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Cobrança de cheques prescritos

http://jus.uol.com.br/revista/texto/12654

Publicado em 04/2009

Armindo de Castro Júnior

O artigo tenta esclarecer quais são as medidas judiciais para cobrança de


cheques prescritos, abordando o prazo de prescrição dessas ações, bem
como os requisitos para sua propositura.
1. INTRODUÇÃO

O objetivo do presente artigo é o de tentar esclarecer quais são as medidas judiciais para
cobrança de cheques prescritos, abordando o prazo de prescrição dessas ações, bem
como os requisitos para propositura das mesmas.

2. PRESCRIÇÃO DO CHEQUE

O cheque prescreve em seis meses, a contar do término do prazo de apresentação, da


data de emissão, que é de 30 ou 60 dias, sendo o título respectivamente emitido na praça
de pagamento ou fora dela, conforme prescreve a Lei do cheque (Lei nº 7.357/85):

Art. 33 - O cheque deve ser apresentado para pagamento, a contar do dia da emissão, no prazo de
30 (trinta) dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago e de 60 (sessenta) dias, quando
emitido em outro lugar do País ou no exterior.

Art. 59 - Prescreve em 6 (seis) meses, contados da expiração do prazo de apresentação, a ação


que o art. 47 desta Lei assegura ao portador.

Para informações mais detalhadas sobre o tema, remetemos o leitor para nosso artigo,
intitulado "Prescrição do cheque. Análise da interpretação doutrinária e jurisprudencial" [01].

3. PROTESTO DE CHEQUE PRESCRITO

Enquanto não estiver prescrito, é lícito o protesto do cheque, até como meio de
interromper a prescrição cambiária, conforme dispõe nosso Código Civil:

Art. 202 - A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:

...
III - por protesto cambial;

O Código Civil de 1916 não trazia, no rol do artigo 172, o protesto cartorário como uma das
causas de interrupção da prescrição. Em 1963, interpretando tal dispositivo legal, o
Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que: "Simples protesto cambiário não
interrompe a prescrição", através da edição da Súmula nº 153 [02]. Com a entrada em vigor
do novo Código Civil, tal entendimento encontra-se devidamente superado.

3.1. Ilegalidade do Protesto de Título Prescrito

Questão controvertida é a de se é lícito levar cheque prescrito a protesto. A polêmica está


na interpretação do final do caput do artigo 9º da Lei de Protestos (Lei nº 9.492/97):

Art. 9º - Todos os títulos e documentos de dívida protocolizados serão examinados em seus


caracteres formais e terão curso se não apresentarem vícios, não cabendo ao Tabelião de Protesto
investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade.

Sem a pretensão de esgotar o assunto, que merece estudo mais aprofundado,


entendemos que a impossibilidade de o tabelião conhecer da prescrição ou caducidade,
não autoriza o credor a levar a protesto cheque prescrito pelos seguintes motivos:

3.1.1. Impossibilidade de o juiz conhecer de ofício da prescrição

Até 2006, não era possível ao juiz de conhecer, de ofício, da prescrição, conforme
dispunha o artigo 166 [03], do Código Civil de 1916, bem como o artigo 194 do Código atual
[04]
. Seria no mínimo incoerente autorizar ao tabelião conhecer de algo vedado ao
magistrado [05].

3.1.2. Protesto não é meio de cobrança

O protesto não é uma forma extrajudicial de cobrança e, sim, um meio de prova que visa a
conservação e a ressalva de direitos. Nesse sentido, pode ser utilizado para:

a) Provar a mora do devedor de um título de crédito, com o objetivo de conservar o direito


de regresso contra os coobrigados indiretos [06].

b) Requerer a falência de empresário, fundada em impontualidade injustificada. Para tal, o


título de crédito não pode estar prescrito (Lei nº 11.101/2005, artigos 94, inciso I e 96,
inciso II).

c) Execução de duplicata sem aceite (Lei nº 5.474/68, artigo 15, inciso II)

d) Interromper a prescrição do título, como já exposto (Código Civil, artigo 202, inciso III).

Em qualquer das hipóteses aventadas, o protesto de título prescrito demonstra-se como


ineficaz como meio de conservação de direitos, configurando-se, portanto, conduta
abusiva do credor, passível de reparação civil. Sobre o tema, assim se pronunciou o
Superior Tribunal de Justiça:

Indenização. Protesto de cheque prescrito e sem a devida notificação. Dano moral caracterizado.

