Você está na página 1de 5

Endereço da página:

https://novaescola.org.br/conteudo/8889/a-meninada-
nunca-para-quieta

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 274, 04 de Outubro | 2015

Gestão de Sala | Reportagens

“A meninada nunca para


quieta!”
Docentes contam como lidam com pequenos desrespeitos
que tiram qualquer um do sério
Paula Peres
Elisa Meirelles
NOVA ESCOLA

"Fiz um projeto de futebol em que a turma vivenciou a importância das regras


e reviu os combinados de sala. Depois disso, as agressões verbais diminuíram
bastante e todos aprenderam a esperar a vez de falar."
Raul Alves de Souza, professor da EMEB Maria Mercedes de Araújo, em
Itatiba, SP

Andar pela sala, conversar enquanto o professor explica, usar celular em


momentos indevidos, gritar e ser grosseiro com os colegas são exemplos de
pequenas atitudes que atrapalham, e muito, a aprendizagem. Certamente,
você já se deparou com esses problemas em classe. De acordo com a
Pesquisa Internacional de Ensino e Aprendizagem (Talis) 2013, da
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), os
professores brasileiros passam 20% do tempo de aula lidando com a bagunça
dos alunos, enquanto a média internacional é de 13%.

Mas o que fazer para melhorar o convívio em sala? Não há uma receita única,
mas algumas práticas merecem atenção. Conflitos são importantes para o
desenvolvimento da turma, sendo uma oportunidade para trabalhar regras e
valores. Eles não devem ser remediados, mas discutidos.

Os problemas que ocorrem na escola podem ser divididos em dois grandes


grupos: as manifestações perturbadoras e as de caráter violento. Os
exemplos citados no começo deste texto fazem parte do primeiro, e são
chamados de incivilidades, termo usado para nomear pequenos conflitos que
desrespeitam as normas de boa convivência.

Adriana Ramos, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em


Educação Moral (Gepem) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
explica que as intervenções para lidar com as incivilidades têm de fazer parte
do planejamento de gestores e docentes. "É preciso criar um ambiente
cooperativo e amistoso", orienta.

Raul Alves de Souza, professor de Educação Física da EMEB Maria Mercedes


de Araújo, em Itatiba, a 88 quilômetros de São Paulo, incluiu o tema nas aulas
do 6º ano e obteve bons resultados. Os alunos estavam juntos desde o 1º, e a
sala era conhecida por desrespeitar regras e conversar bastante. "Eles
falavam muito durante as aulas, todos ao mesmo tempo, e com frequência
gritavam palavrões uns com os outros."

Souza aproveitou que a turma gostava de futebol e organizou uma sequência


didática sobre a história e o regulamento do esporte. "No início, deixei que
jogassem sem nenhuma regra. Eles tiveram muita dificuldade e as partidas
ficaram violentas." Ao longo das aulas, a turma foi convidada a acrescentar
diretrizes que julgasse válidas. Souza conversou sobre o valor desses
combinados dentro e fora do jogo. Propôs, então, que fizessem uma revisão
das regras de sala. A turma pegou a lista acordada no início do ano e avaliou
quais faziam sentido, as que deveriam ser incluídas e aquelas que não eram
mais necessárias.

De acordo com Adriana, revisitar o regulamento é uma intervenção


importante para mantê-lo válido e para minimizar as incivilidades. "Muitas
escolas criam as regras na primeira semana de aulas e não voltam a elas. Isso
não é suficiente para que sejam cumpridas", explica.

Na escola de Souza, os novos combinados passaram a valer primeiro nas


aulas de Educação Física. Com o diálogo entre os professores, foram sendo
incorporados por todos. Para Telma Vinha, docente da Unicamp e colunista
de NOVA ESCOLA, essa conversa entre as disciplinas é também um ponto
essencial. "Quando cada educador lida de um jeito com os problemas, uma
imagem de incoerência é passada para os alunos."

Conflitos inesperados acontecem

"Vi um aluno falando ao celular em sala, fiquei muito brava e comecei a


discutir na frente da turma. Depois, percebi que a atitude foi errada.
Conversamos, entendi as razões dele e buscamos uma solução."

Elenice Rodrigues Souza e Silva, professora da Escola Projeto Vida, em São


Paulo

Mesmo fazendo ações preventivas, no entanto, conflitos surgem. Elenice


Rodrigues Souza e Silva dava aulas de Língua Portuguesa para turmas de 9º
ano da Escola Projeto Vida, em São Paulo, quando passou por duas situações
emblemáticas.

A primeira está relacionada à utilização de celulares em classe. Depois de


muitas tentativas de acordo com os alunos, a direção optou por proibir o uso
dos aparelhos. Alguns estudantes passaram a brincar com a regra, fingindo
que estavam ligando para que os professores dessem broncas. Um dia,
Elenice pensou que um garoto estava simulando estar ao telefone. "Achei que
fosse só uma provocação. Quando percebi que ele realmente estava falando,
fiquei muito brava e ordenei que desligasse." O menino enfrentou a
professora e disse que não faria isso. Os dois protagonizaram uma intensa
discussão, com ameaças de advertência e gritos. "Ficou uma situação muito
ruim. A sala dividida: alguns queriam que eu exercesse minha autoridade,
outros defendiam o colega."

Quando os ânimos se acalmaram, a docente percebeu que a reação não


tinha sido boa e procurou resolver a questão. "Conversamos em particular e
falei quanto tinha sido ruim a situação para nós dois." Ele, então, explicou que
atendeu porque era uma ligação da mãe dando instruções de como voltar
para casa. Combinamos que a coordenação conversaria com a família para
esclarecer as regras sobre o uso do telefone.

Telma indica que, se o problema é com um único aluno, deve ser resolvido
individualmente, questionando-o sobre o que podem fazer de diferente da
próxima vez. "Caso envolva mais de um estudante, vale elaborar com a turma
um código de boa convivência", sugere. A história de fingir que está no celular
para irritar a professora, por exemplo, poderia ser parte dessa conversa.

A experiência ajudou Elenice a avaliar sua prática. Em um novo conflito,


ocorrido no outro 9º ano em que lecionava, ela reagiu de uma maneira que
considerou melhor. Havia na sala um jovem com características antissociais,
que ficava isolado. A moçada olhava o garoto com estranhamento, havia
embates e os docentes sempre intervinham em prol dele. "Isso irritava a
turma, que via nele um privilegiado", diz.

Um dia, o clima ficou muito ruim e Elenice decidiu prestar atenção no que os
alunos diziam. Ela descobriu, então, que todos estavam revoltados com uma
atitude que o jovem repetia com frequência. Ele era alto, míope e sentava na
primeira carteira. Sempre que o incomodavam, arrumava a postura para
atrapalhar a visão dos demais e impedir que enxergassem o quadro.

A docente resolveu fazer uma roda de conversa para que todos pudessem
falar. A turma reclamou da atitude e o garoto se colocou pela primeira vez,
dizendo que se entristecia com os olhares que recebia. A classe fez alguns
acordos, Elenice ampliou as intervenções, passando a trabalhar filmes e livros
sobre o respeito às individualidades, e a convivência melhorou. Ouvir os
estudantes e buscar entender os conflitos é essencial. "Eles têm de perceber
que alguém presta atenção aos seus incômodos", explica Telma.

Você também pode gostar