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Base molecular do

câncer – Parte 1

Patologia
• BASE MOLECULAR DO CÂNCER

O câncer é uma doença genética. A lesão genética é adquirida nas células so-
máticas por meio de agentes ambientais (químicos, radioativos ou virais) ou de
forma hereditária na linha germinativa. Os tumores neoplásicos desenvolvem-
se como progênie clonal de uma única célula progenitora geneticamente lesada.
A monoclonalidade desses tumores pode ser verificada pelo estudo dos marca-
dores ligados ao X. Quatro classes de genes são alvos da lesão genética: os
proto-oncogenes que promovem crescimento; os genes supressores de tumo-
res que inibem o crescimento; os genes que regulam apoptose; e os genes en-
volvidos no reparo do DNA.

• CARCINOGÊNESE

A carcinogênese é um processo com múltiplas etapas fenotípicas e genéticas.


Os atributos do processo maligno: invasão, crescimento excessivo, evasão para
o sistema imune, são adquiridos de uma forma gradual – um processo denomi-
nado progressão tumoral. Em nível genético, a progressão é resultado do acú-
mulo de condições genéticas. Apesar da maioria dos tumores malignos ter ori-
gem monoclonal, quando eles se tornam, clinicamente evidentes, suas células
constituintes são extremamente heterogêneas. Durante a progressão, as célu-
las tumorais estão sujeitas a pressões da seleção imune e não imune.

• ALTERAÇÕES ESSENCIAIS PARA A TRANSFORMAÇÃO MA-


LIGNA

1) Autossuficiência nos sinais de crescimento - os tumores neoplásicos apre-


sentam a capacidade de proliferação sem estímulos externos, em geral como
consequência da ativação de oncogenes;

2) Insensibilidade aos sinais inibidores de crescimento;


3) Evasão da apoptose - os tumores neoplásicos podem ser resistentes à morte
celular programada, como consequência da inativação do p53 ou de ativação
de genes antiapoptóticos;

4) Potencial de replicação ilimitado;

5) Angiogênese mantida - os tumores neoplásicos não são capazes de crescer


sem a formação de um suprimento vascular para trazer nutriente e oxigênio e
remover os produtos do catabolismo;

6) Capacidade de invadir e metastatizar: são a causa da grande maioria das


mortes por câncer e dependem de processos que são intrínsecos à célula ou
são iniciados por sinais do ambiente tecidual;

7) Defeitos no reparo do DNA: leva à instabilidade genômica e as mutações em


proto-oncogenes ou genes supressores de tumor.

• ONCOGENES

São genes derivados de proto-oncogenes cujos produtos estão associados à


transformação neoplásica. Os proto-oncogenes são genes celulares normais
que afetam o crescimento e a diferenciação. Os produtos protéicos dos onco-
genes são as oncoproteínas. Para compreender a atividade transformadora dos
oncogenes, é fundamental considerar suas funções no crescimento celular
normal. O estímulo da proliferação celular normal é, em geral, deflagrado por
fatores de crescimento que se ligam aos receptores de membrana celular. O
sinal recebido sobre a membrana celular é transduzido para o citoplasma e, fi-
nalmente para o núcleo pela geração de segundos-mensageiros, como o cálcio.
Esses sinais ativam os fatores de regulação nuclear que iniciam a transmissão
do DNA.

1) Fatores de Crescimento

Alguns proto-oncogenes codificam fatores de crescimento. Muitos tumores ne-


oplásicos produzem esses fatores e respondem aos seus efeitos promotores de
crescimento e, portanto, estão sujeitos a estímulo autócrino.

2) Receptores de fatores de crescimento

Diversos oncogenes codificam receptores para fatores de crescimento. As alte-


rações estruturais e a expressão excessiva dos genes receptores foram encon-
tradas associadas à transformação maligna. As mutações em vários receptores
de crescimento do tipo tirosina-quinase levam à sua ativação constitutiva sem
ligação a seus ligantes e com isso há estímulo mitogênico constante. Como e-
xemplos, têm-se a expressão excessiva de C-ERB B1 na maioria dos carcino-
mas da célula escamosa do pulmão; C-ERB B2 (c-neu) está aumentada nos
adenocarcinomas da mama (também C-ERB B3), ovários, pulmões, estômago
entre outros. Nos cânceres da mama que têm C-ERB B2 aumentada, o prog-
nóstico é sombrio, provavelmente porque suas células são muito sensíveis a
quantidades menores de fatores de crescimento. C-fms associado à leucemia
mielóide, sendo mutação pontual no gene CSF. Outro grupo são os genes hst-1
e int-2 que estão implicados na produção de FGF.

3) Proteínas transdutoras de sinais

São bioquimicamente heterogêneas, locadas na lâmina interna da membrana


plasmática e no citoplasma perimembranar e agrupadas em duas categorias
principais: 1 – Proteínas de ligação do GTP – a esta categoria pertence a família
ras de proteínas e as proteínas G. Cerca de 30% dos tumores humanos portam
proteínas ras mutantes (importantes na mutagênese induzida por fatores de
crescimento); 2 – Proteínas nucleares reguladoras – os produtos dos oncogenes
myc, jun, fos e myb são as proteínas nucleares (regulam genes de proliferação).
Expressam-se de uma forma altamente regulada durante a proliferação das
células normais (myc – presente nas respostas iniciais, independentes de sínte-
se proteica e são importantes para as células quiescentes entrarem em divisão)
e, acredita-se que regulem a tradução dos genes relacionados ao crescimento.
Suas versões oncogênicas estão associadas à expressão persistente. A não
regulação da expressão myc ocorre no linfoma de Burkitt, nos neuroblastomas
e no câncer de pequenas células do pulmão. O complexo myc/max é um hete-
rodímero que liga no DNA e quando mutado leva a expressão persistente ou
superexpressão. O conceito de colaboração oncogênica é definido pela ação
sinérgica de dois ou mais oncogenes específicos para tornarem células cance-
rosas.

