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Artigo Comentado

Bioequivalência e Equivalência
Terapêuticas do Uso de
Anticonvulsivantes
Prof. Dr. Carlos Alberto Mantovani Guerreiro - CRM: SP 24764

BR/LTG/0021/14 (1474579) - DEZ 14


Bioequivalência e Equivalência Terapêuticas do Uso de Anticonvulsivantes
Resumo objetivo elaborado pelo Comitê de Redação Científica da SIIC com base no artigo original:
Understanding Therapeutic Equivalence in Epilepsy
Autores: Sankar R, Glauser T
Institutição: David Geffen School of Medicine, Los Angeles, EUA
Fonte: CNS Spectrums 15(2):112-123, Fev 2010

Os medicamentos genéricos estão estabelecidos na base da contenção de gastos em saúde e representam uma alternativa
altamente econômica. No entanto, em um paciente adequadamente tratado para epilepsia, poderia ser preferível evitar a substi-
tuição, já que na decisão de redução de custos devem-se contrabalançar os potenciais gastos envolvidos com efeitos adversos
e a perda do controle nas crises convulsivas.
genéricos podem conter sais ou ésteres distintos em ambos os produtos, no contexto de uma forte corre-
Introdução para o princípio ativo, com diferenças químicas ou lação entre as variáveis farmacocinéticas de uma única
biológicas. De acordo com a legislação, as empresas dose e seus efeitos terapêuticos. Nesse sentido, postu-
A substituição de um anticonvulsivante por outro farmacêuticas que procuram aprovação comercial de la-se que a diferença permitida na taxa de magnitude de
é motivo de controvérsia. Os que defendem a subs- uma formulação genérica devem demonstrar dados absorção (IC 90% de -20% a +25% do fármaco de re-
tituição por formulações genéricas se fundamentam sobre a bioequivalência com o produto de referência. ferência) não se associa a alterações nos resultados do
em motivos econômicos e na aprovação do Food Assim, os produtos bioequivalentes possuem ação tratamento.
and Drug Administration (FDA), enquanto os oposi- terapêutica semelhante e, consequentemente, Entretanto, a variabilidade dos parâmetros far-
tores dessa estratégia enfatizam as consequências são intercambiáveis. Segundo a legislação norte- macocinéticos em indivíduos doentes pode ser
adversas para os pacientes. Nesta revisão, os au- americana, a bioequivalência entre um produto superior à observada em voluntários sadios, como
tores fazem uma avaliação completa dos resultados genérico e um fármaco de referência deve ser consequência de interações farmacológicas e de ou-
clínicos, com o objetivo de evitar as convulsões e os estabelecida em estudos com voluntários sadios e tros fatores relacionados à doença de base. Acres-
efeitos adversos dos tratamentos. se fundamenta na taxa (concentração plasmática cente-se ainda que a baixa solubilidade em água,
Com o surgimento dos anticonvulsivantes genéri- máxima [Cmáx]) e na magnitude (área sob a curva o baixo índice terapêutico e a farmacocinética não
cos, algumas sociedades científicas têm se manifes- [AUC]) com que o princípio ativo é absorvido. A linear constituem parâmetros associados à reduzida
tado contrariamente à substituição sistemática com bioequivalência é definida quando os intervalos de biodisponibilidade; os anticonvulsivantes mais pres-
estes produtos, já que essa prática pode ser associa- confiança (IC) de 90% do logaritmo dos quocientes critos apresentam algumas dessas características
da ao maior risco de convulsões nos pacientes com de AUC e Cmáx da formulação genérica e do produto e podem gerar interações significativas com outros
epilepsia. A substituição de um anticonvulsivante de referência estão entre 80% e 125%. No entanto, agentes utilizados no tratamento da epilepsia. As-
de referência por uma formulação genérica, assim alguns profissionais questionam a extrapolação sim, essas variáveis podem levar a modificações na
