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Caro leitor,
Na sala de reunião da imobiliária, chega o diretor fazendo bullying dizendo que entrou
outro apartamento em andar mais alto por R$ 325 e que era bom eu segurar o negócio.
Isso já me abalou emocionalmente...
Quando o casal chegou, o corretor fala da história dos R$ 350 mil do anúncio e fala que
o casal ofereceu R$ 340 mil e que agora era comigo. Naquela hora gelei, travei e aceitei
os R$ 340 mil ao invés de barganhar... Estava com os R$ 350 mil na cabeça e fui pega
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de surpresa. Resultado: vendi por um valor abaixo do que o casal estava disposto a
pagar e me senti uma criança presa numa armadilha. Pior, topei um valor contra a
minha vontade e sabotei a mim mesma.”
Esse e-mail me alertou para a necessidade de preparar nossos leitores para negociarem
como profissionais, para que resultados como esse sejam evitados.
O exemplo do corretor que deixou de informar que o comprador não tinha o dinheiro é
resultado do viés de incentivo e do conflito de interesses.
Quando o outro corretor falou em R$ 325 mil, ele estava usando uma técnica conhecida
como ancoragem, e quando disse que “seria bom segurar o negócio”, estava instigando
os sentimentos de escassez e de aversão à perda (da oportunidade de vender).
Você pode ser vítima dessas técnicas ou pode entendê-las, não deixando que elas lhe
afetem ou mesmo as utilizando responsavelmente para fechar seus negócios.
Todos os seres humanos funcionam com base nos incentivos, quaisquer que sejam eles.
Em uma negociação, é essencial identificar os incentivos de cada parte e entender se
eles estão ou não alinhados com os seus interesses.
A partir das respostas que conseguir, você saberá quais características únicas do seu
imóvel deve ressaltar – aquelas que se encaixam perfeitamente com os incentivos do
comprador.
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Para isso, você precisa conversar sozinho com o corretor, extrair dele a maior
quantidade de informações possível e, de preferência, informar só o essencial.
Depois, converse com a contraparte para entender bem qual tipo de incentivo vai ajudar
na negociação. A pressa é inimiga do entendimento.
2 – Consistência e Autoconfirmação
Novos fatos que refutam aquilo em que acreditamos são devidamente ignorados.
Por exemplo, tente convencer um liberal e um socialista de que ambos estão errados e
você conseguirá o feito de unir duas correntes opostas para lhe atacar. E nem um
centímetro das convicções mudará.
3 – Associação
Pelo menos 75% das propagandas utilizam esta técnica, que consiste em associar seu
nome a algo agradável ou estimulante. É o banco que se associa às bicicletas que, por
sua vez, são associadas à proteção do meio ambiente. É a marca de embutidos que se
associa à família, ou o carro que se associa à conquista e ao sucesso.
Na ponta vendedora, você pode utilizar essa técnica para associar seu imóvel com coisas
universalmente boas. Você pode mencionar seus passeios com a família pelo bairro, ou
o restaurante agradável que você frequenta e adora. Qualquer coisa que possa gerar
uma associação positiva com seu imóvel é válida.
Tenha na manga ao menos cinco histórias para usar casualmente numa visita ao imóvel.
Module o discurso de acordo com o perfil do comprador. Não adianta falar de passeio
com a família para um solteiro, mas talvez ele goste de correr pelo bairro.
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Se você estiver na ponta compradora, e o corretor ou o comprador começar a contar
histórias agradáveis, saiba que ele quer associar o produto a uma emoção positiva. Dê
risada, não se envolva e siga em frente na avaliação objetiva.
Se você estiver na posição de incorporador, associar o seu imóvel com um bairro nobre
é uma boa estratégia. Não é à toa que as fronteiras dos melhores bairros são esticadas
ao máximo. O imóvel não fica no Jardim Leonor, fica no Morumbi. O imóvel não fica na
Vila Progredior, fica no Jardim Guedala.
4 – Reciprocidade
O viés da reciprocidade é a vontade que surge quando alguém nos faz alguma coisa.
Quem nunca se sentiu obrigado a agradar alguém para retribuir um favor?
Mas a reciprocidade pode trabalhar num nível mais sutil. E se você chamar o corretor
para um café ou almoço? Se perguntar sobre a família dele e se interessar por seus
hobbies?
Outra técnica de reciprocidade é a de pedir muito, recuar e pedir menos. Por exemplo,
uma pessoa pede para usar seu carro por uma semana inteira. Você diz não, pois precisa
do carro para trabalhar. Então, a pessoa recua e pede o carro por umas poucas horas
na sexta-feira à noite, que era o objetivo desde começo. Fica difícil recusar.
Imagine que essa técnica pode ser usada por você ou contra você em uma negociação.
Pede-se muito, recua-se e pede-se o que se desejava desde o começo.
Não subestime a força do desejo de reciprocidade que faz parte da mente humana.
Imagine estar em uma negociação com três partes: você, a contraparte e o corretor.
De repente, você percebe que o corretor está do lado da contraparte. Não foi o que
aconteceu com a Flávia?
