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A CULPA FOI MINHA?

Mutilação de trabalhadores e Justa Causa nas fábricas da Azaléia


na Bahia.

Diana de Sousa Santos Lisbôa1

Em 21 de novembro de 2006, Genilson Souza Santos, itapetinguense de vinte anos,


impetrou reclamação trabalhista contra a Azaléia Nordeste S.A2, propondo ação de
indenização por acidente de trabalho com danos morais, estéticos e psíquicos. Em
conformidade com Genilson, no dia 13 daquele mês, por volta das 06 horas e 45 minutos,
teria sofrido um acidente de trabalho no interior da fábrica na máquina Main Group (Italiana),
injetora de E.V.A rotativa, tendo seu antebraço esmagado a uma pressão superior a 50 mil
quilos, queimado em alta temperatura de 350 graus centígrados e amputados após passar mais
de quarenta minutos preso à máquina. O acidente ocorreu quando desempenhava a função de
operador, substituindo outro funcionário, sem ter, contudo, treinamento adequado para
manusear o robô com histórico de ter amputado dois outros antebraços de outros
trabalhadores.
De acordo com o operário, todo o processo de funcionamento da máquina é
automático recebendo toda e qualquer informação eletronicamente, a participação humana
seria feita apenas na programação do robô, que recebe um comando de código binário, lido
pela máquina ao executar a abertura e fechamento da Matrix. Dessa maneira, a Matrix que
deveria ser fechada era a de numero 4, que estava na frente do robô, e não a de número que
estava defronte ao operador, desse modo, não houve sinal que pudesse alertá-lo sobre o
fechamento da Matrix.
A enfermidade teria causado indignação no trabalhador, que não era o primeiro nem
seria o último a sofrer mutilação na Azaléia, sendo que até novembro de 2006 várias ações
relacionadas a acidentes de trabalho teriam sido impetradas na Vara do Trabalho de
Itapetinga. Ao buscar reparação do dano sofrido com a Azaléia, solicitando pagamento

1
Doutoranda em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da
Bahia, PPGH-UFBA.
2
Processo 01003-2006-621-05-00-7, impetrado por Genilson Souza Santos.
correspondente a danos morais, a empresa não teria se pronunciado, tal atitude levou o ex-
operário a mover a ação.
Na contestação, a Azaléia argumenta que o acidente ocorreu por culpa única e
exclusivamente da vítima que não seguiu as orientações para execução da tarefa, destacando
que a empresa fornecia aos seus empregados um ambiente de trabalho seguro, e, em
contraposição às afirmações prestadas por Genilson, teria fornecido treinamento apropriado
antes do funcionário dá início às atividades na máquina.
Na descrição da sentença, o juiz substituto, Guilherme Viera Nora, entendeu que o
operário teve sua parcela de culpa, já que o local da ocorrência do acidente é uma parte do
robô onde o funcionário não deveria estar, contudo, de acordo com o magistrado, tal evidência
não pode servir para afastar por completo a responsabilidade da empresa. Pois, em
conformidade com as testemunhas, o único equipamento de segurança fornecido pela Azaléia
para o trabalho na máquina seria uma luva de pano. Tal fato, portanto, evidenciando falha da
empresa em relação ao fornecimento de EPIs.
Além disso, entendeu o juiz, que na ocasião em que ocorreu o acidente, não existia a
tela de proteção de acrílico nem placas proibitivas que deveria impedir os funcionários de ter
acesso à área destinada, exclusivamente, ao robô, outra argumentação fornecida pelas
testemunhas foi a intensa cobrança dos multioperadores pela produção na máquina may
group, conduta do superior direto de Genilson, momento antes do acidente, e ainda, que o
multioperador fazia pressão junto aos funcionários para que fizessem a limpeza
apressadamente para não queimar a sola.
As informações prestadas pelas testemunhas presentes no momento do acidente deu
conta ainda de que a máquina estava com defeito na parte em que Genilson trabalhava,
anteriormente havia uma porta que notificava o momento de seu fechamento, mecanismo que
passou a alertar após o fechamento da porta, assim, o operário trabalhava com a porta do robô
quebrada, essa foi mais uma das questões que influenciou a decisão do magistrado.
O magistrado entendeu pela não existência do dano material no caso em tela. Em
relação aos danos morais e estéticos afirmou que:
[...] é incontestável que o Reclamante exibe após o acidente, um
desconfortável aleijão, uma deformidade visível e incômoda o que revela o
seu dano estético. Além disso, por tudo que experimentou, não só durante,
como também após o acidente. É possível concluir pela existência do dano
moral. O Reclamante passou cerca de 45 minutos com a mão e parte do
braço esmagados por uma máquina, enquanto aguardava que fosse a mesma
desmontada para que ai sim conseguisse livrar a sua mão, ou o que sobrou
dela ou do antebraço3.