como o processo inverso, pode expor os pacientes a prática dessa definição de bioequivalência para os biodisponibilidade com a alteração da formulação.
maior risco de convulsões (por aumento ou redução anticonvulsivantes. Os estudos de bioequivalência Desse modo, não apenas os fatores próprios do pa-
da proporção absorvida) ou de sofrer efeitos adver- devem incluir entre 24 e 36 indivíduos sadios e ciente e da doença podem ter repercussões sobre a
sos. As características físico-químicas próprias de se procura controlar a variabilidade interpessoal variabilidade do tratamento, mas também as variá-
alguns anticonvulsivantes podem induzir algumas di- dos parâmetros farmacocinéticos. A amplitude veis relacionadas às propriedades físico-químicas
ficuldades, do mesmo modo que as diferenças entre do IC constitui, em parte, um marcador dessa dos anticonvulsivantes.
as propriedades farmacocinéticas que caracterizam variabilidade; a capacidade do produto genérico de Além disso, os produtos genéricos apenas são
as várias formulações. atingir os critérios de bioequivalência poderia ser comparados com os fármacos de referência, e não
Destaca-se que o produto escolhido pelo mé- afetada pela presença de variações que superam a com outros genéricos. Assim, duas formulações po-
dico e pelo paciente deve ser utilizado sistemati- média de resposta desses indivíduos. dem ser bioequivalentes com o produto de referência
camente; nesse contexto, todos os agentes envol- Embora o pressuposto de que a equivalência das e variar consideravelmente entre si, em termos de va-
vidos na assistência dos indivíduos com epilepsia propriedades farmacocinéticas leva à bioequivalência lores mínimos e máximos do intervalo terapêutico. A
(enfermeiros, hospitais, prestadores de serviços entre um produto genérico e o fármaco de referência, substituição entre formulações genéricas pode causar
de saúde, indústrias farmacêuticas, entre outros) não se pode assumir que essa bioequivalência variabilidade maior que a observada com a alteração
devem considerar as potenciais consequências da represente um perfil semelhante de eficácia ou de de um produto de referência por um genérico.
substituição da medicação anticonvulsivante. efeitos adversos. Mesmo dentro de parâmetros Como estão disponíveis diversas formulações
aceitos, a AUC e a Cmáx podem diferir discretamente genéricas para cada anticonvulsivante de referên-
Bioequivalência e igualdade entre o produto genérico e o fármaco de referência, cia, os pacientes podem receber um produto dife-
com repercussões clínicas. rente a cada renovação de sua prescrição. Segundo
Atualmente, o FDA aprova com rapidez o uso de os autores, a troca de um genérico por outro é a
produtos genéricos para satisfazer à necessidade dos Anticonvulsivantes e bioequivalência forma mais frequente de substituição entre fárma-
pacientes e dos financiadores do sistema de saúde, cos, porém, em geral, o farmacêutico não alerta
na busca de opções terapêuticas mais econômicas. Alguns dos conceitos relacionados à bioequivalência o paciente sobre as características distintas que
Os produtos genéricos se caracterizam pela inclusão e à equivalência terapêutica entre as formulações genéri- esses produtos podem ter. Acrescente-se, ainda, a
de um mesmo componente farmacológico que cas e as originais dos anticonvulsivantes podem não ser inadequada diferenciação visual entre as formula-
está inserido nos fármacos de referência, em dose corretos. Presume-se que os perfis farmacocinéticos ções genéricas, o que também pode causar proble-
comparável. Adverte-se que todos os produtos da dose única e do estado de equilíbrio são semelhantes mas para os pacientes.
