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2022.2
Apresentação e Introdução:
Eusebéia
Aulas 1, 2 e 3
O Curso
- O que é o rito?
- O mito transpõe o rito ou o rito fundamenta o mito? O que é mais duradouro, o rito ou o mito?
- Finalidades:
- Caráter sobrenatural (adoração) e natural (celebração dos “poderes”, organização social = instituição coletiva);
- O rito ou ritual como sistema comunicativo não-verbal para organizar o real/ domesticar (dar previsibilidade ao
mundo) e superar as ansiedades, isto é, controlar as infinitas incertezas da realidade;
- O ritual como:
- a) marca de ação coletiva que forja identidade e solidariedade em um grupo (x “o outro”, aqueles que não
partilham ou participam do ritual);
- b) demarca uma “comunidade”: local (território) e espiritual (cultura); delimita “o espaco e o tempo sagrado” (x
espaço e tempo profano);
- c) ações sacrificais: o sacrifício, rituais de purificação, libação, oferenda, votos, oração, meditação;
- d) manipulação da realidade (pedido) = magia;
- O que é o sacrifício? “Presentear os deuses”, Platão, Eutifron, 14c SACRIFÍCIO
- Teorias: “do ut des”: barganha, submissão (relação de poder),
domesticação do selvagem, civilização; demarcação de comunidade,
alimentação festiva divina e humana; a perda da experiência viva;
- Na Grécia: separação das esferas humanas e divinas (Hesíodo);
- O sacrifício na Grécia arcaica: o mito de Prometheus;
- O sacrifício animal: limitar a violência, transferência, expiar culpa;
- Ritual paleolítico > caçador, coletor x sedentarismo (agricultura).
- O sacrifício “puro” > dissidentes (órficos, pitagóricos).
Libação,Purificação,Oferenda, Votos
Epicteto, Enchiridion, 31: “Eusebeia: opinião correta acerca dos deuses, seres que existem
e que governam o universo de forma sábia e justa, e aceitar tudo que ocorre, e seguir
diligentemente os seus desígnios, como algo planejado pela mais perfeita inteligência ...
fazer libações, sacrifícios e primícias de acordo com suas posses e sempre de modo diligente”.
Libação: as primícias às Deusas e aos Deuses:
Spendein – vinho, “taça”; choe – para os mortos
> ritual, simpósio: rigidez (fórmulas fixas) e liberdade;
Oferenda / Votos (Euche = oração) : primícias da produção,
situações-limite: doença, viagem, guerra > oração em voz
alta seguida do voto;
Purificação (katharsis, de kathairein, “fumigar” : eliminar miasmas > morte, homicídio,
loucura, doença e culpa > fogo, água, ar, cebola-do-mar
o sacrifício
- A realização do sacrifício: ocasião festiva: procissão, aceitação, desmembramento, cozimento, queima das
gorduras, ossos e carnes;
τί θεός; “O que é um deus?”
Píndaro, fr. 140d Snell/Maehler
- os deuses e o mundo > Teofania (Theós + phanos [phainen]) – “o surgir do divino, a erupção do sagrado”;
- Qual é a relação entre os deuses e o cosmos?
- dar inteligibilidade ao real , i.e., os deuses dão sentido à realidade [caráter cognitivo], organizando-a [caráter ontológico]: diakosmésis;
- * Na Grécia, os deuses NÃO CRIAM O MUNDO (Kosmos), mas organizam a realidade através de diferentes “ordens de eventos”: emanação,
transformação, reprodução, luta, casamento;
- 2) mas o que é um/a Deus/a (“o Divino”) no ambiente espiritual politeísta grego? Politeísmo e Catenoteísmo; Monismo, Monoteísmo e
Panteismo;
- força, potência inconcebível que se manifesta de inúmeras formas: a totalidade da existência é partilhada e vascularizada pelo Divino;
- Físicas: vegetal (fitomorfismo), animal (teriomorfismo), humano (antropomorfismo) ou em seus “domínios” elementais ou abióticos (mar, ar,
terra, sol, raio);
- Culturais: lei, casamento, poesia, música, caça, guerra, técnicas, sacralidade do estrangeiro, o altar, o fogo sagrado doméstico;
- Anímicos-fisiológicos: ex. Afrodite Urânia/Pandêmia - amor, união, sexo e Ares - violência, agressividade, desunião: filha > Harmonia;
- Características:
- Aeviternidade (≠ eternidade e temporalidade) > nascem, mas não morrem (athanatói), com algumas pequenas excessões; a distância do
evento “morte”, mesmo quando o divino se afeiçoa a algum ser humano;
- Não esperam nem ordenam adoração, fé ou devoção, mas se ressentem da “asebéia” (“impiedade/irreverência”) ≠ “eusebéia”, i.e., o não
reconhecimento por parte dos humanos dos “lotes” (moira) dos seres divinos; o problema da “proximidade” com a humanidade
- Amoralidade completa: algumas de suas ações são inconcebíveis e inexplicáveis > Os deuses e a necessidade, o destino: a onsiciência.