• GENES SUPRESSORES TUMORAIS

O câncer pode surgir não apenas pela ativação de oncogenes promotores de


crescimento, mas também pela inativação de genes que normalmente supri-
mem a proliferação celular (anti-oncogenes ou genes supressores de tumor).

1) Gene Rb

Localizado no cromossomo 13q14 é o protótipo do gene supressor do câncer. É


importante na patogenia do tumor infantil, retinoblastoma. Quarenta por cento
dos retinoblastomas são familiares e o restante é esporádico. Para explicar a
ocorrência familiar e esporádica, propõe-se a hipótese dos “dois golpes”: Am-
bos os alelos normais no loco Rb precisam ser inativados (dois golpes) para o
desenvolvimento de retinoblastoma. Nos casos familiares, ambos os olhos são
afetados e as crianças herdam uma cópia defeituosa do gene Rb na linhagem
germinativa. Sendo a outra cópia normal. O retinoblastoma ocorre quando o
gene Rb normal é perdido nos retinoblastos, como resultado de uma mutação
somática. Nos casos esporádicos os dois alelos são perdidos através da muta-
ção somática em um dos retinoblastos. Afeta só um dos olhos (diagnóstico di-
ferencial com toxocoríase ocular). O câncer ocorre quando as células tornam-se
homozigóticas para os genes supressores de câncer. Como as células heterozi-
góticas são normais, esses genes também são denominados “genes recessivos
de câncer”. O loco Rb está envolvido na patogenia de vários cânceres, uma vez
que os pacientes com retinoblastoma familiar possuem maior risco de desen-
volver osteossarcomas e sarcomas dos tecidos moles.

2) NF-1

Este gene sofre mutação na neurofibromatose do tipo I. Atua em comum acor-


do com o oncogene ras, já que o produto do gene NF-1 é uma proteína ativa-
dora de GTPase (GAP). Em sua forma normal, o NF-1 favorece a inativação da
proteína ras, para evitar a transdução do sinal. Com as mutações, esta função
desaparece e ocorre ativação ras não checada.

3) P53

As mutação do p53 (17q13.1) são as alterações genéticas mais comuns nos


cânceres humanos. São encontradas em uma ampla variedade de tumores, in-
cluindo carcinomas de mama, cólon e pulmões. Os pacientes que herdam um
gene p53 mutante têm maior risco de desenvolver vários tumores (síndrome de
Li Fraumeni). Uma função do p53, que pode ser importante na carcinogênese, é
evitar que as células lesadas por agentes mutagênicos dividam-se. A parada da
fase G1 permite que as células reparem a lesão do DNA, e se este processo
falhar, as células sofrem apoptose. Quando o p53 é mutante, não provoca a
parada de G1 e as células com DNA lesado continuam a dividir-se. O acúmulo
de mutações leva à transformação neoplásica. A proteína p53 se liga ao DNA e
exerce seu efeito, em parte, por indução da transcrição de outro gene regula-
dor, cujo produto, uma proteína de 21 Kd liga-se ao complexo ciclina G1/cdk2 e
bloqueia o ciclo.

A p53 é uma proteína policiadora, pois previne a propagação de células danifi-


cadas ou com o genoma incompleto ou defeituoso. Normalmente sua meia-vida
é curta, da ordem de minutos, não sendo essencial para a divisão celular nor-
malmente. Porém, quando há dano celular ela é recrutada por alteração pós-
traducionais que estabiliza a molécula aumentando a sua meia-vida. Isso faz
com que a p53 se acumule e se ligue ao DNA freando o ciclo em G1, no ponto
de início. A intenção do processo é ou fornecer tempo para o reparo do dano ou
então levar a célula para a via apoptótica impedindo que ela propague as suas
alterações. Assim, a p53 inibe as novas mutações, a progressão e formação de
novas mutações. As mutações no gene p53 normalmente são missense. Algu-
mas formas mutantes não só perdem a função, mas também ganham a habili-
dade de se ligar e inativar a p53 normal. Outros produtos importantes sobre os
quais o p53 age é a GADD45 – família de genes de reparo do DNA e mdm2.
4) DCC

Relacionado ao câncer colorretal, é uma proteína transmembrana semelhante à


molécula de adesão. Tem papel é importante na inibição por contato. Mutações
levam à perda dessa propriedade e a célula não sofre esse tipo de inibição.

5) P16

Importante para o controle da divisão celular, relacionado com vários tipos de


tumores, servindo como marcador. Normalmente, bloqueia a ação do CDK4 e 6
e impede a ação da ciclina D. Devido a perda da heterozigose consegue deter-
minar se aquela região cromossômica está perdida.

• GENES QUE REGULAM A APOPTOSE

O gene protótipo deste grupo, bcl-2, evita a morte celular programada ou a-


poptose. É provável que a expressão excessiva de bcl-2 aumente a sobrevida
celular. Além disso, se as células forem geneticamente lesadas continuam a
sofrer mutações adicionais nos oncogenes e nos genes supressores de câncer.
O exemplo mais intenso da expressão excessiva de bcl-2 ocorre nos linfomas
da célula B do tipo folicular. Outros genes também podem influenciar a apopto-
se. O p53 já foi mencionado. Além disso, se as células que portam c-myc não
possuem fatores de crescimento suficientes em seu ambiente, sofrem apopto-
se, que pode ser evitada pela expressão excessiva de bcl-2. Radicais livres de
oxigênio levam a dano letal que estimula a apoptose. Normalmente o bcl-2 dis-
para uma via antioxidante que resgata a célula do processo apoptótico.

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