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PARTE 2:
ESPAÇ OS VETORIAIS EUCLIDIAN OS
E ARBITRÁRIOS.
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ESPAÇ OS VETORIAIS EUCLIDIAN OS

INTRODUÇÃO

Provavelmente você já deve ter se deparado com dois tipos de quantidades físicas: as
escalares e as vetoriais.

A diferença entre as duas é que quando dizemos que uma grandeza é escalar, queremos dizer
que esta pode ser descrita simplesmente por um número real. Por exemplo, temperatura de
um objeto em ºC, comprimento de uma viga de 5m ou mesmo a velocidade escalar de um
veículo a 75km/h.
Por outro lado, quando dizemos que uma grandeza é vetorial, queremos dizer que esta
requer, além do valor numérico em si, uma direção e um sentido para sua descrição
completa. Note que a velocidade e a força são vetores porque precisam de um número que
fala sobre sua “intensidade”, mas também precisam de uma direção e sentido que diz “para
onde”. Por exemplo, um barco se movendo a 10 milhas náuticas por hora, numa direção de
45º no sentido do nordeste ou uma força de 10N agindo verticalmente para baixo.

Nesta parte da matéria vamos estudar não só as noções de vetores e escalares, mas também
como conseguimos utilizá-las na construção de estruturas matemáticas mais complexas e
ainda aplicar estas estruturas em diversas áreas.
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AULA 8: REVISÃO DE VETORES

Na aula de hoje vamos revisar os conceitos de vetores bi e tridimensionais, bem como


estender sua definição a vetores n -dimensionais. Além disso, também vamos revisitar
conceitos como norma de vetor, produto escalar e produto vetorial, distância em ℝn , e
ortogonalidade.

Vetores Bi, Tri e n-dimensionais.

A Álgebra linear se ocupa de dois tipos de objetos matemáticos: as matrizes e os vetores13.


Já vimos na primeira parte do curso as ideias básicas sobre matrizes. Vamos introduzir agora
alguns conceitos sobre vetores. Quando avançarmos no conteúdo, vamos observar que,
mesmo os conceitos mais abstratos de álgebra linear se baseiam nas ideias de matrizes e
vetores em duas e três dimensões.

Os engenheiros e físicos representam vetores em duas


dimensões (no espaço bidimensional) ou em três dimensões
(no espaço tridimensional) por flechas14 .
A direção e o sentido da flecha especificam a direção e o
sentido do vetor, por outro lado, o comprimento da flecha
descreve seu comprimento ou magnitude.
Por outro lado, os matemáticos dizem que esses vetores são
geométricos. A cauda da flecha é o ponto inicial e a ponta da flecha
é o ponto final.

Se o vetor v tem ponto inicial dado pelo ponto A e ponto final


dado pelo ponto B , escrevemos v = AB . Também podemos
denotar o vetor pela letra em negrito v = AB .

A soma, a subtração e a multiplicação por escalar podem ser


definidas geometricamente, da seguinte forma:

13 Álgebra Linear com Aplicações - H. Anton, C. Rorres, 10a ed., ed. Bookman, pg. 119
14 Álgebra Linear com Aplicações - H. Anton, C. Rorres, 10a ed., ed. Bookman, pg. 119
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Em termos de sistemas de coordenadas, temos que se um vetor v (no espaço bi ou


tridimensional) tiver seu ponto inicial na origem do sistema de coordenadas cartesianas,
então o vetor será determinado pelas coordenadas de seu ponto final. Essas coordenadas são
chamadas de componentes do vetor v.
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Observação15: Você já pode ter se deparado com um par ordenado representando tanto um vetor de
componentes v1 e v2 , quanto um ponto de coordenadas v1 e v2 . Ambas as interpretações geométricas são
válidas, de modo que a interpretação apropriada depende do ponto de vista geométrico que queremos
enfatizar, como observado na figura acima.

Suponha que tenhamos um vetor cujo ponto inicial não


esteja na origem. Se P1P2 denota o vetor com ponto inicial
P1 = (x1, y1) e p o n t o fi n a l P2 = (x2, y2) , e n t ã o a s
componentes de P1P2 são obtidas subtraindo as
coordenadas do ponto inicial do ponto final, ou seja,
subtraindo os vetores OP2 e OP1 , isto é,

P1P2 = OP2 − OP1 = (x2, y2) − (x1, y1) = (x2 − x1, y2 − y1) .

No caso tridimensional, se P1 = (x1, y1, z1) é o ponto inicial


e P2 = (x2, y2, z2) o ponto final, então o vetor P1P2 é dado por

P1P2 = (x2, y2, z2) − (x1, y1, z1) = (x2 − x1, y2 − y1, z2 − z1) .

Vamos refletir agora sobre o caso mais geral, o caso n -dimensional. Observe que,
geometricamente, os números reais podem ser vistos como uma reta, a reta real ℝ = ℝ1 ,
onde o número 1 no expoente serve para indicar que a dimensão do espaço é igual a 1, ou
seja, unidimensional. Quando pensamos em pares ordenados de números reais ou de ternos
ordenados de números reais, estes podem ser vistos como elementos de um espaço
bidimensional ou tridimensional, respectivamente. Esses espaços são denotados por ℝ2 e
ℝ3, respectivamente. Note, também, que os expoentes reforçam a ideia da dimensão dos
espaços.

Definição 1: Seja n um número inteiro positivo, então uma ênupla ordenada é uma sequência de n
números reais (x1, x2, …, xn) . O conjunto de todas as ênuplas ordenadas é denominado espaço de
dimensão n e denotado por ℝn .

15 Álgebra Linear com Aplicações - H. Anton, C. Rorres, 10a ed., ed. Bookman, pg. 123
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Podemos, em um primeiro momento, pensar que este conceito de espaço de dimensão maior
do que 3 (n > 3) não faz parte de nossa realidade. Entretanto, este pensamento é muito
rudimentar e não reflete o caráter de fenômenos estudados do mundo real. Vamos citar
alguns exemplos onde aparecem espaços de dimensão maior e, consequentemente, vetores
de dimensão maior.

- Dados Experimentais: Suponha que um cientista realiza uma série de experimentos


e, para cada realização do experimento, ele coleta n informações (medições numéricas). O
resultado de cada realização deste experimento pode ser pensado como um vetor
y = (y1, y2, …, yn) em ℝn , no qual y1, y2, …, yn são as informações coletadas (valores
medidos).

- Transporte e Logística: Suponha que uma empresa de transporte de cargas possua


15 terminais com depósitos de armazenamento de carga e oficinas de manutenção de
caminhões. Ao final de cada dia, a distribuição de caminhões nos terminais pode ser descrita
pelo vetor de dimensão 15, x = (x1, x2, …, xn) , onde x1 é a quantidade de caminhões que
estão no terminal 1, x2 é a quantidade de caminhões no terminal 2 e assim por diante.

- Imagens Digitalizadas: Uma maneira pela qual são criadas as imagens coloridas nas
telas dos monitores de computadores é associando a cada pixel (que é um ponto endereçável
na tela) três números que descrevem a matiz, saturação e brilho do pixel. Logo, uma
imagem completa pode ser vista como um conjunto de vetores de dimensão 5, da forma
v = (x, y, h, s, b), onde x, y descrevem as coordenadas do pixel na tela e h, s, b são a matiz
(do inglês hue), a saturação e o brilho.

- Economia: Uma abordagem da Análise Econômica de um país é dividir sua economia


em setores (manufatura, serviços, utilidades, etc) e medir o produto de cada setor com um
valor monetário. Com isso, em uma economia com 10 setores, o produto total de toda a
economia pode ser representado por um vetor de dimensão 10, da forma s = (s1, s2, …, s10)
no qual cada coordenada representa o produto dos setores correspondentes.

Definição 2: Se v = (v1, v2, …, vn) e w = (w1, w2, …, wn) são vetores em ℝn e k é um escalar
qualquer, então
v ± w = (v1 ± w1, v2 ± w2 , …, vn ± wn)
k v = (k v1, k v2, …, k vn)
v = w ⇔ v1 = w1 , v2 = w2 , …, vn = wn .
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A interpretação geométrica é semelhante ao caso de dimensão 2 ou 3.

Quando conhecemos alguns vetores, digamos v1, v2, v3 , podemos formar novos vetores a
partir destes utilizando as operações de soma, subtração e multiplicação por escalar. Por
exemplo, podemos formar os vetores:
u = 3v1 + 3v2 − 4v3 e w = − 3v1 + 2v2 − 7v3 .

De maneira geral, temos a seguinte definição.

Definição 3: Dizemos que o vetor w ∈ ℝn é uma combinação linear dos vetores v1, v2, …, vr ∈ ℝn , se o
vetor w puder ser escrito como
w = k1v1 + k2v2 + … + kr vr ,
onde k1, k2, …, kr são escalares denominados coeficientes da combinação linear.

Norma de um vetor

Vamos começar a estudar sobre noções de comprimento


de vetores e distância entre vetores.