Em vista das afirmações, destacou “que está fadada ao insucesso qualquer tentativa de
descrever a dor suportada por ele”, por tal circunstância, concordou que o dano moral é
presumível, já que o ex-operário não poderá operar uma máquina como antes, nem trabalhar
em outra função que exija tantas habilidades manuais. À guisa de condenação, impõe à
Azaléia ao pagamento de 150 salários mínimos, sendo 100, à titulo de dano moral e 50 pelos
danos estéticos sofridos pelo trabalhador.
O confronto não se finda por aí, pois novas audiências foram realizadas na presença,
agora do juiz titular da Comarca, Gilber Santos Lima. Várias testemunhas, ex-trabalhadores e
funcionários da Azaléia que presenciaram o acidente foram novamente ouvidas. Na descrição
da sentença, o magistrado entendeu não haver provas convincentes da existência da culpa da
Azaléia, em vista que a responsabilidade da vítima fica caracterizada quando a causa única do
acidente do trabalho tiver sido a sua conduta sem qualquer ligação com as normas legais e o
dever geral da cautela por parte da empregadora, considerando parcialidade nos depoimentos
das testemunhas em favor a Genilson.
Por conta disso considerou improcedente todos os pedidos da ação movida por
Genilson. Por tal sentença, Genilson recorreu à Segunda Instância da Justiça do Trabalho,
entretanto, não obtive acesso à parte final do processo.
Problemáticas como essas se tornaram frequentes a partir da instalação do Pólo da
Azaléia na Bahia na segunda metade da década de 1990. Por conta disso, o estudo que
propomos busca analisar as relações construídas entre a Azaléia, e depois, Vulcabrás/Azaleia
com trabalhadores baianos, num processo de intensa exploração da mão de obra, rodízio de
trabalhadores, demissões por justa causa e mutilação de operários.
Se os acidentes e lesões nos trabalhadores não findaram, a briga não se confirma
apenas no chão da fábrica ou na justiça, ela atinge abrangência nacional, uma vez que, em 08
de novembro de 2008 o Programa da TV Record, Domingo Espetacular, exibe uma
reportagem sobre o grande número de trabalhadores mutilados nas fábricas de calçados da
Azaléia na Bahia, os entrevistados relataram suas experiências e se queixaram das

3
Sentença do processo nº 01003-2006-621-05-00-7, impetrado por Genilson Souza Santos.
dificuldades que encontravam para serem reintegrados ao serviço, da falta de indenizações e
do descaso dos dirigentes da indústria de calçados, que na volta dos empregados ao serviço,
exigiam produções superiores às limitações dos mesmos.
O ex-operário calçadista, Cleverton, discorreu sobre os traumas que carrega por ter
perdido dois dedos da mão direita num acidente que sofreu nessa empresa. Em vista disso,
afirmou não esquecer o dia que ficou com a mão presa na máquina e acusou à empresa pelo
ocorrido.