1. O simples fato de enviar a protesto cheque prescrito e sem que feita a devida notificação, como
reconhecido nas instâncias ordinárias, acarreta o dever de indenizar.

2. Recurso especial conhecido e provido.

(STJ. Órgão Julgador: Terceira Turma. Recurso Especial nº 602.136/PB. Relator: Min. Carlos
Alberto Menezes Direito. Data do julgamento: 07 dez. 2004. Publicação: Diário de Justiça, 11 abr.
2005, p. 291) [07]

4. COBRANÇA JUDICIAL DE CHEQUES PRESCRITOS

Existem, basicamente, três medidas judiciais para recebimento de cheques prescritos;


duas delas estão previstas, respectivamente, nos artigos 61 e 62 da Lei do Cheque: as
ações de enriquecimento ilícito e causal. A terceira trata-se da ação monitória e está
prevista nos artigos 1.102-A a 1.102-C do Código de Processo Civil.

4.1. Características comuns

As ações para cobrança de cheques prescritos têm, em comum, as seguintes


características:

4.1.1. Não-cabimento de juros moratórios

Não é cabível a cobrança de juros moratórios a partir da apresentação do cheque ao


banco sacado (Lei do Cheque, artigo 52, inciso II [08]). Como o cheque está prescrito, os
juros somente são devidos a partir da citação (Código Civil, artigo 397, parágrafo único).
Nesse sentido está o entendimento do STJ:

AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL.

- Os juros moratórios, na ação monitória, contam-se a partir da citação.

Recurso especial não conhecido.

(STJ. Órgão Julgador: Quarta Turma. Recurso Especial nº 554.694/RS. Relator: Min. Barros
[09]
Monteiro. Data do julgamento: 06 set. 2005. Publicação: Diário de Justiça, 24 out. 2005, p. 329)

Sobre o tema, interessante consultar o inteiro teor do Agravo Regimental no Agravo de


Instrumento nº 666.617/RS – STJ.
4.1.2. Incidência de correção monetária

A correção monetária (Lei do Cheque, artigo 52, inciso IV) é devida desde a data de
emissão do cheque, segundo jurisprudência mais recente do STJ:

COMERCIAL - PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO - AGRAVO REGIMENTAL -


AÇÃO MONITÓRIA – CHEQUE PRESCRITO ATÉ PARA AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO – CAUSA
DA DÍVIDA - CORREÇÃO MONETÁRIA - TERMO INICIAL.

- O cheque prescrito serve como instrumento de ação monitória, mesmo vencido o prazo de dois
anos para a ação de enriquecimento (Lei do Cheque, Art. 61), pois o Art. 1.102a. do CPC exige
apenas "prova escrita sem eficácia de título executivo".

- Dispensa-se a indicação da causa de emissão do cheque prescrito que instrui ação monitória.

- Na ação monitória para cobrança de cheque prescrito, a correção monetária corre a partir da data
do respectivo vencimento.

(STJ. Órgão Julgador: Terceira Turma. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº


666.617/RS. Relator: Min. Humberto Gomes de Barros. Data do julgamento: 01 mar. 2007.
Publicação: Diário de Justiça, 19 mar. 2007, p. 322) [10]

No mesmo sentido, consultar os Recursos Especiais nº 55.932 e 365.061, ambos de


Minas Gerais.

4.1.3. Impossibilidade de cobrança de avalistas

Uma vez prescrito o título, desaparecem as relações puramente cambiárias, como o aval.
Assim, o avalista não poderá ser acionado, salvo se ficar provado que houve
enriquecimento sem causa. Nesse sentido, Fran Martins é bastante claro, ao ensinar que:

... o portador que não exerceu a competente ação executiva contra sacador ou endossantes, no
prazo legal, tem o direito de agir, já não mais cambiariamente mas em ação comum, contra o
sacador ou endossantes que hajam feito lucros ilegítimos à sua custa. Não poderá agir, contudo,
contra os avalistas porque esses são sempre obrigados cambiários e, prescrito o cheque, o
documento perde a sua natureza cambiária para transformar-se em um quirógrafo comum. Daí não
ser devida a ação de locupletamento contra os avalistas, sejam eles do emitente ou dos
endossantes, pois o aval, instituto cambiário, perece com a descaracterização do cheque como título
cambiariforme, segundo acima se explicou. [11]

No mesmo sentido está o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE


PRESCRITO. PROPOSITURA DE AÇÃO CONTRA O AVALISTA. NECESSIDADE DE SE
DEMONSTRAR O LOCUPLETAMENTO. PRECEDENTE.
- Prescrita a ação cambial, desaparece a abstração das relações jurídicas cambiais firmadas,
devendo o beneficiário do título demonstrar, como causa de pedir na ação própria, o locupletamento
ilícito, seja do emitente ou endossante, seja do avalista.