Em primeiro lugar, vamos pensar sobre o comprimento de


um vetor. Dado um vetor v , denotamos o comprimento
deste vetor como ∥v∥ e dizemos que esta é a norma, o
comprimento ou a magnitude de v .

Como sugere nas figuras ao lado, vemos que, a norma de


um vetor v = (v1, v2) ∈ ℝ2 é dada por:

∥v∥ = v12 + v22 .

Se v = (v1, v2, v3) ∈ ℝ3 , então

∥v∥ = v12 + v22 + v32 .

Por fim, no caso geral, se v = (v1, v2, …, vn) ∈ ℝn, então


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∥v∥ = v12 + v22 + … + vn2 .

Exemplo 1: Dados os vetores v = (−3,2,1) e w = (1,2,5, − 3), suas normas são dadas por

∥v∥ = (−3)2 + 22 + 12 = 14 e ∥w∥ = 12 + 22 + 52 + (−3)2 = 39 .

Teorema: Se v ∈ ℝn é um vetor e k ∈ ℝ é um escalar qualquer, então:


1. ∥v∥ ≥ 0 ;
2. ∥v∥ = 0 se, e somente se, v = 0 ;
3. ∥k v∥ = | k |∥v∥.

Quando um vetor v possui norma igual a 1, dizemos que este vetor é um vetor unitário.
Um vetor que possui norma diferente de 1 pode ser “transformado" em unitário, ou seja,
dado um vetor não-nulo v , podemos construir um novo vetor u com mesma direção e
sentido de v, mas com norma igual a 1, multiplicando o vetor v pelo inverso de sua norma,
ou seja,
1
u= v.
∥v∥
Este processo de obtenção de um vetor unitário u a partir de um vetor não-nulo v é chamado
de normalização de v .

Os vetores unitários mais conhecidos são aqueles que aparecem em um sistema de


coordenadas retangulares em ℝ2 ou ℝ3 nas direções positivas dos eixos coordenados. Estes
vetores são chamados de vetores unitários canônicos.

Em ℝ2:
i = (1,0), j = (0,1)

Em ℝ3:
i = (1,0,0), j = (0,1,0), k = (0,0,1).

Em ℝn:
e1 = (1,0,0,…,0), e2 = (0,1,0,…,0),…, en = (0,0,0,…,0,1).

Observação: Note que um vetor da forma v = (v1, v2, …, vn) pode ser escrito como
v = (v1, v2, …, vn) = v1e1 + v2e2 + … + vnen
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A distância entre dois vetores pode ser definida como a norma do vetor diferença, ou seja, se
u = (u1, u2, …, un) e v = (v1, v2, …, vn), então a distância entre estes vetores é dada por

d(u, v) = ∥u − v∥ = (u1 − v1)2 + (u2 − v2)2 + … + (un − vn)2 .

Exemplo 2: Dados os vetores u = (1,3, − 2,7) e v = (0,7,2,2). A distância entre eles é dada por

d(u, v) = ∥u − v∥ = (1 − 0)2 + (3 − 7)2 + (−2 − 2)2 + (7 − 2)2 = 58 .

Produto Escalar. Produto Vetorial.

Vamos introduzir agora uma noção de multiplicação entre vetores, além do conceito de
ângulo entre vetores.

Definição: Se u e v são vetores não nulos em ℝ2 ou ℝ3 e se θ ∈ [0,π] for o ângulo entre u e v , então o
produto escalar (ou produto interno euclidiano) de u e v é definido por
u ⋅ v = ∥u∥∥v∥ cos θ .

Observe que podemos escrever


u⋅v
cos θ = ,
∥u∥∥v∥

onde, como θ ∈ [0,π], obtemos que:

1. θ é agudo se u ⋅ v > 0 ;
2. θ é obtuso se u ⋅ v < 0 ;
3. θ é reto (θ = π /2) se u ⋅ v = 0, onde, neste caso, dizemos que u e v são ortogonais
(ou perpendiculares).

Observação: É possível mostrar, usando lei dos cossenos, que se u = (u1, u2, …, un) e
v = (v1, v2, …, vn), então u ⋅ v = u1v1 + u2v2 + … + unvn .

Propriedade 1: Dados os vetores u, v, w em ℝn, e k ∈ ℝ um escalar, então:


1. ∥v∥ = v⋅v;
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2. u ⋅ v = v ⋅ u ;
3. u ⋅ (v ± w) = u ⋅ v ± u ⋅ w ;
4. k(u ⋅ v) = (ku) ⋅ v = u ⋅ (k v) ;
5. ∥u + v∥ ≤ ∥u∥ + ∥v∥ (desigualdade triangular para vetores);
6. d(u, v) ≤ d(u, w) + d(w, v) (desigualdade triangular para distâncias).

Observe que a noção de produto escalar que definimos acima é tal que o resultado desta
operação é um escalar. Agora vamos definir um outro tipo de multiplicação entre vetores de
forma que o resultado seja um vetor.

Definição: Se u e v são vetores não nulos em ℝ3, então o produto vetorial u × v é definido por
i j k
u × v = u1 u2 u3 = (u2v3 − u3v2, u3v1 − u1v3, u1v2 − u2v1) .
v1 v2 v3

Propriedade 2: Se u, v, w são vetores de ℝ3, então


1. u ⋅ (u × v) = 0 (u × v é perpendicular a u);
2. v ⋅ (u × v) = 0 (u × v é perpendicular a v);
3. ∥u × v∥2 = ∥u∥2∥v∥2 − (u ⋅ v)2 (Identidade de Lagrange);
4. u × v = − v × u ;
5. u × (v ± w) = u × v ± u × w
6. u × 0 = 0 × u = 0 ;
7. u × u = 0.

Com relação aos vetores unitários canônicos, temos a seguinte propriedade:


i×j =k, j×k =i , k ×i =j,
j×i =−k, k ×j =−i , i×k =−j.

Exercício: Dados os vetores u = (2,3,1), v = (−2,5, − 1), w = (−5,3,2) , calcule:


u ⋅ v , v ⋅ w , u ⋅ w,
u × v , v × w, u × w.
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ESPAÇ OS VETORIAIS ARBITRÁRIOS

INTRODUÇÃO

Vimos na aula passada uma breve revisão do conceito de vetores, onde enxergamos estes
como pontos no espaço bi e tridimensional, bem como como objetos que possuem direção,
sentido e norma (como setas, onde o início está na origem e o final da seta no ponto em
questão), além de algumas propriedades destes vetores. Entretanto, percebemos que
algumas propriedades poderiam ser estendidas a vetores com mais componentes, ou seja,
vetores de dimensão maior do que 2 ou 3.

A partir da aula de hoje, vamos rever algumas propriedades de vetores e estender estas para
dimensão n. Apesar de perder a “noção geométrica” em dimensões maiores, as propriedades
que estaremos estudando nos ajudarão a enxergar objetos de dimensão maiores “como se
fossem vetores”.
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AUL A 9: ESPAÇ OS VETORIAIS REAIS

Na aula de hoje, vamos estender a noção de vetores para espaços mais abstratos, porém que
possuem propriedades como as propriedades dos vetores. Em outras palavras, se um
determinado conjunto de objetos satisfizer algumas propriedades semelhantes dos vetores,
podemos enxergar que estes objetos se comportam como se fossem vetores conhecidos.

A próxima definição consiste em trazer alguns axiomas sobre estes conjuntos mais
abstratos. Lembrando que um axioma é uma hipótese, ou seja, não iremos demonstrar estas
hipóteses na definição em si, mas sim iremos verificar nos exemplos posteriores se estas
hipóteses (ou axiomas) são satisfeitos ou não.

Definição16: Seja V um conjunto não vazio qualquer de objetos. Dizemos que este conjunto é um Espaço
Vetorial Real se, neste conjunto, estiverem bem definidas as operações de soma e multiplicação por
escalar. Em outras palavras, dados os objetos u, v, w ∈ V e os escalares a, b ∈ ℝ, estes devem satisfizer
os seguintes axiomas:
- Soma entre vetores: Se u, v ∈ V, então u + v ∈ V, de forma que esta soma seja:
1. Comutativa: u + v = v + u
2. Associativa: u + (v + w) = (u + v) + w
3. Elemento Neutro: Existe um vetor (chamado vetor nulo) 0 tal que u + 0 = u
4. Inverso da soma: Para cada vetor u ∈ V, existe um único vetor −u ∈ V , tal que
u + (−u) = 0
- Multiplicação por escalar: Se u ∈ V e a ∈ ℝ, então au ∈ V, de forma que:
5. 1u = u
6. (ab)u = a(bu)
7. (a + b)u = au + bu
8. a(u + v) = au + av
Quando estas propriedades são satisfeitas, dizemos que os objetos do espaço vetorial V são vetores.

