, ainda que o juiz tenha dúvidas quanto à ocorrência ou não ocorrência dos factos,
não pode deixar de proferir uma decisão de fundo sobre a questão suscitada. Tem de definir a
relação material controvertida, como se no seu espírito se tivesse formado uma verdadeira
convicção acerca da prova dos factos. Tem, em suma, de dirimir o conflito suscitado entre as
partes.

Mas o juiz não pode decidir de uma maneira aleatória. Em que sentido deve então ser a decisão
a proferir?
→ são as regras do ónus da prova que definem o critério que o juiz deve adotar para proferir
a decisão.

O ónus da prova traduz-se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do
facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário,
quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais

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consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma
parte).

A parte sobre a qual impende o ónus da prova tem de alegar o facto e de trazer ao processo os
respetivos elementos de prova, que sejam suficientes para formar a convicção do juiz. Se não
alcançar tal objetivo, o juiz decidirá contra ela.
Não é, porém, indispensável que a prova seja feita pela parte que tinha o respetivo ónus. O
que importa é que a prova seja feita, isto é, que o juiz fique convencido, como resulta do princípio
da aquisição processual anteriormente definido. A prova pode ser produzida pela outra parte ou
ser obtida por iniciativa do juiz, nos casos em que tal se torna possível.

Quando se determina que o ónus da prova incumbe a uma das partes isso quer dizer que, se a
prova não for feita, essa parte verá o pleito ser julgado contra si, ou ficará sujeita a que seja tido
como provado o facto contrário.
Se o juiz ficar com dúvidas sobre a realidade do facto, deve decidir contra a parte a quem
incumbia o ónus da prova desse facto, visto que não pode abster-se de julgar com o fundamento
de que não ficou devidamente esclarecido acerca do mesmo. É aqui que reside a principal
importância das regras sobre o ónus da prova estabelecidas no art. 342 do CC.
Ex: o autor pede que o réu seja condenado a pagar-lhe a importância de 5.000.00€, devida por
um trabalho de construção civil. O réu defende-se alegando que já pagou essa importância. Se o
juiz ficar com dúvidas sobre o pagamento e se o ónus da prova deste facto incumbia ao devedor,
o juiz considerá-lo-á como não provado e, julgando a ação procedente, condenará o réu a efetuar
o pagamento. Se, pelo contrário, o ónus da prova do facto cabia ao credor, a ação será julgada
improcedente e o réu seria absolvido do pedido.

Critérios de repartição do ónus da prova

Art. 342 do CC – àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do
direito alegado. À parte contrária cabe a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos
daquele direito.
Dito de outro modo, a cada uma das partes cabe o ónus de provar os factos que constituem o
pressuposto das normas de cuja aplicação depende o êxito da sua pretensão.
O autor, porque tem o ónus da ação, cabe-lhe por isso mesmo alegar e provar os factos que
servem de apoio à pretensão que pela ação se propõe fazer valer. O réu, porque tem o ónus da
exceção, tem por esse motivo de alegar e provar os factos que estão na base dela.
Os factos que servem de fundamento à pretensão que pela ação se propõe fazer valer. O réu,
porque tem o ónus da exceção, tem por esse motivo de alegar e provar os factos que estão na base
dela.

Os factos que servem de fundamento à ação são os factos constitutivos. O autor propõe a ação
para fazer valer certo direito que se arroga contra o réu. Cumpre-lhe, portanto, demonstrar que é
titular desse direito, invocando factos de que a norma faz depender a sua existência.

A prova dos factos que podem ter o efeito de impedir, modificar ou extingui o referido direito
cabem ao réu.

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A regra enunciada no art. 342 do CC assenta no pressuposto de que se encontra resolvida a


qualificação do facto. Mas nem sempre assim acontece. Por isso, o nº 3 deste preceito estabelece
que, em caso de dúvida os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.
A lei mostra assim o critério a seguir no caso em que, por ex, se suscita a dúvida sobre se o
facto é constitutivo ou se, pelo contrário, a sua fata é que deve ser tida como um facto impeditivo.

Pode surgir a dúvida sobre a prova do facto, assim como também a dúvida a respeito da parte
a quem incumbe o ónus da prova.
A dúvida sobre a realidade de um facto ou sobre a repartição do ónus da prova resolve-se
contra a parte a quem o facto aproveita – art. 414.

➔ Ónus da prova em casos especiais:


AÇÕES DE SIMPLES APRECIAÇÃO NEGATIVA
Compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga – art. 343/1 do CC.
Estas destinam-se a obter unicamente a declaração da inexistência de um direito ou de um facto –
art. 10/3 al. a).
Nestas ações, a posição processual das partes é contrária à sua posição substancial. O autor,
no aspeto formal ou processual, é realmente o réu, no aspeto substancial e vice-versa. Daí o
encargo que impende sobre o réu de produzir a prova dos factos que normalmente estão a cargo
do autor (factos constitutivos do direito). Não existe, pois, verdadeira inversão do ónus da prova,
como à primeira vista podia parecer.
O que dá origem à ação é o facto de o réu se arrogar determinada pretensão; ao réu deve, por
isso, incumbir a prova de que a sua pretensão é fundada.
Também se partiu do princípio de que é mais fácil provar a existência do que a inexistência
de um direito ou de um facto. É, portanto, ao réu que incumbe a prova dos factos constitutivos do
seu direito, em vez de se exigir do autor a prova de que o réu não tem o direito que se arroga.

AÇÕES QUE DEVEM SER PROPOSTAS DENTRO DE CERTO PRAZO


Nas ações que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve
conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra
for a solução especialmente consignada na lei – art. 343/2 do CC.
Também deste caso se considerou ser mais fácil ao réu fazer prova da data em que o autor
tomou conhecimento do facto do que ao autor a prova de que não teve dele conhecimento até
determinada data. Entendeu-se, igualmente, que existe dificuldade em provar os factos negativos
e, por isso, impôs-se ao réu o ónus de provar que o autor teve conhecimento do facto há mais
tempo do que o prazo legal para a propositura da ação.
Para justificar que o ónus da prova deve impender sobre o réu, há também quem qualifique o
decurso do prazo para a propositura da ação como uma causa extintiva do direito do autor.

DIREITO SUJEITO A CONDIÇÃO OU A TERMO


Se o direito invocado pelo autor estiver sujeito a condição suspensiva ou a termo inicial, cabe-
lhe a prova de que a condição se verificou ou o termo se venceu; se o direito estiver sujeito a

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condição resolutiva ou a termo final, cabe ao réu provar a verificação da condição ou o vencimento
do prazo – art. 343/3 do CC.
Se o autor invoca o direito como condicional ou sujeito a termo inicial cabe-lhe a prova de
que a condição suspensiva já se verificou ou que o termo já chegou. Se é o réu quem invoca a
condição resolutiva ou o termo final, compete-lhe provar a verificação dessa condição ou o
vencimento do prazo. Neste último caso justifica-se que o ónus da prova impenda sobre o réu,
dado que este se defende por exceção, invocando um facto extintivo do direito do autor.

➔ Inversão do ónus da prova:


A inversão do ónus da prova consiste em impor a demonstração da realidade dos factos (a
prova) à parte que não teria tal ónus segundo o critério geral.
Inverte-se o ónus da prova quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da
prova, ou convenção válida nesse sentido e, de um modo geral, sempre que a lei o determine –
art. 344/1 do CC.

As presunções legais não são, verdadeiramente, meios de prova, mas inversões do ónus da
prova. A inversão do ónus da prova está contida em toda a presunção legal, pois a parte, a favor
de qual existe, fica liberta da prova do facto presumido e à parte contrária é imposto o ónus de
provar que a presunção não vale.

Sempre que a lei presume determinado facto contra o réu, não é o autor, a quem o facto
aproveita, mas ao réu, a quem o facto prejudica, que cabe o ónus da sua prova – art. 349 e 350 do
CC.
A inversão do ónus da prova – conforme determina o mesmo o art. 344/1 do CC – pode
também resultar de ter sido libertada ou dispensada de tal ónus a parte a quem, segundo a regra
geral, o mesmo caberia, o que significa que passou a impender sobre a parte contrária.

No que toca à dispensa ou libertação do ónus da prova ou convecção válida nesse sentido,
podemos dizer que, ao estabelecer determinadas regras sobre o ónus da prova, teve a lei por
finalidade proteger a parte não onerada. Nada impede, porém, que esta se disponha a renunciar tal
proteção legal e até que ambas as partes convencionem a alteração de tais regras.
A convenção tem, porém, os limites impostos pelo art. 345 do CC.

Prova por documentos

O CC define a prova documental e documento do modo seguinte: prova documental é a que


resulta de documento; diz-se documento qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de
reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto – art. 362 do CC.
Trata-se de um sentido muito amplo. Porém, analisando as disposições gerais sobre a prova
documental contida no CC, verifica-se que apenas o art. 368 se reporta a documentos não escritos.
Também no dto. processual civil se faz normalmente referência ao documento em sentido
estrito, isto é, ao escrito que contém uma declaração de ciência ou uma declaração de vontade.
Embora os arts. 428 e 436 se refiram também aos documentos em sentido lato, a prova
documental baseia-se essencialmente em documentos em sentido estrito.

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➔ Classificação dos documentos escritos:


Os doc. escritos podem ser autênticos ou particulares – art. 363/1 do CC.
Autênticos são os documentos exarados, com formalidades legais, pelas autoridades públicas
nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de atividade que lhe é atribuído, pelo notário
ou outro oficial público provido de fé-pública – art. 363/2 do CC;
Estes podem, portanto, ser exarados por qualquer autoridade ou por oficial público. Devem,
porém, ser exarados com respeito pelas formalidades legais. Além disso, quando provenientes de
uma autoridade pública, devem ser lavrados dentro dos limites da sua competência e, quando
provenientes de oficial público, deve este estar autorizado a atribuir-lhes fé-pública.

Todos os outros documentos são particulares – art. 363/2 do CC.

Entre os do. autênticos e os particulares se situam os doc. autenticados que são documentos
particulares, quanto à sua origem, mas que foram confirmados pelas partes perante o notário – art.
363/3 do CC.
Nestes doc. é lavrado um termo notarial de autenticação, do qual consta a declaração das
partes, perante o notário, de que lhes foi lido, de que estão cientes do seu conteúdo e que este
corresponde à sua vontade.

➔ Autenticidade dos documentos:


Tratando-se de documento autêntico, presume-se que o mesmo provém de autoridade ou
oficial público a quem é atribuído, quando estiver subscrito pelo autor com assinatura reconhecida
pelo notário ou com o selo do respetivo serviço – art. 370/1 do CC. Neste caso, presume-se que o
doc. autêntico é também genuíno.