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Papel dos genéricos na epilepsia com epilepsia antes e depois da disponibilidade de estabelecer e manter o controle das crises convul-
formulações genéricas de lamotrigina. Observou-se sivas na ausência de efeitos adversos inaceitáveis.
Os fármacos genéricos estão relacionados à um aumento das reações adversas; mais da meta- A otimização da terapia da epilepsia é um desafio,
redução dos custos de cuidados médicos; assim, de desses casos foi atribuída ao uso de genéricos pois o metabolismo dos anticonvulsivantes pode al-
tanto o sistema de saúde quanto os seus financiado- e aproximadamente 50% desses eventos correspon- terar a metabolização de outros fármacos utilizados
res promovem o uso desses produtos. Em pacientes deram à perda de controle das crises convulsivas. concomitantemente para o tratamento de comorbida-
com epilepsia, as metas do tratamento consistem A maioria dos pacientes que voltaram a utilizar o des. Acrescente-se que ainda não estão disponíveis
em evitar crises convulsivas e os efeitos adversos fármaco de referência tinha como objetivo recuperar biomarcadores simples que permitam avaliar se o
do tratamento. A epilepsia é caracterizada por even- o controle das crises, o que foi possível em grande esquema de tratamento anticonvulsivante está ade-
tos paroxísticos, o que a difere de doenças como a parte dos casos. Em outro estudo realizado no mes- quado. Uma única crise convulsiva pode se associar
hipertensão arterial ou o diabetes, nos quais os efei- mo país, observou-se que os pacientes em uso de a repercussões importantes, desde o estigma social
tos de alteração da dose atribuídos a modificações formulações genéricas de lamotrigina necessitaram até o óbito.
do tratamento podem ser avaliados pela medida da com mais frequência de doses maiores ou da asso- Da mesma forma, as associações científicas
pressão arterial ou de parâmetros bioquímicos. Os ciação de outros anticonvulsivantes. Embora esses são concordantes em que a substituição dos an-
resultados da variação no controle da epilepsia são estudos tenham sido retrospectivos e abertos, eles ticonvulsivantes por formulações genéricas precisa
“tudo ou nada”, o que se mede pela presença ou au- sugerem que a substituição dos anticonvulsivantes ser analisada cuidadosamente. A AAN tem assi-
sência de crises convulsivas. mais recentes, como a lamotrigina, por formulações nalado que esses fármacos diferem de outros em
Muitos pacientes controlam a doença com an- genéricas pode se associar a piores resultados, ape- diversos aspectos, motivo pelo qual os médicos
ticonvulsivantes com baixo índice terapêutico (car- sar de seu maior índice terapêutico e da semelhança deveriam ter total autonomia para prescrever um
bamazepina ou fenitoína, entre outros), com mí- farmacocinética dos genéricos com a formulação de anticonvulsivante, tendo os pacientes acesso a
nima diferença entre a dose eficaz e a dose tóxica. referência. todos os anticonvulsivantes disponíveis. A AAN re-
A substituição do fármaco nesses pacientes pode comenda ainda evitar a substituição por genéricos
alterar sua qualidade de vida (perda de produtivida- Outras variáveis na farmácia sem o consentimento médico, com
de ou independência) e aumentar o risco de crises ênfase no fato de que, diferentemente de outras
convulsivas, efeitos adversos, internações hospita- São conhecidas as limitações dos dados disponí- doenças, uma única crise convulsiva pode ter re-
lares e mortalidade. Por isso, associações como a veis, entre as quais se destaca o potencial viés contra percussões graves.
American Academy of Neurology (AAN) e a Epilepsy os anticonvulsivantes genéricos. Ainda, os estudos
Foundation não recomendam substituir a formulação não incluem, geralmente, um grupo controle, ou não Conclusões