16Álgebra Linear com Aplicações - H. Anton, C. Rorres, 10a ed., ed. Bookman, pg. 172;
Linear Algebra - K. Hoffman & R. Kunze, 2nd edition, Prentice-Hall, pg. 28.
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Observação: Dizemos que o espaço vetorial é “Real” no sentido do conjunto onde tomamos os escalares é
o conjunto dos números reais ℝ . Caso este conjunto seja ℂ , o conjunto dos números complexos, dizemos
que temos um Espaço Vetorial Complexo.

Devemos notar que na definição acima não especificamos a natureza dos vetores nem das
operações em si. Desta forma, qualquer objeto pode ser chamado de vetor e as operações de
soma e multiplicação por escalar podem ser bem diferentes daquelas usuais em ℝn . Vamos
ver alguns exemplos a seguir para entendermos como verificar se determinado conjunto com
duas operações definidas é ou não um espaço vetorial.

Exemplo 1: ℝn é um espaço vetorial.


Se V = ℝn, tal que as duas operações sejam definidas como
u + v = (u1, u2, …, un) + (v1, v2, …, vn) = (u1 + v1, u2 + v2, …, un + vn)
au = (au1, au2, …, aun).
Este conjunto é “fechado na adição e na multiplicação por escalar”, ou seja, quando fazemos as duas
operações definidas acima para dois elementos de V , o resultado ainda está em V . Além disso, é fácil
verificar que os 8 axiomas acima são satisfeitos.

Exercício 1: Seja V o conjunto de objetos da forma u = (u1, u2, …, un, …) , onde u1, u2, …, un, … é
uma sequência infinita de números reais. Definimos a soma e a multiplicação por escalar por
u + v = (u1, u2, …, un, …) + (v1, v2, …, vn, …) = (u1 + v1, u2 + v2, …, un + vn, …)
au = (au1, au2, …, aun, …).
Mostre que, com essas operações, o conjunto V é um espaço vetorial.

Exemplo 2: O espaço vetorial das matrizes 2 × 2.


Seja V o conjunto de todas as matrizes 2 × 2 com entradas reais e as operações de soma e multiplicação
por escalar definidas de forma usual, ou seja,

[ 21 u22] [v21 v22] [u21 + v21 u22 + v22]


u11 u12 v11 v12 u11 + v11 u12 + v12
u+v = u + =

[ 21 u22] [au21 au22].


u11 u12 au11 au12
au = a u =

Observe que V é fechado para soma e multiplicação por escalar pois o resultado destas operações continua
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produzindo matrizes 2 × 2. Alguns axiomas são simples de verificar, como a comutatividade da soma:

[ 21 u22] [v21 v22] [u21 + v21 u22 + v22]


u11 u12 v11 v12 u11 + v11 u12 + v12
u+v = u + =

[v21 + u21 v22 + u22] [ 21 22] [ 21 u22]


v11 + u11 v12 + u12 v11 v12 u11 u12
= = v v + u = v + u.

[0 0]
0 0
O Elemento Neutro da soma pode ser definido como 0 = . Com isso, temos que

[0 0] [ 21 u22] [u21 u22]


0 0 u11 u12 u11 u12
0+u = + u = = u.

[ 21 −u22]
−u11 −u12
O Inverso da soma (o negativo) pode ser definido como −u = −u . Com isso, temos que

[ 21 u22] [−u21 −u22] [0 0]


u11 u12 −u11 −u12 0 0
u + (−u) = u + = = 0.

Os axiomas da multiplicação por escalar podem ser verificados facilmente (Exercício!).

Exercício 2: O Espaço Vetorial das Matrizes m × n . Defina V como o conjunto de todas as matrizes
m × n com a soma e a multiplicação por escalar definidos de forma usual. Mostre que este conjunto é um
espaço vetorial. Este espaço vetorial é denotado por Mmn . Com isso, no exemplo acima, mostramos que
M22 é um espaço vetorial.

Exemplo 3: Um conjunto que não é um espaço vetorial.


Seja V = ℝ2 e defina as operações de soma e multiplicação por escalar da seguinte forma: Se u = (u1, u2)
e v = (v1, v2), então
u + v = (u1 + v1, u2 + v2)
au = (au1,0).
Com isso, por exemplo, se u = (3,2), v = (−1,4) e a = 5, então
u + v = (3 + (−1), 2 + 4) = (2, 6)
au = 5u = (5.3,0) = (15,0).
Observe que a operação de soma é a padrão já vista, onde os axiomas já são satisfeitos. Por outro lado,
quanto à multiplicação por escalar, observamos que o elemento neutro desta operação não existe, ou seja,
se u = (u1, u2), com u2 ≠ 0, então
1u = (1.u1,0) = (u1,0) ≠ u.
Logo, V não é um espaço vetorial com estas operações fornecidas.
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Exemplo 4: O Espaço Vetorial das Funções Reais17.


Seja V o conjunto das funções reais que estão definidas na reta real ℝ. Se f = f (x) e g = g(x) forem duas
funções em V e se a ∈ ℝ for um escalar qualquer, definimos as operações de soma e de multiplicação por
escalar como
(f + g)(x) = f (x) + g(x)
(af)(x) = af (x).
Podemos enxergar os números f (x) e g(x) como as “componentes” de f e g no ponto x, respectivamente.
É fácil verificar todos os axiomas da definição de espaço vetorial, tendo em vista que f (x) e g(x) são
números reais que já satisfazem todos estes axiomas.

Exercício: Seja V o conjunto de todos os pares ordenados de números reais e considere as operações de
soma e multiplicação por escalar definidas como, dados u = (u1, u2) e v = (v1, v2),
u + v = (u1 + v1 + 1,u2 + v2 + 1)
au = (au1, au2).
a) Calcule u + v e au, com u = (0,4) e v = (1, − 3) e a = 2;
b) Mostre que (0,0) ≠ 0;
c) Mostre que (−1, − 1) = 0;
d) Mostre que é válido o axioma 4 (inverso aditivo), fornecendo um par ordenado −u tal que
u + (−u) = 0, com u = (u1, u2);
e) Encontre dois axiomas de espaço vetorial que não sejam válidos.

17 Álgebra Linear com Aplicações - H. Anton, C. Rorres, 10a ed., ed. Bookman, pg. 175
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AUL A 10: SUBESPAÇ OS VETORIAIS

Nesta aula vamos ver que existem espaços vetoriais que podem estar contidos em outro
espaço vetorial, a princípio, maior. Além disso, vamos ver algumas propriedades que vão nos
auxiliar a identificar tais espaços, bem como alguns exemplos.

Definição 1: Um subconjunto W de um espaço vetorial V é denominado subespaço de V , se W for um


espaço vetorial por si só com as operações de adição e multiplicação por escalar definidas em V.

Note que para demonstrar que W é um espaço vetorial, precisaríamos, a rigor, verificar todos
os 8 axiomas da aula passada. Porém como W é um subconjunto de V, algumas propriedades
de V são herdadas por W , ou seja, não há necessidade de se verificar alguns axiomas, como
por exemplo, que u + v = v + u vale em W, pois isto já é válido para todos os vetores de V.

Por outro lado, é necessário verificar que W é


fechado para a soma e multiplicação por
escalar, pois é possível que a soma de dois
vetores de W ou a multiplicação por escalar
resulte em um novo vetor fora de W , mas
ainda dentro de V.

Teorema 1: Seja W um subconjunto do espaço vetorial V, então W é um subespaço de V se, e só se:


a) Se u, v ∈ W, então u + v ∈ W;
b) Se a ∈ ℝ e u ∈ W, então au ∈ W.

Exemplo 1: Subespaço Zero ou Nulo.


Se V é um espaço vetorial qualquer e se W = {0} for o subespaço de V que contém somente o elemento
neutro, ou seja, somente o vetor nulo, então W é fechado na adição e na multiplicação por escalar, pois:
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0 + 0 = 0 ∈ W e a0 = 0 ∈ W.
Logo, dizemos que W é o subespaço zero ou nulo de V.

Exemplo 2: Retas que passam pela origem são subespaços de ℝ2 e ℝ3.

Observe que se W é uma reta que passa pela


origem, então a soma de dois vetores na reta
W ou a multiplicação de um vetor na reta W
por um escalar ainda produz um vetor na
reta W.

Exemplo 3:

Planos que passam pela origem são subespaços de ℝ3.

Exercício 1: Considere W como o conjunto de todos os pontos (x, y) em ℝ2 tais que x ≥ 0, y ≥ 0 .


Mostre que este não é um subespaço de ℝ2.

Exemplo 4: Subespaços de Mnn .


1. O conjunto de todas as matrizes simétricas n × n é um subespaço de Mnn ;
2. O conjunto de todas as matrizes triangulares superiores (e inferiores) é um subespaço de Mnn ;
3. O conjunto de todas as matrizes diagonais é um subespaço de Mnn .

Exemplo 5: Conjunto de matrizes invertíveis não é um subespaço de Mnn .


De fato, considere o seguinte exemplo (o caso n dimensional pode ser adaptado):

[−3 4] [ 3 4]
2 5 −2 5
U= e V= são matrizes invertíveis (determinante não-nulo), mas U + V possui

uma coluna de zeros, ou seja, o determinante será nulo e a matriz será singular, não sendo invertível.
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Exemplo 6: O subespaço de todos os polinômios.