A presunção de autenticidade pode ser ilidida mediante prova em contrário. Quando, porém,
pelos sinais exteriores do doc. seja manifesta a sua falta de autenticidade, o tribunal pode declará-
la oficiosamente – art. 370/2.

Os documentos particulares autenticados têm a força probatória formal dos documentos


autênticos, mas não os substituem quando a lei exija doc. desta natureza para a validade do ato –
art. 377 do CC.

Quando aos documentos particulares, mesmo que se mostrem escritos e assinados pela pessoa
a quem são imputados, é necessário provar a sua proveniência. É à parte que apresenta o doc. que
cabe fazer prova da sua autenticidade.
A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um doc. particular consideram-se verdadeiras em
3 situações possíveis – art. 374 do CC:
→ Quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o doc. é apresentado.
Quer dizer, se a parte contra quem o doc. é apresentado nada disser, considera-se
provada a sua autenticidade, isto é, a autoria ou procedência do doc.;
→ Quando a parte contra quem o doc. é apresentado declare não saber se a letra e a
assinatura lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas. Neste caso, atribui-se à
declaração de desconhecimento feita pela contraparte um significado paralelo ao que

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o art. 574/3 atribui à declaração produzida pelo réu de que desconhece se determinado
facto pessoal (ou de que deva ter conhecimento) é ou não verdadeiro. Num caso
consideram-se como verdadeiras a letra e a assinatura ou só a assinatura e, no outro, a
declaração do réu equivale a confissão do facto.
→ Quando a letra e a assinatura sejam tidas legal ou judicialmente como verdadeiras.
Incumbe à parte que representar o documento fazer a prova da sua veracidade se a
parte contra quem é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou
declarar que não sabe se são verdadeiras não lhe sendo imputadas – art. 374/2 do CC.
A impugnação de genuinidade do documento está prevista no art. 444.

➔ Força probatória dos documentos:


Os doc. autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade
ou oficial público respetivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas perceções
da entidade documentadora. Os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos
sujeitos à livre apreciação do julgador – art. 371/1 do CC.
Os factos constantes do documento autêntico devem ser agrupados em 3 categorias:
→ Ressaltam em primeiro lugar, os factos referidos no doc. como tendo sido
praticados pela entidade documentadora. Destes factos faz o documento prova
plena. Só podem ser impugnados mediante prova do contrário, isto é, arguindo a sua
falsidade, nos termos do art. 372/1 do CC.
→ Ainda abrangidos pela força p. dos doc. autênticos são os factos não praticados pelo
documentador, mas por ele atestados com base nas suas perceções. Trata-se dos
factos de que o documentador se apercebeu. São os factos que se passaram na sua
presença. Quanto a estes factos. A força probatória plena no doc. não vai além das
perceções do notário. Assim, apenas se considera plenamente provado que cada um
dos outorgantes proferiu as declarações nele contidas. O doc. não prova plenamente a
sinceridade das declarações prestadas na presença do documentador, nem a sua
validade ou eficácia jurídica. Quando nele se declara que o vendedor recebeu parte do
preço na presença do notário e que a parte restante já lhe havia sido anteriormente
entregue, o documento só prova plenamente a entrega daquela parte do preço e as
declarações feitas a propósito. Não prova, porém, que a primeira parte do preço tenha
sido entregue. Não tendo o doc. força probatória plena em relação a estes factos, os
mesmos podem ser impugnados por qualquer das partes, não tendo, para o efeito, de
arguir a falsidade do doc.;
→ Por último, estabelece o preceito que os factos que traduzem meros juízos pessoais
do documentador valem apenas como elementos sujeitos à livre apreciação do
julgador.
Os doc. particulares (incluindo os autenticados), logo que apurado que eles provêm da pessoa
a quem são atribuídos, considera-se plenamente provado que essa pessoa emitiu as declarações
que dos mesmos constam, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento – art.
376/1 do CC.
Estando estabelecida a autenticidade da assinatura, presume-se a autenticidade do texto. Esta
presunção admite, no entanto, prova em contrário.

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Mas nem todos os factos contidos nessas declarações se consideram provados. Apenas se
consideram provados os factos contrários aos interesses do declarante – art. 376/2 do CC. Quanto
aos restantes, o julgador é livre na sua apreciação.
Ex: se no doc. escrito e assinado, ou só assinado pelo réu, este declarar que recebeu nesse dia
5000 de A e entregou 1000 a B, ter-se-á como plenamente provado que ele recebeu, realmente, os
5000 de A, porque o facto lhe e desfavorável. Mas não ficará provado que ele entregou,
efetivamente, 1000 a B.

Se as declarações só em parte forem desfavoráveis ao declarante, a contraparte que quiser


aproveitar-se da parte favorável, terá de aceitar também a parte desfavorável, ou de provar que
essa parte não corresponde à verdade – art. 376/2 in fine do CC. Neste sentido, as declarações são
indivisíveis. Porém, a possibilidade de prova do contrário só existe para os documentos narrativos
e não para os documentos dispositivos.
Trata-se do princípio da indivisibilidade consagrado no art. 360 do CC que impõe à parte que
pretende aproveitar-se da parcela do documento que contém uma declaração confessatória, como
prova plena, o ónus de provar a inexatidão da narração de outros factos ou circunstâncias tendentes
a infirmar a eficácia do facto confessado.

➔ Apresentação dos documentos:


Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser
apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes – art. 423/1.
Quer dizer, os documentos devem ser oferecidos com o respetivo articulado, até mesmo
quando se trata de articulado superveniente – art. 588/5.

Acontece, por vezes, que a parte não junta os doc. com o articulado em que alega os factos
cuja prova com eles pretende fazer. Se isso acontecer, não fica a parte impedida de requerer a sua
junção em momento posterior.
Assim, a parte que não apresentou os documentos com o articulado respetivo, pode fazê-lo até
20 dias antes da data em que se realize a audiência final. Mas a parte será condenada em multa,
excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado – art. 423/2. Tem de convencer o
tribunal que só teve conhecimento dele posteriormente a esse momento processual ou de que lhe
não foi possível obtê-lo anteriormente.

Só são admitidos os doc. cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem
como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior –
art. 423/3.

A apresentação de doc. nos termos do disposto no nº 3 deste art. não obsta à realização das
diligências de produção de prova, salvo se, não podendo a parte contrária examiná-los no próprio
ato, mesmo com suspensão dos trabalhos pelo tempo necessário, o tribunal considerar o
documento relevante e declarar que há grave inconveniente no prosseguimento da audiência – art.
424.

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Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos


cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento – art. 425/1.
As partes apenas podem juntar documentos às alegações, nas situações excecionais a que se
refere o art. 425 ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento
proferido na 1ª instância – art. 651/1.
Quer dizer, em princípio, não é admissível a junção de documentos com as alegações de
recurso.

A decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando seja apresentado doc. de
que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que
foi proferida a decisão de rever e que, só por si, seja suficiente para modificar a decisão em sentido
mais favorável à parte vencida – art. 696 al. c).

➔ Documentos em poder da contraparte ou de terceiros:


Se o doc. estiver em poder da parte contrária, o interessado requererá que ela seja notificada
para o apresentar dentro do prazo que lhe for fixado pelo tribunal. Neste requerimento a parte
deve identificar, na medida do possível, o doc. e especificará os factos que com ele se propõe
provar – art. 429/1.
O juiz ordena a notificação do detentor do documento, se os factos que a parte pretende provar
tiverem interesse para a decisão da causa – art. 429/2.

Se o notificado não apresentar o documento, sem nada alegar, fica sujeito a ser condenado em
multa, nos termos do disposto no art. 417/2 – art. 430.

Se o notificado declarar que não possui o documento, cabe ao requerente provar, por qualquer
meio, que a declaração não corresponde à verdade – art. 431/1.

Se alegar que possui o documento, mas que este desapareceu ou foi destruído, incumbe-lhe
provar que tal acontecei sem culpa sua, a fim de evitar que contra si se inverta o ónus da prova,
em conformidade com o que dispõe o art. 344/2 do CC – art. 431/2.

Se o doc. estiver em poder de terceiros, a parte requererá que o possuidor seja notificado para
o entregar na secretaria, dentro do prazo que for fixado. Neste caso, também o requerente deve
identificar o documento e especificar os factos que com ele quer provar – art. 432.

O tribunal pode ordenar a apreensão do documento e condenar o notificado em multa, quando


ele não efetuar a entrega, nem fizer nenhuma declaração, ou quando declarar que não possui o
doc. e o requerente provar que a declaração é falsa – art. 433.

Porém, se o possuidor alegar justa causa para não efetuar a entrega do doc., será obrigado, sob
pena de multa, a facultá-lo para ser fotografado, examinado judicialmente, ou se extraírem dele
as cópias ou reproduções necessárias – art. 434.

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➔ Documentos requisitados pelo tribunal:


Incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar
informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos
necessários ao esclarecimento da verdade – art. 436/1.
A requisição pode ser feita a organismos oficiais, às partes ou a terceiros – art. 436/2.
As partes e terceiros que não cumpram a requisição incorrem em multa, salvo se justificarem
o seu procedimento, sem prejuízo dos meios coercitivos destinados ao cumprimento da requisição
– art. 437.

➔ Impugnação da genuinidade do documento:


Deve ser feita no prazo de 10 dias a impugnação da letra ou assinatura do doc. particular ou
da exatidão da reprodução mecânica, a negação das instruções a que se refere o art. 381/1 do CC
e a declaração de que não se sabe se a letra ou a assinatura do doc. particular é verdadeira – art.
444/1.

Impugnação da letra ou assinatura → nos termos do art. 374/1 do CC, estas são tidas por
verdadeiras quando reconhecidas ou não impugnadas, pela parte contra quem o documento é
apresentado.

Impugnação da exatidão da reprodução mecânica → essas reproduções fazem prova plena


dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem o doc. é apresentado não impugnar
a sua exatidão – art. 368 do CC. Se houver impugnação, a sua veracidade terá de ser demonstrada
por outros meios.
Quanto às fotocópias de documentos – art. 387 do CC.

Negação das instruções a que se refere o art. 381 do CC → se o credor escrever, ou mandar
escrever segundo instruções suas, em seguimento, à margem ou no verso do documento que ficou
em seu poder, alguma nota que favoreça a exoneração do devedor, tal nota faz prova do facto
anotado.
Identifico valor é atribuído à nota escrita pelo credor, ou segundo instruções suas, em
seguimento, à margem ou no verso do documento de quitação ou de título de dívida em poder do
devedor.

Declaração feita pela contraparte de que não sabe se a letra ou assinatura do doc.
particular é verdadeira → a letra e a assinatura de um doc. particular consideram-se verdadeiras
quando não impugnadas pela parte contra quem o doc. é apresentado ou quando, sendo-lhe
atribuídas, declare não saber se lhe pertencem – art. 374/1 do CC.
Se a parte contra quem o doc. é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura,
ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que
apresentar o doc. a prova da sua veracidade – art. 374/2 do CC.