do anticonvulsivante de pacientes com controle ade- comparam diretamente a incidência de crises con-
quado das convulsões, a menos que tanto o paciente vulsivas com o uso de formulações de referência O uso de genéricos de baixo custo é um compo-
como o profissional estejam bem cientes dos riscos e genéricas. Outros fatores práticos relacionados nente estabelecido na dinâmica econômica do sis-
e o médico considere essa alternativa aceitável. à substituição por genéricos compreendem a ade- tema de saúde e, em muitas ocasiões, representa
A substituição consiste no uso de uma formu- rência terapêutica e as variáveis econômicas dos a alternativa mais viável. Porém, em um paciente
lação diferente daquela administrada previamente, pacientes, assim como a possibilidade de confusão com epilepsia tratado adequadamente, a substitui-
incluindo a troca de um produto genérico por outro, com a aparência diferente dos fármacos ou o sur- ção por formulações genéricas é motivo de contro-
a troca de um produto de referência por um genérico gimento de efeitos adversos não habituais. No con- vérsia. Essa opção deve ser evitada se não houver
e vice-versa. Entre os motivos para a substituição, texto do tratamento da epilepsia, os autores afirmam o consentimento do médico assistente, já que a de-
mencionam-se a falta de disponibilidade do produto que toda potencial economia de custos, por vezes cisão de reduzir os custos do tratamento com essa
e a disposição dos financiadores da saúde em utilizar pode ser superada pelos gastos adicionais com o substituição deve considerar os potenciais gastos
a formulação de menor custo. Embora a substituição tratamento de efeitos adversos ou com o insucesso ocasionados pela ocorrência de efeitos adversos
seja uma prática frequente, muitos prestadores de terapêutico com o uso de formulações genéricas. ou pela perda do controle das crises convulsivas.
saúde subestimam sua real proporção. A potencial Uma única crise convulsiva pode causar lesões, A partir da experiência canadense de substituição
repercussão dessa mudança, especialmente nos ca- necessidade de internação hospitalar e, inclusive, sistemática por formulações genéricas e dos dados
sos de fármacos com baixo índice terapêutico, tem óbito. Assim, postula-se que a substituição por uma de pesquisa do sistema de saúde norte-americano,
sido motivo de diversos artigos de revisão. Do mes- formulação genérica por motivos econômicos pode foram obtidos registros importantes para os pa-
mo modo, a experiência clínica destaca as eventuais não ser rentável em nível global. cientes epiléticos, os médicos e os farmacêuticos.
complicações dessa substituição. Tanto em estudos Nesse sentido, assinala-se que, em esquemas A monitorização contínua e os informes dirigidos
populacionais como em estudos de caso-controle, terapêuticos complexos, fármacos com baixo índice aos profissionais de saúde permitem melhorar os
tem-se observado que a alteração da formulação, terapêutico, com elevada probabilidade de interações conhecimentos, para a aplicação de critérios mais
incluindo os casos sob os critérios de bioequiva- farmacológicas e aqueles usados em pacientes com restritos para a definição de bioequivalência dos an-
lência do FDA, pode desencadear aumento na inci- risco aumentado de efeitos adversos poderiam ser ticonvulsivantes e para a adoção de medidas mais
dência de crises convulsivas e efeitos adversos em exceções para a substituição obrigatória por pro- precisas que garantam o tratamento farmacológico
pacientes com epilepsia. Em um estudo canadense, dutos genéricos. No caso de anticonvulsivantes, adequado a esses pacientes.
foram analisadas as bases de dados de indivíduos essa exceção por se fundamentar na premissa de