Lembre que um polinômio é uma função da forma
p(x) = a0 + a1x + a2 x 2 + … + an x n,
onde a0, a1, …, an são constantes. Observe que a soma de dois polinômios continua sendo um polinômio,
bem como a multiplicação de um polinômio por um escalar ainda é um polinômio. Desta forma, dizemos
que o espaço de todos os polinômios, denotado por Pn , é um subespaço do espaço de todas as funções reais.

Exercício: Mostre que o conjunto de todos os polinômios de grau igual a 2 não forma um subespaço do
conjunto de todas as funções reais. Entretanto, se denotarmos por Pn o conjunto de todos os polinômios de
grau menor ou igual a n, então Pn é um subespaço do conjunto de todas as funções reais.

Definição 2: Dizemos que um vetor w ∈ V, onde V é um espaço vetorial, é uma combinação linear dos
vetores v1, v2, …, vr ∈ V , se w puder ser escrito como
w = a1v1 + a2v2 + … + ar vr
onde a1, a2, …, ar são escalares. Estes escalares são chamados de coeficientes da combinação linear.

Definição 3: Seja S = {w1, w2, …, wr} um conjunto de vetores do espaço vetorial V . O conjunto de
todas as combinações lineares possíveis de vetores de S é denotado por conjunto gerado por S e escrevemos
ger(S) ou ger{w1, w2, …, wr}.

Teorema 2: Seja S = {w1, w2, …, wr} um conjunto de vetores do espaço vetorial V. Então:
1. O conjunto gerado ger(S) é um subespaço de V;
2. O subespaço ger(S) é o menor subespaço de V que contém todos os vetores de S , ou seja,
qualquer outro subespaço que contenha os vetores de S, também conterá o subespaço ger(S).

Exemplo 7: Uma visão geométrica de espaço gerado em ℝ2 e ℝ3 .


a) Se v é um vetor não nulo em ℝ2 ou ℝ3, com ponto inicial na origem, então ger{v} é o subespaço
formado por todos os múltiplos escalares de v , ou seja, ger{v} é uma reta que passa pela origem,
determinada por v.
75

b) Se v1, v2 são dois vetores não nulos em ℝ3, com pontos iniciais na origem, então ger{v1, v2}, formado
por todas as combinações lineares de v1 e v2 , é o plano que passa pela origem determinado por estes dois
vetores.

Exemplo 8: Testando combinações lineares


Considere os vetores u = (1,2, − 1) e v = (6,4,2) . Mostre que w = (9,2,7) é uma combinação linear
de u e v e que w′ = (4, − 1,8) não é uma combinação linear de u e v.

Solução: Observe que w será combinação linear de u e v se existirem constantes k1, k2 ∈ ℝ tais que
w = k1u + k2v, ou seja,
(9,2,7) = k1(1,2, − 1) + k2(6,4,2) = (k1 + 6k2, 2k1 + 4k2, − k1 + 2k2) ,
Onde igualando as componentes dos vetores, obtemos o sistema linear:
k1 + 6k2 = 9
2k1 + 4k2 = 2
−k1 + 2k2 = 7 .
Resolvendo este sistema via eliminação Gaussiana (Exercício!), obtemos que k1 = − 3 e k2 = 2, ou seja,
w = − 3u + 2v.
De forma análoga, para que o vetor w′ seja combinação linear de u e v , devem existir constantes
k1, k2 ∈ ℝ tais que w′ = k1u + k2v, porém o sistema linear gerado é inconsistente (não possui solução)
(Exercício!).

Exemplo 9: Testando o espaço gerado


Determine se v1 = (1,1,2), v2 = (1,0,1) e v3 = (2,1,3) geram o espaço vetorial ℝ3.
76

Solução: Devemos determinar se um vetor arbitrário b = (b1, b2, b3) em ℝ3 pode ser escrito como
combinação linear de v1, v2, v3 , ou seja,
b = k1v1 + k2v2 + k3v3.
Observando as componentes, obtemos
(b1, b2, b3) = k1(1,1,2) + k2(1,0,1) + k3(2,1,3)
= (k1 + k2 + 2k3, k1 + k3, 2k1 + k2 + 3k3),
Ou seja,
k1 + k2 + 2k3 = b1
k1 + k3 = b2
2k1 + k2 + 3k3 = b3.
Logo, o problema se reduz a determinar se esse sistema é consistente para quaisquer valores de b1, b2, b3.
1 1 2
[2 1 3]
Isto pode ser feito verificando se a matriz de coeficientes A = 1 0 1 possui determinante não nulo.

Porém, det(A) = 0 (Exercício!).

Teorema 3: As soluções de um sistema linear homogêneo Ax = 0, em n incógnitas, é um subespaço de ℝn


(às vezes chamado de espaço nulo).

dem.: A demonstração é simples. Seja W o espaço de soluções do sistema linear. A ideia é usar a
propriedade distributiva matricial para verificar que W é fechado para a soma e para a multiplicação por
escalar.

Definição 4: Dados os vetores v1, v2, … , vr de um espaço vetorial V, então se a equação vetorial
k1v1 + k2v2 + … + kr vr = 0
possuir como única solução a solução trivial k1 = k2 = … = kr = 0 , então dizemos que os vetores são
Linearmente Independentes (LI). Caso contrário, dizemos que os vetores são Linearmente
Dependentes (LD).

Observação: Note que a definição acima está relacionada ao teorema 3 acima. Se a matriz A é formada
pelos vetores v1, v2, … , vr como colunas de A , então a equação acima é equivalente ao sistema linear
homogêneo Ak = 0 , onde k = (k1, k2, …, kr ) . Com isso, dizemos que o conjunto de vetores
77

v1, v2, … , vr é linearmente independente se o sistema linear homogêneo equivalente admitir somente a
solução trivial. Caso contrário, dizemos que o conjunto de vetores é linearmente dependente.

Exemplo 10: Interpretação Geométrica de vetores LI em ℝ2 e ℝ3.


a) Dois vetores em ℝ2 ou ℝ3 são LI se, e só se, os vetores não ficam na mesma reta quando colocados
seus pontos iniciais na origem. Caso contrário, um deles seria um múltiplo escalar do outro.

b) Três vetores em ℝ3 são LI se, e só se, os vetores não ficam em um mesmo plano quando colocados
seus pontos iniciais na origem. Caso contrário, pelo menos um deles seria combinação linear dos outros
dois.

Exercício: Determine se os vetores v1 = (1,2,2, − 1) , v2 = (4,9,9, − 4) e v3 = (5,8,9, − 5) são


linearmente independentes.
78

A U L A 11 : C O O R D E N A D A S , B A S E E D I M E N S Ã O

Nesta aula vamos aprofundar a intuição de dimensão de espaços. Em geral, enxergamos que
uma reta possui dimensão 1, um plano possui dimensão 2 e o espaço ℝ3 possui dimensão 3.
Para isso, vamos estudar sistema de coordenadas em espaços vetoriais para então definir
base e dimensão de um espaço vetorial, bem como a mudança de base no mesmo espaço
vetorial.

Sistema de Coordenadas

Em geral, estamos acostumados a usar


sistema de coordenadas retangulares
para representar pontos nos espaços bi
e tridimensionais, como na figura ao
lado.

Entretanto, não é necessário que o


sistema seja retangular. Observe ao lado
um exemplo de sistema de coordenadas
onde os eixos não são mutuamente
perpendiculares.

Neste curso, vamos especificar um


sistema de coordenadas usando vetores,
ao invés de eixos coordenados. Note na
figura ao lado que recriamos o sistema
de coordenadas do exemplo acima
usando vetores unitários. Logo, um ponto P , neste espaço, pode ser associado aos
coeficientes nas equações P = av1 + bv2 e P = av1 + bv2 + cv3.

Vamos estender esta noção a espaços vetoriais arbitrários.


79

Definição 1: Sejam V um espaço vetorial qualquer e S = {v1, v2, …, vn} um conjunto finito de vetores
em V. Dizemos que S é uma base de V se valerem as duas condições a seguir:
a) S é linearmente independente;
b) S gera V.

Note que a definição acima garante na parte a) que os vetores não são interligados e da parte
b) que o número de vetores de S é suficiente para fornecer coordenadas para todos os
vetores de V.

Exemplo 1: Base canônica de ℝn.


Sabemos que os vetores unitários canônicos
e1 = (1,0,0,…,0), e2 = (0,1,0,…,0), …, en = (0,0,0,…,1)
geram ℝn e são linearmente independentes (LI). Logo, esses vetores formam uma base de ℝn que
chamamos de base canônica de ℝn.

Exemplo 2: Base canônica de ℙn .


Mostre que S = {1,x, x 2, …, x n} é uma base do espaço vetorial ℙn dos polinômios de grau no máximo n.
Sol.: Não é difícil verificar que os polinômios de S são LI e que geram todo ℙn (Exercício!). Logo, esses
vetores formam uma base do espaço ℙn, chamada de base canônica de ℙn .