Chaves para a leitura do mito
- O que é o mito (mithós) ? Narrativa de origem: Teogonia, Cosmogonia, Politogonia, Antropogonia > dar sentido
e inteligibilidade orgânica ao real ou a eventos relevantes para uma certa comunidade > O divino se
manifestando como Verbo;
- O que o mito quer nos dizer? O que ele nos conta? O que ele significa?
- 1) A linguagem poética (símile, etimologia, metáfora, polissenmia, analogia etc.) x Linguagem logoteórica –
tecno-ciência: racional, argumentativa;
- 2) A performance: poesia cantada ou declamada x o debate pautado pelas técnicas da argumentação
(identidade [A=A], não-contradição [A ≠ B] e terceiro excluído [A é X ou Y]. A importância do discurso mítico
como alternativa poético-meditativa ao discurso hegemônico da técnica;
- 3) A transmissão: oral (aedos, vates, profetas, sacerdotes – autoral, acervo comum ou autor desconhecido) ou
escrita (autoral ou atributiva);
- 4) O sentido – a questão hermenêutica: como interpretar o mito? a) literal, b) alegórica, c) naturalista, d)
metafísica, e) moral, f) soteriológica, g) filológica, h) histórica, i) psicológica;
- Os Mitos órficos: a convergência entre poesia, religião e filosofia > Orfeu e a poesia a ele atribuída (autoria e
atribuição): Píndaro, Eurípedes (no Hipólito), Platão (na República), Aristóteles, Neo-platônicos et al.:
referências esparsas a poemas teogônicos (Papiro de Derveni, Eudemo, Jerônimo e Helânico) e de vários
outros tipos: oráculos, magia, ritos, práticas etc.;
- O orfismo é apresentado, nos textos que lhes são tradicionalmente atribuídos, por um conjunto relativamente
coerente de mitos, ritos e práticas;
Tempo sagrado: procissão (pompe), canto e dança(mousike) e competição (agon)
Oração[Euche,Ara]:(invocatio[v.1-9],pars epica[v.2-16], precatio[v.17-9)
o Templo(Neos)
Altar – Bomos
Estátua / Ágalma: a “presença”.
Religião e Filosofia
- Os deuses dos gregos? Rito e mito numa ortopraxia – as tradições iniciáticas (Orfismo, Elêusis, Dioniso) e o impacto no
pensamento antigo;
- “Concepções pré-filosóficas” e filosofia: as “sabedorias apolíneas e dionisíacas”;
- Mania, as Musas e a filosofia: o Fedro;
- filosofia como projeto anamnético, terapêutico de busca da experiência de unicidade?
- Teologia: amphi théon legein. Xenófanes, DK 21 B 34;
- O escopo do projeto de reflexão:
- “Amigo, os sábios dizem que o Céu e a Terra, os Deuses e os homens estão unidos pela comunidade (koinonia) e amizade
(philia), pela temperança (sophrosyne) e justiça (dike); e é por isso que eles chamam tudo aquilo que existe de
‘bela-ordem’ (kosmos), e não desordem ou intemperança”. Platão. Górgias, 508 a.
- “A essência dos deuses, tal como apareceu para os gregos, é precisamente este aparecimento, entendido como um olhar a
tal ponto compenetrado no ordinário que, atravessando-o e perpassando-o, é o próprio extraordinário o que se expõe na
dimensão do ordinário.” Martin Heidegger, Heráclito, pp. 23-4.
• “o próprio deus deve, no modo em que é deus, corresponder ao ser, isto é, à essência da physis”. Heidegger, Heráclito. P. 187.