Prazo para a impugnação → deve ser contado a partir da sua apresentação, se a parte estiver
presente, ou da notificação da junção, no caso contrário – art. 444/1 in fine. Tratando-se de doc.

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junto com articulado que não seja o último, a impugnação deve ser feita no articulado seguinte e,
se no doc. for junto com a alegação do recorrente, deve ser feita dentro do prazo para apresentação
da alegação do recorrido – art. 444/2.
No mesmo prazo deverá ser feito o pedido de confronto da certidão ou da cópia com o original
ou com a certidão de que foi extraída – art. 444/3 – art. 385 do CC.

➔ Arguição de falsidade do documento:


O art. 446/1, estabelece para a ilisão da autenticidade ou da força probatória de documentos
que enumera o mesmo prazo de 10 dias previsto no art. 444.
O próprio apresentante pode arguir a falsidade parcial do documento, quando se queira valer
da parte não viciada do mesmo – art. 447/1.
A parte contrária é notificada para responder, salvo se a arguição houver sido feita em
articulado que não seja o último; neste caso poderá responder no articulado seguinte – art. 448/1.
Com a arguição e com a resposta, podem as partes requerer a produção de prova – art. 449/1.
A matéria do incidente é considerada nos temas de prova enunciados ou a enunciar nos termos
do art. 596/1 – art. 449/2.
Significa que para a decisão sobre a falsidade se enunciam temas de prova que são julgados
juntamente com os da ação. A produção de prova, bem como a decisão, terão lugar juntamente
com a da causa, cujos termos se suspenderão para o efeito, quando necessário – art. 449/3.
Porém, o procedimento como incidente tem lugar nos casos previstos no art. 450.

Prova por Confissão

Art. 352 do CC. A confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que
lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
Esta tem a força de prova plena. Se a parte confessa o facto, tendo aliás interesse em o
impugnar ou negar, deve naturalmente concluir-se que o facto é verdadeiro.
A parte confessa o facto, porque está convencida de que ele é exato, e não porque queira fazê-
lo passar por verdadeiro. É neste sentido que se diz: a confissão é uma declaração de ciência e não
uma declaração de vontade.
Tratando-se do reconhecimento de um facto que lhe é desfavorável e favorece a contraparte,
a confissão tanto pode emanar do autor como do réu.

➔ Confronto com a confissão do pedido:


A confissão de que ora nos ocupamos é a confissão como meio de prova. Esta é muito diferente
da confissão do pedido.
A confissão do pedido não é um meio de prova, mas um meio de extinção da instância – art.
277 al d). Esta apenas pode partir do réu, pois é a ele que o autor dirige o pedido – art. 283/1.
O réu confessando o pedido, reconhece o direito do autor, o que terá como consequência vir a
ação a ser julgada procedente, sendo o réu condenado no pedido.
A confissão como meio de prova, sendo apenas o reconhecimento de um ou alguns factos,
quando emana do réu pode conduzir ou não à procedência da ação e à sua condenação no pedido
formulado pelo autor. A ação só será julgada procedente e, consequentemente o réu condenado

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no pedido, quando o facto ou os factos confessados sejam suficientes para o tribunal proferir
decisão nesse sentido.
Enquanto, a confissão como meio de prova diz respeito a um ou mais factos e pode partir de
qualquer das partes, a confissão do pedido diz respeito ao direito invocado pelo autor, só pode
partir do réu e dá lugar à extinção da instância, com a condenação do réu no pedido.

➔ Modalidades da confissão:
Judicial ou extrajudicial:
Art. 355/1 do CC.
A confissão judicial é feita em juízo. A confissão extrajudicial é a festa por algum modo
diferente da confissão judicial – art. 355/2 e 4 do CC.
É considerada confissão judicial, quer o processo em que é feita seja de jurisdição contenciosa
quer seja de jurisdição voluntária; quer se trate de um tribunal comum quer de um tribunal arbitral.
Por outro lado, considera-se ainda confissão judicial a que foi feita em tribunal que depois veio a
ser declarado incompetente – art. 355/2 do CC.
Porém, a confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo. A confissão
realizada em qualquer procedimento preliminar ou incidental (como o procedimento cautelar) só
vale como confissão judicial na ação correspondente – art. 355/3 do CC.

A confissão só tem valor dentro do processo em que foi feita, porque a parte pode ter sido
movida pelos interesses que estão em jogo nessa causa, como já tivemos ocasião de referir. Numa
outra ação em que estejam em discussão interesses de maior monta, poderá adotar comportamento
diferente.

A confissão mesmo que seja feita em juízo incompetente não deixa de ser feita em processo
judicial e, por isso, tem igualmente a força probatória atribuída à confissão judicial.

A confissão extrajudicial não tem autonomia processual. Advém ao processo pela via da prova
testemunhal. Quando proveniente de documento, pode ser autêntica ou particular, em
conformidade com a natureza do documento – documento autêntico ou particular – em que está
escrita – art. 358/2 do CC.
A confissão particular pode não ser escrita, mas sim verbal.

Expressa ou tácita
Confissão expressa é a que é feita diretamente por palavras, de forma explícita.
Confissão tácita, ficta ou presumida é a que resulta de uma presunção legal. A lei processual,
partindo de certo comportamento da parte, considera reconhecido determinado facto que lhe é
desfavorável e favorece a parte contrária. É o que se verifica quanto aos factos não impugnados,
nos casos previstos nos arts. 567/1 e 574/2.
A doutrina e a jurisprudência têm questionado que se trate de verdadeira confissão.

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Espontânea ou provada
A confissão judicial espontânea pode ser feita nos articulados ou em qualquer outro ato do
processo, firmado pela parte pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado – art.
356/1 do CC.
A confissão judicial espontânea pode, portanto, ser feita no articulado. Sendo este assinado
pelo advogado, a confissão nele feita vincula a parte que representa, salvo se for retificada ou
retirada antes de a contraparte a ter aceitado especificamente – art. 46.
Presume-se que as afirmações feitas pelo mandatário no articulado, no exercício do patrocínio,
constituem o resultado das informações que lhe foram prestadas pelo constituinte, e portanto,
vinculam o mandante, salvo se forem retiradas ou retificadas atempadamente.
Fora dos articulados, as declarações feitas pelo mandatário da parte, oralmente ou por escrito
sem estar munido de procuração com poderes especiais, não valem como confissão. Nestes casos,
o advogado, para confessar em nome do seu constituinte, necessita de estar munido de procuração
com poderes especiais – art. 45/2.

A confissão judicial provocada pode ser feita em depoimento da parte ou em prestação de


informações ou esclarecimentos ao titular – art. 356/2 do CC.
Na verdade, por iniciativa do juiz ou a requerimento de qualquer das partes, pode o tribunal
determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento, informações ou
esclarecimentos sobre factos que interessam à decisão da causa – art. 452.
De qualquer modo, a comparência pessoal da parte, seja para prestar depoimento, seja para
prestar informações ou esclarecimento, pode constituir o meio para eventualmente provocar a
confissão de um ou alguns factos com interesse para a decisão da causa.

➔ Força probatória da confissão:


A confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente – art. 358/1 do CC.
Significa que não admite prova em contrário e, muito menos, contraprova. A confissão judicial
escrita, assim como a extrajudicial, só pode ser declarada nula ou anulada, nos casos previstos no
art. 359 do CC, quando provém de erro ou outro vício da vontade.

A confissão extrajudicial feita em documento particular ou autêntico considera-se provada nos


termos aplicáveis a estes documentos. Se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem
força probatória plena – art. 358/2 do CC.
A confissão extrajudicial feita verbalmente, nos casos em que é admitida a prova testemunhal,
é livremente apreciada pelo tribunal – art. 358/3 do CC.
A confissão extrajudicial feita verbalmente, nos casos em que é admitida a prova testemunhal,
é livremente apreciada pelo tribunal – art. 358/3 do CC.
São, do mesmo modo, livremente apreciadas pelo tribunal a confissão judicial verbal, a
confissão extrajudicial feita a terceiro e a confissão contida em testamento – art. 358/4 do CC.

➔ Quem pode confessar:


A lei substantiva refere, em primeiro lugar, a capacidade do confitente. A confissão só é
eficaz quando feita por pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o facto
confessado se refira – art. 353/1 do CC.

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O titular do direito pode confessar se, além da capacidade, tiver o poder de disposição dos
direitos a que os factos confessados dizem respeito, visto que a confissão pode importar
praticamente a disposição destes direitos.
A pessoa que tiver capacidade de exercício (de direitos) limitada só pode confessar dentro dos
limites da sua capacidade. É o que se passa quanto aos menores e aos maiores acompanhados.

O outro requisito da confissão é o da legitimidade do confitente. Pode requerer-se o


depoimento de maiores acompanhados, de acompanhantes e de representantes de menores,
pessoas coletivas ou sociedades; porém, o depoimento só tem valor de confissão nos precisos
termos em que aqueles possam obrigar-se e estes possam obrigar os seus representados – art.
453/2.
Pela confissão dá-se oportunidade à parte contrária de produzir prova com eficácia plena. Por
isso, não se lhe pode atribuir eficácia quando emana de alguém que não poderá dispor do direito
a que o facto respeita.
Quanto aos menores, como já sabemos, existem exceções à sua incapacidade. Apesar de serem
incapazes, podem praticar atos excecionalmente válidos, nos termos do disposto nos arts. 127 do
CC.

➔ Confissão no caso de litisconsórcio ou de substituição legal:


Art. 355 do CC.

➔ Aceitação da confissão feita nos articulados:


As afirmações e confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados,
vinculam a parte, salvo se forem retificadas ou retiradas enquanto a parte contrária as não tiver
aceitado especificamente – art. 46.
Como já tivemos ocasião de referir, as afirmações expressas nos articulados, feitas pelo
mandatário no exercício do patrocínio da parte, entendem-se prestadas em conformidade com
informações do mandante.

Também o art. 465/1 considera a confissão irretratável. A irretrabilidade da confissão significa


que esta não pode ser retirada discricionariamente.
Porém, as confissões expressas de factos, feitas nos articulados, podem ser retiradas, enquanto
a parte contrária as não tiver aceitado especificamente – art. 465/2 + 46.
Para que a confissão expressa de factos, feita nos articulados, se torne irretratável, é, portanto,
necessário que a aceitação se faça de forma especificada. Não basta uma aceitação genérica
(remetendo para os factos articulados).
Deve a contraparte indicar concretamente a afirmação produzida que aceita como confissão,
isto é, deve indicar o facto ou factos que considera confessados.
As confissões enquanto puderem ser retratadas também poderão ser retificadas, ou seja,
esclarecidas.