“Ela anda mais dentro do bolso, direto dentro do bolso, não recuperei
totalmente à vergonha. Muito difícil você entrar numa fábrica normal e sair
com deficiência, e eles falando que a culpa foi minha [...] Tava esmagando
minha mão já, incompetência do pessoal que tava na hora do acidente, [...]
eu mesmo que levantei da máquina e dei a ideia de como é que poderia sair,
eles pegaram e fizeram e daí eu consegui sair”.4

Nessa reportagem, sindicalistas do Rio Grande do Sul e especialistas em acidente do


trabalho, atribuíram o grande número de acidentes com o maquinário, à falta de tradição na
atividade e a desqualificação profissional da maioria dos empregados. 5 A revolta dos
operários mutilados, exibidas em suas falas na entrevista, foi o fato da empresa ter afirmado
que as amputações eram realizadas de forma proposital pelos operários, que por esse meio
pretendiam o Auxílio-doença Acidentário.
As denúncias levaram a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE)6,
pelos Auditores Fiscais do Trabalho Vitor Araújo Figueiras e Giuliano Souza Cruz a
interditarem em 19 de junho de 2010, 428 maquinários das fábricas de calçados da Azaléia
em Itapetinga, na Bahia, a empresa já teria sido anteriormente notificada pelos auditores em
três outras oportunidades, em 13 de agosto de 2004, em 23 de setembro de 2005 e em 18 de
julho de 2008. Em 2008, as máquinas da Main Group7 foram interditadas, 8contudo, as

4 Entrevista divulgada pelo Domingo Espetacular, Programa da TV Record, exibido em 08 de novembro de


2008.

5 Disponível em: https://www.blogdoanderson.com/2010/03/16/itapetinga-record-divulgou-reportagem-sobre-


mutilados-da-azaleia/, Acesso em: 27 out 2018.
6
A Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE) é um órgão do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE), responsável por fiscalizar o cumprimento das Leis do Trabalho, com poder de aplicar multas
aos empregadores que descumprem as normas contidas nas Leis Trabalhistas. Desse modo, atua promovendo o
cumprimento dessas Leis e pode até, em determinadas circunstâncias, interditar o estabelecimento fiscalizado.
7
Em seus 80 anos de atividade, o Grupo Principal estabeleceu a referência tecnológica para moldagem por
injeção das principais produções no setor de calçados. Produz: máquinas estáticas com 2 ou mais estações,
exigências não foram atendidas, tendo em vista que dias depois os dedos da mão esquerda do
operário Edevaldo Lopes Rocha de 21 anos foram mutilados. Funcionário admitido na
empresa em 16 de janeiro daquele ano.
Como as regulamentações exigidas pela (SRTE) não foram executadas, outras
verificações foram feitas em 10, 14 e 15 de junho de 2010, onde foi verificado um total
desrespeito às normas básicas de segurança do trabalho nos equipamentos e máquinas
utilizadas pela Azaléia, engendrando graves riscos à segurança. No dia 16 foi expedida uma
liminar pelo órgão, paralisando diversos maquinários. Um prazo de 15 dias foi dado para
realização das adequações. De acordo com o laudo técnico de interdição: [...] o ato teve como
objetivo prevenir acidentes de trabalho graves, que venham a provocar incapacitação ou morte
de trabalhador (es), e cuja ocorrência é iminente dada as inadequações dos equipamentos
interditados [...] (grifo do autor).9
Em conformidade com a Azaléia, a realização das interdições importou na quase total
paralisação da produção e comprometimento de outros estabelecimentos situados nos Estados
de Sergipe e Ceará, assim, tal interdição consistiu na morte jurídica da empresa e na ausência
de trabalho de 12 mil empregados somente na unidade de Itapetinga, além das outras dezoito
unidades existentes na Bahia que empregavam 7 mil pessoas que dependiam da produção da
unidade de Itapetinga, sem contar com as unidades estabelecidas em Sergipe, 3.500
empregados e Ceará, com outros 13 mil funcionários.
Em 05 de julho de 2010, a Advocacia- Geral da União10 solicitou reconsideração da
liminar proferida, pedido que não foi contemplado. A Azaléia pede suspensão da interdição
por ter, segundo ela, reparado 65% das solicitações e não foi atendida. A empresa requeriu
então dilação do prazo por 10 dias, após várias tentativas, a liberação foi somente requerida
quando todas as recomendações do órgão do Ministério do Trabalho foram realizadas, em 09