- Recurso especial a que não se conhece.

(STJ. Órgão Julgador: Terceira Turma. Recurso Especial nº 457.556/SP. Relatora: Min. Nancy
[12]
Andrighi. Data do julgamento: 11 nov. 2002. Publicação: Diário de Justiça, 16 dez. 2002, p. 331)

5. AÇÃO DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO

Também conhecida como ação de locupletamento injusto, esta ação tem como
fundamento a Lei do Cheque, que dispõe, in verbis:

Art. 61 - A ação de enriquecimento contra o emitente ou outros obrigados, que se


locupletaram injustamente com o não-pagamento do cheque, prescreve em 2 (dois) anos,
contados do dia em que se consumar a prescrição prevista no art. 59 e seu parágrafo
desta Lei.

5.2. Características

As principais características desta ação são as seguintes:

5.2.1. Ação cambial

A ação de enriquecimento ilícito é cambial, por estar prevista na Lei do Cheque e, para sua
propositura, dispensa a prova da existência da relação causal, bastando a simples
exibição do cheque prescrito.

5.2.2. Rito

Sendo uma ação de conhecimento, o rito da ação de locupletamento é de livre escolha do


credor: na justiça comum, pode ser manejada pelo rito ordinário ou sumário – se o valor da
ação for de até 60 salários mínimos (Código de Processo Civil, artigo 275, inciso I). Nos
juizados especiais, os requisitos são dois: o autor deve ser pessoa física (Lei nº 9.099/95,
artigo 8º, § 1º), microempresa ou empresa de pequeno porte (Lei Complementar nº
123/2006, artigo 74; e o valor da causa deve ser de até 40 salários mínimos (Lei nº
9.099/95, artigo 3º, inciso I)

5.2.3. Prescrição

O prazo para se propor a ação é de dois anos, a contar da prescrição da execução.

5.2.3. Aplicabilidade dos princípios de direito cambiário


Questão que causa controvérsia na doutrina é a aplicabilidade dos princípios da
autonomia, abstração e da inoponibilidade de exceções a terceiro de boa-fé, este último
consagrado pelo artigo 25 [13] da Lei do Cheque. Fábio Ulhoa Coelho entende que tais
princípios são aplicáveis:

Como a ação de enriquecimento indevido é cambial, se o demandante é o endossatário do cheque e


o demandado é o emitente, não poderá esse último, na contestação, suscitar matérias pertinentes
ao negócio originária do título, matérias que, perante terceiros de boa-fé, não são oponíveis no
regime cambiário. Frise-se, entretanto, que se a demanda é promovida pelo tomador contra o
emitente, será lícito ao réu contestar o pleito discutindo a relação jurídica originária do título.
Exemplo: se Antonio tomou dinheiro emprestado de Benedito – agiota que cobra juros usurários –, e
procedeu ao pagamento do devido por cheques, que foram regularmente endossados a Carlos,
terceiro de boa-fé, na ação de enriquecimento indevido que o último promover contra aquele não
será cabível contestar a pretensão, discutindo a limitação legal dos juros. Mas se o cheque não
circulou, na ação de enriquecimento indevido que Benedito aforar contra Antonio, será perfeitamente
discutível o excesso de juros. [14]

Em sentido diametralmente oposto, está Gladston Mamede que entende que os princípios
de Direito Cambiário não são aplicáveis à espécie:

Trata-se de ação ordinária, de processo de conhecimento: prescrito o cheque, não há mais falar em
declaração unilateral de vontade, nem nas garantias cambiais da autonomia, da independência e da
abstração. A pretensão se funda no negócio subjacente, impedindo que uma parte se locuplete à
custa da outra, ou seja, que se enriqueça indevidamente, causando correlato empobrecimento
indevido no patrimônio do portador do cheque. Diante desse quadro, não é mais o cheque, por si, a
[15]
razão de ser do procedimento judicial, mas o fato jurídico no qual foi emitido.