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➔ Casos de inadmissibilidade da confissão:


A confissão não faz prova contra o confitente nos casos referidos nas diversas alíneas do art.
354 do CC.
Nestes casos, o pedido de depoimento de parte, com tal objetivo, deve ser indeferido, visto
que, mesmo que o depoente confessasse os factos articulados pela contraparte, a “confissão” não
faria prova contra si, nem sequer com o valor atenuado atribuído pelo art. 361 do CC.
O primeiro dos casos mencionados no art. 354 do CC diz respeito à confissão que, por lei, é
declarada insuficiente ou que recai sobre factos cujo reconhecimento ou investigação a lei proíba
– art. 354 al. a).

A confissão é insuficiente sempre que a lei determine que os factos só possam ser provados
por doc., como acontece no caso dos negócios jurídicos para suja celebração a lei exige escritura
pública.

Também não é admissível a confissão se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis
– art. 354 al. b).
Entre os direitos indisponíveis referiremos os que dizem respeito ao estado das pessoas.
Assim, a confissão não é eficaz nas ações de impugnação de paternidade, nas ações de
investigação de maternidade ou de paternidade, nas ações de anulação de casamento, de divórcio
e de separação de pessoas e bens.

Também há direitos patrimoniais indisponíveis: são todos aqueles que não podem ser
renunciados, como o direito a alimentos – art. 2008 do CC.
Nestes casos, a revelia é inoperante, conforme resulta do disposto no art. 568 al. c).

Nas ações sobre o estado das pessoas, se o réu não contestar – art. 567/1 – ou se, embora tenha
contestado, não tiver impugnado determinados factos – art. 574/1 e 2 – os factos articulados na
petição inicial não podem considerar-se confessados.

Não é ainda admissível a confissão, se o facto for impossível ou notariamente inexistente –


art. 354 al. c) do CC.

Não se deve confundir a prova de um facto impossível com a impossibilidade de provar certo
facto. O preceito refere-se à impossibilidade absoluta e esta só se verifica quando não houver
qualquer dúvida sobre ela. Por isso, o juiz deve ser muito cauteloso em defini-la, para cada caso,
não vá ter-se como impossível aquilo que só se nos afigura tal em virtude de ignorarmos que certa
causa pode produzir determinados efeitos.

Prova Pericial

É a lei substantiva que define o objeto da prova pericial e a sua força probatória. Conforme
dispõe o art. 388 do CC, a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio
de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem ou
quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial.

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A prova pericial é realizada por um ou mais peritos. Chama-se perito a uma pessoa que, em
razão dos seus conhecimentos ou da sua perícia em qualquer ciência, arte ou oficio, ou
simplesmente da sua provada experiência, é nomeada para, sob juramento, elucidar determinados
factos, para boa aplicação das leis.

A perícia é o resultado da perceção pelo perito de quaisquer factos, quando não possa ser
realizada diretamente pelo juiz, quer por carecer de conhecimentos científicos para o efeito, quer
pela necessidade de não ferir a sensibilidade das pessoas, quando são estas o objeto de tal
atividade.
Como se vê, a perícia tem por finalidade auxiliar o julgador na perceção ou apreciação dos
factos a que há de aplicar o direito.

Embora o relatório pericial esteja fundamentado em conhecimentos especiais que o juiz não
possui, só a este cabe o ónus de decidir sobre a realidade dos factos a que deve aplicar o direito.
Em termos valorativos, os exames periciais configuram elementos meramente informativos,
de modo que, do ponto de vista da juridicidade, cabe sempre ao julgador a valoração definitiva
dos factos pericialmente apreciados, conjuntamente com as demais provas.

A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal – art. 389 do
CC.
Pode acontecer que as razões invocadas pelos peritos no seu relatório não sejam convincentes
ou até sejam contrariadas por outras provas existentes nos autos ou adquiridas pelo tribunal. Só o
juiz, que tem ao seu alcance toda a prova, está em condições de fazer a análise critica da totalidade
dos elementos que a compõem.

Prova por inspeção

A prova por inspeção tem por fim a perceção direta de factos pelo tribunal – art. 390 do CC.
É um meio de prova em que a convicção do juiz se forma pela observação direta e pessoal que o
próprio faz.
Trata-se, portanto, de uma prova direta, o que a distingue de outras provas como a prova
pericial, documental, testemunhal ou por confissão. Na prova direta o julgador é confrontado
diretamente com o próprio facto a provar.

As provas diretas põem o juiz em contacto imediato com o facto a provar, ao passo que, nas
provas indiretas, entre o juiz e o facto interpõe-se ou uma pessoa (prova por confissão ou
testemunhal), ou uma coisa (prova por documentos); ora bem se compreende que tal circunstância
exerça a influência considerável sobre a formação da convicção do julgador. Num caso o juiz tem
diante de si o próprio facto que pretende captar; no outro tem diante de si um instrumento
intermediário, uma pessoa ou uma coisa que lhe dá unicamente a representação do facto; a
diferença é flagrante.

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➔ Objeto da inspeção:
Conforme dispõe o art. 490/1, o tribunal pode inspecionar coisas e pessoas, a fim de se
esclarecer sobre qualquer facto que interesse e à decisão da causa.
O preceito legal ressalva, porém, a intimidade da vida provada e familiar e a dignidade
humana.
Quando a inspeção incide sobre pessoas, estas são apenas objeto de observação,
desempenhando um papel puramente passivo. É o caso do relatório pericial previsto no art. 899,
tendo em vista o acompanhamento de maiores.

➔ Iniciativa da inspeção:
A iniciativa da inspeção judicial pode partir do tribunal ou de qualquer das partes – art. 490/1.
À parte que a requerer incumbe fornecer ao tribunal os meios adequados à sua realização,
salvo se estiver isenta ou dispensada do pagamento de custas – art. 490/2.
A inspeção deve ser feita com as necessárias garantias de publicidade e de fiscalização das
partes, pelo que estas serão notificadas do momento da sua realização.

➔ Modo de a realizar:
Na inspeção judicial o tribunal pode deslocar-se ao local da questão – art. 490/1. Pode também
ordenar que se proceda à reconstituição dos factos quando a entender necessária, conforme dispõe
ainda o referido artigo.
Este pode fazer-se acompanhar por um técnico capaz de o elucidar sobre a averiguação e
interpretação dos factos que se propõe observar – art. 492/1. O técnico é nomeado no despacho
que ordenar a diligência e deve comparecer na audiência final – art. 492/2.
Este técnico não é um perito, mas apenas um auxiliar do tribunal com os conhecimentos
necessários para o coadjuvar na averiguação e interpretação dos factos, se tal se mostrar
conveniente. Por isso, não lhe são aplicáveis as disposições legais relativas à prova pericial.
Prova por declarações de parte

Âmbito de aplicação

As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de
declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento
direto (art. 466.º/1). O regime da prova por declarações da parte é aplicável tanto a partes
principais, como a partes acessórias (art. 466.º/2 e 455. °) e vale igualmente quando o objeto do
processo seja uma relação jurídica indisponível (embora, neste caso, nenhum efeito confessório
possa resultar das declarações da parte: cf. art. 354. °, al. b), CC).

Finalidades da prova

As declarações de parte podem servir quer para a prova do facto probando, quer para a
impugnação de prova realizada pela outra parte. As declarações de parte também podem ser
utilizadas para garantir que a parte possa responder ao depoimento de uma testemunha indicada
pela outra parte e, assim, assegurar a igualdade entre as partes.

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Procedimento probatório
Iniciativa oficiosa

Tal como o depoimento de parte, também a prova por declarações de parte pode ser ordenada
oficiosamente pelo tribunal (art. 466.º/ 2 e 452.º/1). O exercício deste poder inquisitório do
tribunal é especialmente aconselhado quando os factos só sejam do conhecimento das partes e,
por isso, não possam ser provados por outro meio de prova.

Prova testemunhal

Testemunha é toda a pessoa que, não sendo parte na ação, nem seu representante, é chamada
a narrar as suas perceções sobre os factos passados que interessam para a decisão.
O depoimento da testemunha distingue-se do depoimento de parte pela qualidade do depoente.
A testemunha é uma pessoa que não é parte no litígio. É indicada por uma das partes (ou até por
ambas) para narrar perante o tribunal determinados factos passados. Que chegaram ao seu
conhecimento, os quais têm interesse para a decisão do litígio.
Estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes – art.
496.

A testemunha também se distingue do perito como se disse, a testemunha refere as suas


perceções sobre factos passados e não as suas apreciações sobre factos presentes por incumbência
do tribunal.
Pode depor como testemunha quem exerceu no processo funções de perito, por a situação se
enquadrar no art. 495, conforme decidiu o STJ.

➔ Capacidade testemunhal:
Têm capacidade para depor como testemunhas todos aqueles que tiverem aptidão mental para
depor sobre os factos que constituam objeto da prova – art. 495/1.
Incumbe ao juiz verificar a capacidade natural das pessoas arroladas como testemunhas, com
vista a avaliar da admissibilidade e da credibilidade do respetivo depoimento – art. 495/2.
Deve, portanto, o juiz avaliar das eventuais limitações à aptidão mental do depoente, no caso
concreto, por forma a determinar se é admissível e também se será credível o seu depoimento.

➔ Recusa legítima a depor:


Podem recusar-se a depor como testemunhas (salvo no caso do nascimento ou óbito dos filhos)
as pessoas que tenham uma relação de parentesco, de afinidade, de casamento ou de união de
facto em condições análogas às dos cônjuges com alguma das partes na causa, mesmo que o
casamento já tenha sido dissolvido ou a únião de facto tenha terminado – art. 497/1. Incumbe ao
juiz advertir as pessoas que se encontrem nestas condições, em relação a qualquer das partes, que
lhe assiste a faculdade de se recusarem a depor – art. 497/2.
Embora essas pessoas tenham a faculdade de se recusarem a depor, podem prestar
depoimento, se for essa a sua vontade. Trata-se de uma inabilidade relativa.

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Devem escusar-se a depor os que estejam adstritos ao segredo profissional, ao segredo de


funcionários públicos e ao segredo de Estado, relativamente aos factos abrangidos pelo sigilo,
aplicando-se neste caso o disposto no art. 417/4 – art. 497/3.

➔ Admissibilidade da prova testemunhal e suas limitações:


A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja direta ou indiretamente
afastada – art. 392 do CC.
Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser
reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admissível prova testemunhal –
art. 393/1 do CC.
Se a declaração negocial devia ter sido reduzida a escrito e não o foi, o ato é nulo (art. 220 e
364 do CC). Assim, é irrelevante qualquer espécie de prova.

Se a lei exige que a prova se faça por documento, tem de considerar-se afastada qualquer outro
meio de prova.