máquinas rotativas para botas, sistema de injeção EVA, injeção / vazamento em molde aberto / fechado
poliuretano, injeção de TPU + PU com ciclo integrado etc.
8
A Azaléia foi notificada pelo Ministério do Trabalho e Emprego através do termo de notificação nº
30018731/05.
9
Laudo Técnico de Interdição Nº 20101406-01-Ministério do Trabalho e Emprego.
10
Nos termos do art. 131 da Constituição, “a Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou
através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei
complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e
assessoramento jurídico do Poder Executivo.”
de agosto de 2010. Por achar incoerentes as ações dos Auditores-Fiscais, a Azaléia impetra
Mandado de Segurança contra Vitor Araújo Figueiras e Giulano Souza Cruz 11. A justiça
Federal reconhece que não fora apontada qualquer ilegalidade ou abuso de poder praticados
por eles.
Em 2011 e 2012, a Azaléia transfere parte se sua produção na Bahia para a Àsia, um
processo que fechou 17 fábricas, deixando ativa apenas a unidade sede fixada em Itapetinga.
É preciso lembrar que, uma das fortes características do setor mundial de calçados é a
migração, cuja busca por mão de obra abundante e barata faz com que essa modalidade de
indústria evite qualquer fixação no local onde se instala. Por conta disso, a Ásia vem
liderando a produção mundial de calçados a mais de uma década.
Os casos em tela revelam diversos aspectos relacionados às experiências de
trabalhadores calçadistas na Bahia, a mutilação não foi a única motivação da ida de operários
à justiça na busca por direitos. No que tange à empresa, presenciou-se em 75% dos processos
de minha análise12 um número gigantesco de justa-causas aplicadas pela Azaléia em seus
operários, a grande motivação para aplicação da punição máxima seria o elevado número de
faltas sem justificativas, ou atestado médicos levados após prazo legal de entrega, não sendo
aceitos.
As principais justificativas dos operários (as) para cometimento das faltas, situação
mais frequente entre às mulheres, era o adoecimento de filhos, pais e conjugues argumentos
comprovados por meio de consultas e exames médicos. Contudo, o máximo que esses
trabalhadores (as) conquistaram, eram acordos em que a empresa liberava guias para saque de
FGTS e Seguro Desemprego. Quando os acordos não eram possíveis, regra geral, as causas
eram favoráveis à empresa. Para maior assimilação dos embates no chão da fábrica e na
justiça, é preciso maior entendimento cultural dos itapetinguenses.
Conforme Grace Rodrigues, Aline Craide e João Tude, antes da chegada da Azaléia na
cidade de Itapetinga (2007, p.7), a cultura dos trabalhadores, em geral, relacionava-se
basicamente à lida com o gado dentro das fazendas. Trabalho desempenhado por homens, por
conta da exigência da força física. Já as mulheres, se dedicavam, geralmente, aos afazeres
domésticos, em casa, ou nas residências de fazendeiros, comerciantes e outras famílias de