A melhor solução, contudo, parece a dada por Fran Martins. Após discorrer sobre as
matérias de defesa na ação de execução, abordando o artigo 25 da Lei do Cheque, o
professor adotou o seguinte entendimento:

Nas ações de enriquecimento indevido não são aplicáveis estritamente as normas acima
enumeradas, já que tais ações fogem ao direito cambiário, integrando-se no direito comum. Assim,
as exceções apontadas podem ser opostas pelo réu ao autor, mas a defesa daquele não se
restringe apenas a tais exceções. Outros meios de prova poderão ser argüidos e naturalmente,
contestados pelo autor. Na ação de enriquecimento as provas são as mais amplas para ambas as
partes, cabendo ao juiz afinal sentenciar a respeito, reconhecendo o direito do autor ou do réu, de
[16]
acordo com as provas apresentadas, o seu convencimento e as regras de direito.

6. AÇÃO CAUSAL

A ação causal, tal qual a de enriquecimento ilícito, é uma ação de conhecimento, estando
prevista na Lei do Cheque:
Art. 62 - Salvo prova de novação, a emissão ou a transferência do cheque não exclui a
ação fundada na relação causal, feita a prova do não-pagamento.

6.2. Características

A ação causal tem as seguintes características:

6.2.1. Demonstração da causa debendi

Diferentemente da ação de locupletamento, para a propositura da ação causal, é


necessária a demonstração da relação fundamental, ou seja, do negócio que deu origem
ao cheque. O título, neste caso, serve apenas como prova da inadimplência da relação
fundamental.

6.2.2. Opções do credor

Sendo ação baseada na relação causal, existem duas opções para o credor: manejar ação
de cobrança, baseada na inadimplência do devedor ou promover a ação causal
propriamente dita, para discussão do negócio fundamental.

A ação causal propriamente dita pode ser promovida a qualquer tempo, inclusive enquanto
o cheque ainda tiver força executiva. Os requisitos são os mesmos da ação de cobrança;
os objetivos, contudo, são outros: discutir a relação fundamental, promovendo seu
desfazimento, por exemplo.

Explica-se: o cheque, como qualquer título de crédito, é emitido em caráter pro-solvendo,


ou seja, não quita desde logo a obrigação fundamental; a obrigação somente se dará por
satisfeita com a efetiva quitação do título pelo banco sacado.

Exemplificando: Caio emite cheque a favor de Décio, para pagamento da compra de um


computador. O título resta devolvido por falta de provisão de fundos. Décio, enquanto o
cheque não tiver prescrito, pode executá-lo ou promover uma ação para desfazimento do
negócio, retomando o computador. Com a ocorrência da prescrição, Décio poderá manejar
ação de enriquecimento ilícito, ação de cobrança, monitória, ou, ainda, a ação para
desfazer a relação fundamental. O mesmo se dá em cheque emitido para pagamento de
aluguéis: o locador terá as mesmas opções de cobrança ou, a qualquer momento, poderá
ingressar com ação de despejo contra o locatário.

6.2.3. Rito

A ação de cobrança pode seguir qualquer dos ritos descritos na ação de locupletamento.

6.2.4. Prescrição

O prazo prescricional da ação causal é o mesmo da obrigação que deu origem ao título,
devendo o prazo ser contado a partir de quando a obrigação é exigível e, não, da
prescrição do cheque. Não havendo prazo inferior previsto por lei, a prescrição da ação
causal dar-se-á em 10 anos (Código Civil, artigo 205).

Inúmeras são as hipóteses previstas no artigo 206 de nosso estatuto civil que prevêem
prazos menores de prescrição. Por exemplo, se o cheque foi dado em pagamento de:
refeição consumida em restaurante, o prazo é de um ano (§ 1º, inciso I); prestação
alimentar, dois anos (§ 2º); aluguel ou reparação civil, três anos (§ 3º, incisos I e V);
contrato, honorários advocatícios ou custas processuais, cinco anos (§ 5º, inciso I, II e III).
A prescrição de título de crédito, prevista no § 3º, tem pouca aplicação prática, na medida
em que as leis especiais, em geral, dispõem sobre a prescrição dos títulos de crédito.

6.2.5. Contra quem pode ser proposta

Regra geral, o portador do cheque poderá ingressar com a ação causal somente contra o
coobrigado com quem teve relação direta. Assim, o tomador poderá ingressar contra o
emitente, fazendo prova de sua relação negocial com ele; o endossatário, contudo,
somente poderá acionar o endossante, pessoa com quem teve relação imediata, não
podendo ingressar contra o emitente, salvo se fizer prova da relação entre este e o
endossante.