As partes podem estipular uma forma especial para a declaração, presumindo-se que se não
querem vincular senão pela forma convencionada – art. 223 do CC. Porém, o art. 345 do mesmo
diploma legal impõe certos limites às convenções sobre as provas. Também não é admitida a
prova por testemunhas quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro
meio com força probatória plena – art. 393/2 do CC.
Neste caso, no confronto entre a prova plena e a falível prova testemunhal, a lei não podia
seguir orientação diferente.

Sobre a força probatória plena dos documentos autênticos e dos particulares, dispõem,
respetivamente, os arts. 371 e 376 do CC.

É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objeto quaisquer convenções contrárias
ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados
nos arts. 373 e 379 quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou
contemporâneas dele, quer sejam posteriores – art. 394 do CC.

A proibição de provar por testemunhas o conteúdo ou além do conteúdo dos documentos


autênticos ou particulares não se refere à prova dos vícios da vontade ou divergência entre a
vontade e a declaração. É, pois, admitida a prova de erro, dolo, coação, mas não a de simulação
do negócio documentado e a do dissimulado quando invocados pelos simuladores art. 394/2 do
CC.
Nada impede que os simuladores façam a prova da simulação por qualquer outro meio de
prova, desde que não seja a testemunhal ou a prova por presunções, mesmo que o negócio seja
celebrado por documento autêntico.

➔ Apresentação do rol de testemunhas:


As testemunhas serão designadas no rol pelos seus nomes, profissões e moradas e por outras
circunstâncias necessárias para as identificar – art. 498/1. Este deve ser apresentado pelo autor no

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final da petição inicial. Caso o réu conteste, o autor é admitido a alterar o requerimento probatório
inicialmente apresentado, podendo fazê-lo na réplica, caso haja lugar a esta, ou no prazo de 10
dias a contar da notificação da contestação – art. 552/6.
Por sua vez, o réu terá igualmente de apresentar o rol de testemunhas na contestação – art. 572
al. d).

O requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia quando a esta
haja lugar nos termos do disposto no art. 591 ou nos termos do disposto no art. 593/3 – art. 598/1.
Quer dizer, o rol de testemunhas pode ser alterado na audiência prévia, quer esta seja
convocada nos termos do art. 591, quer, depois de ter sido dispensada pelo juiz, a audiência prévia
venha a ter lugar por força de reclamação das partes, nos termos do art. 593.

O rol de testemunhas pode ainda ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se
realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade,
no prazo de 5 dias – art. 598/2.
As testemunhas indicadas em consequência do adicionamento ou alteração do rol previsto no
número anterior devem ser apresentadas na audiência de discussão e julgamento pelas partes –
art. 598/3.

As partes têm ainda a faculdade de substituir testemunhas em consequência do seu não


comparecimento, nos casos previstos no art. 508. Nos termos desta mesma disposição legal, a
substituição deve ser requerida logo que a parte tenha conhecimento do facto que a determina.

➔ Limite do número de testemunhas:


Os autores não podem oferecer mais de 10 testemunhas, para a prova dos fundamentos da
ação; igual limitação se aplica aos réus que apresentem a mesma contestação; nas ações de valor
não superior à alçada do tribunal de primeira instância, o limite do número de testemunhas é
reduzido para metade – art. 511/1.
Embora hoje exista uma única forma de processo, manteve-se a redução do nº de testemunhas
para as ações de menor valor.

No caso de reconvenção, cada uma das partes pode oferecer também até 10 testemunhas, para
a prova dela e da respetiva defesa – art. 511/2.

Consideram-se não escritos os nomes das testemunhas que no rol ultrapassem o número legal
– art. 511/3.

Atendendo à natureza e extensão dos temas de prova, pode o juiz, por decisão recorrível,
admitir a inquirição de testemunhas para além do limite previsto no nº 1 – art. 511/4.

Quando, no decurso da ação, o juiz presumir que determinada pessoa, não oferecida como
testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a decisão da causa, deve ordenar que a
mesma seja notificada para depor – art. 526/1. O depoimento só se realizará depois de decorridos
5 dias, se alguma das partes requerer a fixação de prazo para a inquirição – art. 526/2.

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A parte pode desistir a todo o tempo da inquirição de testemunhas que tenha oferecido, sem
prejuízo da possibilidade da inquirição oficiosa, nos termos do art. 526 – art. 498/2.
Assim mesmo que a parte prescinda da inquirição de alguma testemunha incluída no rol que
apresentou, nada obsta a que o juiz a possa inquirir, se entender que o seu depoimento pode ser
proveitoso para a descoberta da verdade.

➔ Lugar e momento da inquirição das testemunhas:


As testemunhas depõem na audiência final, presencialmente ou através de teleconferência –
art. 500. Esta regra comporta, porém, algumas exceções.

As testemunhas residentes fora do concelho onde se encontra sediado o tribunal ou o juízo são
apresentadas pelas partes, nos termos do art. 507/2, quando estas assim o tenham declarado
aquando do seu oferecimento, ou ouvidas por meio de equipamento tecnológico que permita a
comunicação, por meio visual e sonoro, em tempo real, a partir do tribunal, do juízo, de instalação
do município ou da freguesia, quando protocolado, ou de outro edifício público da área da sua
residência – art. 502/1.

Nos termos do art. 507/2, as testemunhas são apresentadas pelas partes, salvo se a parte que
as indiciou requerer, com a apresentação do rol, a sua notificação para comparência ou se forem
inquiridas por teleconferência.

As testemunhas serão inquiridas no local da questão, quando o tribunal, por sua iniciativa ou
a requerimento de alguma das partes, o julgue conveniente – art. 501.

As testemunhas residentes no estrangeiro são inquiridas por teleconferência sempre que no


local da sua residência existam os meios técnicos necessários – art. 502/5. Não existindo esses
meios técnicos, a inquirição é feita por carta rogatória, ou por carta precatória expedida para o
consulado português – art. 500 al. b).

Nas causas pendentes em tribunais sediados nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto
não existirá inquirição por teleconferência quando a testemunha a inquirir resida na respetiva
circunscrição, ressalvando-se os casos previstos no art. 520 – art. 502/6.

A testemunha que, embora em condições de depor, esteja impossibilitada de comparecer no


tribunal, prestará o seu depoimento no dia, hora e local que o juiz designar, ouvido o médico
assistente, se for necessário, sempre que não seja possível a sua prestação ao abrigo do disposto
nos arts. 518 e 520 – art. 500 al. d) e 457.

A inquirição pode ser antecipada, nos termos do art. 419 – art. 500 al. a).

O juiz designará, para cada dia de inquirição, o número de testemunhas que provavelmente
possam ser inquiridas – art. 507/1. Pretende-se, deste modo, evitar a desnecessária perda de tempo
das pessoas que, de antemão, se sabe que não chegarão a prestar depoimento naquele dia.

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As testemunhas que as partes devam apresentar não são notificadas – art. 507/3. Porém, a
secretaria pode entregar à parte os avisos relativos a essas pessoas, quando a entrega for solicitada,
mesmo verbalmente – art. 251/2.

As testemunhas são inquiridas, uma de cada vez, pela ordem que consta do respetivo rol,
começando pelas que foram indicadas pelo autor e seguindo-se as que foram oferecidas pelo réu.
A ordem pode, porém, ser alterada por determinação do juiz ou por acordo das partes – art. 512/1.
Se for indicado como testemunha algum funcionário da secretaria, será ele o primeiro a depor
ainda que tenha sido oferecido pelo réu – art. 512/2.

O art. 503/1 atribui a prerrogativa de serem inquiridos na sua residência ou na sede dos
respetivos serviços ao PR e aos agentes diplomáticos de países que concebam idêntica regalia aos
representantes de Portugal.
Além das referidas entidades, gozam ainda da prerrogativa de depor primeiro por escrito, se
preferirem, as diversas entidades enumeradas no art. 503/2.
Por isso, a parte que indiciar uma das referidas entidades, deve especificar os factos sobre que
pretende o depoimento – art. 503/3.

A parte que tiver indicado a testemunha pode solicitar a sua audiência em tribunal, justificando
devidamente a necessidade dessa audiência para completo esclarecimento do caso; o juiz decidirá,
sem recurso – art. 505/4.

➔ Liberdade de julgamento:
A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal –
art. 396 do CC + 607/5 1ª parte do CPC.

Embora o juiz aprecie livremente a prova, não quer dizer que o possa fazer de uma maneira
arbitrária. A liberdade de apreciação da prova não significa a possibilidade de julgar os factos
“como lhe aprouver, segundo as provas, sem as provas ou até contra as provas”, como já se disse.
A apreciação livre significa apenas que o juiz não está subordinado a regras ou critérios
formais estabelecidos na lei, devendo julgar a matéria de facto e formar a sua convicção de uma
maneira prudente, a partir dos dados da sua experiência.
A liberdade de apreciação da prova significa, portanto, a ausência de critérios legais que
imponham certa valoração pré-estabelecida da prova.

O princípio da livre apreciação da prova diz-nos que, o que torna provado um facto é a
íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo e de acordo
com a sua experiência da vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de
certas formas legalmente prescritas. O que decide é a verdade material e não a formal.

Ao declarar quais os factos que julga provados e os que julga não provados, o juiz deve fazer
a análise crítica das provas – art. 607/4.

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Pretende-se que o juiz dê a conhecer o raciocínio lógico que o levou a decidir que certo facto
está provado, partindo dos elementos de prova produzidos. Deste modo, o juiz está a exercer o
controlo sobre o processo racional que conduziu à decisão sobre a matéria de facto.

Reproduções mecânicas

As reproduções fotográficas ou cinematográficas, os registos fonográficos e, de um modo


geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos
factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos forem
apresentados não impugnar a sua exatidão (368.º). Portanto, para ilidir o valor probatório
dessas reproduções, basta a contraprova.

Duas forças probatórias de reproduções mecânicas:


-Questão formal- diz respeito à sua exatidão; foi posteriormente alterada? parte final do artigo
368.º- PROVA BASTANTE- como foi captado e se foi alterado ou não, é fidedigno?); basta a
contraparte suscitar a dúvida, sob pena de o juiz ter a reprodução como verdadeira.
-Questão material- prova plena- (o que se vê, convencimento que o juiz retira daquele meio
de prova).
Ex: caso do Photoshop de uma capa de revista. Dá me informações de conteúdo (sei que a
pessoa na capa é bonita) só acredito na fotografia se tiver a convicção de que não foi alterada.

Se o juiz concluir que a fotografia foi alterada por Photoshop, o conteúdo não interessa se a
exatidão não for comprovada. Força probatória formal tem de ser vista antes da material. Se
for genuíno e o filme não foi manipulado, faz prova plena e já tem o juiz de acreditar (368.º). Cria
um incidente de confirmação da exatidão em que se chamam peritos para demonstrar a veracidade
da reprodução. Sendo confirmada a questão da formalidade, sendo a prova plena, a contraparte
deve demonstrar que tal não corresponde à verdade.