Copyright © Sociedade Iberoamericana de Informacão Científica (SIIC), 2014


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Edição em Português feita pela SIIC Brasil.
O texto que está nesta publicação expressa a opinião dos autores que escreveram o artigo
na íntegra e não reflete necessariamente a opinião do laboratório GlaxoSmithKline

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Comentário

ENTENDENDO EQUIVALÊNCIA TERAPÊUTICA EM EPILEPSIA


Prof. Dr. Carlos Alberto Mantovani Guerreiro
CRM: SP 24764
Professor Titular do Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Os autores presidiram um grupo de colegas da Leadership medicamento genérico para um de referência.2 Muitos clí-
in Epilepsy, Advocacy and Development (LEAD) and LEAD nicos questionam este intervalo longo.
Faculty. Este último grupo é composto de um grande Tipicamente estudos de bioequivalência são realizados
número de líderes de opinião na área de epilepsia. A pu- em 24-36 adultos saudáveis que recebem uma dose via
blicação foi patrocinada pela Ortho-McNeil Neurologics, oral da medicação e, se a concentração máxima estiver
Division of Ortho-Mcneil-Janssen Pharmaceuticals, Inc. dentro dos padrões estabelecidos, assume-se a equivalên-
Os membros do LEAD Faculty receberam honorários da cia terapêutica. No entanto, nesses estudos não são obser-
Ortho-McNeil Neurologics. vados aspectos que envolvem eficácia clínica e segurança
dos produtos em teste, não sendo, então, suficientes para
Pontos Principais do Artigo1 se avaliar se as mudanças de concentrações resultantes
1. Embora a substituição de uma droga por outra seja de trocas nas DAEs podem estar associadas a eventos ad-
crescentemente comum, as questões envolvendo a versos ou convulsões em pacientes epilépticos.1
substituição de droga antiepiléptica (DAE) são com-
plexas e controversas. Preocupações com a bioequivalência com
2. Bioequivalência definida pela United States Food and DAEs
Drug Administration (agência FDA) não pode ser direta- Muitas DAEs têm baixa solubilidade em água, índice
mente traduzida como equivalência terapêutica. Se a defi- terapêutico estreito e farmacocinética não linear. Além dis-
nição do FDA de bioequivalência para extensão e taxa de so, infere-se que, o que ocorre nos voluntários saudáveis
absorção de uma DAE pode ser considerada equivalente, também ocorre nos pacientes. Interações de drogas e ou-
na prática é controversa para alguns clínicos. tros fatores relacionados à doença podem ser importan-
3. Excetuando DAEs e epilepsia, a substituição manda- tes, tais como propriedades físico-químicas das DAEs.1,2
tória de genéricos é razoável. O grupo LEAD reco- A variabilidade entre os genéricos pode ser grande.
menda que qualquer mudança na formulação de DAE Duas formulações genéricas com bioequivalências es-
deveria somente ser permitida com consentimento tabelecidas podem variar consideravelmente na faixa do
informado do paciente e do médico. intervalo mais baixo e mais alto. Assim, se uma formu-
lação genérica com menor biodisponibilidade do que a
Ressaltando os mais relevantes aspectos de marca é trocada por formulação com maior biodispo-
apresentados nibilidade do que a de marca, um paciente médio pode
Apesar do FDA advogar a substituição de genéricos de DAE experimentar um aumento no nível sérico. Ao contrário,
principalmente por razões econômicas o tema é controverso. se a substituição ocorre de alta biodisponibilidade para
Tanto a Fundação de Epilepsia (EF- Epilepsy Foundation) baixa biodisponibilidade do genérico pode levar a dimi-
como a Academia Americana de Neurologia (AAN-American nuição da biodisponibilidade. Segundo estudo do FDA,
Academy of Neurology) posicionaram-se com preocupação a diferença entre genérico e o referência para a ASC0-t
com relação à substituição compulsória em função do risco foi de 3,47%. Como há muitos genéricos, na verdade a
potencial de efeitos adversos e do ressurgimento de crises substituição de genérico por genérico é a mais frequente.1
epilépticas.1 É dito que o principal papel do genérico é reduzir o
Nem todas as bioequivalências são iguais. Genéri- custo do sistema de saúde. O objetivo do tratamento
cos podem conter sal diferente do ingrediente ativo, com medicamentoso das epilepsias é manter o paciente sem
propriedades químicas e biológicas distintas do produto crises e sem efeitos adversos.2
referência.1 Ao contrário de outras condições, tais como diabetes e
A bioequivalência ocorre quando 90% do intervalo de hipertensão arterial, em que o efeito terapêutico pode ser
confiança da taxa do log transformado do genérico em re- monitorado com medidas laboratoriais ou com a pressão
lação ao composto referência para a área sob a curva arterial, a epilepsia é um problema de “tudo ou nada”:
(ASC ou AUC) ou seja, pode haver uma variação de 80% ou as crises ocorrem ou não. Portanto, estes pacientes
a 125% na concentração máxima do princípio ativo de um podem ter maior risco para efeitos adversos, recorrência