7. AÇÃO MONITÓRIA

A ação monitória está prevista nos artigos 1102-A a 1102-C do Código de Processo Civil.

7.2. Características

As principais características da ação monitória são as seguintes:

7.2.2. Função

A ação monitória tem como função principal, segundo Mandrioli [17], "eliminar a
complexidade do juízo ordinário de conhecimento derivada das exigências do
contraditório". Assim, na lição de Humberto Theodoro Júnior:

... o procedimento se desdobra em duas fases: na primeira fase, o juiz, sem contraditório e de
maneira rapidíssima, verifica o conteúdo do pedido e a prova do autor, deferindo, se for o caso, a
expedição do mandado de pagamento, inaudita altera parte. Na segunda fase, fica assegurada ao
réu a iniciativa de abrir o pleno contraditório sobre a pretensão do autor, eliminando, dessa forma,
todo e qualquer risco de prejuízo que possa ter-lhe provocado a sumariedade de cognição operada
na primeira fase. [18]

7.2.3. Desnecessidade de demonstrar a causa debendi


Ao contrário do que ocorre com a ação causal, não é necessária, quando da propositura
da ação, a demonstração da relação fundamental (causa debendi). Um cheque prescrito
enquadra-se no conceito de "prova escrita sem eficácia de título executivo", previsto no
artigo 1.102-A do CPC. Nesse sentido, está a Súmula 299 do Superior Tribunal de Justiça.
[19]

7.2.4. Citação e pagamento

O réu é citado para que pague a quantia determinada, no prazo de 15 dias (CPC, artigo
1.102-B). Caso cumpra o mandado, de acordo com o disposto no artigo 1.102-C, § 1º,
"ficará isento de custas e honorários advocatícios".

7.2.5. Embargos monitórios

No mesmo prazo de 15 dias, o réu poderá interpor embargos monitórios, hipótese em que
deflagrará o contraditório, seguindo o processo obrigatoriamente pelo rito ordinário (CPC,
artigo 1.102-C, § 2º). Os embargos monitórios têm natureza de verdadeira contestação,
devendo o réu trazer aos autos "prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do
direito do autor" (CPC, art. 333, II). Sobre o tema, bastante precisa é a lição de Gladston
Mamede:

Dessa forma, o título prescrito implicará presunção relativa (iuris tantum) da existência do crédito,
sem que se exija do autor digressão e prova sobre o negócio fundamental. A inserção desta relação
jurídica de base na discussão deverá ser feita pelo réu, por meio de impugnação, apontando
[20]
defeitos e vícios, podendo alegar questões como a prescrição.

7.2.6. Revelia

Se ocorrer a revelia, "constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial,


convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo" (CPC, artigo 1.102-C, caput).

7.2.7. Rito

Conforme exposto, uma vez embargada, a monitória deve seguir pelo rito ordinário. Esta
ação é efetivamente vantajosa para créditos superiores a 60 salários mínimos, na medida
em que não é possível a propositura de ação de cobrança pelo procedimento sumário – ou
sumaríssimo, dos juizados especiais.

A ação monitória não deve ser proposta nos juizados especiais, por incompatibilidade de
ritos; uma vez interposta, contudo, o juiz deverá, ante os princípios informadores dos
juizados especiais (simplicidade, informalidade, celeridade e economia processual),
recebê-la como uma mera reclamação, seguindo o próprio dos juizados (o réu será citado
para comparecer à audiência de conciliação e, não, para pagar). Note-se que se o cheque
estiver prescrito há menos de dois anos, apto, portanto, para a ação de enriquecimento
ilícito (Lei do cheque, artigo 61), o título será prova suficiente para a propositura da ação;
caso a prescrição tenha alcançado até a ação de locupletamento injusto, o autor deverá
fazer prova da relação fundamental (causa debendi), sob pena de inépcia da inicial.