A força probatória do documento depende inteiramente da não impugnação da sua exatidão:


tem força probatória plena quando é precludido o prazo (de 10 dias: artigo 444.º CPC) para a
impugnação; impugnada a sua exatidão, fica a sua força probatória dependente da livre apreciação
do juiz, nos termos do artigo 366.º.

4ª Fase – Audiência Final e Sentença

Audiência final

Depois de realizada a atividade de instrução, de carácter pré probatório, surge a atividade


probatória propriamente dita, que é a produção da prova na audiência final, de acordo com o
art. 604.º/3 alínea a a d CPC. A seguir a lei admite que as partes façam alegações orais, nas quais
discutem os factos que estão provados e não provados, bem como os efeitos jurídicos que
decorrem dos factos assentes e dos factos provados ou não provados, de acordo com o art. 604.º/3
alínea e CPC.

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A atividade probatória é, em larga medida, oral e diverge de processo para processo,


dependendo dos meios de prova que em concreto se tornem necessários. Essa atividade realiza-se
através de uma sessão, contínua ou descontínua, que se desenrola oralmente perante o juiz e a que
a lei chama audiência final, de acordo com o art. 604.º/1 CPC.
Destina-se, assim, a facilitar ao julgador a elaboração da decisão final, decorrendo
perante o juiz do processo, de acordo com o art. 599.º CPC.

o Princípios

A integração da audiência final na tramitação do processo representa a aceitação do


princípio da oralidade, que é um corolário do princípio da imediação. Surgem outros princípios,
nomeadamente o princípio da imediação, o princípio da concentração, o princípio da continuidade
da audiência, de acordo com o art. 606.º/2 CPC, o princípio da plenitude da assistência do juiz,
de acordo com o art. 605.º/1 CPC, e o princípio da publicidade, de acordo com o art. 606.º/1
CPC.

✓ Princípio da continuidade

A audiência é contínua, só podendo ser interrompida por motivos de força maior ou


absoluta necessidade ou se o juiz falecer ou se impossibilitar permanentemente, de acordo com o
art. 606.º/2 CPC. Se não for possível concluir a audiência no dia ou a dias programados, esta é
suspensa e o juiz, mediante acordo das partes, marca a continuação para a data mais próxima, de
acordo com o art. 606.º/3 1ª parte CPC.

✓ Princípio da plenitude

Se durante a audiência final falecer ou se impossibilitar permanentemente o juiz, repetem-


se os atos já praticados, de acordo com o art. 606.º/1 1ª parte CPC. Se a impossibilidade for
temporária, interrompe-se a audiência pelo tempo indispensável, a não ser que circunstâncias
aconselhem a repetição dos atos já praticados, o que é decidido em recurso, mas em despacho
fundamentado, pelo juiz substituto, de acordo com o art. 605.º/1 2ª parte CPC.
O juiz que tiver sido transferido, promovido ou aposentado, conclui o julgamento, exceto
se a aposentação tiver por fundamento a incapacidade física, moral ou profissional para o
exercício do cargo ou se for preferível a repetição dos atos já praticados na audiência, de acordo
com o art. 603.º/3 CPC.
Com isto, os magistrados devem ser os mesmos.

✓ Princípio da publicidade

A audiência final é pública, salvo quando o juiz decidir o contrário, em despacho


fundamentado, para salvaguarda da dignidade das pessoas e da moral pública ou para garantir o
seu normal funcionamento, de acordo com o art. 606.º/1 CPC. Isto é um controlo importante,
pois um sistema de justiça secreta seria incomportável. Na justiça arbitral, muitas das vezes há

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um certo sigilo dos processos arbitrais, em nome da preservação de segredos, mas, na verdade, o
professor Bonifácio Ramos tem dúvidas quanto a este sigilo.
A regra é, assim, a publicidade, pois isto é uma garantia da isenção do julgador e da
preservação acautelamento dos princípios processuais básicos.
A publicidade da audiência final é, pois, uma forma de demonstração da imparcialidade
do juiz e da racionalidade das suas decisões, mas cede frequentemente perante a necessidade
de proteger os direitos de personalidade das partes.

o Preparação da audiência

o Generalidades

A subfase da preparação da audiência final compreende 3 pontos:


➔ Designação do dia para a audiência final (art. 591º/1/g), 593º/2/d)), devendo o juiz
providenciar a sua marcação mediante prévio acordo dos mandatários (art. 151º/1); nas
ações de indemnização fundadas em responsabilidade civil, a audiência pode realizar-
se antes de efetuado o exame para a determinação dos danos (art. 600º/1);
➔ Determinação pelo juiz, depois de ouvidas as partes, da realização da audiência ou de
qualquer diligência em qualquer juízo do tribunal de comarca (art. 82º/1 LOSJ) ou em
local diferente, na respetiva circunscrição ou fora dela (art. 82º/2 LOSJ);
➔ Requisição ou designação de técnico para assistir à audiência final e nela prestar os
esclarecimentos necessários (art. 601º/1 e 604º/7); 85º/6 LOSJ); este auxiliar técnico
não é um meio de prova, mas um meio para ajudar o juiz a formar a sua convicção
sobre os factos que são provados.

o Competência funcional

A audiência final decorre perante o juiz do processo (art. 599º).

o Gravação da audiência
A audiência é gravada, devendo o funcionário judicial assinalar na ata o início e o termo
de cada depoimento, informação, esclarecimento, requerimento e respetiva resposta, despacho,
decisão e alegação oral (art. 155º/ 1 e 2). A gravação deve ser disponibilizada às partes no prazo
de dois dias, a contar do respetivo ato (155º/3), tendo as partes 10 dias para invocar a falta ou a
deficiência da gravação (155º/4).
A secretaria procede, em cinco dias a contar do respetivo ato, à transcrição de
requerimentos e respetivas respostas, despachos e decisões que o juiz, oficiosamente ou a
requerimento determine, por despacho irrecorrível (art. 155º, nºs 5 e 6). No mesmo prazo podem
as partes alegar qualquer desconformidade da transcrição (155º/6).

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o Trâmites da audiência

o Enunciado

Na audiência final encontram-se atividades processuais de vários tipos (ou fases, em


sentido lógico):
➔ A produção de prova (de provas constituendas) (art. 604º/3/a) a d)); só se efetuam fora da
audiência final as diligências de produção de prova que o juiz determinar (art. 604º/4);
➔ A discussão da causa (art. 604º/3/e) e 5); a discussão é realizada através das alegações
orais e respetivas réplicas.

o Divisão

A audiência final divide-se em 3 partes:


1) Preliminares:
2) Produção de prova
3) Discussão da causa:

o Preliminares da audiência

São preliminares da audiência a chamada das pessoas convocadas, a abertura da audiência


e a tentativa de conciliação. Esta sequência deve, pois, ser observada, pois está descrita na lei.

o Chamada dos convocados

Antes da realização da audiência procede-se à chamada das pessoas que tenham sido
convocadas, de acordo com o art. 603.º/1 CPC, podendo ser partes, de acordo com o art. 604.º/3
alínea a CPC, peritos, de acordo com o art. 486.º/1 e art. 604.º/3 alínea c CPC, ou testemunhas,
de acordo com o art. 604.º/3 alínea d CPC.
A falta de qualquer pessoa que deva comparecer pode ser justificada por justo
impedimento, na audiência ou nos cinco dias imediatos, de acordo com o art. 603.º/3 CPC.

o Adiamento da audiência

A audiência final pode eventualmente parar após a chamada das pessoas convocadas, se
for objeto de adiamento, por várias causas:
➔ Impedimento do tribunal, de acordo com o art. 603.º/1 CPC, com a não comparência do
juiz;
➔ Falta de algum dos advogados, onde esta falta só é relevante se o juiz não tiver
providenciado pela marcação da audiência mediante acordo prévio dos mandatários ou se
for motivada por justo impedimento.
A estas causas de adiamento há que acrescentar:

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➔ Aquelas que justificam a suspensão da instância, nomeadamente o falecimento ou a


extinção de uma parte ou, se o patrocínio judiciário for obrigatório, o falecimento ou a
impossibilidade absoluta do mandatário judicial;
➔ A apresentação de documento nos 20 dias anteriores à realização da audiência final, se a
parte contrária não puder examiná-lo no próprio ato e o tribunal considerar que o
documento é relevante e, além disso, considerar que há grave inconveniente na realização
da audiência; suponha-se, por exemplo, que o réu apresenta um documento que prova a
satisfação do crédito alegado pelo demandante; se esta parte não puder examinar o
documento de imediato, pode justificar-se o adiamento da audiência final, se a produção
de prova a realizar nesta puder vir a mostrar-se totalmente inútil.
Uma vez marcada a audiência final, as partes não podem acordar numa suspensão da
instância que implique o adiamento daquela audiência.
Desde a reforma de 2013, encontram-se cada vez menos motivos para o adiamento da
audiência final, em nome da celeridade processual.

o Abertura da audiência

Não havendo motivo de adiamento, é aberta a audiência pelo juiz, de acordo com o art.
604.º/1 CPC, onde este goza de todos os poderes necessários para tornar útil e breve a discussão
e para assegurar a justa decisão da causa, de acordo com o art. 602.º/1 CPC.
Se achar necessário para o adequado julgamento da matéria de facto, o juiz pode ordenar
a reabertura da audiência final, de acordo com o art. 607.º/1 2ª parte CPC.

o Tentativa de conciliação

Se a causa estiver no âmbito do poder de disposição das partes, o juiz deve procurar obter
a sua conciliação, de acordo com o art. 604.º/2 CPC.

o Produção de prova

Desde 1961, explicitam-se qual a ordem dos atos. Segue-se a produção de prova pela
seguinte ordem:
• Depoimento de parte, de acordo com o art. 604.º/3 alínea a CPC; começa-se por este
meio de prova porque os factos que o autor ou o réu confessarem não carecem de mais
prova; o depoimento de parte é precedido de juramento, de acordo com o art. 459.º/1 e 2
CPC.
Muitas vezes, se o depoimento de parte tiver eficácia, pode, quiçá, ser relevante que a parte
confesse o pedido, não havendo razões para a audiência final prosseguir;
• Exibição de reproduções cinematográficas ou de registos fotográficos, de acordo com
o art. 604.º/3 alínea b CPC.;
• Quando se tiver realizado prova pericial com os esclarecimentos verbais dos peritos, de
acordo com o art. 604.º/3 alínea c CPC.
Os peritos devem ser chamados na audiência final para esclarecerem o juiz e os advogados
sobre determinados pontos obscuros;

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• Inquirição de testemunhas, de acordo com o art. 604.º/3 alínea d CPC, a qual é feita pelo
advogado da parte que as ofereceu; a inquirição pode ter por finalidade renovar o
depoimento da testemunha que tenha deposto por escrito.
A estes meios de prova pode ainda acrescer a prova por declarações da parte.

o Discussão da causa

Após a produção da prova segue-se a discussão da matéria de facto e de direito. Finda a


produção do último meio de prova, os advogados podem alegar oralmente, expondo as conclusões
que consideram resultar da prova produzida, de acordo com o art. 604.º/3 alínea e CPC.