Exemplo 3: Outra base para ℝ3.


Mostre que os vetores v1 = (1,2,1), v2 = (2,9,0) e v3 = (3,3,4) formam uma base para ℝ3.
Sol.: Devemos mostrar que esses vetores são LI e geram todo ℝ3.
Para que os vetores acima sejam LI, precisamos que a equação vetorial
c1v1 + c2v2 + c2v3 = 0
possua somente a solução trivial (c1 = c2 = c3 = 0) . Para mostrar que os vetores geram ℝ3 , temos que
mostrar que qualquer vetor b = (b1, b2, b3) ∈ ℝ3 , pode ser escrito como combinação linear dos vetores
acima, ou seja, como c1v1 + c2v2 + c2v3 = b.
Em termos de sistema linear, a primeira condição a ser verificada fornece o sistema linear
c1 + 2c2 + 3c3 = 0
2c1 + 9c2 + 3c3 = 0 .
c1 + 4c3 = 0
E a s segunda condição, fornece o seguinte sistema linear:
80

c1 + 2c2 + 3c3 = b1
2c1 + 9c2 + 3c3 = b2 .
c1 + 4c3 = b3
Logo, basta mostrar que o primeiro sistema linear acima (homogêneo) possui somente a solução trivial e
que o segundo sistema linear é consistente com quaisquer valores de b1, b2, b3.
Como os dois sistemas possuem a mesma matriz de coeficientes
1 2 3
A= 2 9 3 ,
1 0 4
Então basta verificar que det(A) ≠ 0 . De fato, det(A) = − 1 (Exercício), o que mostra que v1, v2, v3
formam uma base para ℝ3.

Exercício 1: Base canônica de Mmn.


Mostre que as matrizes

[0 0] [0 0] [1 0] [0 1]
1 0 0 1 0 0 0 0
M1 = , M2 = , M3 = , M4 =

formam uma base para o espaço vetorial M22 , das matrizes 2 × 2.

Coordenadas em relação a uma base

Lembremos que em ℝ3 as coordenadas (a, b, c) de um vetor v são precisamente os


coeficientes na fórmula v = ae1 + be2 + ce3 , onde e1, e2, e3 são os vetores canônicos de ℝ3.
De forma geral, temos a seguinte definição.

Definição 2: Se S = {v1, v2, …, vn} é uma base do espaço vetorial V e se conseguimos escrever um vetor
qualquer v ∈ V como
v = c1v1 + c2v2 + … + cnvn ,
então os escalares c1, c2, …, cn são chamados de coordenadas de v em relação à base S.
O vetor (c1, c2, …, cn) ∈ ℝn é chamado de vetor de coordenadas de v em relação a S e é denotado por
(v)S = (c1, c2, …, cn).
Podemos também escrever o vetor de coordenadas como uma matriz coluna, chamada de matriz de
81

coordenadas, da seguinte forma:


c1
c2
[v]S = .

cn

Exemplo 4: Coordenadas em ℝ3.


a) Vimos no exemplo anterior que os vetores v1 = (1,2,1), v2 = (2,9,0) e v3 = (3,3,4) formam uma
base para ℝ3. Encontre o vetor de coordenadas de v = (5, − 1,9) em relação à base S = {v1, v2, v3}.
b) Encontre o vetor em ℝ3 cujo vetor de coordenadas em relação à base S seja (v)S = (−1,3,2).
Solução:
a) Precisamos encontrar (v)S . Para isso, precisamos encontrar c1, c2, c3 tais que
v = c1v1 + c2v2 + c3v3 ,
Ou seja, (5, − 1,9) = c1(1,2,1) + c2(2,9,0) + c3(3,3,4), o que gera o sistema linear:
c1 + 2c2 + 3c3 = 5
2c1 + 9c2 + 3c3 = − 1 .
c1 + 4c3 = 9
Resolvendo o sistema (Exercício), obtemos c1 = 1, c2 = − 1, c3 = 2. Portanto, (v)S = (1, − 1,2).
b) Pela definição de (v)S , temos que
v = (−1)v1 + 3v2 + 2v3
= (−1)(1,2,1) + 3(2,9,0) + 2(3,3,4) = (11,31,7).

Dimensão

Teorema 1: Sejam V um espaço vetorial de dimensão finita e {v1, v2, …, vn} uma base qualquer de V.
a) Um conjunto com mais de n vetores é linearmente dependente (LD);
b) Um conjunto com menos de n vetores não gera V.

Como consequência do teorema acima, vemos que todas as bases de um mesmo espaço
vetorial possuem o mesmo tamanho.

Este número exato de vetores que consegue formar uma base possui um nome especial.
82

Definição 3: O número de vetores em uma base do espaço vetorial V é chamado de dimensão do espaço V
e denotada por dim(V ).

Exemplo 5: Dimensões de alguns espaços usuais.


dim(ℝn) = n
dim(ℙn) = n + 1
dim(Mmn) = m . n

Exemplo 6: Dimensão de ger(S).


Se S = {v1, v2, …, vr} é um conjunto LI no espaço vetorial V , então S é automaticamente uma base de
ger(S) e isso implica que dim(ger(S)) = r .

Exemplo 7: Dimensão de um espaço solução.


Encontre a base e a dimensão do espaço solução do sistema homogêneo:
2x1 + 2x2 − x3 + x5 = 0
−x1 − x2 + 2x3 − 3x4 + x5 = 0
.
x1 + x2 − 2x3 − x5 = 0
x3 + x4 + x5 = 0
Solução:
A solução deste sistema, via eliminação de Gauss-Jordan (Exercício) é dada por
x1 = − s − t, x2 = s, x3 = − t, x4 = 0, x5 = t
que pode ser escrita em forma vetorial como
(x1, x2, x3, x4, x5) = (−s − t, s, − t, 0, t) ,
Ou ainda como
(x1, x2, x3, x4, x5) = s(−1, 1, 0, 0, 0) + t(−1, 0, − 1, 0, 1).
Notemos que os vetores v1 = (−1, 1, 0, 0, 0), v2 = (−1, 0, − 1, 0, 1) geram o espaço solução.
Como estes vetores não são múltiplos por escalar um do outro, então estes são LI e, então, formam ma base
do espaço solução. Assim, o espaço solução possui dimensão 2.

Exercício 2: Encontre uma base e a dimensão do espaço solução do sistema homogêneo:


x1 + 3x2 − 2x3 + 2x5 =0
2x1 + 6x2 − 5x3 − 2x4 + 4x5 − 3x6 = 0
.
5x3 + 10x4 + 15x6 = 0
2x1 + 6x2 + 8x4 + 4x5 + 18x6 = 0
83

Teorema 2: Seja S um conjunto finito de vetores em um espaço vetorial V de dimensão finita.


a) Se S gerar V, mas não for uma base de V, então S pode ser reduzido a uma base de V removendo
setores apropriados de S;
b) Se S for um conjunto LI, mas não for uma base de V, então S pode ser ampliado a uma base de V
acrescentando vetores apropriados a S.

Com relação à dimensão de um subespaço, temos o seguinte resultado:

Teorema 3: Se W for um subespaço de um espaço


vetorial V de dimensão finita, então:

a) W tem dimensão finita;


b) dim(W ) ≤ dim(V );
c) W = V se, e só se, dim(W ) = dim(V ).
84

A U L A 12 : M U DA N Ç A D E B A S E . E S PA Ç O S V E T O R I A I S
ESPECIAIS.

Nesta aula, vamos estudar como realizar o processo de mudança de base em um espaço
vetorial de dimensão finita, além de estudar alguns espaços importantes de uma dada
matriz.

Mudança de Base

Uma base para um problema pode não ser conveniente para outro problema, de forma que
seria interessante se conseguíssemos realizar uma mudança de base no mesmo espaço
vetorial. Como a ideia de base de um espaço vetorial é uma espécie de generalização do
conceito de coordenadas, então mudança de base está relacionada à mudança do eixo
coordenado no caso ℝ2 e ℝ3.

Seja V um espaço vetorial de dimensão finita e S = {v1, v2, …, vn} uma base para V. Sabemos
que o vetor de coordenadas de v ∈ V em relação a S é dado por (v)S = (c1, c2, …, cn) ∈ ℝn .
Nesta aula também vamos expressar estes vetores de coordenadas em formato matricial
c1
c2
[v]S = .

cn

Existem muitas aplicações em que é necessário trabalhar com mais de um sistema de


coordenadas. Neste caso, é importante saber como se relacionam as coordenadas de um
vetor em relação a cada um destes sistemas de coordenadas, ou seja, temos o seguinte
problema:

Problema 1: Se v é um vetor em um espaço vetorial V de dimensão finita e se mudarmos a base de V de


uma base B para uma nova base B′ , qual é a relação entre os vetores de coordenadas [v]B e [v]B′ .

Vamos estudar o caso bidimensional. O caso geral é análogo.