7.2.8. Prescrição

Não existe jurisprudência firmada sobre a prescrição da ação monitória, alguns


entendendo que o prazo seria de dez anos (Código Civil, artigo 205); outros entendem que
a ação prescreveria em cinco anos (Código Civil, artigo 206, § 5º, I) ou, ainda, em três
anos (Código Civil, artigo 206, § 3º, IV ou VIII). Analisemos caso a caso:

a) 10 anos (Código Civil, artigo 205 [21]) - o próprio dispositivo legal estabelece que a
prescrição decenária somente será aplicada quando a lei não fixar prazo menor. Conforme
veremos a seguir, o artigo 206 estabelece diversas hipóteses de prescrição passíveis de
enquadramento, o que afasta a incidência do artigo 205.

b) 3 anos (Código Civil, artigo 206, § 3º, IV [22]) - o fundamento da ação monitória seria o
enriquecimento sem causa (Código Civil, artigo 884) do emitente ou do endossante.
Entendemos que o dispositivo legal não pode ser aplicado porque a Lei do Cheque já
estabelece o prazo de dois anos para a ação de enriquecimento ilícito, conforme já visto,
além de o artigo 886 do Código Civil claramente dispõe: "Não caberá a restituição por
enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo
sofrido".

c) 3 anos (Código Civil, artigo 206, § 3º, VIII [23]) - o dispositivo legal cuida apenas da
prescrição executiva dos títulos de crédito em que a lei especial não estipulou prazo
prescricional, não podendo ser aplicado à ação monitória. Ademais, com a ocorrência da
prescrição, o cheque não mais pode ser considerado como título de crédito, sendo mero
início de prova.

d) 5 anos (Código Civil, artigo 206, § 5º, I [24]) - para propositura da ação monitória, cheque
prescrito equivaleria a "prova escrita sem eficácia de título executivo" (CPC, artigo 1102-
A). A indagação está em saber se igualmente está enquadrado no conceito de "dívida
líquida constante de instrumento particular", previsto no artigo em comento.

Não há dúvida que o cheque, mesmo prescrito, contém a expressão de uma "dívida
líquida", além de ser documento "particular". Resta saber se tal documento seria um
instrumento. Othon Sidou define cheque como sendo "instrumento de exação" [25];
segundo Houaiss, "instrumento" é "qualquer título, auto, documento escrito, que serve para
fazer constar fato ou convênio de que derivam conseqüências jurídicas" [26].

Não restam dúvidas, portanto, que a propositura de ação monitória fundada em cheque
sem força executiva prescreve em cinco anos, a contar da data da emissão do título. Se,
porém, o réu, em embargos monitórios, carrear ao processo a prova da relação
fundamental, a prescrição da ação monitória dar-se-á no mesmo prazo dessa relação.
8. CONCLUSÕES

O cheque é título executivo extrajudicial e, como tal deve ser utilizado. Inúmeras são as
vantagens em não deixá-lo prescrever: maior rapidez e eficácia do processo de execução,
cabimento de juros moratórios e legalidade de protestar o título.

Ocorrendo, porém, a prescrição, existe a possibilidade de o credor receber seu crédito


através de ação de enriquecimento ilícito, ação causal ou, ainda, ação monitória. A opção
por cada uma dessas ações deve levar em conta o valor do título, a prova da relação
fundamental, a qualidade do credor e o rito processual.

9. BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência disponível em . Acesso em 22 mar.


2009.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Jurisprudência disponível em . Acesso em 22 mar.


2009.

CASTRO JÚNIOR, Armindo de. Prescrição do cheque. Análise da interpretação doutrinária


e jurisprudencial. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1542, 21 set. 2007. Disponível em: .
Acesso em: 14 jan. 2009.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: Direito de empresa: empresa e


estabelecimento; títulos de crédito. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 1.

HOUAISS, Antonio, VILLAR, M. S.. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Disponível


em . Acesso em 25 fev. 2009.

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: títulos de crédito. 4 ed. São Paulo:
Atlas, 2008, v. 3.

MANDRIOLI, Crisanto. Corso de Diritto Processuale Civile. 8 ed. Torino: Giapichelli


Editore, 1991, v. 3, apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual
civil. 17 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, v. 3.

MARTINS, Fran. Títulos de crédito: cheques, duplicatas, títulos de financiamento, títulos


representativos e legislação. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, v. 2.

SIDOU, J. M. Othon. Do cheque. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986.


THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 17 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1996, v. 3.

Notas

1. CASTRO JÚNIOR, Armindo de. Prescrição do cheque.


Análise da interpretação doutrinária e jurisprudencial. Jus
Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1542, 21 set. 2007.
Disponível em: . Acesso em: 14 jan. 2009.

2. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Órgão Julgador: Pleno.