Sentença

o Sentença como trâmite

Encerrada a audiência final, o processo é concluso ao juiz para proferimento da


sentença dentro de 30 dias, de acordo com o art. 607.º/1 1ª parte CPC. Se o juiz tiver sido
transferido ou promovido depois do encerramento da audiência final, ainda assim isso não obsta
à sua competência para a elaboração da sentença, de acordo com o art. 605.º/4 CPC.
A lei impõe que a sentença apresente um certo número de requisitos formais, devendo
ser proferida em 30 dias sobre a conclusão ao juiz para sentença, de acordo com o art. 607.º/1
CPC, e deve ser datada e assinada pelo juiz. A violação deste prazo pode acarretar
responsabilidade disciplinar do juiz. A falta de assinatura tem um regime especial, conduzindo
à nulidade da sentença, de acordo com o art. 615.º/1 alínea a e 2 CPC.
De resto, a omissão de qualquer formalidade da fase da sentença pode dar origem a uma
nulidade de processo, nos termos do art. 195.º/1 CPC.

o Sentença como ato

De acordo com o art. 607.º/2 e 3 CPC, indica-se quais as partes ou elementos em que
se desdobra a sentença, nomeadamente o relatório, os fundamentos, a decisão e a assinatura do
juiz.

✓ Relatório
A sentença como pelo relatório, no qual se identificam as partes e objeto do litígio e se
fixam as questões que ao tribunal cumpre solucionar, de acordo com o art. 607.º/2 CPC.

✓ Fundamentos
A sentença tem de ser fundamentada, de acordo com o art. 205.º/1 CRP. Elaborado o
relatório, o juiz expõe os fundamentos da decisão, onde neles deve discriminar os factos que
considera assentes ou provados e indicar, interpretar e aplicar as regras jurídicas correspondentes,
de acordo com o art. 607.º/3 CPC. Os fundamentos constituem as premissas da decisão, pelo que
não devem ser manipulados de molde a justificar uma certa decisão.

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À fundamentação aplica-se o art. 154.º/1 e art. 608.º/2 CPC, pelo que o juiz não pode
cingir-se apenas à fundamentação positiva necessária à sua decisão, antes tem de referir-se
também – para as rejeitar – às fundamentações que foram propostas pelas partes, exceto quando
prejudicadas necessariamente pela sua. Por exemplo, A invoca um contrato, qualificando-o de
compra e venda; B impugna dizendo que é doação; o juiz, declarando que é compra e venda, não
tem de se referir à qualificação como doação, quer por aquela fica prejudicada. Admita-se
agora que B sustenta que o contrato é nulo; ainda que o juiz não aceite tal nulidade e, portanto,
ela não conte para fundamentar a sua decisão, deve referir-se à questão da nulidade e mostrar
que esta não se verifica.
A falta ou inadequação dos fundamentos da sentença pode constituir uma nulidade desta,
nos termos do art. 615.º/1 alínea a e c CPC.

o Fundamentos de facto

Os fundamentos da sentença são de duas espécies, nomeadamente fundamentos de facto


e fundamentos de direito. Os fundamentos de facto sobre os quais assenta a decisão podem provir
de cinco origens, de acordo com o art. 607.º/4 CPC:
• Dos factos admitidos por acordo, confessados por escrito ou provados documentalmente;
• Da decisão do tribunal sobre a prova produzida na audiência final sobre temas da prova,
de acordo com o art. 604.º/2 alínea b a d CPC;
• Dos factos complementares e probatórios adquiridos durante a instrução da causa, de
acordo com o art. 5.º/1 alínea a e b CPC;
• De factos notórios e dos factos de conhecimento funcional, que podem ser tomados sempre
em conta, de acordo com o art. 5.º/2 alínea c e art. 412.º CPC;
• Das presunções legais e judiciais e do exame crítico das provas, de acordo com o art. 414.º
CPC.

Os factos que integram os temas da prova foram necessariamente articulados; os factos


complementares e probatórios reportam-se a factos alegados pelas partes ou a factos obtidos
durante a instrução da causa; os factos considerados assentes são factos articulados ou factos
judicialmente conhecidos.
Assim, na sentença final, o juiz pode servir-se de factos articulados, factos
complementares, probatórios e judicialmente conhecidos.

o Julgamento de facto

O julgamento da matéria de facto consta de dois momentos, nomeadamente da


ponderação e da decisão. Encerrada a audiência final, o juiz que não se julgue suficientemente
esclarecido sobre a prova produzida pode ordenar a reabertura daquela audiência para nela ouvir
as pessoas que entender e proceder às diligências que considere necessárias, de acordo com o art.
607.º/1 2ª parte CPC.

Não havendo que reabrir a audiência final, cabe ao juiz apreciar a prova produzida nessa
audiência. A decisão do juiz sobre os temas da prova pode ser uma das seguintes:

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• Decisão positiva, onde o facto é considerado provado;


• Decisão negativa, onde o facto é julgado não provado;
• Decisão restritiva ou limitativa, onde o facto é dado como provado, mas com restrições;
por exemplo, o facto controvertido é o não pagamento das rendas a partir da celebração
do contrato e o tribunal pode responder que ficou provado que as rendas não foram pagas
apenas a partir do momento x;
• Decisão explicativa ou concretizadora, onde o facto é dado como provado, mas
acompanhado de uma concretização; por exemplo, o facto controvertido é o de saber se o
automóvel envolvido no acidente circulava a mais de 50km por hora e o tribunal pode
responder que ficou provado que o automóvel circulava entre os 80 e os 90km por hora.

A decisão sobre a matéria de facto deve ser fundamentada, de acordo com o art. 205.º/1
CRP e art. 154.º/1 CPC, devendo nela especificar-se os fundamentos que foram decisivos para a
convicção do julgador quanto aos factos que se julgam provados ou não provados, de acordo com
o art. 607.º/4 CPC.
A medida da fundamentação é aquela que for necessária para permitir o controlo da
racionalidade da decisão pelas partes e por qualquer terceiro. Através da fundamentação, o
tribunal deve mostrar as razoes da sua convicção, assentes no conhecimento a priori, nas leis do
raciocínio e da ciência e nas regras de experiência, pelo que, através dessa fundamentação, ele
passa de convencido a convincente.

o Inferências probatórias

Na fundamentação da sentença, cabe ao juiz extrair os factos presumidos com base nos
factos probatórios. Em concreto, se dos factos assentes ou da decisão sobre a matéria de facto
constarem factos probatórios donde se possa concluir outros por presunção – de facto, de direito
ou judicial –, o juiz deve tirar essa conclusão e considerar provado o facto ou o direito
presumido.

o Análise da prova

No julgamento da matéria de facto, cabe ao juiz analisar criticamente as provas. No caso


de a prova produzida não ter permitido resolver uma questão de facto, ou seja, no caso de dúvida
insanável ou irredutível, o tribunal deve decidir contra a parte a quem o facto aproveita, nos
termos do art. 414.º CPC.

o Fundamentos de direito

Excluída a hipótese de a sentença ser proferida numa ação de apreciação de factos, a


sentença também se baseia em fundamentos de direito, ou seja, numa solução da questão ou
questões de direito, obtida pelo juiz por indagação, interpretação e aplicação das regras aos factos.
Na fundamentação de direito, há que evitar a doutrina e opiniões alheias.

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✓ Decisão

Depois do relatório e da fundamentação, o juiz conclui pela decisão final, de acordo com
o art. 607.º/3 in fine CPC, constante da parte dispositiva da sentença. A decisão final, quando de
mérito e transitada em julgado, representa a realização da finalidade do processo declarativo, com
a tutela de uma situação subjetiva, através do afastamento da possibilidade de qualquer
contestação relevante pelo caso julgado.
Na decisão final, há duas partes a considerar, nomeadamente a parte ou o elemento
essencial e as partes e os elementos secundários ou acessórios.

o Elementos essenciais

A parte essencial da decisão é aquela em que o juiz se refere ao objeto do processo para
se recusar a julgá-lo ou para o julgar a favor ou contra o autor. Dado que o despacho saneador
só adquire valor de caso julgado quanto às questões concretamente apreciadas, cabe ainda ao
juiz da sentença final conhecer das exceções dilatórias que possam conduzir à absolvição da
instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica, de acordo com o art. 608.º/1
CPC. Se há casos em que é possível estabelecer uma certa ordem na apreciação das exceções
dilatórios (por exemplo, a personalidade judiciária deve ser apreciada antes da capacidade
judiciária ou da legitimidade da parte), isso nem sempre é possível (é difícil estabelecer qualquer
prioridade, por exemplo, entre a incompetência absoluta e a litispendência ou entre a falta de
personalidade judiciária e a exceção de caso julgado. Aliás, mesmo quando seja possível
estabelecer uma certa precedência não padece de nenhum vício.
Como resulta da ressalva do art. 608.º/1 CPC, mesmo que falte um pressuposto processual,
a absolvição da instância não deve ser decretada se a falta desse mesmo pressuposto não
prejudicar a parte a favor da qual pode ser proferida uma decisão favorável. Por exemplo,
o mandato concedido ao mandatário do autor é irregular, mas o tribunal está em condições de
proferir uma decisão de procedência da ação; não se reveste de nenhuma utilidade convidar o
autor a sanar o vício.

o Conteúdo da decisão

A decisão de mérito está sujeita a um princípio fundamental, que é o da adequação da


sentença ao pedido. Assim, em concreto:
• O juiz deve referir-se a todas as questões suscitadas pelas partes, de acordo com o art.
608.º/2 1ª parte CPC; se se pediu capital e juros, não pode condenar no capital sem falar
nos juros (mas pode condenar no capital e absolver nos juros).
A inobservância desta regra conduz à nulidade da sentença por omissão de pronúncia,
de acordo com o art. 615.º/1 alínea d CPC; pode, no entanto, deixar de conhecer das questões
que fiquem prejudicadas pela resposta dada a outras, de acordo com o art. 608.º/2 2ª parte CPC.
Por exemplo, o autor cumulou um pedido principal e um pedido subsidiário; se o tribunal
considerar procedente o pedido principal, fica prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário;
• O juiz não pode senão ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, de acordo com
o art. 608.º/2 2ª parte CPC, onde a violação desta regra implica a nulidade da sentença
por excesso de pronúncia, de acordo com o art. 615.º/1 alínea d CPC;

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• O juiz não pode condenar para além ou fora do pedido, de acordo com o art. 609.º/1
CPC, onde a inobservância desta regra conduz à nulidade da sentença, de acordo com o
art. 615.º/1 alínea e CPC.