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Parafraseando a banda Legião Urbana, “quando nascemos fomos programados...” para
não correr contra o vento ou remar contra a correnteza. Somos animais sociais e
gostamos de pertencer ao grupo.
Uma situação como essa desafia nossos instintos de sobrevivência. É muito difícil
discordar da maioria. Parece exagero?
Se o corretor do qual você gostou também tiver gostado de você, pode haver uma
situação de prova social favorável em uma mesa de negociação.
Preste atenção em quem contratou o terceiro. Verifique onde está o incentivo dele. E,
se não for capaz de revisar a avaliação sozinho, peça ajuda à alguém em quem você
confia e que esteja alinhado com seus objetivos.
Você sabia que a perda gera um sentimento 2,5 vezes mais forte do que o ganho? Eu
também fiquei espantado com o resultado, mas as pesquisas foram feitas pelo
respeitadíssimo Daniel Kanehman, prêmio Nobel de Economia e, mais importante,
homenageado da Empiricus – com o nome de uma sala de reuniões.
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Um reflexo poderoso do medo da perda é o de perder negócios imobiliários. Se você
estiver na ponta compradora, ouvirá que “são as últimas unidades” ou que há outro
comprador de olho. Tudo isso é feito para instigar uma percepção de escassez do
produto e catalisar um possível sentimento de perda, o qual queremos evitar a todo
custo. Diabolicamente genial, não é?
Se você estiver na ponta vendedora, como nossa leitora Flávia, o corretor dirá que há
outra unidade mais barata em outra torre e que só há um comprador – de novo, a ideia
de escassez. A Flávia ficou com medo de perder o negócio. Repare que nem ela
entendeu por que aceitou a venda mais barata, já que o sentimento fica no inconsciente.
7 – Inveja
Na ponta vendedora, se sentir que a compra é motivada pela inveja, você tem um
poderoso aliado na negociação.
Se descobrir que a pessoa está comprando porque um amigo ou parente tem um imóvel
no condomínio, há grandes chances de a motivação ser inveja, e você pode caprichar
na negociação.
Na ponta compradora, a única recomendação é não se deixar levar pela inveja, ou pelo
menos não deixar que ela transpareça na mesa de negociação.
Admito que isso exige um nível de autoconhecimento que nem todos possuem, por isso
a técnica é tão poderosa.
8 – Facilidade
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Somos treinados a conservar nossa energia, e pensar consome muita energia. Pode
perceber que, depois de muitas horas trabalhando, sua produtividade cai
assustadoramente e todo o seu corpo pede para parar.
Se você estiver comprando, e o vendedor for experiente, utilize um banco que processa
o financiamento rapidamente. Melhor ainda se você pagar tudo à vista.
9 – Ancoragem
Quando o corretor da Flávia a chamou antes da reunião e avisou que havia outro
apartamento mais barato no mesmo prédio, ele sabia o que estava fazendo.
Já reparou como muitos restaurantes têm pratos cujos preços podem ser considerados
fora da realidade? Não é à toa. Cobrar R$ 150 num prato de carne faz com que seja
mais palatável pagar R$ 60 num prato de massa.
O restaurante ancorou sua expectativa de preço num prato caríssimo e agora você
aceita pagar caro por um prato de massa.
Lamento informar aos vendedores que o momento atual é dos compradores, e a técnica
da ancoragem pode ser utilizada por eles com mais eficiência.
Caso perceba, em uma conversa informal, que existe uma necessidade premente de
venda de um imóvel, o comprador pode caprichar no desconto.
O vendedor, por outro lado, pode perceber que o comprador está resolvido a comprar
aquela unidade. Os indícios são sutis e surgem após muita conversa, por isso é
importante participar da visita ao imóvel.
Se o seu plano é ler este texto e nunca mais pensar no assunto, lamento informar que
está perdendo seu tempo. Logo você vai se esquecer de quase tudo, é realmente
complexo identificar estas informações no dia a dia.
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Minha recomendação é que você releia os conceitos agora mesmo. Tente explicá-los
com seus próprios argumentos. Lembre-se de momentos da sua vida em que você foi
vítima de cada uma dessas técnicas.
Depois, tente identificar os 9 itens em seu dia a dia. Preste atenção mesmo nas menores
transações comerciais e garanto que você vai achar a maioria dos itens.
Outro dia, fui verificar as condições de um curso de francês. A assistente de venda usou
várias dessas técnicas comigo. Apresentou-me um curso caríssimo e depois falou que
tinha outro mais barato (ancoragem). Falou das viagens para Paris que eu poderia fazer
aprendendo francês (associação). Falou que o preço aumentaria na semana seguinte
(medo da perda). Ofereceu água e cafezinho e colocou o cinema da escola à disposição
(reciprocidade). Por último, mostrou as credenciais da equipe de coordenadores e
professores (prova social).
Provavelmente alguma técnica passou desapercebida, mas confesso que fiquei contente
em ter encontrado 5 delas em uma única oportunidade. Acabei não fechando nada,
porque eles não tinham o curso que eu queria.
A ideia é que as informações fiquem armazenadas em sua mente, como numa caixa de
ferramentas, acessíveis sempre que você precisar.
Abraço
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