Súmula nº 153: Simples protesto cambiário não interrompe
a prescrição. Data do julgamento: 13 dez. 1963.
Publicação: Súmula da Jurisprudência Predominante do
Supremo Tribunal Federal – Anexo ao Regimento Interno.
Edição: Imprensa Nacional, 1964, p. 85. Jurisprudência
disponível em . Acesso em 22 mar. 2009.

3. Art. 166. O juiz não pode conhecer da prescrição de direitos


patrimoniais, se não foi invocada pelas partes.

4. Art. 194. O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de


prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz.

5. O artigo 194 do Código Civil foi revogado pela Lei nº


11.280/2006. Atualmente, o artigo 219 do CPC, dispõe, in
verbis: "§ 5º - O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição."

6. O prazo de protesto para conservação do direito de


regresso é bastante exíguo. Para a nota promissória e a
letra de câmbio, de acordo com a interpretação doutrinária
adotada, o prazo é, ou o dia seguinte ao do vencimento
(Decreto nº 2.044/1908, artigo 28) ou de dois dias (artigo
44, do Anexo I, da Lei Uniforme de Genebra (Decreto nº
57.633/66). O protesto da duplicata deve ser tirado em 30
dias, a contar do vencimento (Lei nº 5.474/68, artigo 13, §
4º). No caso do cheque, para conservação do direito de
regresso é necessário que o cheque tenha sido
apresentado dentro do prazo de 30 ou 60 dias e que a
recusa de pagamento seja provada pelo protesto ou por
carimbo comprovando o não pagamento do título, aposto
pelo banco sacado ou pela câmara de compensação (Lei
do Cheque, artigos 33 e 47, inciso II). Observe-se que a Lei
de Protestos exige, em seu artigo 6º, que para se levar a
cabo o protesto do cheque, é necessário que se prove a
apresentação do título ao banco sacado.

7. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência


disponível em . Acesso em 22 mar. 2009.

8. Art. 52 - O portador pode exigir do demandado:

I - a importância do cheque não pago;

II - os juros legais desde o dia da apresentação;

III - as despesas que fez;

IV - a compensação pela perda do valor aquisitivo da


moeda, até o embolso das importâncias mencionadas nos
itens antecedentes.

9. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Op. cit.

10. Idem.

11. MARTINS, Fran. Títulos de crédito: cheques, duplicatas,


títulos de financiamento, títulos representativos e
legislação. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, v. 2, p.
124.

12. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Op. cit.

13. Art. 25 - Quem for demandado por obrigação resultante de


cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em
relações pessoais com o emitente, ou com os portadores
anteriores, salvo se o portador o adquiriu conscientemente
em detrimento do devedor.

14. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: Direito


de empresa: empresa e estabelecimento; títulos de crédito.
12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 1, p. 453-453.

15. MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: títulos


de crédito. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2008, v. 3, p. 299.

16. MARTINS, Fran. Op. cit., p. 125.

17. MANDRIOLI, Crisanto. Corso de Diritto Processuale Civile.


8 ed. Torino: Giapichelli Editore, 1991, v. 3, apud
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito
processual civil. 17 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, v. 3,
p. 381.
18. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito
processual civil. 17 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, v. 3,
p. 381.

19. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Órgão Julgador:


Segunda Seção. Súmula nº 299: É admissível a ação
monitória fundada em cheque prescrito. Data do
julgamento: 18 out. 2004. Publicação: Diário de Justiça, 22
nov. 2004, p. 425. Jurisprudência disponível em . Acesso
em 22 mar. 2009.

20. MAMEDE, Gladston. Op. cit., p. 180.

21. Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei


não lhe haja fixado prazo menor.

22. Art. 206. Prescreve:

§ 3º - Em três anos:

IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem


causa;

23. Art. 206. Prescreve:

§ 3º - Em três anos:

VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de


crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as
disposições de lei especial;

24. Art. 206. Prescreve:

§ 5º - Em cinco anos:

I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes


de instrumento público ou particular;

25. SIDOU, J. M. Othon. Do cheque. 3 ed. Rio de Janeiro:


Forense, 1986, p. 28.

26. HOUAISS, Antonio, VILLAR, M. S.. Dicionário Houaiss da


língua portuguesa. Disponível em . Acesso em 25 fev.
2009.

Sobre o autor Armindo de Castro Júnioradvogado em Cuiabá (MT), professor


universitário, mestre em Ciências Jurídico-Empresariais pela Universidade de Coimbra
(Portugal)

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