11
Processo número 0000647-63.2010.5.05.0621, impetrado pela Azaléia.
12
No processo de pesquisa do doutorado, já foram fotografados em torno de 250 processos trabalhistas movidos
por trabalhadores e pela Azaléia.
maior poder aquisitivo. Esses trabalhadores não estavam ambientados à cultura fabril, não
possuíam qualquer articulação organizada nem tradição de reivindicar direitos e/ou melhores
condições de vida e trabalho .
A instalação da Azaléia, em Itapetinga, em 1997, foi o principal investimento do
Distrito Industrial da cidade. A matriz foi instalada na sede do município e outras 17 unidades
fixadas em pequenas cidades vizinhas. Quando começaram os primeiros recrutamentos de
operários na região, os trabalhadores estranharam aspectos como carga horária, início do
horário de serviço (5 horas da manhã), local e horário de almoço. O fato de ter que trabalhar
em pé também incomodou muitos empregados, além do uso de uniformes (RODRIGUES;
CRAIDE; TUDE, p.9).
Com a análise de tais processos objetiva-se examinar à experiência de trabalhadores
calçadistas da Azaléia na Bahia, no contexto de grande número de operários mutilados e
demissões por justa causa. Os estudos da história social do trabalho, no século XX, com
avanço considerável da publicação da obra A formação da classe operária inglesa, de E. P.
Thompson (1963) permitiu a análise da formação da classe trabalhadora enquanto processo,
fenômeno histórico, e não como “estrutura”, conceito estanque, congelado, aplicável a
qualquer circunstância. Uma segunda importante característica na obra de Thompson foi a
extrema valorização da “experiência” da classe operária em seu fazer-se e tomada de
“consciência de classe”.13 Assim, o texto encontra-se amparado nessa maneira de fazer
história.
Por entender a classe como fenômeno histórico, partindo da análise de O Capital,
Thompson destacou que o termo que faltou ao exame de Marx foi “experiência humana” com
introdução do termo “cultura”, no qual se empenhou na defesa e assim propôs um exame de
todos os sistemas densos, complexos e elaborados pelos quais a vida familiar e social é
estruturada e a consciência social adquire realização e expressão, aspectos que, segundo o
autor, foram excluídos por Marx em O Capital, outros como parentesco, costumes, as regras
visíveis e invisíveis da regulação social, hegemônica e deferência, formas simbólicas de
dominação e resistência, fé religiosa e impulsos milenaristas, maneiras, leis instituições e

13
Sobre esse assunto, cf. NEGRO, Antônio Luigi. “Imperfeita ou refeita? O debate sobre o fazer-se da classe
trabalhadora inglesa”. Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH, v. 16, n. 31-32, p. 40-61, 1996; O
próprio Thompson explicitou suas posições sobre o assunto em THOMPSON, E. P. “Algumas observações sobre
classe e “falsa consciência””. In: As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Organizadores: Antonio Luigi
Negro e Sergio Silva. Campinas: Editora da Unicamp, 2001, p. 269-281.
ideologias, tudo que está compreendido na experiência humana comum (THOMPSON, 1981,
p.182-189).
E, partindo dessas conclusões, argumentou que com “experiência” e “cultura” têm-se
outro tipo de junção, visto que as pessoas também experimentam sua experiência como
sentimentos e lidam com eles na cultura, como normas, obrigações familiares e de parentesco
e reciprocidades como valores, arte ou convicções religiosas, processo cultural que ele
descreveu como “consciência afetiva e moral” que se desvela, em seu entendimento, na
história e nas lutas de classes em conflitos articulados ou mal articulados (p.95).
Pierre Bordieu, empenhado numa análise teórica e coerente da sociedade, formulou
ideias comparáveis aos trabalhos de pensadores contemporâneos. Em suas análises, destacou
que todo seu empreendimento científico está inspirado na ideia de que, somente é possível
capturar a lógica mais intrínseca do mundo social, historicamente situado e datado,
submergindo de forma profunda às particularidades de tal realidade, questionando sobre às
condições históricas (1996, p.15).
A cidade de Itapetinga está localizada no Centro-Sul da Bahia, numa distância de
562 km da capital. Sua população estimada pelo IBGE em 2019, é de 76 147 habitantes.
Como vimos, a pecuária é a principal cultura desenvolvida nesse município. A instalação de
uma grande sede fabril da Azaléia em Itapetinga e outras 17, em cidades e distritos vizinhos,
faz-se deduzir de forma provável que em 15 anos a empresa tenha empregado considerável
número de trabalhadores nessas regiões, levando em conta a considerável rotatividade de
mão-de-obra associadas a esse modelo de indústria.
Levando em conta o tamanho da cidade Itapetinga, é importante destacar que os
operários, em regra, possuem harmoniosa relação de vizinhança, em vista disso, frequentam
os mesmos bares e igrejas. Por isso, a frequência comunicativa estimula a partilha de
experiências em comuns. Segundo Bordieu, para cada classe de posição existe determinados
gostos, desenvolvidos por condicionamentos sociais ligados à condição correspondente e, pela
mediação desses habitus e de suas capacidades reprodutivas, um agrupamento sistemático de
bens e propriedades ligados por semelhanças de estilo (BORDIEU,1996, p.21). E explica o
conceito de habitus:
Os habitus são princípios geradores de práticas distintas e
distintivas, o que operário come, e, sobretudo, sua maneira de comer, o
esporte que pratica e sua maneira de praticá-lo, suas opiniões políticas e sua
maneira de expressá-las diferem sistematicamente do consumo ou das
atividades correspondentes do empresário industrial; mas são também
esquemas classificatórios, princípios de classificação, princípios de visão e
de divisão e gostos diferentes. Eles estabelecem as diferenças entre o que é
bom e mau, entre o que é distinto e o que é vulgar [...] o mesmo
comportamento ou o mesmo bem pode parecer distinto para um, pretensioso
ou ostentatório para outro e vulgar para um terceiro (p.22).