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de crises, lesões, hospitalização ou morte. Em termos de Outros grupos como a American Epilepsy Society
qualidade de vida, os pacientes podem perder carteira de (AES), National Institute for Health and Clinical Excellence,
habilitação para dirigir ou a capacidade de viver produti- organização independente na Grã-Bretanha, responsável
vamente e independentemente.1 por guias práticos e a Liga Internacional contra a Epilep-
sia (ILAE) tem se posicionado contra a substituição de
Quão frequente ocorre a substituição? DAEs sem a aprovação do profissional de saúde.
A substituição geralmente inicia quando um farmacêutico
fornece diferente formulação da prescrita ou de uso prévio: Conclusão
genérico por genérico, genérico por marca ou marca por ge- O uso de produtos genéricos com menor custo é um
nérico. Esta substituição ocorre por vários fatores: genérico componente estabelecido do custo de saúde e em mui-
de um fabricante específico não está disponível ou a farmá- tas circunstâncias representa a opção mais custo-efetiva
cia mudou de fornecedor por estratégia comercial. para o paciente. Entretanto, no que diz respeito a DAEs
Uma auditoria independente estimou que a taxa de isto leva a importantes preocupações.
substituição das DAEs é de 68%.1 O corpo clínico do LEAD recomenda que qualquer mu-
dança de formulação deveria ser somente permitida com
Resultados relatados por médicos e pacientes1 consentimento informado do paciente e do médico.
Estudo realizado com 301 neurologistas americanos
mostrou aumento de visitas a pronto socorro, hospitaliza- Comentário crítico sobre artigos complemen-
ção e de dias perdidos de trabalho em indivíduos utilizan- tares mais recentes2:
do genéricos quando comparados a DAEs de referência. Krauss et al. (2011) avaliaram estudos de bioequiva-
Um estudo canadense sobre a substituição de lamotri- lência para aprovação de genéricos pelo FDA e simula-
gina por genéricos levou não só a um aumento de efeitos ram bioequivalência entre formulações de genéricos e
adversos como em aproximadamente 50% da perda de referências entre 595 pares de genéricos para DAEs. En-
controle de crises. A maioria dos pacientes voltou para contraram diferença na área sob a curva (ASC ou AUC)
o produto de marca. Em outro estudo canadense 12,9% de mais de 15% em 17% dos pares e a concentração
voltaram para a lamotrigina de marca enquanto que em máxima (Cmax) diferiu de mais de 15% em 39% dos pa-
outros produtos prescritos (estatinas, inibidores de re- res. Concluíram que mudanças entre produtos genéricos
ceptação de serotonina) a mudança de volta para o pro- podem causar maiores mudanças nas concentrações
duto original foi de 1,5 a 2,9%. plasmáticas do que substituição de produtos referências.