O princípio da adequação da sentença de mérito ao pedido comporta as seguintes


exceções:
• Se o autor tiver formulado um pedido específico ou líquido e não houver elementos para
fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal pode condenar no que vier a ser liquidado,
sem prejuízo da condenação imediata na parte que seja líquida, de acordo com o art.
609.º/2 CPC; o posterior incidente de liquidação, que pode ser essencial para atribuir a
qualidade de título executivo à sentença condenatório, renova a instância entretanto
extinta;
• Se, ao contrário do que é afirmado pelo autor, a obrigação ainda ao for exigível, porque o
prazo para o seu cumprimento ainda não se iniciou ou porque ainda não foi fixado, o
tribunal pode condenar o réu a satisfazer a prestação no momento próprio, embora o
autor fique responsável pelas custas e dava satisfazer os honorários do advogado do réu,
de acordo com o art. 610.º/1, 2 alínea a e 3 CPC;
• Se o autor tiver formulado um único pedido, isso não impede o tribunal de condenar o
réu a satisfazer uma das obrigações alternativas, se esta parte tiver a faculdade de a
escolher;
• Se tiver sido requerida a manutenção em lugar da restituição da pose, ou esta em vez
daquela, o juiz deve conhecer do pedido correspondente à situação realmente
verificada, de acordo com o art. 609.º/3 CPC, isto é, pode decretar a restituição quanto
tiver sido pedida a manutenção e vice-versa.

o Elementos acessórios

Os elementos acessórios da sentença são:


• A referência às custas, normalmente a condenação em custas da parte a elas sujeita, de
acordo com o art. 607.º/6 e art. 616.º/1 e 3 CPC;
• A condenação da parte em multa e indemnização como litigante de má fé, se a ela
houver lugar, de acordo com o art. 542.º/1 e art. 543.º CPC;
• A ordem de registo da sentença e a sua notificação às partes.

✓ Data e assinatura do juiz

De acordo com o art. 153.º/1 1ª parte CPC, a sentença contém a data e a assinatura do
juiz. Na tramitação eletrónica, a assinatura é igualmente eletrónica.
A omissão da assinatura é causa de nulidade da sentença, de acordo com o art. 615.º/1
alínea a e 2 CPC.

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o Trâmites posteriores

Proferida a sentença, é notificada às partes e registada em livro próprio, onde, passados


três meses sobre o trânsito em julgado da sentença, o processo é arquivado no próprio tribunal
(art. 24º/1/b) LOSJ)).
As decisões proferidas em ações sujeitas a registo predial devem ser registadas
oficiosamente pelo tribunal, embora as partes também possam pedir o registo da decisão. As
decisões finais proferidas em ações sujeitas a registo comercial também devem ser registadas,
devendo o seu registo ser pedido pelas partes.

❖ Vícios e reforma da sentença

o Extinção do poder jurisdicional

Atendendo ao esgotamento do poder jurisdicional, o juiz não pode alterar a sua decisão,
nos termos do art. 613.º CPC. Por exemplo, o juiz tem uma decisãoem cima da mesa e decide
condenar A numa determinada quantia. No dia a seguir, decide condenar noutra. Isto não pode
suceder, pois tal seria incomportável para a segurança jurídica.
O que se esgota é apenas o poder de decidir o litígio em causa, mas a competência do juiz
mantém-se no que toca ao ulterior desenvolvimento do processo. Mantém-se, porém, a
possibilidade, conforme determina o art. 613/2, de o juiz retificar erros materiais, suprir nulidades,
esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la.
Os erros materiais encontram-se previstos no art. 614. Em caso de recuso, a retificação só
pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que
entendam de seu direito no tocante à retificação – art. 614/2.
Depois de proferida a sentença, podem ainda surgir nulidades desta que justifiquem a
intervenção do juiz. Embora já se tenha esgotado o poder jurisdicional do juiz, conforme dispõe,
o art. 613/1, isso apenas diz respeito ao poder de alterar a decisão do litígio.

o Causas de nulidade da sentença

De acordo com o art. 615.º CPC, temos as causas de nulidade da sentença.


O professor Bonifácio Ramos entende que, para além da nulidade, poderá também
existir inexistência jurídica.

o Reforma da sentença

Conforme dispõe o art. 616/1, a parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a
sua reforma quanto a custas e multa. Cabendo recurso da decisão que conhece em custas e multa,
o requerimento no nº 1 é feito na alegação – art. 613/3.
Quer dizer, a reforma quanto a custas e multa deverá ser requerida aproveitando a via do
recurso, quando este é admissível. O requerimento terá então lugar na alegação do recurso.

Nos termos do art. 616/2, não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes
requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

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➔ Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos


factos;
➔ Constem no processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem
necessariamente decisão diversa da proferida.

Procurou-se obter o “suprimento do erro de julgamento mediante a reparação da decisão


de mérito pelo próprio juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos
factos.
Se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso
dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a
admissibilidade do recurso, não cabendo recurso sobre a decisão de indeferimento – art. 617/1.
Este preceito dá ao juiz que proferiu a sentença a oportunidade de se pronunciar sobre: a
invocação das respetivas nulidades; a reforma quanto a custas e multa; os erros que, por invocado
lapso manifesto, se verificaram quanto à qualificação jurídica ou quanto à decisão da matéria de
facto que constam da sentença.
O juiz, ao pronunciar-se sobre as questões suscitadas, defere ou indefere o requerimento
apresentado. Do despacho de indeferimento não cabe recurso.

Efeitos da sentença

➔ Transito em julgado

As decisões transitam em julgado por não serem suscetíveis de recurso ordinário ou, sendo,
por a parte vencida ter deixado passar o prazo sem que tivesse interposto o recurso, ou ainda
depois de terem sido esgotados os recursos possíveis.
Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa,
a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e
fora dele nos limites fixados pelos arts. 580 e 581, sem prejuízo no disposto nos arts. 696 a 702 –
art. 619/1.
Trata-se do caso julgado material, ou seja, da força imperativa da decisão que recaiu
sobre certa relação material controvertida.
A sentença transitada em julgado tem de ser acatada por todos os tribunais. Se lhes for
submetida a mesma relação, não poderão julgá-la, porque já o foi de forma definitiva. Se o fizerem
continua a impor-se a primeira decisão – art. 625.

Além do caso julgado que se pode formar quanto à decisão proferida sobre a relação
material controvertida – o caso julgado material – também podem transitar em julgado as
sentenças ou os despachos sobre questões de natureza processual – caso julgado formal. No caso
julgado formal, a decisão apenas incide sobre uma questão processual, o que significa que só diz
respeito ao processo em causa e, por isso, nada impede que a questão possa voltar a ser discutida
em processo diferente.

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Conforme determina o art. 620/1, as sentenças e os despachos que recaiam unicamente


sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo. A decisão não tem, portanto,
força obrigatória fora do processo em que foi proferida.
Resulta claramente do confronto entre o art. 619/1 e o art. 620/1, que o caso julgado
material adquire força obrigatória dentro e fora do processo e, por isso, não pode voltar a ser
decidida aquela relação material que foi objeto de litígio, ao passo que o caso julgado formal, tem
a força obrigatória apenas dentro do processo, não impedindo que num outro processo a questão
processual seja decidida de modo diferente pelo mesmo ou por outro tribunal.
A explicação para esta diferença é simples: no caso julgado material a decisão incidiu
sobre a relação material controvertida, ao passo que no caso julgado formal a decisão apenas diz
respeito à relação processual. No primeiro caso está em causa a segurança jurídica, enquanto, no
segundo se trata apenas da disciplina do processo.
Depois do transito em julgado, ainda é possível, em certos casos, o recurso extraordinário
(o recurso para uniformização de jurisprudência ou de revisão) – art. 627/2 in fine. Por isso, o
transito em julgado não significa necessariamente imputabilidade da sentença.
A sentença transitada em julgado só pode, portanto, ser considerada relativamente
inalterada.

➔ Casos julgados contraditórios

Se por algum motivo, a exceção do caso julgado não tiver funcionado e, por isso, tiverem
sido proferidas duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, prevalecerá a que transitou
em julgado em primeiro lugar – art. 625/1.
A razão da lei está na imperatividade ou força obrigatória do caso julgado. A situação
jurídica que foi declarada e definida torna-se imutável. Não pode, portanto, tal situação ser
alterada por caso julgado posterior.
É essencial que as duas decisões contraditórias incidam sobre o mesmo objeto. Isto quer
dizer que a parte dispositiva das duas sentenças ou dos dois despachos há de ter resolvido o mesmo
ponto concreto de direito ou de facto.

➔ Razões que justificam o respeito pelo caso julgado

A exceção do caso julgado, assim como a da litispendência, têm por fim evitar que o
tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior – art.
580/2.
A reprodução de uma decisão anterior constituiria um ato inútil que iria contra o princípio
da limitação dos atos previsto no art. 130.
Por outro lado, a exceção do caso julgado, evitando que o tribunal possa proferir nova
decisão, diferente ou até contraditória da anterior, salvaguarda de certo modo o prestígio dos
tribunais.
A principal razão da existência da exceção prende-se com a necessidade de certeza ou
segurança jurídica.

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2021/2022

Teóricas

Efeitos da sentença- caso julgado

Esta decisão tem de ser obrigatória (caso julgado), não pode ser facultativa. Tem de ser
obrigatória entre as partes.
A sentença tem efeitos e esses são incontornáveis. Uma sentença válida tem efeitos
importantes:
o Irrevogabilidade da decisão judicial- esgotamento do poder jurisdicional;
o Caso julgado- força obrigatória da decisão inter partes, as partes estão vinculadas aquela
decisão. Essa ideia decorre designadamente do artigo 619. Não se produz caso julgado
assim que é proferida a sentença, não opera imediatamente, opera só no fim do prazo para
o recurso se a parte não recorreu ou se recorreu e perdeu. No dia em que o juiz profere a
decisão não pode ser alterada, mas transito em julgado é outra cousa: ou a sentença não
pode ser recorrida; ou pode, mas a parte não recorreu; ou pode haver recurso, a parte
recorreu, mas não deu em nada. Mas não podemos deixar esta questão assim em suspenso;
o Fim da relação jurídica processual- A decisão significa fim das relações processuais.
Essa relação jurídica processual (que não inclui só as partes, mas sim as partes e o tribunal)
foise mantendo. No dia em que a decisão final foi proferida estamos também a acabar esta
relação jurídica processual contribuída no início do processo. Mas destes três efeitos com
certeza que o mais importante é o caso julgado a dois níveis: material e formal.

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