Sendo, em 1997, uma cidade agrária, em que a maior parte dos trabalhadores lidava
com atividades relacionadas à pecuária, funções essas, que davam grande liberdade ao
trabalhador. O emprego nas fábricas de calçados lhes conferiu, em regra, o primeiro emprego
de carteira assinada, num modelo de produção fabril que impactou suas vidas.
Na ação impetrada por Genilson vimos que ex-operários e trabalhadores ainda com
contrato ativo na empresa prestaram depoimento em favor do colega. A empresa comprova,
por meio de documento assinado, um treinamento pelo qual o impetrante teria passado para
manusear o robô.
Talvez não soubessem ao certo quais seriam os questionamentos que seriam realizados
pelo juiz, e de fato não tivessem informações precisas sobre o treinamento realizado, mas o
objetivo de nenhum deles foi prejudicar o colega, e sim ajudá-lo. Principalmente quando
evocam a total culpa da Azaléia ao afirmarem que Genilson estava trabalhando em uma
máquina com defeito, ou quando afirmaram que o único EPI fornecido pela empresa para o
trabalho no robô fosse uma luva de pano, destacando a inexistência de tela de proteção no
local da máquina, obrigação que já teria sido imposta pelo MPT, além de destacarem a
ausência de placas proibindo à aproximação de outros funcionários ao robô. Em tese, tais
acontecimentos evocam o que Thompson denominou “consciência afetiva e moral” revelado,
na história e nas lutas de classes em conflitos articulados ou não organizados.
À guisa de conclusão, pode-se destacar que todas interdições realizadas pela
Superintendência Regional do Trabalho e Emprego resultaram, ao que parece, de um grande
volume de processos impetrado por trabalhadores e por denuncias realizadas em rádios,
emissoras de TV local e sites jornalísticos. Denúncias que tomaram dimensões nacionais. A
pesquisa que venho desenvolvendo visa ampliar os estudos nesta perspectiva, buscando
compreender à luta movida por trabalhadores da Azaléia na Bahia na busca por objetivos
comuns, melhores condições de vida e emprego.
REFERÊNCIAS

BARBOSA, Juliana. “Mobilidade do Trabalho e Precarização da vida em Itapetinga/ Azaléia


e o descarte de trabalhadores”.
http://periodicos.uesb.br/index.php/ascmpa/article/viewFile/3623/3310, 2007. Acesso em: 24
out 2018.

BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Tradução de Maria Corrêa.
Paripus Editora: São PAULO, 1996.

NEGRO, Antônio Luigi. “Imperfeita ou refeita? O debate sobre o fazer-se da classe


trabalhadora inglesa”. Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH, v. 16, n. 31-32, p.
40-61, 1996.

RODRIGUES, K,M; CRAIDE.A;TUDE.M.J. “Interculturalidade: a chegada da Calçados


Azaléia na Bahia e o encontro de duas culturas distintas”.
http://www.anpad.org.br/admin/pdf/EOR-A1886.pdf, acesso em: 24 out 2018. p.7.
THOMPSON, E.P. A Formação da Classe Operária Inglesa: A árvore da liberdade. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987.
;
THOMPSON, E.P. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento
de Althusser. Zahar Editora: Rio de Janeiro, 1981.

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