Comentário:
Por que excluir as DAEs da substituição obri-
Portanto, há claras evidências, não apenas relato de
gatória?1
casos ou questionários de pacientes e médicos sobre
As exceções para a substituição obrigatória por genéricos
o risco de problemas com substituição por genéricos e
são drogas com regimes complexos, índices terapêuticos
principalmente troca entre genéricos.
estreitos, ou alta probabilidade de interações, pacientes com
risco particular de efeitos adversos e condições com resulta- Como solucionar a questão da confiabilidade
dos sérios. DAEs e epilepsia preenchem estes critérios. da bioequivalência?3
Epilepsia pode ser considerada exceção para substitui- Uma tentativa de aprimorar a questão da bioequivalên-
ção obrigatória de genérico. cia ocorreu na Dinamarca. Na Dinamarca, DAEs são de-
Associações e Sociedade de Epilepsia EF (Epilepsy signadas como drogas de Índice Terapêutico Estreito, e
Foundation, USA) recomendam extremo cuidado na substi- produtos genéricos devem ser mais rigorosos no interva-
tuição entre diferentes formulações pelo risco de crises. lo de aceitação 90 a 111%. Também foi acordado excluir
A AAN opõe-se a substituição de DAEs genéricos sem pacientes com intervalo terapêutico mais estreito da mu-
a aprovação do profissional atendente: dança. Para lamotrigina, este grupo foi definido por níveis
• substituição de DAEs é problemática plasmáticos acima de 30 umol/L.
• cuidadores deveriam ter completa autonomia na
prescrição de DAEs Comentário:
• pacientes deveriam ter acesso a todos os anticonvul- Apesar da tentativa de aumentar a rigidez com relação
sivantes ao conceito de bioequivalência, não há dados confirman-
• nenhuma troca deveria ocorrer sem consentimento do esta proposta na prática clínica.
• consentimento informado deve ser oferecido antes
da mudança Transposição de dados de bioequivalência
• ao contrário de outras condições, uma simples cri- para a prática clínica:4
se pode ter consequências severas, desde perda da As principais críticas com relação aos estudos de
carteira de habilitação para dirigir, lesão e até mesmo bioequivalência são: foram realizados em pessoas
morte, devido a mudança na dose fornecida. jovens e saudáveis, utilizando uma única dose, sem

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uso de outras medicações que pudessem interagir. novo para testar dois genéricos um contra o outro, es-
O controle das crises não é avaliado e nem os efeitos colhendo propriedades farmacocinéticas de baixa versus
adversos. Pacientes em politerapia, lactentes, crianças, alta biodisponibilidade no intervalo de 80 a 125%. Es-
mulheres grávidas e idosos são muito diferentes daqueles tes estudos pretendem estabelecer se há problemas no
observados nos testes de bioequivalência. “mundo real” da troca de produtos.

Comentário: Comentário:
Estas são críticas bem conhecidas e quase unânimes Mesmo que este estudo mostre o percentual de pa-
entre os autores. cientes que apresentam problemas com a substituição de
DAEs genéricos ou não, há um problema adicional. Nos
Solução do FDA4 países em desenvolvimento, como o nosso, a monitoriza-
Uma segunda abordagem está sendo realizada pelo ção das medicações nem sempre é satisfatória e pode tra-
FDA, por pressão do senado americano, através da zer dificuldades próprias do nosso meio, na substituição de
realização de três estudos que avaliam a questão da DAEs por genéricos e principalmente similares.
bioequivalência, além dos estudos convencionais. Ao
invés de dose única em voluntários normais, estes
novos estudos empregarão métodos farmacocinéticos
rigorosos em pessoas com epilepsia tomando DAEs as-
sociadamente. Dois dos três estudos serão em pacientes
tomando medicação cronicamente. Para avaliar a troca
de genérico por genérico, dois estudos usarão método

Referências Bibliográficas:
1. SANKAR, R. et al. Understanding therapeutic equivalence in epsilepsy. CNS Spectr, 15(2): 112-23, 2010
2. KRAUSS, GL. et al. Assessing bioequivalence of generic antiepilepsy drugs. Ann Neurol, 70: 221-8, 2011.
3. WOLF, P. et al. Political Campaign in Denmark. Epilepsia, 48(7): 6-7, 2007.
4. PRIVITERA, M. Generic substitution of antiepileptic drugs. What’s a clinician to do?. Neurol Clin Practice, 3:161-3, 2013.

O Dr. Carlos Alberto Mantovani Guerreiro é graduado em Medicina pela


Universidade de São Paulo (USP) e doutorado em Clínica Médica pela
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente é Professor
Titular da Faculdade de Ciências Médicas - UNICAMP. Tem experiência na
área de Medicina, com ênfase em Epilepsia e Neurofisiologia Clínica, com
mais de 100 artigos publicados, sendo a maioria na área de neuro-psiquiatria,
neurofisiologia e epilepsia.

• Bioequivalência e Equivalência Terapêuticas do Uso de Anticonvulsivantes

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