Considere as bases B = {u1, u2} e B′ = {u′1, u′2}. Precisamos dos vetores de coordenadas dos
vetores da base nova B′ em relação à base antiga B.
Suponha que tenhamos
85

[u′1]B = [ ] e [u′2]B = [ ],
a c
b d
ou seja,
u′1 = au1 + bu2
u′2 = cu1 + du2 .

[k2]
k1
Considere agora v ∈ V um vetor qualquer e suponha que [v]B′ = seja o vetor de

coordenadas na base nova B′, de forma que


v = k1u′1 + k2u′2 .
Para conseguir encontrar as coordenadas de v na base antiga B , devemos expressar v em
termos desta base antiga B. Para isso, substituímos a relação acima em v, ou seja,
v = k1(au1 + bu2) + k2(cu1 + du2)
Ou ainda
v = (k1a + k2c)u1 + (k1b + k2d )u2 .

Logo, o vetor de coordenadas de v na base antiga B é dado por

[k1b + k2d]
k1a + k2c
[v]B = .

[k2]
k1
Como [v]B′ = , então podemos escrever a relação acima como

[k1b + k2d] b d] [k2] [b d] B′


k1a + k2c a c k1
=[
a c
[v]B = = [v] .

A equação acima nos mostra que o vetor de coordenadas da base antiga, [v]B , pode ser
obtido pela multiplicação à esquerda do vetor de coordenadas na base nova, [v]B′ , pela
matriz
P=[
b d]
a c
.

Note que as colunas da matriz P são dadas pelas coordenadas do vetores da base nova B′ em
relação à base antiga B. Logo, obtemos a seguinte solução para o problema acima:

Solução do Problema 1: Se mudarmos a base de um espaço vetorial V de uma base (antiga)


B = {u1, u2, …, un} para uma nova base B′ = {u′1, u′2, …, u′n} , então dado qualquer vetor v ∈ V , os
vetores de coordenadas [v]B e [v]B′ se relacionam pela equação
[v]B = P[v]B′ ,
86

onde as colunas da matriz P são dadas pelos vetores de coordenadas da base nova em relação à base antiga,
ou seja,
[u′1]B, [u′2]B, …, [u′n]B .

Definição 1: A matriz P definida acima é chamada de matriz de transição de B′ para B . Em geral,


denotamos esta matriz por PB′→B e escrevemos
PB′→B = [ [u′1]B | [u′2]B | … | [u′n]B ].

Exemplo 1: Encontrando matrizes de transição.


Considere as bases B = {u1, u2} e B′ = {u′1, u′2} de ℝ2, onde
u1 = (1,0), u2 = (0,1), u′1 = (1,1), u′2 = (2,1).
a) Encontre a matriz de transição PB′→B , de B′ para B.
b) Encontre a matriz de transição PB→B′ , de B para B′ .

[5]
−3
c) Determine [v]B , sabendo que [v]B′ = .

Solução:
a) A matriz de transição de B′ para B é dada por PB′→B = [ [u′1]B | [u′2]B ].
Note que
u′1 = u1 + u2
u′2 = 2u1 + u2 ,

[1] [1] [1 1 ]
1 2 1 2
Ou seja, [u′1]B = , [u′2]B = . Logo, PB′→B = .

b) Neste caso, a matriz de transição de B para B′ é dada por PB→B′ = [ [u1]B′ | [u2]B′ ].
Note que
u1 = − u′1 + u′2
u2 = 2u′1 − u2 ,

[1] [−1] [ 1 −1]


−1 2 −1 2
Ou seja, [u1]B′ = , [u2]B′ = . Logo, PB→B′ = .

c) Observe que preciso passar da base B′ para B. Com isso, vamos utilizar a matriz de transição do item

[1 1] [ 5 ] [2]
1 2 −3 7
a). Logo, [v]B = PB′→B [v]B′ = = .
87

Observação 1: A matriz de transição PB→B′ muda as coordenadas de B para B′ e a matriz PB′→B, muda
as coordenadas de B′ para B. Logo, é razoável que a matriz dada pelo produto (PB→B′)(PB′→B) seja uma
matriz de transição de B para B, ou seja,
(PB→B′)(PB′→B) = I.
Com isso, vemos que as matrizes PB→B′, PB′→B são inversas uma da outra.

Vamos ver agora um procedimento para calcularmos a matriz de transição PB→B′ .

Passo 1: Montar a matriz [B′ | B], formada pelos vetores de cada base;
Passo 2: Usar operações elementares para reduzir a matriz acima à forma escalonada
reduzida, resultando em [I | PB→B′];
Passo 3: Extraímos a matriz PB→B′ do lado direito da matriz resultante do passo anterior.

[ base nova | base antiga ] ⟶ Operações Elementares ⟶ [ I | transição da antiga à nova]

Exercício 1: Refaça o exemplo 1 utilizando o procedimento acima descrito.

Espaços Vetoriais Especiais

Vamos estudar agora alguns espaços vetoriais importantes associados com matrizes e como
estes espaços nos auxiliam na resolução de um sistema linear.

Definição 2: Considere uma matriz m × n


a11 a12 … a1n
a21 a22 … a2n
A= .
⋮ ⋮ ⋮
am1 am2 … amn
Os vetores em ℝn
r1 = [a11 a12 … a1n]
r2 = [a21 a22 … a2n]

rn = [an1 an2 … ann]
são chamados de vetores linha da matriz A, e os vetores em ℝm
88

a11 a12 a1n


a21 a22 a2n
c1 = , c2 = …, cn =
⋮ ⋮ ⋮
am1 am2 amn
são chamados de vetores coluna da matriz A.

[3 −1 4]
2 1 0
Exemplo 2: Considere A = .

Os vetores linha são r1 = [2 1 0] e r2 = [3 −1 4] e os vetores coluna de A são

[3] [−1] [4]


2 1 0
c1 = , c2 = , c3 = .

A definição abaixo vai caracterizar três espaços vetoriais associados a uma matriz.

Definição 3: Dada uma matriz A de tamanho m × n, então:


a) Espaço Linha de A é o subespaço de ℝn gerado pelos vetores linha de A;
b) Espaço Coluna de A é o subespaço de ℝm gerado pelas colunas de A;
c) Espaço Nulo de A é o subespaço de ℝn formado pelas soluções do sistema homogêneo Ax = 0.

Problema 2: Qual relação existe entre a resolução de um sistema linear da forma Ax = b e os espaços
vetoriais citados acima?

a11 a12 … a1n


a21 a22 … a2n
Primeiro observamos que dada uma matriz m × n , A= , e uma
⋮ ⋮ ⋮
am1 am2 … amn
x1
x2
matriz coluna de incógnitas x = , temos que o produto Ax pode ser visto como

xn
89

a11x1 + a12 x2 + … + a1n xn


a21x1 + a22 x2 + … + a2n xn
Ax = = x1c1 + x2c2 + … + cn xn ,

am1x1 + am2 x2 + … + amn xn
onde c1, c2, …, cn são os vetores coluna da matriz A.

Logo, um sistema linear da forma Ax = b , de m equações e n incógnitas pode ser escrito


como
x1c1 + x2c2 + … + cn xn = b
ou seja, podemos concluir que o sistema linear é consistente se, e somente se, b pode ser
expresso como uma combinação linear dos vetores coluna de A.

Teorema 1: Um sistema Ax = b de equações lineares é consistente se, e somente se, b está no espaço
coluna de A.

Exemplo 3: Vetor no espaço coluna de A.


−1 3 2 x1 1
[ ] x [−3]
Considere o sistema linear Ax = b, dado por 1 2 −3 x2 = −9 .
2 1 −2 3

Mostre que b está no espaço coluna de A expressando b como uma combinação linear dos vetores coluna de
A.
Solução:
Note que b pode ser escrito como combinação linear dos vetores coluna de A se este estiver no espaço coluna
de A. Pelo teorema acima, isso vai ocorrer se, e somente se, o sistema linear for consistente, ou seja, se tiver
solução.
Resolvendo o sistema por eliminação gaussiana, obtemos (Exercício)
x1 = 2, x2 = − 1, x3 = 3.
−1 3 2 1
[ 2 ] [1] [−2] [−3]
Logo, 2 1 − 2 + 3 −3 = −9 .

Com relação às bases destes espaços vetoriais, vamos verificar como determinar estas.

O primeiro passo quando estudamos um sistema linear foi montar a matriz aumentada e
proceder o escalonamento via eliminação gaussiana ou eliminação de Gauss-Jordan, através
de operações elementares. Com isso, observamos que este processo de eliminação não
90

alterava a solução do sistema.


Este resultado por ser estendido da seguinte forma:

Teorema 2: As operações elementares não alteram o espaço nulo de uma matriz e também não alteram o
espaço linha de uma matriz.

Teorema 3: Se uma matriz está em forma escalonada, então os vetores linha com os pivôs formam uma
base do espaço linha desta matriz.
Além disso, os vetores coluna com os pivôs formam uma base do espaço coluna da matriz.

Como aplicação dos teoremas acima, podemos fazer o seguinte procedimento para
determinar a base dos espaços linha e coluna de uma dada matriz A.

Passo 1: Realizar processo de eliminação gaussiana na matriz A;


Passo 2: Identificar quais são as linhas que aparecem os pivôs;
Passo 3: Os vetores linha que aparecem os pivôs formam uma base para o espaço linha de A
e os vetores coluna correspondentes que aparecem os pivôs formam uma base para o espaço
coluna de A.

Exemplo 4: Base dos espaços linha e coluna de matriz escalonada.


1 −2 5 0 3
0 1 3 0 0
A matriz R = está na forma escalonada.
0 0 0 1 0
0 0 0 0 0
Pelo teorema acima, somente as linhas 1, 2 e 3 contém pivôs e, portanto, os vetores linha
r1 = [1 −2 5 0 3]
r2 = [0 1 3 0 0]
r3 = [0 0 0 1 0]
formam uma base para o espaço linha de R e os vetores coluna
1 −2 0
1
[−3]
0 1 0
c1 = , c2 = , c4 = = −9
0 0 1
0 0 0
formam uma base para o espaço coluna de R, pois somente as colunas 1,2, e 4 possuem um pivô.
91

Exemplo 5: Base dos espaços linha e coluna de matriz não escalonada.


Encontre uma base para o espaço linha e espaço coluna da seguinte matriz
1 −3 4 −2 5 4
2 −6 9 −1 8 2
A= .
2 −6 9 −1 9 7
−1 3 −4 2 −5 −4
Solução:
Procedendo por eliminação gaussiana, obtemos a seguinte forma escalonada da matriz A, denotada por R,
1 −3 4 −2 5 4
0 0 1 3 −2 −6
R= .
0 0 0 0 1 5
0 0 0 0 0 0
Observe que somente as linhas 1, 2 e 3 de R possuem pivôs.
Logo, pelos teoremas acima, as linhas
r1 = [1 −3 4 −3 5 4]
r2 = [0 0 1 3 −2 −6]
r3 = [0 0 0 0 1 5]
formam uma base para o espaço linha da matriz R e, então, formam uma base para o espaço linha da
matriz A (Explique isto usando os teoremas 2 e 3 acima).
Para formar uma base do espaço coluna de A, precisamos identificar quais são as colunas de R que possuem
pivôs e escolher as colunas correspondentes de A para formar a base, pois os espaços coluna de R e de A são
diferentes. Com isso, como as colunas 1, 3 e 5 de R possuem pivôs, então as colunas
1 4 5
0 1
c′1 = , c′3 = , c′5 = −2
0 0 1
0 0 0
Formam uma base para o espaço coluna de R e as colunas correspondentes de A
1 4 5
2 9 8
c1 = , c3 = , c5 =
2 9 9
−1 −4 −5
formam uma base para o espaço coluna de A.

Observação: Note que os espaços linha e coluna da matriz A possuem a mesma dimensão. Este número é
chamado de Posto da matriz A, pos(A). A dimensão do espaço nulo de A é a nulidade de A, nul(A).
92

AU L A 13 : T R A N S F O R M AÇ Ã O M AT R I C I A L . D E F I N I Ç Ã O E
EXEMPLOS

Nesta aula, vamos estudar funções da forma w = F(x) , onde x , variável independente, é um
vetor em ℝn e w , variável dependente, é um vetor em ℝm , mas iremos nos concentrar em
funções F do tipo linear.

Revisão de Função

Em primeiro lugar, devemos nos lembrar que função é


uma lei ou regra que associa a cada elemento do
domínio A um único elemento do contradomínio B, ou
seja, se f representa essa função e a ∈ A, então f associa
o elemento a ∈ A ao elemento b ∈ B e escrevemos
b = f (a).
Com isso, dizemos que b é a imagem de a por f . A
imagem de f é o subconjunto do contradomínio
consistindo de todas as imagens de pontos do domínio.

O domínio e o contradomínio de funções reais são conjuntos de números reais, onde estas
funções são comuns de serem vistas na disciplina de Cálculo 1.
Nesta parte da disciplina, vamos voltar nossa atenção à funções cujos domínio e
contradomínio são espaços vetoriais.

Transformações Matriciais

Vamos iniciar definindo uma transformação geral entre espaços vetoriais.

Definição 1: Se V e W são espaços vetoriais e se f é uma função com domínio V e contradomínio W, então
dizemos que f é uma transformação de V em W, ou uma aplicação de V em W, que denotamos por
f : V → W.
No caso especial em que V = W, dizemos que uma transformação f é um operador de V.
93

Vamos refletir sobre a definição acima. Suponha que V = ℝn e W = ℝm e f1, f2, …, fm


denotem funções reais de V tais que se x = (x1, x2, …, xn) ∈ V, então
w1 = f1(x)
w2 = f2(x)
.

wm = fm(x)
Observe que essas m equações acima estão associando ao ponto x = (x1, x2, …, xn) ∈ V um
único elemento (w1, w2, …, wm) ∈ W. Em outras palavras, as equações acima estão definindo
uma transformação linear de V = ℝn em W = ℝm, onde podemos denotar esta por
T : ℝn → ℝm,
tal que
T(x) = T(x1, x2, …, xn) = (w1, w2, …, wm) = w.

No caso particular em que f1, f2, …, fm forem funções lineares, então podemos escrever as m
equações acima na forma
w1 = a11x1 + a12 x2 + …a1n xn
w2 = a21x1 + a22 x2 + …a2n xn
,

wm = am1x1 + am2 x2 + …amn xn
onde, como já vimos, podemos escrever as equações acima em um formato matricial
w1 a11 a12 … a1n x1
w2 a21 a22 … a2n x2
=
⋮ ⋮ ⋮ ⋮ ⋮
wm am1 am2 … amn xn
ou ainda, como
w = Ax.

A equação acima pode ser vista como uma transformação que associa o vetor coluna
x1 w1
x2 w2
x= ao vetor coluna w = , através de uma multiplicação matricial à esquerda de
⋮ ⋮
xn wm
x pela matriz A . Vamos chamar esta transformação de transformação matricial (ou ainda
operador matricial, se m = n ) e denotar por TA : ℝn → ℝm . Com isso, a equação acima
pode ser expressa como
w = TA(x).
94

Dizemos que esta transformação matricial TA é uma multiplicação por A e a matriz A é


chamada de matriz canônica da transformação.

Exemplo 1: Transformação matricial de ℝ4 em ℝ3.


A transformação matricial T : ℝ4 → ℝ3 definida pelas equações
w1 = 2x1 − 3x2 + x3 − 5x4
w2 = 4x1 + x2 − 2x3 + x4
w3 = 5x1 − x2 + 4x3
pode ser expressa em forma matricial como
x1
w1 2 −3 1 −5 x2
w2 = 4 1 −2 1
x3 ,
w3 5 −1 4 0 x4
onde a matriz canônica de T é
2 −3 1 −5
A = 4 1 −2 1 .
5 −1 4 0
Por exemplo, a imagem do vetor (x1, x2, x3, x4) = (1, − 3,0,2) é calculada através das equações acima
ou ainda através da forma matricial
w1 1
2 −3 1 −5 1
[8]
w2 = 4 1 −2 1 −3
= 3 .
w3 0
5 −1 4 0
2

Teorema 1: Considere a transformação matricial TA : ℝn → ℝm. Então, dados vetores u, v ∈ ℝn e um


escalar k ∈ ℝ:
a) TA(0) = 0;
b) TA(k u) = kTA(u) (Homogeneidade)
c) TA(u ± v) = TA(u) ± TA(v) (Aditividade)

Pelo teorema acima, vemos que, dada uma combinação linear em ℝn , a imagem desta
combinação por TA ainda será uma combinação linear em ℝm, ou seja, temos que
TA(k1v1 + k2v2 + … + knvn) = k1TA(v1) + k2TA(v2) + … + knTA(vn).
95

Observação: Dadas duas transformações TA e TB tais que TA(x) = TB(x) , para um vetor qualquer
x ∈ ℝn, então A = B.

Exemplo 2: Nulo e identidade.


Se 0 for a matriz m × n, então T0(x) = 0x = 0 é chamada de transformação nula ou zero.
Se I for uma matriz n × n, então TI (x) = Ix = x é chamado de operador identidade de ℝn.

Como encontrar a matriz canônica?

Dada uma transformação matricial TA de ℝn em ℝm , vamos verificar agora como podemos


determinar a matriz canônica A desta transformação.

Suponha que e1, e2, …, en sejam os vetores canônicos de ℝn. Observe que pela definição,
TA(e1) = Ae1, TA(e2) = Ae2, …, TA(en) = Aen .

Porém, devemos lembrar que o vetor canônico ei é dado por


ei = (0,…,0,1,0,…,0),
onde a entrada não-nula ocorre na i-ésima coordenada.
Com isso, o produto Aei resulta exatamente na i-ésima coluna da matriz A.

Logo,
A = [TA(e1) | TA(e2) | … | TA(en) ].

Em outras palavras, temos o seguinte procedimento para encontrar a matriz canônica de


uma transformação matricial:

Passo 1) Calcular as imagens dos vetores e1, e2, …, en em formato de coluna;


Passo 2) Construir a matriz formada pelas colunas obtidas pelo passo anterior. Esta matriz será a matriz
canônica da transformação.

Exemplo 3: Operadores de Reflexão


Os operadores de reflexão de ℝ2 e ℝ3 são aqueles que levam um ponto na imagem “refletida" por uma reta
ou plano fixados. Abaixo temos alguns exemplos de operadores de reflexão em ℝ2 e ℝ3:
96
97

Exemplo 4: Operadores de Projeção.


Os operadores de projeção de ℝ2 e ℝ3 são aqueles que levam um ponto em sua projeção ortogonal em uma
reta ou plano fixados.
98

Exemplo 5: Operadores de Rotação.


Os operadores de rotação de ℝ2 e ℝ3 são aqueles que movem um ponto ao longo de arcos circulares. Vamos
ver como podemos encontrar a matriz canônica de uma rotação T : ℝ2 → ℝ2 que move pontos no sentido
anti-horário por um ângulo θ em torno da origem.

Pela figura acima, observamos que


T(e1) = T(1,0) = (cos θ, sin θ) e T(e2) = T(0,1) = (−sin θ, cos θ).
Logo, a matriz canônica desta rotação será:

[TA(e1) | TA(e2) ] = [ sin θ cos θ ].


cos θ −sin θ

Podemos denotar este operador por Rθ , ou seja, dizemos que

[ sin θ cos θ ]
cos θ −sin θ
Rθ =

É a matriz de rotação de ℝ2 por um ângulo θ.


De uma forma geral, dados v = (x, y) e w = (w1, w2) , então w = Rθ v pode ser visto em termos das
equações de rotação:
w1 = x cos θ + y sin θ
w2 = x sin θ + y cos θ .
99

Exercício 1: Encontre a imagem de x1 = (1,1) e x2 = (2, − 1) pela rotação de π /6 radianos em torno


da origem.

Exemplo 6: Operadores de Dilatação e Contração.


Dado um escalar k não-negativo, então o operador de ℝ2 ou ℝ3 dado por
T(x) = k x
possui o efeito de aumentar ou diminuir o comprimento de cada vetor pelo fator k . Se 0 ≤ k < 1 ,
dizemos que o operador é uma contração de fator k. Se k > 1, dizemos que o operador é uma dilatação
de fator k.

Exemplo 7: Operadores de Expansão e Compressão.


No exemplo anterior, todas as coordenadas são multiplicadas pelo mesmo fator k . Caso somente uma das
coordenadas seja multiplicada por este fator k , dizemos que temos um operador de expansão ou
compressão de fator k.
100

Exemplo 8: Operador de Cisalhamento.


Um operador matricial da forma
T(x, y) = (x + k y, y)
translada um ponto (x, y) do plano xy paralelamente ao eixo x por uma quantidade k y que é proporcional
à coordenada y do ponto. Note que este operador deixa fixado os pontos do eixo x (pois neste caso y = 0),
porém quando nos afastamos do eixo x , a distância transladada aumenta. Este operador é chamado de
cisalhamento de fator k na direção x . De forma análoga, definimos um cisalhamento de fator k na
direção y como o operador
T(x, y) = (x, y + k x).
101

AU L A 14 : T R A N S F O R M AÇ Ã O M AT R I C I A L .
PROPRIEDADES.

Nesta aula, vamos estudar algumas propriedades das transformações matriciais que
definimos na aula passada.

Definição 1: Composição de Transformações Lineares.


Considere as transformações lineares TA : ℝn → ℝk e TB : ℝk → ℝm. Logo, podemos definir uma única
transformação linear de ℝn em ℝm, chamada de composição ou composta de TB com TA, que denotamos
por TB ∘ TA, dada por
(TB ∘ TA)(x) = TB(TA(x)).

Observação:
1. Não é verdade, em geral, que TB ∘ TA = TA ∘ TB ;
2. A matriz canônica da composta é dada pelo produto das matrizes canônicas na ordem apropriada,
por exemplo, [T2 ∘ T1] = [T2] [T1] ou [T3 ∘ T2 ∘ T1] = [T3] [T2] [T1].

Exemplo 1: Composição de duas rotações.


Sejam T1 : ℝ2 → ℝ2 e T2 : ℝ2 → ℝ2 dois operadores
matriciais que giram os vetores pelos ângulos θ1 e θ2 ,
respectivamente. Logo, o operador (T2 ∘ T1)(x) = T2(T1(x))
faz o seguinte:
Passo 1) gira o vetor x por um ângulo θ1, gerando o vetor
T1(x);
Passo 2) gira o vetor T1(x) por um ângulo θ2 , gerando o
vetor T2(T1(x)).
102

É razoável que na prática, a composta T2 ∘ T1 gira o vetor x por um ângulo θ1 + θ2.


Assim, as matrizes canônicas desses operadores matriciais são

[ sin θ1 cos θ1 ] [ sin θ2 cos θ2 ]


cos θ1 −sin θ1 cos θ2 −sin θ2
[T1] = , [T2] =

[ sin(θ1 + θ2) cos(θ1 + θ2) ]


cos(θ1 + θ2) −sin(θ1 + θ2)
[T2 ∘ T1] = .

Fica como exercício verificar que as matrizes acima satisfazem a propriedade [T2 ∘ T1] = [T2] [T1] (a
ideia é utilizar algumas identidades trigonométricas).

Exemplo 2: A composição não é comutativa.


Sejam T1 : ℝ2 → ℝ2 a reflexão na
reta y = x e T2 : ℝ2 → ℝ2 a
projeção ortogonal sobre o eixo y.
P o d e m o s v e r i fi c a r q u e
T1 ∘ T2 ≠ T2 ∘ T1 graficamente e
também na forma matricial,
mostrando que as matrizes
canônicas das transformações não
comutam:

[1 0] [0 1] [0 0]
0 1 0 0 0 1
[T1 ∘ T2] = [T1][T2] = =

[0 1] [1 0] [1 0]
0 0 0 1 0 0
[T2 ∘ T1] = [T2][T1] = =

Ou seja, [T1 ∘ T2] ≠ [T2 ∘ T1].

Definição 3: Transformação Matricial Injetora.


Dada uma transformação linear TA : ℝn → ℝm , dizemos que esta é injetora se, para cada vetor b na
imagem de TA existir somente um vetor x ∈ ℝn tal que TA(x) = b.
Em outras palavras, TA é injetora se TA(u) = TA(v) implicar que u = v.
103

Exercício 2: Verifique através de figuras que uma rotação de ℝ2 é injetora, mas uma projeção não o é.

Teorema 2: Considere a matriz A , n × n , e TA : ℝn → ℝn o operador correspondente. Logo, são


equivalentes:
1. A é invertível;
2. A imagem de TA é ℝn;
3. TA é injetor.

Exemplo 3: Propriedade de uma projeção.


Vimos graficamente que o operador que projeta um vetor de ℝ3 no plano xy não é injetor. Podemos
verificar isso também através do teorema acima observando que a matriz canônica de T é dada por
1 0 0
[0 0 0]
[T ] = 0 1 0 .

Porém, pelo teorema acima, observamos que det(T ) = 0 , ou seja, [T ] não é invertível, ou seja, T não é
injetora.

Exercício 3: Verifique através do teorema acima que uma rotação de ℝ2 é injetora.

Observe que pelo teorema acima, se o operador TA : ℝn → ℝn é injetor, então a matriz A


admite uma inversa A −1. Logo, associado a esta matriz temos o chamado operador inverso
de TA, dado por TA−1 : ℝn → ℝn.

Note que
TA(TA−1(x)) = A A −1x = Ix = x
TA−1(TA(x)) = A −1 Ax = Ix = x,
ou seja, TA ∘ TA−1 = TA−1 ∘ TA = I.

Em outras palavras, os operadores TA e TA−1 cancelam o efeito um do outro.


10 4

Exemplo 9: Encontrando T −1.


Mostre que o operador matricial T : ℝ2 → ℝ2 definido por
w1 = 2x1 + x2
w2 = 3x1 + 4x2
é injetor e encontre T −1(w1, w2).
Solução:
Observe que a matriz canônica de T é dada por

[3 4]
2 1
[T ] = .

Essa matriz é invertível pois det([T ]) = 5 ≠ 0 . Além disso, a matriz canônica de T −1 é dada pela
inversa de [T ], ou seja,

[−3/5 2/5 ]
4/5 −1/5
[T −1] = [T ]−1 = .

Logo,

[ 2] [−3/5 2/5 ] [w2] [−3w1 /5 + 2w2 /5]


−1
w1 4/5 −1/5 w1 4w1 /5 − w2 /5
[T ] w = = ,

Em outras palavras, T −1(w1, w2) = (4w1 /5 − w2 /5, − 3w1 /5 + 2w2 /5).

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